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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versão On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.10 no.1 Belo Horizonte jun. 2017
Artigo
O impacto dos comportamentos sociais acadêmicos nas habilidades sociais de estudantes
The impact of academic social behavior in students’ social skills
Adriana Benevides Soares1; Reivani Chisté Zanotelli Buscacio2; Alexandra Melo Fernandes3; Humberto Claudio Passeri Medeiros4; Marcia Cristina Monteiro5
1 Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), adribenevides@gmail.com
2 Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), reivani@gmail.com
3 Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), lezinha2@hotmail.com
4 Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), hcpasseri@gmail.com
5 Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), marcia_lauria@yahoo.com.br
RESUMO
O estudo avaliou o impacto dos comportamentos sociais acadêmicos nas habilidades sociais de estudantes universitários. Participaram 289 estudantes de instituições públicas e privadas, de 42 cursos, idades entre 17 e 61 anos (M = 26,73 e DP= 8,57). Utilizou-se o Inventário de Habilidades Sociais (IHS) e o Inventário de Comportamentos Sociais Acadêmicos (ICSA). Alunos que desenvolveram comportamentos sociais acadêmicos adequados apresentaram bom repertório de habilidades sociais, e alunos de instituições públicas apresentaram maior autocontrole emocional. Todos os fatores do ICSA impactaram sobre fatores do IHS, embora com baixa variância explicada nos fatores Exposição a Desconhecidos e Situações Novas. Essa relação indica que os construtos oferecem importantes elementos na compreensão de como os estudantes vivenciam as exigências do contexto universitário e sua resposta diante dessas exigências.
Palavras-chave: Comportamentos acadêmicos; habilidades sociais; estudantes universitários.
ABSTRACT
This study evaluates the impact of social behavior on academic students’ social skills. Study participants were 289 universities students from public and private institutions, enrolled in 42 courses and ages between 17 and 61 years (M = 26.73, SD = 8.57). The Social Skills Inventory (SSI) and the Social Academic Behavior Inventory (SABI) were the instruments used. Students that developed appropriate social academic behaviors had good social skills; students from public institutions had greater emotional self-control. All SABI factors impacted on SSI factors, although with low explained variance in Self-exposure to unknown people and new situations factors. This ratio indicates that, although with low explained variance, these constructs provide important elements in understanding the requirements of the University in relation to the student and his response on these requirements.
Keywords: Social behaviors; social skills; college students.
Introdução
Se para algumas pessoas a entrada e a permanência na universidade parecem ser um processo simples e tranquilo, para muitas outras essa transição apresenta-se de maneira bastante desconfortável, interferindo em sua adaptação ao novo ambiente. Os estudantes, ao entrarem no Ensino Superior, podem passar por dificuldades com variados graus de importância: o afinamento vocacional com o curso, o afastamento do núcleo familiar, o sustento próprio e familiar, dentre outros tantos percalços que podem determinar a sua permanência no ambiente acadêmico. De acordo com Basso, Graf, Lima, Schmidt e Bardagi (2013), a adaptação e o sucesso na universidade não estão apenas relacionados aos aspectos curriculares, mas à forma como o estudante desenvolve e significa as relações interpessoais construídas no contexto acadêmico.
A escolha da profissão não é o único fator que explica a dificuldade que o estudante poderá ter ao longo da sua vida acadêmica. O contexto universitário exige daquele que nele ingressa comportamentos sociais acadêmicos e habilidades interpessoais para um maior envolvimento e uma melhor adaptação a essa nova realidade (Bolsoni-Silva, 2009; Bolsoni-Silva, Loureiro, Rosa, & Oliveira, 2010; Soares, Mourão, & Mello, 2011). A literatura destaca que a adaptação dos alunos implica o desenvolvimento de comportamentos mais adequados, como a integração acadêmica e social, melhorando a participação em atividades sociais e desenvolvendo relações interpessoais satisfatórias, gerenciando sua própria vida frente aos desafios encontrados no contexto universitário (Teixeira, Dias, Wottrich, & Oliveira, 2008; Basso et al., 2013).
