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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.7 no.1 Juiz de Fora jun. 2014

 

ARTIGOS

 

O processo de resiliência de brasileiros expatriados na Índia

 

The resilience process of brazilian people expatriated in India

 

 

Laura Alves Scherer1;Ítalo Fernando Minello; Flavia Luciane Scherer; Gilnei Luiz de Moura

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil

 

 


RESUMO

A experiência de expatriação permite ao indivíduo expatriado viver e trabalhar em um país diferente do seu. Ao interagir com o ambiente local podem ocorrer situações distintas das que estava habituado em seu país de origem, que podem ser geradoras de estresse. Surge, então, a capacidade do indivíduo de lidar positivamente com essas situações caracterizando o comportamento resiliente. Com o objetivo de analisar o processo de resiliência de brasileiros expatriados na Índia, este estudo consiste em uma pesquisa qualitativa e exploratória. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com brasileiros na Índia, que foram analisadas sob a técnica de análise de conteúdo. As categorias de análise definidas foram: aspectos fisiológicos, comunicacionais, profissionais e comportamento resiliente. Como resultados, ressalta-se que os fatores estressores estavam relacionados a aspectos pertencentes à cultura do país de expatriação. Dentre as ações que caracterizam o comportamento resiliente destacaram-se: adaptação positiva; aceitação de ajuda e apoio; reflexão; e aprendizagem.

Palavras-chave: Resiliência, Expatriação, Cultura, Brasileiros, Índia


ABSTRACT

The expatriation experience allows the expatriate to live and to work in another country. As the individual interacts with the local environment, there may be different situations from his home country that can be stressful. So, emerge the individual's ability to deal positively with these situations characterizing the resilient behavior. Aiming to analyze the resilience process in Brazilians expatriates in India, this study consists in a qualitative and exploratory research. Semi-structured interviews were conducted with Brazilian expatriates in India, which were analyzed with the technique of content analysis. The analysis categories defined were: physiological aspects, communication aspects, professional aspects and resilient behavior. As a result, it is noteworthy that stressors were related to aspects related to the culture of the expatriation country. Among the actions that characterize the resilient behavior were highlighted: positive adaptation, accepting help and support from family, friends and coworkers, reflection and learning.

Keywords: Resilience, Expatriation, Culture, Brazilians, India


 

 

Introdução

As empresas que decidem operar no mercado internacional, na visão de Floriani (2010), devem desenvolver competências específicas para atender e atuar em um mercado culturalmente diferente. Para isso, são necessários profissionais que possibilitem implantar e gerenciar o empreendimento no exterior, disseminar seu modelo de gestão, sua tecnologia, sua cultura organizacional (Orsi, 2010), dentre outros aspectos. Surge então, a necessidade de as empresas enviarem funcionários que possam viver e trabalhar além de sua fronteira nacional; estes profissionais são chamados por Caligiuri (2000) de expatriados.

Uma vez que o país de destino dos expatriados apresenta traços culturais diferentes do seu país de origem, em nível organizacional e nacional (Hofstede, 1991), aumenta a possibilidade de choques culturais e de comportamentos distintos do seu habitual. Nesse sentido, à medida que os profissionais expatriados e os do país destino começam a interagir, cresce o potencial para o surgimento de conflitos (Freitas, 2000). Essa situação contribui para que o estresse do expatriado ganhe proporções indesejáveis, o que influencia na produtividade e no desempenho da organização.

Na visão de Lazarus e Folkman (1994), o estresse é visto como uma relação particular entre o sujeito e o meio, percebido pela pessoa como um excedente aos recursos que ela dispõe, colocando seu bem-estar em perigo. Nesse contexto, a condição de estressor está intimamente relacionada à percepção que a pessoa tem da situação, da sua interpretação do evento potencialmente gerador de estresse. Dessa forma, de acordo com Minello (2010), a maneira como as pessoas percebem e reagem a situações adversas parece evidenciar a capacidade de resiliência das mesmas; em outras palavras, se a pessoa for frágil, ficará mais vulnerável; se for mais forte e aprender com a experiência, tornar-se-á mais resiliente. A esse respeito, Orsi (2010) evidencia a importância de habilidades resilientes como uma das características que o profissional expatriado necessita para desempenhar suas funções de maneira adequada. Essas habilidades compõem o processo da resiliência que, para Grotberg (2005), consiste na capacidade humana de enfrentar e superar situações de adversidade, saindo fortalecido ou transformado das mesmas.

A partir das ideias acima, o presente artigo tem como objetivo analisar o processo de resiliência de brasileiros expatriados na Índia. Para isso, buscouse identificar os aspectos culturais da vivência profissional e pessoal destes indivíduos fora do seu país de origem, a fim de identificar situações de estresse e sua influência para o surgimento do comportamento resiliente.

A busca pela compreensão do comportamento resiliente do expatriado, oriundo das situações de estresse vivenciadas no processo de expatriação, justifica-se pela possibilidade de contribuição para minimizar os efeitos dessas situações e, consequentemente, para as organizações, que também são afetadas. Além disso, este estudo pode colaborar para a reflexão sobre as estratégias de gestão de pessoas adotadas pelas organizações internacionalizadas, buscando contribuir para o bem-estar dos profissionais no exterior.

A estruturação deste artigo envolve quatro seções. Primeiramente o referencial teórico, dividido em processo de resiliência, expatriação e aspectos culturais e comportamento resiliente na experiência de expatriação; logo após apresenta-se o método de pesquisa e a análise dos resultados; e, por fim, as considerações finais.

 

Processo de Resiliência

Segundo Yunes (2001), o estudo do fenômeno da resiliência vem sendo pesquisado há aproximadamente 40 anos, portanto, é ainda recente nas ciências sociais, tendo seu ponto de partida na Psicologia. Cabe ressaltar os conceitos de Luthar (2000), que define a resiliência como um processo dinâmico em busca de uma adaptação positiva em situações de adversidade ou que potencialmente podem ser geradoras de riscos; o de Rutter (1999) que caracteriza o termo como um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam a pessoa a ter uma vida sadia, embora viva em um ambiente conturbado. Salienta-se ainda a visão de Melilo e Ojeda (2005), que afirmam que o ser humano não nasce resiliente e nem adquire essa competência naturalmente, pois, para os autores, o desenvolvimento da resiliência dependente da interação entre a pessoa e outros seres humanos que as cercam.

A partir dos conceitos evidenciados, adotou-se a definição de Grotberg (2005). Para a autora a resiliência é vista como um processo que consiste em uma capacidade humana universal de lidar com situações de adversidade e de sair fortalecido das mesmas. Nessa definição a autora considera que esse processo envolve fatores de resiliência, comportamentos resilientes e resultados resilientes.