Entende-se que os comportamentos sociais acadêmicos se referem à forma como o estudante vai se integrar academicamente ao Ensino Superior cumprindo cronogramas e tarefas estabelecidas com responsabilidade e autonomia, gerindo novas amizades e relacionamentos com a comunidade universitária (Soares et al., 2011). Para apresentar tais comportamentos, os estudantes devem investir seu esforço no crescimento pessoal, adquirindo maior responsabilidade para lidar com as exigências pessoais e acadêmicas (Teixeira et al., 2008). Os autores apontam ainda que esse investimento pode exigir dos jovens uma grande mobilização interna, pois os alunos devem desenvolver recursos próprios para administrar a vida acadêmica. Antes, eram monitorados pelo sistema escolar, que cobrava as tarefas e detinha parte da responsabilidade pelo aprendizado. Agora, a formação depende muito mais da autonomia pessoal do que do ambiente universitário.
Embora os recursos pessoais tenham um “peso” significativo na adaptação do estudante a essa nova realidade, esse não é o único fator a ser levado em consideração quando se pensa em comportamentos que contribuam para o seu sucesso acadêmico. Estudos sinalizam que as demandas próprias do contexto universitário são mais bem administradas quando os estudantes apresentam um bom repertório de habilidades sociais (HS), tais como expressar opiniões em público, receber e fazer críticas e lidar com professores, gestores e funcionários (Soares, Poubel, & Mello, 2009; Cuadra-Peralta, Fuentes-Soto, Madueño-Soza, Veloso-Besio, & Meneses, 2012; Gomes & Soares, 2013; Hernández, 2013; Soares et al., 2014). Segundo A. Del Prette e Del Prette (2010), “habilidades sociais são comportamentos que contribuem para a competência social em uma tarefa de interação social” (p. 106). A competência social, por sua vez, refere-se a um construto de cunho avaliativo que indica o quanto um determinado comportamento social é adequado ou funcional (A. Del Prette & Del Prette, 2010).
Familiarizar-se com uma nova situação é uma competência social importante que indica um comportamento social habilidoso frente às novas situações (Edmondson, 2007). Para desenvolvê-la, é necessário um investimento por parte do sujeito no contexto universitário. Para Caballo (1997), a comunicação está relacionada ao desenvolvimento de outras habilidades sociais, e sua ocorrência está vinculada ao fato de as pessoas estabelecerem alguma forma de interação social. Z. Del Prette e Del Prette (2005) destacam a importância da comunicação, reconhecida como habilidade social em diversos contextos e situações e presente em comportamentos relevantes para o universitário, como fazer e responder perguntas, fazer elogios e iniciar conversação com novos colegas de turma. Tais comportamentos podem ser considerados essenciais, e os estudantes devem desenvolvê-los para aumentar suas chances de interação social não somente no contexto acadêmico, mas também nas relações pessoais e profissionais futuras. Assim, iniciar e manter conversas com colegas na universidade são tarefas sociais importantes para que os alunos possam vivenciar a rotina acadêmica de forma satisfatória.
As habilidades sociais contribuem com a forma mais adequada de as pessoas se relacionarem. Estudos sinalizam que indivíduos socialmente competentes são pessoas mais saudáveis e produtivas, pois conseguem lidar melhor com críticas expressando-se de forma mais assertiva e empática (A. Del Prette & Del Prette, 2003; Couto, Vandenberghe, Tavares, & Silva, 2012). No estudo de Couto et al. (2012) com 542 universitários e utilizando o Inventário de Habilidade Sociais e o Checklist de Relações Interpessoais - II, os autores concluíram que as habilidades sociais têm correlações positivas com as respostas amigáveis e negativas com as hostis e submissas.
Habilidades sociais podem auxiliar, segundo Bolsoni-Silva e Loureiro (2014), na diminuição de estados de ansiedade social, considerados inibidores de relacionamentos interpessoais satisfatórios. Dados da pesquisa, realizada por essas autoras, com 288 estudantes universitários revelaram que um bom repertório de habilidades sociais pode melhorar as competências sociais desses estudantes e que a ausência dele, por sua vez, pode indicar dificuldade de adaptação desses jovens nas diferentes interações sociais.
De modo geral, as tarefas e as situações que os jovens enfrentarão na universidade, diferente do Ensino Médio, exigem dos ingressantes uma adaptação à nova rotina, mobilizando-os a aprenderem a lidar com situações que são específicas desse contexto, tais como organizar horários de estudo, cumprir cronogramas, coordenar os diferentes conteúdos das disciplinas do curso, entre outros aspectos. Soares et al. (2009) mostram a importância de um bom repertório de habilidades sociais para uma melhor adaptação do jovem ao contexto universitário, haja vista que alunos que têm um bom repertório de HS se comportam de forma mais assertiva no relacionamento interpessoal com superiores e/ou seus pares (Murta, 2005; Tavares, Couto, & Silva, 2012). As HS contribuem para uma melhor adaptação acadêmica, pois o ingresso e a estada do jovem na universidade são considerados momentos da vida do estudante que exigem comportamentos sociais habilidosos (Bolsoni-Silva, 2009; Bueno, Lemos, & Tomé, 2004). Consequentemente, pode-se pressupor que um baixo repertório de comportamentos sociais acadêmicos e déficits em HS no contexto universitário podem prejudicar a permanência dos alunos na instituição frente aos novos desafios que ele encontrará.
Pellegrini, Calais e Salgado (2012) focam com mais especificidade as relações entre comportamentos sociais acadêmicos e as HS. Os autores investigaram o gerenciamento do tempo e do estresse em 83 universitários dos cursos de Biologia, Engenharia Civil e Psicologia do primeiro ano em uma universidade pública de São Paulo. Perceberam que a maioria dos estudantes obteve escores baixos em habilidades sociais e administrou mal o seu tempo. Assim, os autores inferiram que déficits em habilidades sociais e a má administração do tempo estão associados, ou seja, prejuízos nas habilidades sociais podem estar relacionados com problemas nos comportamentos sociais acadêmicos. Nesse sentido, Sarriera, Paradiso, Schütz e Howes (2012) realizaram uma pesquisa com 273 estudantes de Psicologia de três instituições para comparar o processo de integração ao contexto acadêmico. Utilizaram o Questionário de Dados Biossociodemográficos e o Questionário de Vivências Acadêmicas – Versão Reduzida (QVA-r). O estudo destacou a necessidade de as instituições observarem a forma como os alunos gerenciam e organizam o tempo para a realização de tarefas e avaliações, principalmente aqueles que exercem outras atividades além das acadêmicas, com ou sem remuneração.
Em estudo realizado por Furtado, Falcone e Clark (2003) com estudantes de Medicina, verificou-se que algumas situações acadêmicas se apresentam como estressoras para o aluno ao longo do curso, tais como a excessiva quantidade de matéria e de provas orais e escritas. Segundo as autoras, somado a outros elementos pertinentes ao âmbito acadêmico, os alunos que não apresentavam um repertório de habilidades sociais adequado vivenciavam com mais frequência situações de estresse. Em outro estudo, realizado no mesmo período, Bandeira e Quaglia (2005) sinalizaram que as habilidades sociais não estão relacionadas apenas aos aspectos do desempenho acadêmico do aluno, mas também e principalmente ao bem-estar psicológico do mesmo.
Como pôde ser observado na literatura, os estudos citados ressaltam algumas relações entre as HS e comportamentos sociais acadêmicos na vida estudantil dos jovens ingressantes. Porém, não indicam o quanto desses comportamentos pode explicar das HS. Dessa forma, o objetivo deste estudo é investigar se comportamentos sociais acadêmicos e o tipo de instituição (pública ou privada) são preditores das habilidades sociais.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa 289 estudantes universitários de oito instituições públicas e 20 privadas, matriculados em 42 cursos, sendo dois da área de Artes (4,76%) (Letras e Design de Moda), um da área de Ciências Agrárias (2,38%) (Veterinária), duas da área de Ciências Biológicas (4,76%) (Biologia e Radiologia), sete da área de Ciências da Saúde (16,67%) (Enfermagem, Medicina, Farmácia, Nutrição, Educação Física, Fisioterapia e Odontologia), oito da área de Ciências Exatas e da Terra (19,05%) (Análise de Sistemas, Estatística, Matemática, Ciências da Computação, Ciências em Matemática, Sistemas de Informação, Química e Técnico em Informática), seis da área de Ciências Humanas (14,29%) (Pedagogia, História, Filosofia, Teologia, Psicologia e Relações Internacionais), treze da área de Ciências Sociais Aplicadas (30,95%) (Serviço Social, Direito, Biblioteconomia, Jornalismo, Arquivologia, Comunicação Visual, Publicidade, Administração, Ciências Contábeis, Marketing, Turismo, Recursos Humanos e Desenho Industrial), um da área de Engenharias (2,38%) (Engenharia) e duas enquadradas como Outras Áreas (4,76%) (Segurança Pública e Ciências Atuariais). Trinta e cinco alunos eram do 1º período (12,3%), 51 do 2º (17,9%), 28 do 3º (9,8%), 48 do 4º (16,8%), 30 do 5º (10,5%), 30 do 6º (10,5%), 21 do 7º (7,4%) e 42 do 8º em diante (14,9%), sendo 159 do sexo masculino (55%), com idade variando entre 17 e 61 anos (M= 26,73, DP= 8,57 anos). Os participantes pertenciam 41 à classe social A (14,3%), 143 à B (49,8%), 94 à C (32,8%) e 9 à D (3,1%), 231 eram solteiros (81,3%), 45 casados (15,8%), sete divorciados (2,5%) e um declarou-se com outro estado civil (0,3%).