A promoção de fatores resilientes representa o primeiro passo para o processo da resiliência. Estes fatores estão relacionados ao crescimento e ao desenvolvimento humano, incluindo diferenças de identificação da adversidade, definindo suas causas e seus riscos, selecionando o nível e o tipo de resposta adequados; os resultados de resiliência evidencia a aprendizagem do indivíduo, por meio da experiência vivenciada, o respeito pelos outros e por si mesmo, além do reconhecimento da melhoria da qualidade de vida e do sentimento de bem-estar.

Outros atributos, na visão de Ojeda (1997), auxiliam na compreensão do fenômeno resiliência. O autor destaca os pilares da resiliência, os quais foram encontrados em seus estudos com crianças e adolescentes nascidos em meio à pobreza, e considerados resilientes. Estes pilares são apresentados na Tabela 1.

Os pilares da resiliência de Ojeda (1997) interna; o seu surgimento está diretamente parecem estar relacionados aos conceitos relacionado às circunstâncias e às peculiaridades do apresentados anteriormente para o termo ambiente que o envolve, o que significa que o grau resiliência, pois cada um dos pilares representa de resistência varia de acordo com a percepção do uma competência ou capacidade do indivíduo a indivíduo em relação ao meio em que está inserido. lidar com a adversidade, que também pode ser Lazarus e Lazarus (1994) sustentam a ideia de que referida como uma situação estressora. o estresse estimula o surgimento da resiliência. A

Para Rutter (1987), citado por Yunes (2001), a origem do conceito de estresse surgiu no sentido resiliência pode ser considerada como "resistência de aflição e adversidade. Certas demandas e ao estresse", é singular para cada indivíduo em pressões do ambiente em que se vive podem função de que tem como base sua estrutura produzir aflição e situações adversas geradoras de estresse em um número significativo de pessoas, e as diferenças de grupo e individuais podem diferenciar os tipos de reação.

Nesse sentido, as pessoas, assim como os grupos, diferem quanto às suas sensibilidades e vulnerabilidades em relação a certos eventos específicos, bem como em suas interpretações e reações diante de situações adversas (Lazarus & Folkman, 1994), como por exemplo, a experiência de trabalho em outro país com aspectos culturais muito diferentes do seu, como é o caso da Índia para os brasileiros.

 

Expatriação

Caligiuri (2000) define expatriado como o empregado que é enviado pela empresa matriz para viver e trabalhar em outro país por um período de tempo variando de dois a vários anos. Essa definição é frequentemente encontrada em artigos sobre expatriação, no entanto, também são encontrados na literatura conceitos divergentes em relação ao tempo e à iniciativa de trabalhar no exterior. Gialain (2009, p.19), por exemplo, considera o tempo de expatriação mais curto e considera expatriado um "funcionário enviado pela empresa para viver e trabalhar em outro país por um período de tempo acima de seis meses".

O ponto em comum entre as duas definições é que tanto a conceituação de Caligiuri (2000) quanto a de Gialain (2009) correspondem ao que Froese e Peltokorpi (2011) definem como organizational expatriate; que se trata da expatriação tradicional em que o profissional é enviado por uma empresa para uma unidade relacionada em um país estrangeiro para realizar um trabalho específico ou cumprir um objetivo relacionado à organização. No entanto, também se pode encontrar na literatura outro tipo de expatriado, mencionado por Froese e Peltokorpi (2011), chamado pelos autores de self-initiated expatriate; este conceito evidencia em que a opção de trabalhar no exterior é uma iniciativa própria, a fim de buscar desenvolvimento pessoal. Nesse sentido, a decisão de trabalhar no exterior pode partir da empresa, sendo esta uma forma involuntária, quando o funcionário é enviado para uma filial no exterior com o objetivo de cumprir determinadas atividades; ou então pode partir do próprio indivíduo, voluntariamente, quando ele tem interesse e decide buscar uma atividade profissional em outra nação (Machado & Hernandes, 2004).

Com base nas considerações acima, adotou-se para este artigo, a definição de expatriado como sendo aquele profissional que vive e trabalha no exterior por iniciativa própria, ou que foi enviado por uma empresa, por um período acima de seis meses.

Um dos principais compromissos do expatriado é transferir o conhecimento da empresa matriz para a subsidiária. Para Floriani (2010), a transferência do conhecimento é uma das decisões que são consideradas pelas empresas no momento de internacionalização. Nesse sentido, Wang, Tong, Chen e Kim (2009) evidenciam que expatriados com motivação e capacidade de adaptação para transferência do conhecimento melhoraram diretamente o desempenho da subsidiária. Por outro lado, segundo Hofstede (1991) é comum a desistência prematura da expatriação. Para Stahl e Caligiuri (2005), o desejo de querer ficar no país está relacionado à atividade exercida e ao seu tempo de duração. Quanto maior o período que o expatriado sabe que deve permanecer no país anfitrião, mais ele vai procurar se adaptar à cultura e atender às necessidades e exigências para o cumprimento de sua atividade (Stahl & Caligiuri, 2005).

A busca por esse ajustamento parece estar atrelada aos aspectos culturais do ambiente em que o indivíduo está inserido. Nesse sentido, um dos fatores que contribui para a adaptação do profissional expatriado é a compreensão dos traços culturais do país para o qual será enviado em âmbitos organizacional e nacional.

 

Aspectos Culturais e Comportamento Resiliente na Experiência de Expatriação

Segundo Hofstede (1991) cultura é a programação coletiva da mente que distingue os membros de um grupo ou categoria de outros, em que as diferenças culturais manifestam-se de maneiras distintas. Segundo o autor, ainda podem se diferenciar os conceitos de cultura nacional e de cultura organizacional. O primeiro evidencia que as diferenças culturais residem mais nos valores da sociedade, enquanto o segundo enfatiza que estas distinções encontram-se mais nas práticas adotadas pela organização.

Duarte (2002) afirma que existem teorias sobre o relacionamento entre cultura nacional e práticas organizacionais. A teoria da convergência assume que as práticas organizacionais são semelhantes em diferentes culturas nacionais e que as variáveis relativas à nação não influenciam, e a teoria da divergência assume que as práticas organizacionais mudam em diferentes culturas nacionais. No entanto, a visão da teoria da convergência mudou quando se tentou aplicá-la às práticas de organizações ocidentais em organizações não ocidentais; o reflexo disso foi o surgimento de questões relacionadas a diferentes padrões de descentralização e de hierarquia, característicos da singularidade de cada sociedade, assim como aos traços culturais dos funcionários das referidas organizações. Pode-se tomar como exemplo a pesquisa de Beck e Silva (2011) que sinaliza várias incompatibilidades entre o comportamento gerencial de brasileiros em relação ao de indianos, e vice-versa, em uma filial de uma empresa indiana no Brasil. Dentre as principais dificuldades, na percepção dos brasileiros entrevistados, foi o estilo de gerenciar dos indianos que valorizam uma distância hierárquica entre líderes e subordinados, dificultando a sinergia e simpatia nas relações de trabalho, o que consequentemente inibe a abertura para a aprendizagem.