Instrumentos
Inventário de Habilidades Sociais – IHS. O IHS-Del Prette é um instrumento avaliativo de autorrelato que foi construído e validado por Z. Del Prette e Del Prette (2001), levando-se em consideração a realidade brasileira. Possui uma aplicação simples e seu objetivo é avaliar as habilidades sociais dos indivíduos em diferentes situações, como trabalho, escola, família. É um instrumento na forma de questionário contendo 38 itens. É formado por um caderno de perguntas e uma folha de respostas. Em sua primeira página, há instruções sobre seu funcionamento, os itens expressam diferentes situações sociais e as possíveis reações dos indivíduos frente às situações que envolvem o seu dia a dia. Na folha de respostas, há uma escala do tipo Likert que varia de 0, com o significado de nunca ou raramente (em cada dez situações desse tipo, respondo dessa maneira no máximo duas vezes), a quatro, com o significado de sempre ou quase sempre (em cada dez situações como essa, reajo dessa maneira de nove a dez vezes). A aplicação do instrumento pode ser realizada de forma coletiva ou individual. O inventário avalia cinco fatores específicos: F1 – Enfrentamento e Autoafirmação com Risco [refere-se à autoafirmação independentemente do posicionamento do interlocutor (alfa de Cronbach de 0,96)]; F2 – Autoexposição na Expressão de Afeto Positivo [revela situações de demandas de autoafirmação nas expressões de afetos positivos (α = 0,86)]; F3 – Conversação e Desenvoltura Social [mostra circunstâncias em que é preciso saber lidar bem com situações sociais neutras (α = 0,81)]; F4 – Autoexposição a Desconhecidos ou a Situações Novas [apresenta ocasiões em que ocorrem demandas de enfrentamento a situações inusitadas (α = 0,75)]; F5 – Autocontrole da Agressividade em Situações Aversivas [abrange maneiras como o sujeito vai se portar perante agressão (α = 0,74)]. Na análise de consistência interna do IHS, foi obtido um coeficiente alfa de Cronbach de 0,75.
Inventário de Comportamentos Sociais Acadêmicos – ICSA. O ICSA é um instrumento avaliativo de autorrelato que foi construído no Brasil por Soares et al. (2011). De aplicação simples, o ICSA avalia as habilidades e os comportamentos sociais no contexto universitário. A análise preliminar realizada acerca do instrumento indicou bons resultados psicométricos referentes a sua validade de construto, através da análise fatorial exploratória e apresentando índices de precisão satisfatórios. É um instrumento na forma de questionário contendo 34 itens e formado por um caderno de perguntas e uma folha de respostas. No caderno de perguntas, estão informações necessárias para que o estudante universitário possa de maneira simples responder ao inventário, marcando na folha de respostas a opção que mais se aproxima da frequência com que se exerce determinado comportamento. Na folha de respostas, há uma escala tipo Likert que varia de 1 com o significado de nunca, 2 com significando de raramente, 3 como metade das vezes, 4 enquanto frequentemente e 5 com o significado de sempre. A aplicação do instrumento pode ser realizada de maneira coletiva ou individual. O inventário contém seis escores relacionados aos comportamentos acadêmico-socais em universitários, e as seis subescalas representam características multidimensionais das relações interpessoais habilidosas no ambiente universitário: F1 – Comportamento Adequado em Sala de Aula [identifica comportamentos que promovem o aprendizado em sala de aula (alfa de Cronbach de 0,73)]; F2 – Comportamento Indisciplinado em Sala de Aula [refere-se a comportamentos inadequados para sala de aula (α = 0,81)]; F3 – Cordialidade no Relacionamento Interpessoal [revela amabilidade nas relações com colegas e demais pessoas (α = 0,77)]; F4 – Desrespeito a Professores e Colegas [refere-se a comportamentos grosseiros e arrogantes (α = 0,59)]; F5 – Autoexposição e Assertividade [revela a exposição e a conservação de ideias e posicionamentos (α = 0,66)] e F6 – Comportamento de Eficácia Acadêmica [refere-se a comportamentos que promovem o sucesso acadêmico (α = 0,60)].
Procedimentos éticos
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que informava os objetivos da pesquisa e as regras de preservação do anonimato.
Procedimentos de análise de dados
Os dados foram analisados por meio do programa SPSS 20.0. Foram realizadas análises de regressão com o método Stepwise Backward, no qual todas as variáveis entram no modelo ao mesmo tempo, mas permanecem apenas as que atenderem aos critérios de adequabilidade do modelo. Nesse sentido, foram adotados critérios tendo-se como modelo adequado aquele cujo teste F (modelo) e os testes t (parâmetros) atingiram o nível de significância p<0,05. As variáveis explicativas (independentes) são as dimensões do ICSA e a instituição. As variáveis dependentes são os fatores do IHS.
Resultados
Conforme a Tabela 1, os fatores Desrespeito a Professores e Colegas, Habilidade em Sala de Aula, Autoexposição e Assertividade e Eficácia Acadêmica explicam 10% da variância do fator Enfrentamento e Autoafirmação com Risco. Isso pressupõe que alunos que se expõem mais, apresentando comportamentos como questionar práticas docentes, falar em público e solicitar mudança de comportamento dos colegas, precisam aprender a fazê-lo de maneira assertiva, com maior probabilidade de expressar sentimentos e desejos de forma honesta e apropriada, sem transgredir o direito do outro. Além disso, são capazes de comportamentos como adaptar-se à instituição escolar, adquirir novos conhecimentos, compreender o conteúdo ensinado e ter eficácia nos resultados.
O fator Autoexposição e Assertividade explicou 10% do fator Autoafirmação na Expressão de Sentimento Positivo. Comportamentos assertivos, como saber expressar opiniões, negar pedidos, solicitar ajuda e falar em público, podem envolver risco de reação indesejada por parte do interlocutor, pois expressam de forma transparente sentimentos, ideias e opiniões que podem ser interpretados como inconvenientes para o contexto. Dessa forma, os comportamentos precisam ser explicitados de maneira assertiva, refletindo segurança e determinação.
O fator Autoexposição e Assertividade explicou 3% da variância do fator Conversação e Desenvoltura Social, apresentado na Tabela 3. Dessa forma, alunos que se expõem mais e são mais assertivos, apresentando comportamentos como expressar e se manter firme em sua opinião, negar pedidos, solicitar ajuda quando necessário, ter capacidade de resolver problemas e falar em público, têm maior probabilidade de apresentar comportamentos relacionados à conversação e à desenvoltura social, tais como manter ou encerrar uma conversação pessoalmente ou por telefone, abordar uma autoridade, reagir a elogio, pedir favores a colega e recusar pedidos abusivos.
O fator Habilidade em Sala de Aula explicou 2% do fator Autoexposição a Desconhecidos e Situações Novas. A reação do aluno em sala de aula nas demandas específicas a esse contexto, expondo opiniões e pensamentos de forma apropriada aos colegas e professores, leva à sua integração ao ambiente, mesmo em situações de antagonismo de opiniões. Portanto, o resultado indica que, quanto mais o indivíduo reagir positivamente nas demandas de relações com esses personagens, maior será sua capacidade de abordagem e/ou exposição que requeira sua ação efetiva.