Nesse sentido, Fleury, Khauaja, Dreon, Minello e Sun (2008) ressaltam que os fatores ambientais e socioculturais, as relações no sistema de autoridade, a credibilidade, a reciprocidade, a lealdade à empresa, as políticas e os sistemas financeiros diferem entre países. Este enfoque reforça a teoria da divergência, e amplia o escopo de aspectos influenciadores para atuação da organização em outros países, que não o de origem. Nesta perspectiva, evidencia-se o modelo desenvolvido por Johanson e Valhne (2009), que apresenta a distância psíquica como um dos constructos a serem analisados no momento da internacionalização da empresa. Essa variável é definida como um dos fatores que impedem ou perturbam os fluxos de informação entre a empresa e o mercado, como idioma, hábitos, sistema político, geração de renda, nível educacional de cada mercado, entre outros, que acabam interferindo na escolha do destino dos investimentos (Johanson & Valhne, 2009). A ideia dos autores conceitua e estabelece alguns degraus para a mensuração da distância cultural entre países, mercados, e pessoas ou negociadores.

Na perspectiva de Hofstede (1991) a distância cultural consiste na diferença entre a cultura do país de origem e a do país destino, foco do processo de internacionalização de uma empresa. Nesse sentido, o profissional expatriado se depara com dois grandes desafios - o de iniciar uma atividade em uma nova organização e o de conviver com uma cultura diferente da sua tanto em nível organizacional, como nacional (Machado & Hernandes, 2004). Para Selmer (1999), tarefas que pareciam simples de serem efetuadas tornamse estressantes quando o indivíduo está no ambiente estrangeiro, pois ele tem que lidar com um idioma diferente, práticas de negócios que não são familiares, e maneiras distintas de se relacionar com as pessoas.

A partir desse raciocínio, a integração social pode ser uma estratégia para lidar com essas situações, entretanto, se o expatriado não possui conhecimento suficiente da língua ou competência cultural sobre o país de acolhimento, ele não saberá como lidar adequadamente com as mesmas (Stahl & Caligiuri, 2005). Dessa forma, à medida que o indivíduo aprende sobre o novo ambiente, as necessidades para um desempenho efetivo se tornam mais claras, estimulando o expatriado a mudar sua forma de agir, adquirindo novas competências, ou a mudar a situação para criar uma melhor forma de interação profissional dentro do contexto organizacional (Selmer, 1999).

Frente ao exposto, as diferenças culturais influenciam o comportamento dos expatriados, os quais podem sentir o impacto do choque cultural tanto no ambiente da organização quanto fora dela, o que faz emergir uma situação geradora de estresse. Ressalta-se que, na visão de Grotberg (2005), a mudança de país pode ser uma experiência adversa, visto que o choque cultural, quando atinge proporções exacerbadas, acima da capacidade do expatriado de lidar com tais situações, pode afetar seu comportamento e diminuir seu desempenho profissional. O indivíduo necessita ser capaz, então, de lidar com as diferenças culturais e de se preparar psicologicamente para atuar em outra realidade.

Enfatiza-se, contudo, que no momento em que o estresse é identificado, o indivíduo expatriado busca estratégias para minimizá-lo, as quais representam a maneira com que ele se comporta diante da adversidade originada pela sua percepção sobre a situação que o envolve, caracterizando assim, seu comportamento resiliente.

Orsi (2010) manifestou perspectiva semelhante ao evidenciar a importância de habilidades resilientes como uma das características que o profissional expatriado deve possuir para desempenhar suas funções de maneira adequada e lidar com as diferenças culturais. Isto representa para as empresas e seus gestores um desafio no momento da escolha do profissional, pois além da necessidade de apresentar competências de um profissional global, também deve apresentar proximidade com os fatores de resiliência (Bedani, 2008).

A partir da perspectiva apresentada até então percebe-se que, embora a literatura apresente a resiliência como uma característica importante ao profissional expatriado, ainda não há estudos em profundidade que promovam uma discussão sobre o comportamento resiliente de expatriados diante da experiência de expatriação. No intuito de contribuir para minimizar esta lacuna, o presente artigo propõe uma reflexão sobre o processo da resiliência de expatriados diante da experiência de expatriação; a forma como essa reflexão foi feita caracteriza o método de pesquisa adotado para o processo de resiliência de brasileiros expatriados na Índia, este artigo adota uma abordagem qualitativa, do tipo exploratório. Para Alves (1991), a pesquisa qualitativa parte da premissa que as pessoas agem de acordo com suas crenças, valores, percepções e sentimentos, o que direciona seu comportamento sempre num sentido, não havendo condições de conhecê-lo de imediato, necessitando ser o mesmo revelado. Considerando-se que se busca compreender o fenômeno em questão, e não mensurá-lo, a abordagem qualitativa parece ser coerente em relação ao proposto.

No que se refere ao caráter exploratório, segundo Sampieri, Collado e Lucio (2006), este tipo de estudo busca discutir e avançar no conhecimento sobre temas ainda pouco pesquisados e/ou ainda ampliar estudos já existentes a partir de novas perspectivas. Levandose em consideração o objetivo deste artigo, enfatiza-se que a relação entre os temas resiliência e expatriação ainda é pouco explorada na literatura sobre o tema; o que demostra a adequação deste tipo de pesquisa para o presente estudo.

A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semiestruturadas, a partir de um roteiro de entrevista previamente definido, com seis profissionais brasileiros expatriados na Índia. Para Richardson (2008), os indivíduos participantes da pesquisa são chamados de unidades de análise e é relevante sua identificação com base em critérios previamente estabelecidos. Essa caracterização evidencia a definição de unidades de análise ao invés de amostra, pois não se tem a pretensão de generalização dos resultados e sim a profundidade na análise sobre o comportamento dos referidos expatriados diante do processo de expatriação.