O fator Cordialidade e o fato de o aluno estudar em uma instituição pública explicaram 5% do fator Autocontrole da Agressividade. Isso significa que o fato de o estudante apresentar uma postura de maior bom senso e priorizar o trabalho em grupo, desde que o mesmo pertença a uma instituição pública, faz com que ele exerça um maior controle da sua própria agressividade, o que acaba por gerar uma tendência a ter uma postura geral de maior controle emocional, não se deixando levar apenas por sentimentos que surgem de forma imediatista, tendendo a avaliá-los melhor, de forma mais racional e adequada à situação.
Os fatores Habilidades em Sala de Aula e Autoexposição e Assertividade explicaram 11% do resultado total do IHS. A sala de aula é, por excelência, espaço de aprendizagem, de convívio e de interação social. Relacionar-se com os colegas, expor opiniões e apresentar trabalhos são habilidades que favorecem o bem-estar pessoal. O comportamento em sala de aula apresentado pelos alunos socialmente competentes favorece a capacidade de se posicionar de maneira adequada e coerente. O conteúdo da aula transmitido é por eles compreendido de modo que sua contribuição acontece de forma clara e objetiva, dando feedback sobre o conteúdo exposto e manifestando sua conclusão sobre o assunto. De igual maneira, o comportamento social de autoexposição e assertividade está relacionado a elementos que envolvem um certo risco de reação indesejada. São indicadores de assertividade e controle da ansiedade: apresentar-se a uma pessoa desconhecida, discordar de autoridade, discordar de colegas em grupo, lidar com críticas injustas, falar a público conhecido, manter conversa com desconhecidos e fazer pergunta a conhecidos.
Discussão
As relações sociais são processos interativos e psicossociais que têm como objetivo promover vínculos suficientemente estáveis para que as pessoas se organizem coletivamente, respeitando os aspectos compartilhados e as diferenças (Hernández, 2013). A autora acrescenta que a educação e o desenvolvimento social são substanciais para atender as demandas sociais do século XXI, exigindo o domínio de diferentes habilidades cognitivas (domínio da leitura, da escrita, da interpretação, de cálculos) e sociais (planejar, trabalhar e decidir em grupo, atuar no entorno social), isto é, ser um indivíduo autônomo e solidário. Para Hernández (2013), a formação universitária no contexto atual precisa promover conhecimentos sólidos e habilidades relacionais e de sustentabilidade, visando o bem comum. Assim, é importante que os estudantes sejam preparados para o exercício de comportamentos sociais acadêmicos adaptativos para exercerem seu papel social com competência.
De acordo com Feitosa, Matos, Del Prette e Del Prette (2009), alunos que são capazes de obter melhores resultados acadêmicos são os que conseguem construir relações sociais consistentes e, com isso, ser aceitos por seus pares. Os alunos com um amplo repertório de habilidades sociais são mais aprovados por colegas e sentem-se competentes para, em igualdade, aumentar a reciprocidade de conduta e equilíbrio na aplicação de seus recursos pessoais no ambiente acadêmico, alimentando as trocas positivas entre eles, os colegas e os professores (Soares et al., 2009; Cuadra-Peralta et al., 2012; Gomes & Soares, 2013; Soares et al., 2014). Em outros termos, o estudante que apresenta eficácia acadêmica supostamente lida de forma mais madura com professores e colegas, ao se expor em público, ao ser assertivo e ao enfrentar situações de risco e indica que comportamentos sociais acadêmicos e habilidades sociais são fatores intrinsecamente relacionados e que mobilizam o aluno, mesmo que os resultados não sejam os mais convenientes.
Assim, comportamentos mais desafiadores ou até inapropriados com colegas e docentes podem expressar os esforços dos estudantes para se adequarem às demandas do contexto, pois, ao se depararem com um ambiente que impõe uma série de exigências, acabam acionando forças internas a fim de responder a diversos desafios. Apesar dos fatores Desrespeito a Professores e Colegas, Habilidade em Sala de Aula, Autoexposição e Assertividade e Eficácia Acadêmica explicarem pouco do fator Enfrentamento e Autoafirmação com Risco, esse resultado demanda atenção para o desenvolvimento de comportamentos sociais acadêmicos e habilidades sociais que favoreçam a entrada e permanência do estudante no novo contexto.