Para se contatar os participantes, utilizou-se uma combinação de técnicas: purposeful sampling e bola de neve. Na visão de Glesne (1990), citado por Eriksson e Kovalainen (2008), para a purposeful sampling é possível utilizar diversas fontes de informação, como por exemplo, as utilizadas neste estudo: redes sociais virtuais e indicações. A partir do contato com o primeiro entrevistado, iniciou-se a técnica da bola de neve, em que o participante indica outras pessoas que se enquadrem nos critérios da pesquisa (Patton, 1990, conforme citado por Eriksson e Kovalainen, 2008). Ao entrar em contato com os participantes, foram explicados os objetivos da pesquisa, como seria realizada a entrevista e o devido cuidado em relação ao sigilo dos participantes. O consentimento de participação dos expatriados se deu por meio de rede social virtual ou e-mail. A partir do aceite dos pesquisados, as entrevistas foram marcadas no dia e horário de sua preferência e realizadas por meio do software Skype, que permitiu o contato em áudio e vídeo com os entrevistados.

Em relação ao roteiro de entrevista, foi elaborado um instrumento dividido em cinco blocos, abordando: a história de vida no Brasil, a experiência de trabalho no Brasil, a vida na Índia, a experiência na empresa da Índia e o processo de resiliência. Para Queiroz (1988) a entrevista semiestruturada é uma técnica de coleta de dados que supõe uma conversação continuada entre informante e pesquisador e que deve ser dirigida por este de acordo com seus objetivos.

Para facilitar a análise dos dados, as perguntas foram elaboradas com o objetivo de instigar o entrevistado a relatar sobre situações vivenciadas durante sua experiência de expatriação que provocaram estresse, o qual se caracteriza como uma premissa para o surgimento do comportamento resiliente, foco deste artigo.

Para a análise dos dados utilizou-se a técnica de Análise de Conteúdo, especificamente a análise categorial, sendo as categorias de análise definidas a posteriori, a partir dos relatos dos entrevistados. Estas categorias foram evidenciadas a partir da proeminência de temas em comum entre as falas dos entrevistados. De acordo com Bardin (2011, p. 48) a análise de conteúdo é:

um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas dessas mensagens).

A seguir, apresenta-se o perfil dos entrevistados e a análise das categorias.

 

Apresentação e Análise dos Resultados

Para a apresentação e análise dos resultados, primeiramente apresenta-se o perfil dos entrevistados, e, posteriormente, as categorias de análise, que foram definidas a partir do surgimento de elementos em comum nos relatos dos entrevistados, e sustentadas à luz da literatura sobre o tema, são elas: aspectos fisiológicos, aspectos comunicacionais, aspectos profissionais e comportamento resiliente.

Perfil dos entrevistados

No que se refere ao perfil das unidades de análise pode-se observar, conforme a Tabela 2, que eles têm sua origem de vários estados do Brasil, sendo dois expatriados do sexo masculino e quatro do feminino, com idade que varia entre 22 e 28 anos.

Todos possuem curso superior completo, experiência profissional no Brasil antes da expatriação. No que se refere à atividade exercida no país de expatriação, a maioria trabalha na com mesma área que já atuava no Brasil, exceto E1 e E4.

Embora os estudos sobre expatriação encontrados na literatura ressaltam a importância da questão familiar, os expatriados entrevistados neste estudo são todos solteiros e foram vivenciar esta experiência na Índia sozinhos.

Quanto à classificação do expatriado apresentada no referencial teórico, apenas E2 e E3 se classificam como organizational expatriate -a empresa-mãe envia o funcionário para uma subsidiária -, e os outros como self-initiated expatriate - a pessoa escolhe ter uma experiência profissional no exterior.

 

Categorias de análise

Aspectos fisiológicos

O contato intercultural é geralmente acompanhado de processos psicológicos e sociais típicos, e o indivíduo estrangeiro normalmente sofre o impacto do choque cultural (Hofstede, 1991), pois irá observar e sentir diferença no fusohorário, na temperatura, na maneira como as pessoas se comportam, se vestem, se comunicam. Esse choque se trata da percepção de uma realidade diferente da sua (Hofstede, 1991), como por exemplo, os primeiros momentos vivenciados pelos expatriados ao chegar à Índia.

Dos seis entrevistados, cinco chegaram à Índia com moradia previamente determinada pela empresa que, comumente é uma casa ou uma guest house (que é um hotel mais simples). Ao chegar nesse local, o impacto mais saliente foi em relação às condições de higiene do banheiro e a restrição de água encanada, como pode ser observado nos trechos das falas de E2, E3 e E4:

E2 - O banheiro era uma coisa horrorosa, eu fiquei assim apavorada. Tinha uma barata que me acompanhou a minha semana inteira, nesta guest house que ninguém matou, tentei matar de todos os jeitos, mas a bicha morou comigo. Comecei a ficar desesperada, não consegui dormir, né, porque assim, eu como mulher, fresca, eu era um pouco fresca, né, eu percebi que a cama não estava com um cheiro muito agradável, hahahaha, e que o banheiro era bem do lado do meu quarto e eu fiquei apavorada com o vaso, que eu estava louca, louca, enlouquecida pra esvaziar um pouco, mas eu não podia, porque o vaso estava imundo e estava muito sujo o banheiro e eu estava louca pra tomar banho.

E3 - Fui pra esse quarto que estava tudo arrumado, já tudo pra mim, só deitei na cama, botei minhas malas lá, apaguei, nem tomei banho, porque o banheiro estava muito sujo, estava muito horrível, né. Eu pensei, bixo, eu prefiro ficar sujo do que entrar nesse... não tinha chuveiro, era um baldinho, uma caneca e um baldinho, assim pra você tomar banho, horrível, né.

E4 - É, as casas, a casa era muito precária e não tinha água na cozinha, a gente tinha que ir no banheiro buscar aaah, tinha muita, muita coisa errada, sabe, eu estranhei um pouquinho no início, banho de balde, esquentava água no fogão, pra botar no balde pra tomar banho mas, assim, não a parte do banho, só, a gente assim até chegou a se mudar, né, quatro vezes.

Outro aspecto bastante evidenciado foi em relação à diferença do tipo de comida e aos hábitos alimentares dos indianos. Foi um choque para E2 observar o modo como as pessoas comiam: "As pessoas comendo com as mãos, aquilo ali pra mim foi o cúmulo do absurdo, eu pensei nossa onde eu estou? As pessoas comem com a mão. Esta dificuldade em reconhecer a cultura do outro país culmina em conflito para o indivíduo (Machado e Hernandes, 2004). Diante disso, podem emergir sentimentos de angústia, impotência e hostilidade face ao novo ambiente (Hofstede, 1991).

Além disso, a cozinha indiana também ocasionou estranheza nos expatriados, por ser diferente da comida brasileira, o que, segundo eles, provocou problemas de saúde. Essa situação encontra respaldo na argumentação de Hofstede (1991), que afirma que imigrantes ou expatriados são comumente afetados por um desequilíbrio físico logo após o seu deslocamento, necessitando de assistência médica imediata. Estas colocações podem ser constatadas nos trechos abaixo:

E1 - Eu passei mal várias vezes, fui pro hospital, emagreci 10 kg, dentre outras coisas, muito stress.

E2 - Aaaah eu fazia miojo todos os dias num fogareirinho, horroroso, e água, eu sofri pra comprar água [...] A primeira comida que comi... gente eu nem sei falar, especificar...nossa, apimentada demais, fui pro hospital, três vezes, com problema no estômago. É muito comum, por sinal. Comi um sanduíche que me fez passar mal depois o dia inteiro, porque tinha massala (pimenta indiana) até dizer chega.. Eu não sabia o que era massala, mas tudo bem. Comprei uma garrafa de água, enfim, consegui beber água hahaha.

E6 - Uma vez que a menina (colega da empresa) foi me fazer um almoço, porque ela queria muito me fazer um almoço, eu passei super mal, mas assim, sem contar as comidas que você passa super mal.

Constata-se nos relatos dos entrevistados que suas reações são reflexos da cultura de seu país de origem. Na visão de Trompenaars (1994), as ações dos indivíduos inseridos em culturas diferentes da sua externalizam o que está no seu subconsciente, sendo que muitas vezes eles comparam seus padrões de comportamento com aqueles adotados em outra cultura e, frequentemente, os questionam por serem diferentes dos seus.

Relacionando-se a influência do choque cultural com o comportamento dos expatriados entrevistados, constata-se que, embora em um primeiro momento seus relatos pareçam relatos de desespero, pode-se perceber a presença do humor diante de tal experiência, que a pessoa passa a tratar de maneira cômica as situações de estresse vivenciadas na experiência de expatriação. Essa atitude representa um dos pilares da resiliência propostos por Ojeda (1997).

Aspectos comunicacionais

A Índia reconhece 22 línguas, das quais o hindi é a mais falada nos centros urbanos. Além delas, existem centenas de dialetos que caracterizam o país como multilíngue. A língua inglesa também é considerada idioma oficial pelo país para fins de trabalho (Índia, 2012). Diante disso, o expatriado se depara com uma mistura de idiomas e dialetos que passa a fazer parte do seu dia-a-dia, o que contribui para o surgimento de dificuldades no seu cotidiano, podendo ser uma fonte geradora de estresse. Hofstede (1991, p.245) afirma que "as diferenças de idioma contribuem para erros de percepção em matéria cultural", sendo assim, para que haja uma compreensão de maneira adequada faz-se necessário que o estrangeiro aprenda a língua do país destino.

Mesmo tendo domínio da língua inglesa, os expatriados tiveram certa dificuldade, principalmente no início da experiência de expatriação, para entender o sotaque do inglês indiano, como pode ser observado nos trechos dos relatos de E1 e E6:

E1 - O primeiro mês que eu fiquei aqui eu não entendia as pessoas, eles falam muito rápido e o sotaque deles é assim, é bem assim, é complicado de entender [...] eu não entendia o que eles falavam. Era uma empresa pequena, daí eu fui trabalhar, quando eu cheguei só tinha indianos nessa empresa, não tinha nenhum outro estrangeiro. Foi bem complicado, demorei pra conseguir me adaptar. Bastante. Mas o meu chefe era bem legal, na época ele me ajudou bastante.

E6 - Ah no comecinho foi bem difícil eu entender o inglês deles, mas eu acabei acostumando, hoje eu digo que falo inglês, falo não, eu entendendo inglês indiano perfeitamente.

Com o passar do tempo, a convivência, a prática e a ajuda de pessoas próximas trouxe a fluência da língua inglesa e a compreensão do sotaque característico do povo indiano. Segundo Machado e Hernandes (2004), há um esforço por parte do expatriado para tentar compreender o contexto em que está inserido. No entanto, nem todas as pessoas nativas têm o domínio do inglês e em algumas situações, como por exemplo, pegar um táxi (rikshaw, em hindi) para se locomover, o hindi era necessário:

E1 - As pessoas não falarem inglês, foi uma das minhas principais preocupações [...] e depois eu cheguei aqui e o pessoal mais pobre não fala inglês, então eu tive que aprender o Hindi, que é a língua deles aqui, uma das linguagens oficiais, pra pra falar com os rickshaws, pra dizer pra onde que eu queria ir e tudo o mais. Essa foi uma das partes muito importantes, assim[...] e eu tive, é, eu tive que correr atrás [...] Fui aprendendo com algumas pessoas do meu trabalho, nos dois trabalhos e também com alguns amigos, com livros também.

E5 - O transporte é difícil e eles têm o rikshaw como um meio muito comum de transporte e é muito fácil porque tem rikshaw em todo o lugar e o acesso até é fácil, mas toda a vez que você pega um rikshaw, você tem que negociar e tal...e você tem que negociar o preço e o cara não fala inglês e você tem que se virar, e aí eu aprendi algumas frases em hindi, mas eu não aprendi a língua não. Então toda a vez que eu saía de casa era uma aventura, isso no início é muito bacana, porque é um desafio, você enfrenta situações superinusitadas e superengraçadas e mais, aí depois você vai se cansando, você não consegue ir em lugar nenhum sem passar por uma.

Em Stahl e Caligiuri (2005), quanto mais próximo culturalmente o país de destino for do país do expatriado e maior for tempo de permanência do mesmo, mais ele estará propício a se adaptar. Pode-se perceber uma semelhança em relação à aprendizagem do hindi pelos expatriados entrevistados nesta pesquisa. Constatou-se que quanto maior tempo que o expatriado sabe que irá permanecer no país de destino, maior sua predisposição em aprender o hindi. Nesse sentido, Hofstede (1991) argumenta que a língua pertence a um nível mais superficial de cultura, no entanto, parece difícil ser bicultural sem ser bilíngue, visto que por meio da compreensão do idioma é possível observar as sutilezas da cultura, como o humor, por exemplo, e, até mesmo, se sentir seguro para participar de situações em grupo e fazer comentários.

Relacionando-se o enfoque apresentado acima com o comportamento resiliente dos expatriados diante das dificuldades comunicacionais, pode-se perceber a presença dos pilares da resiliência de Ojeda (1997), especificamente a iniciativa e a capacidade de relacionar-se. Estas características comportamentais, do gosto pelo desafio em aprender um novo idioma e a capacidade de relacionar-se, são pilares para a sustentação de um comportamento resiliente. A necessidade de aprender o hindi provocou, em alguns entrevistados, a busca por ajuda de colegas de trabalho, do chefe, ou de amigos, o que estimula o processo da resiliência do indivíduo expatriado.