Outrossim, a variância dos comportamentos sociais acadêmicos na Autoexposição e Autoafirmação na Expressão de Sentimento Positivo pode refletir a tentativa do universitário de desempenhar com desenvoltura as tarefas e os relacionamentos (expor trabalhos acadêmicos, esclarecer dúvidas com os professores, expressar sentimentos positivos e negativos de forma assertiva, oferecer e aceitar feedback negativo, interagir bem com os colegas) apresentando melhor aproveitamento acadêmico e desembaraço social (Soares & Del Prette, 2013; Soares et al., 2009). Conforme Couto et al. (2012), universitários que exibem um bom repertório de habilidades sociais apresentam interações sociais mais adequadas no contexto acadêmico, demonstram interesse no ambiente social, buscam contato interpessoal em suas relações e conseguem expressar sentimentos positivos, como elogiar ou defender algum colega do grupo, apresentando desenvoltura social. Pode-se apontar com esses resultados que os universitários que se expressam de forma assertiva possuem mais facilidade nas relações interpessoais, especialmente no que concerne aos seus sentimentos positivos.
No que diz respeito à Conversação e à Desenvoltura Social, o estudo de Bolsoni-Silva et al. (2010) indicou que as queixas mais frequentes relatadas pelos universitários referem-se aos fatores Enfrentamento e Autoafirmação com Risco, Autoafirmação na Expressão de Sentimento Positivo e Autocontrole da Agressividade. Entretanto, os fatores Conversação e Desenvoltura Social parecem não ser o foco de preocupação/problema dos estudantes. Em parte, tal fato explicaria a baixa variância encontrada para esses fatores no presente estudo, apesar de a literatura indicar que sejam habilidades que muito favorecem as vivências dos estudantes na universidade (Soares et al., 2009). Trata-se de um fenômeno que precisa ser mais bem identificado, conforme indicado em pesquisa de Bolsoni-Silva et al. (2010).
Bandeira e Quaglia (2005) ressaltam que, de modo geral, situações que exigem dos estudantes universitários uma maior desenvoltura social no trato com as pessoas são aquelas que contam com comportamentos mais difíceis de serem expressos como, por exemplo, requisitar e concordar e/ou discordar da opinião de outrem. As autoras destacam que, entre as situações acadêmicas consideradas agradáveis, a menos citada pelos estudantes é a de defender seus direitos/assertividade. Por outro lado, entre as situações acadêmicas consideradas desagradáveis, que geram em tese desconforto, a mais citada é a de expressar opinião e discordar (Bandeira & Quaglia, 2005). Pode-se inferir que estudantes que apresentam poucos comportamentos sociais acadêmicos, no que diz respeito ao fator Autoexposição e Assertividade, podem apresentar também déficits para o fator Conversação e Desenvoltura Social, dificultando, assim, seu funcionamento social e sua capacidade adaptativa, podendo ocasionar prejuízos diversos, especialmente nas interações sociais (Bolsoni-Silva et al., 2010).
Os resultados obtidos indicam que se expor a desconhecidos e a situações novas é uma habilidade presente no complexo processo da vida acadêmica dos estudantes. Observa-se que habilidades como fazer perguntas a conhecidos ou desconhecidos, discordar do grupo, lidar com críticas, fazer e receber elogios e pedir e conceder favores têm relação com o envolvimento na aula e nas discussões, na busca de exemplos que levem a síntese ou análise do conteúdo que o aluno faz. Déficits dessas habilidades podem afetar o processo de aprendizagem, principalmente se elas forem necessárias para a realização de trabalhos que envolvam cooperação e exposição oral de tarefas em sala de aula (Gomes & Soares, 2013). Segundo Feitosa (2009), comportamentos pouco habilidosos em sala de aula dificultam situações como a solicitação de se integrar em grupo já constituído, a capacidade de negociação de conflitos e a apresentação de poucas alternativas para solucionar problemas interpessoais, não promovendo benefícios para o próprio indivíduo na sua relação com pares e professores.