Aspectos profissionais

Maanen (1996) exemplifica uma situação de mudança quando um funcionário tem que ser transferido para outro local de trabalho. A pessoa é submetida a uma transição em que terá que desempenhar o mesmo papel, no entanto, uma simples conduta que lhe era habitual, nesse novo ambiente pode se tornar problemática. Para o autor, esse funcionário será obrigado a modificar seu conhecimento de maneira sutil ou dramática, dependendo de sua percepção sobre a situação em que está inserido. Esta questão pode se tornar mais complexa quando a mudança de local de trabalho é de um país para outro, visto que as peculiaridades da cultura de cada país são distintas, o que pode provocar dissabores nos profissionais expatriados.

Trabalhar no exterior apresenta vários desafios para os indivíduos que vivenciam essa experiência. No caso dos brasileiros expatriados na Índia, manter o mesmo horário de trabalho do Brasil, estando na Índia, sendo que existe uma diferença de oito horas e meia de fuso-horário entre os dois países, representa um desses desafios. Sendo assim, o expatriado na Índia trabalha durante a madrugada para poder manter contato com as empresas do Brasil. Esse é o caso dos entrevistados E1, E2 e E3 e é exemplificado abaixo:

E1 - O que diferencia é o horário, eu trabalho de noite, ééé, não é cansativo, mas o problema é que durante o dia, você perde o dia inteiro o que você dorme, você não consegue acordar, eu não consigo acordar, então eu fico podre, então, até to fazendo um curso aqui, de TI até, tá, tá bem difícil de acordar, às vezes eu não consigo acordar, não vou, eu estou muito cansado.

Para Hofstede (1991), o contato intercultural pode provocar conflitos involuntários. É natural que as pessoas da cultura anfitriã tenham reações psicológicas, que instiguem a curiosidade e a euforia em conhecer um estrangeiro. O relato de E1 ilustra as colocações acima:

E1 - Eles são, eles são um pouco intrometidos, digamos assim, só que pra eles não é visto como ruim, eles não sabem o limite de onde até eles podem perguntar ou alguma coisa assim, ou que eles podem falar, mas isso é cultura deles. Tipo eles querem saber demais: O que você vai fazer amanhã? Que horas você acorda? O que você come? E às vezes, você não está afim de falar. Eu não estou pelo menos, e hoje eles já sabem como eu funciono, mas no começo era assim, então eu tive que mandar.. eu tive que pedir: por gentileza, pára, que isso não é da tua conta.

Nesse sentido, passar a viver no ambiente organizacional requer desenvolver as crenças, princípios e conhecimentos que possam interpretar as experiências na esfera do trabalho. Essas atitudes ajudarão a lidar com os problemas corriqueiros do cotidiano e contribuir para melhorar o relacionamento com os colegas (Maanen, 1996). Compreender as diferenças culturais pode ser traduzido pelas diferentes práticas de trabalho, como foi relatado por todos os expatriados entrevistados, em relação ao ritmo de trabalho dos indianos. Abaixo alguns trechos destes relatos:

E2 - É estressantíssimo, porque você tem que repetir mais de cinco vezes a mesma situação pras pessoas entenderem, e eles, eu não sei se é uma questão de lentidão na parte mental ou se é uma questão de falta de atenção, né, quando a gente fala. Porque eles não entendem de cara. E isso é muito ruim pra quem tem uma vida ativa profissional um pouco diferente.

E3 - Eles tem, acho, total interesse que a gente fique aqui, até porque a gente trabalha bem demais, porque, lá no Brasil, na minha equipe, eram quatro pessoas. Aqui são uns quinze Indianos, entendeu?

E5 - Eu comecei a me adaptar ao ritmo indiano de trabalho que também foi uma diferença, porque é bem, eles são bem menos agitados que a gente. [...] A adaptação maior é na parte de relacionamento com as pessoas, com os colegas e a forma de trabalhar com a cultura tradicional do indiano e da empresa especificamente. Como eu falei, o ritmo é bem diferente, o jeito que eles lidam com a responsabilidade é diferente, as coisas acontecem, eles são responsáveis, mas a forma de lidar é muito diferente.

Outro fato marcante no ambiente de trabalho é a questão hierárquica. Hofstede (1991) fala sobre a distância hierárquica como um grau de aceitação pelos indivíduos com menos poder nas organizações. Este fato pode se refletir no cumprimento das tarefas de acordo com a hierarquia, como por exemplo, cumprir horários. A tarefa para o novato, neste caso o expatriado, é conhecer o conjunto de normas, observar as atividades da organização desse novo contexto e interpretá-las para torná-las significativas (Maanen, 1996). O trecho do relato de E5 retrata essa questão.

E5 - E na Índia, o que eu percebi mais da cultura é que, eles não tinham responsabilidade também, eu marcava reunião as nove e espero que ninguém esteja lá às nove. É as nove e meia e se forem, às vezes, nem vão. Isso vai mudando, quanto mais alto o cargo, mais pontual as pessoas vão ficando [...] Entre indianos, tinha muito essa coisa e uma coisa muito forte, também, é a questão da hierarquia na empresa, eu tinha muito, eu tinha liberdade com o meu chefe, mas a liberdade que eu tinha, era muito mais pela minha cultura pelo que eu achava que seria a relação entre chefe e subordinado e eu tinha uma abertura pra falar o que eu pensava e sugerir as coisas que eu queria, mas depois eu fui vendo que não é bem assim, a hierarquia é muito rígida e pra você chegar no chefão, você tem que passar por todas as outras pessoas que estão entre você e o cara e não pode chegar e falar diretamente. E aqui no Brasil, você tinha um pouco mais de abertura, eu me encaixo no meu cargo, mas se eu precisasse falar, no emprego que eu trabalhei, se eu precisasse falar com o meu chefe grande, eu mesma falava, então lá é uma burocracia assim, uma hierarquia, que é uma coisa meio de.. eu achava que as pessoas são meio coagidas eu achava, é um relacionamento de medo mesmo. Não tanto de respeito como eu diria que seria no Brasil, mas de medo.

Por outro lado, as relações de trabalho são importantes e é necessária a convivência com as diferenças culturais. Os padrões culturais encontrados em uma organização refletem o contexto sociocultural em que os membros estão inseridos (Nunes, Vasconcelos, & Jaussaud, 2008), como pode ser observado no trecho do relato de E3.

E3 - O ambiente é legal, a equipe financeira é legal, tipo, eu já convivia com essas pessoas lá no Rio, algumas delas e aí fica mais assim, aí você vem pra cá é mais tranqüilo [...] o pessoal lá da empres..da equipe mesmo pergunta: Você está precisando de alguma coisa? Tudo tranquilo em casa? Tudo certo? Chega a ser nesse nível de preocupação às vezes, mas o ambiente de trabalho é legal. Só, às vezes, assim, um indiano que não passa desodorante, ou está vencido e é isso aí que dificulta.

Diante do exposto, Carvalho, Borges, Vikan e Hjemdel (2011) afirmam que a adaptação a um novo cargo e/ou a uma nova realidade organizacional perpassa por um processo de socialização que evidencia a importância da resiliência. Relacionando-se este aspecto com os pilares da resiliência de Ojeda (1997), constata-se que a postura de E3 representa um desses pilares, a capacidade de relacionar-se, no momento em que ele considera de maneira positiva sua interação com a equipe e considera o ambiente de trabalho favorável para o desempenho de suas atividades profissionais.

Contudo, esse processo, no momento em que gera dissabores com a atividade e/ou relacionamentos profissionais, bem como em relação aos aspectos culturais, estimulam o surgimento do estresse naqueles que percebem a experiência da expatriação como sendo algo doloroso. A partir disso, o indivíduo busca formas para lidar com a adversidade que essa experiência provocou. A capacidade de lidar com adversidades caracteriza o comportamento resiliente.

Comportamento resiliente

Bergamini (1982) afirma que os problemas e situações desagradáveis ou adversas exigem de cada indivíduo a busca de recursos ou de condições para alcançar soluções mais confortáveis para minimizar as repercussões do processo de ruptura provocado. No entanto, o esforço para alcançar soluções pode provocar desgaste psicológico e culminar na redução da energia psíquica do indivíduo, proporcionando uma pressão interna que consome a energia ou o "tônus vital", gerando apatia, perda de motivação, estresse e depressão. Para Bergamini (1982), a compreensão desse desgaste demanda energia do indivíduo no sentido de superá-lo, visto que quando ele se vê diante de um impasse ou de suma situação de adversidade, reage para livrar-se da situação conflitiva. Nesse momento, o reduto de forças internas é solicitado para gerar possíveis soluções para o impasse, o que promove o desgaste interno ou psicológico. Cada ação do indivíduo diante da adversidade demanda esforço e recursos pessoais a serem utilizados, no entanto, isso não significa que tais recursos se esgotem definitivamente; pelo contrário, eles vão recompondo-se e a cada adversidade superada o indivíduo sente-se fortalecido e mais predisposto a enfrentar novas etapas da vida.

Diante disso, na visão de Grotberg (2005), o comportamento resiliente pressupõe identificar as adversidades definindo suas causas e riscos. Neste artigo, os expatriados entrevistados passaram por diversas situações de adversidade conforme exposto nas categorias aspectos fisiológicos, comunicacionais e profissionais. Analisando o comportamento dos entrevistados, por meio de seus relatos, pode-se dizer que as situações vivenciadas por eles passaram por um processo dinâmico, resultando em uma adaptação positiva. Esse resultado encontra respaldo na definição de Luthar (2000) que define a resiliência como um processo dinâmico em busca de uma adaptação positiva em situações adversas, ou potencialmente geradoras de risco. O trecho do relato de E1 exemplifica as colocações acima:

E1 - Então eu tinha que ter muita paciência e muita abertura e eu acho que é essencial pra você gostar da Índia, pra você conseguir enxergar além do que você está vendo ali de concreto, você tem que enxergar além do lixo, além da pobreza, além da poeira, porque tem coisas muito bonitas ali, coisas muito diferentes [..] O maior impacto foi a questão de abrir a cabeça pra coisas diferentes, você vê que, formas diferentes de pensar, formas diferentes de desenvolver economia, formas diferentes de fazer coisas pequenas no dia a dia. Então isso muda a sua forma de ver o mundo e rever meus valores e rever como eu penso sobre o mundo, enfim e isso reflete nas minhas atitudes hoje em dia, tanto como profissional, tanto como pessoa. Eu acho que, o que eu conheci, o que eu vivi, o que eu tive que me adaptar, isso ninguém tira de mim e até é difícil de explicar como é que é, mas eu tenho nítida consciência disso, da pessoa que eu era quando fui, e da pessoa que sou agora.

Nesse sentido, de acordo com Melilo e Ojeda (2005), a resiliência depende das interações com as pessoas. A família e as redes sociais também possuem papel importante na construção de uma resiliência mais efetiva. Relações interpessoais estáveis proporcionam uma importante fonte de apoio emocional, assim como o apoio social da comunidade em geral também pode servir como um alicerce para a resiliência (Wagnild & Young, 1993). Na visão de Infante (2005), os atributos individuais, os aspectos da família e as características dos ambientes sociais de que os indivíduos fazem parte podem ser considerados como fatores que estimulam o processo da resiliência ou como fatores de risco, caso a interação entre esses fatores não seja adequada. A seguir são apresentados alguns trechos dos relatos dos entrevistados que denotam a importância do apoio externo na experiência de expatriação.

E1 - Você sabe que tem gente, pessoas legais, eu conheci pessoas maravilhosas aqui. Fiz, fiz grandes amigos aqui, ééé, que eu faço questão até de manter assim, principalmente, tanto indianos quanto estrangeiros [...] A internet, graças a Deus, a gente consegue se falar, tipo lá na empresa eu posso ligar de graça também, pra minha família, então eu ligo praticamente, sei lá, quase todos os dias, pra minha mãe, pra minha irmã, pra alguns amigos [...] Às vezes é, tem reuniões de time, ééé, daí eles levam a gente pra jantar, e daí tem, por exemplo, tem uma janta só de tradutores, uma janta só do pessoal de suprimentos outros só de finanças e tal, daí, mas é só isso que eles fazem assim. E daí hoje eu estou tranquilo, hoje eu estou tranquilo. Eu tenho até, esse é um dos melhores amigos da empresa, ele me ensina todo dia, ele me ensina Hindi.

E2 - A gente se ajuda, né, num contexto todo, a gente se ajuda lá, mas os nossos trabalhos são bem diferentes. Então não tem como ajudar muito na parte profissional, entendeu? Mais na parte pessoal mesmo e outros fatores.