A Cordialidade e o fato de o aluno estudar em uma instituição pública explicaram, em parte, o Autocontrole da Agressividade. Soares et al. (2009) afirmam que estudantes de instituições públicas tendem a se sentir mais autoconfiantes e, por isso, conseguem se perceber mais apoiados pelos familiares. Em uma linha semelhante, Magalhães (2013) verificou em seu estudo que os universitários de instituições particulares tendem a se sentir inferiorizados, por terem participado de um processo de seleção menos rígido e por terem utilizado critérios de escolha menos baseados em questões puramente acadêmicas, privilegiando aspectos mais centrados na conveniência, tais como a proximidade geográfica e a reputação sobre a empregabilidade.
Assim, a Cordialidade seria responsável pela maneira respeitosa como as pessoas se aproximam uma das outras. Em estudo de Holtgraves (2005) sobre polidez, o autor assinala que pessoas com comportamentos mais polidos apresentam uma comunicação mais eficiente, se opõem a críticas excessivas ou falas negativamente carregadas de poder e são, portanto, passíveis de levar de forma mais eficiente o autocontrole da agressividade. Apesar de os valores obtidos terem sido pouco expressivos, os mesmos sugerem que os Comportamentos Sociais Acadêmicos explicam a Cordialidade e o Autocontrole da Agressividade, contribuindo para a adaptação do estudante à universidade e indicando a possibilidade de pesquisas para melhor compreender a relação existente entre os fatores.
A Autoexposição e a Assertividade são habilidades presentes na vida em geral do indivíduo, bem como em suas vivências acadêmicas. No Ensino Superior, a sala de aula é um contexto que propicia o exercício dessas habilidades. Os resultados obtidos sinalizaram que alunos que procuram se dedicar aos estudos, cumprem cronogramas e participam das discussões acadêmicas em sala – isso é, são comprometidos com a aprendizagem – tendem a expressar e defender seus pontos de vista e direitos, questionam colegas e professores e sabem recusar e aceitar pedidos. Bariani e Pavani (2008) afirmam que a sala de aula é um espaço de relações interpessoais e de participação acadêmica, o que motiva os alunos a estarem presentes e engajados no processo de aprendizagem. Para os autores, a qualidade da relação do aluno com o ambiente proporcionado pela instituição de ensino e a qualidade dos relacionamentos interpessoais que se estabelecem nesse contexto são fundamentais para o desenvolvimento pessoal. Estudos avaliando habilidades sociais em universitários têm apontado que os comportamentos de empatia, agradabilidade e assertividade são características importantes para o relacionamento interpessoal, podendo facilitar, inclusive, a transição para o mercado de trabalho (Bandeira & Quaglia, 2005).
Considerações finais
O presente artigo teve como objetivo avaliar o quanto dos comportamentos sociais acadêmicos e do tipo de instituição pode explicar das habilidades sociais de estudantes universitários do estado do Rio de Janeiro. O estudo identificou que determinados comportamentos sociais acadêmicos desenvolvidos pelos estudantes, como falar em público, perguntar, questionar e solicitar mudanças de forma assertiva, apresentam relação com certas habilidades sociais, como expressão de sentimentos positivos e enfrentamento e autoafirmação com risco. Pôde-se inferir que alunos de instituições públicas conseguem controlar com maior desenvoltura a agressividade, ainda que com baixa variância explicada. Também nos resultados obtidos, todos os fatores do ICSA foram preditores, apesar da baixa variância explicada, dos fatores do IHS. Isso indica que a relação estabelecida entre esses construtos oferece elementos para a compreensão acerca das exigências próprias da universidade em relação ao aluno que nela ingressa e sua resposta comportamental diante dessas exigências.
Como perspectiva futura, novos estudos podem investigar o comportamento das variáveis em estudantes de diferentes regiões do país e explorar as diferenças segundo o período do curso. Como limitação, devido à baixa variância, o impacto dos Comportamentos Sociais Acadêmicos sobre as Habilidades Sociais precisa ser mais investigado, tendo em vista a necessidade de uma melhor compreensão acerca da forma como essa associação acontece e da sua amplitude no que tange às dimensões da vida acadêmica. A relação aluno-aluno, a relação aluno-professor e a adaptação aos novos métodos de estudo/ensino, entre outros, são constantemente alvo de pesquisas e estudos; porém, pesquisas acerca de comportamentos sociais acadêmicos são ainda relativamente escassas.
Referências
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Recebido em 23/12/2015
Aceito em: 11/04/2017