De acordo com Coutu (2002), uma das características do comportamento resiliente é a firme aceitação da realidade, uma crença profunda, geralmente apoiada em valores fortemente sustentados, de que a vida é importante e significativa. Isso sugere que o comportamento resiliente está relacionado à habilidade de perceber a realidade a partir do estabelecimento de significados para a situação adversa. Dessa forma, o indivíduo transcende do papel de vítima da situação para o de aprendiz, aproveitando a adversidade para desenvolver-se e aprender com os acontecimentos e situações de crise.

Essa perspectiva sugere que as experiências vivenciadas permitem ao indivíduo reavaliar o seu comportamento, refletir sobre o que aconteceu e perceber uma aprendizagem (Grotberg, 2005). Isso pode ser verificado nos trechos dos relatos de todos os entrevistados, uns com mais intensidade, outros com menos, mas todos demonstraram a satisfação que estavam sentindo em vivenciar a experiência de expatriação.

E2 - O limite da paciência está dentro de mim agora. Eu acho que eu pude encontrar o meu eu paciente, no limite, ãã eu sou menos fresca, eu sou mais, ããã respeito agora mais a cultura, eu era um pouco preconceituosa, né, por conta de alguns fatores, né, fatores escrotos, ridículos, mas, eu, eu, eu, hoje, consigo entender a cultura e respeitar bastante, até mesmo o cheiro das pessoas.

E3 - é cada coisa que você passa que serve tudo de lição e experiência, vale a pena. Na hora você fica puto, mas depois você lembra, pô, foi engraçado, foi legal. Você dá risada depois.

E4 - Assim, eu acho que dá pra dividir a minha vida, assim, em antes e depois da Índia, tanto pela, por essa questão de eu ter que viver sozinha, me virar sozinha, quanto pelas coisas que eu aprendi, assim do tipo de, ai complicado né, eu acho que quando a gente está num lugar assim, onde tanta coisa não faz sentido, a gente começa a se questionar ponto a ponto, e eu acho que eu conheci muito mais de mim por causa desse tempo que eu passei lá.

Por meio dos relatos, pode-se perceber a presença dos pilares da resiliência de Ojeda (1997) como a introspecção, em que o indivíduo questiona a si mesmo e é sincero a ponto de reavaliar seus conceitos, e a independência, que neste caso significa não cair no isolamento, o que culmina na capacidade de relacionar-se, como pode ser observado pela formação de laços de amizade com colegas de trabalho e até mesmo o afeto de pessoas da família que estão longe. Nesse sentido, constatase que os entrevistados passaram por um processo em que saíram fortalecidos, ao lidar com as situações de adversidade encontradas na experiência de expatriação. Esta constatação coaduna com a definição de resiliência como um processo de Grotberg (2005), que resulta na aprendizagem do indivíduo em função da melhoria de sua qualidade de vida e de sentimento de bem-estar em relação aos outros e a si mesmo.

 

Considerações Finais

Resgatando o objetivo da pesquisa realizada - analisar o processo de resiliência de brasileiros expatriados na Índia - pode-se dizer que o objetivo foi alcançado, pois foi possível perceber que os expatriados entrevistados passaram por um processo de resiliência, visto que eles souberam lidar positivamente com as situações estressoras provocadas pela experiência de expatriação e, hoje, sentem-se mais seguros e fortalecidos.

Como resultados, pode-se ressaltar que os fatores estressores, salientados pelos expatriados, estavam relacionados a aspectos pertencentes à cultura do país de expatriação, a Índia. Mais especificamente, na primeira categoria - "aspectos fisiológicos" -, ficou evidente o impacto do choque cultural sobre o comportamento dos entrevistados, caracterizando-o como estressor. A sujeira do banheiro, tomar banho em balde, a comida apimentada e o fato de passar mal fisicamente foram acontecimentos que contribuíram para esse choque, impactando na vida dos expatriados, e provocaram reações de revolta, pois estes eventos não eram típicos de sua cultura de origem.

Na categoria "aspectos comunicacionais" verificou-se que os expatriados vivenciaram situações de estresse em relação à compreensão do sotaque do inglês falado pelos indianos, e mais ainda em se comunicar em hindi com pessoas que não eram fluentes na língua inglesa. No entanto, isso foi superado com o tempo, em função da ajuda dos colegas de trabalho, de amigos, e da força de vontade em querer aprender.

Em relação aos "aspectos profissionais", terceira categoria de análise, os expatriados passaram por momentos de estresse ao tentar se adaptar às diferenças de fuso-horário, e ao se deparar com certos comportamentos de colegas de trabalho indianos apresentavam uma postura que ia de encontro com os padrões aceitáveis na cultura brasileira. Um exemplo disso é o tempo para desenvolver certas atividades e o tipo de tratamento hierárquico. Nesse sentido, salienta-se que situações de estresse na atividade profissional são comuns, ainda mais considerando-se as peculiaridades culturais de outro país. Mesmo assim, depois de um tempo de convívio, os problemas de relacionamento começaram a minimizar, e os entrevistados já veem de uma forma positiva o ambiente e a equipe de trabalho.

A capacidade de lidar com essas adversidades caracteriza o processo de resiliência vivenciado pelos expatriados. Dentre as ações que caracterizam o comportamento resiliente destacaram-se: a adaptação positiva; a aceitação de ajuda e apoio da família, amigos e colegas de trabalho; a reflexão sobre os acontecimentos; e, a aprendizagem. Além disso, pode-se perceber na fala dos entrevistados características comportamentais embasadas nos pilares da resiliência de Ojeda (1997), como a introspecção, a independência, a capacidade de relacionar-se, a iniciativa e o humor. Esses indicadores mostram que os expatriados souberam lidar com as situações de estresse e saíram fortalecidos dessa experiência.

As diferenças culturais necessitam ser observadas previamente pelos gestores da empresa, o que poderia minimizar as situações de estresse e os momentos de angústia, medo ou irritação dos expatriados. Desse modo, os resultados esperados pela empresa poderiam ser alcançados de maneira mais rápida, sem comprometer a saúde física e psicológica do expatriado. Por outro lado, a adaptação cultural e a capacidade do indivíduo de lidar com as adversidades geradas pela experiência de expatriação, as quais caracterizam o comportamento resiliente, podem variar de um indivíduo para outro e evidencia a necessidade de preparação desses profissionais.

Como limitações, apresenta-se o fato a não generalização dos resultados, por se tratar de uma pesquisa qualitativa, que teve como foco o estudo em um país emergente, a Índia. Para estudos futuros sugere-se ampliar o escopo de análise para outros países, e até mesmo desenvolver uma pesquisa quantitativa sobre o tema em questão.

 

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Recebido em: 30/10/12
Aceito em: 02/05/13

 

 

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