Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.12 no.1 Belo Horizonte jan./jun. 2019
https://doi.org/10.36298/gerais2019120110
ARTIGOS
Desafios da atuação do psicólogo em centros de referência da assistência social (Cras)
Challenges of the psychologist's performance in social service reference centers (Cras)
Juliano Beck ScottI; Juliana MarionII; Ana Paula Machado FreitasIII; Marilise FerreiraIV; Caroline Rubin Rossato PereiraV; Aline Cardoso SiqueiraVI
IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil. E-mail: bs.juliano@gmail.com
IIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: julianamarion@live.com
IIIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: anapmfreitas@hotmail.com
IVUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: mary_f100@hotmail.com
VUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: carolinerrp@gmail.com
VIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil. E-mail: alinecsiq@gmail.com
RESUMO
A atuação do psicólogo no campo da Assistência Social constitui um importante elemento para a discussão da atuação desse profissional nas políticas sociais no Brasil. O presente estudo objetivou compreender a atuação e os desafios enfrentados por psicólogos inseridos nos Cras de uma cidade do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo e exploratório que contou com a participação dos cinco psicólogos que atuavam nos Cras da cidade. O procedimento para coleta de informações foi a entrevista semiestruturada. Com a análise de conteúdo, identificou-se que os participantes descreveram sua atuação como vinculada principalmente a atividades grupais, atendimento psicossocial e visitas domiciliares. Os desafios mostraram-se presentes no cotidiano de trabalho, envolvendo a formação profissional, alta rotatividade dos psicólogos, problemas de estrutura física, escassez de recursos materiais e pessoais e baixo investimento do Poder Público.
Palavras-chave: Atuação do psicólogo. Serviços sociais. Condições de trabalho.
ABSTRACT
The performance of the psychologist in the field of Social Assistance is an important element for the discussion of this professional's performance within the social policies in Brazil. The present study aimed to understand the performance and the challenges faced by psychologists inserted in the Cras of a city of Rio Grande do Sul. This is a qualitative and exploratory research, with the participation of the five psychologists who worked in the Cras of the city and responded to a semi-structured interview. From the content analysis, it was identified that the participants described their performance as linked mainly to group activities, psychosocial care and home visits. Challenges were shown in daily work, involving professional training, high turnover of psychologists, problems of physical structure, scarcity of material and personal resources, and low investment of the public power.
Keywords: Psychologist performance. Social services. Working conditions.
Na década de 1980, no Brasil, ocorreram importantes mudanças no que tange à redemocratização do país. Tal aspecto é fruto de movimentos sociais que, reorganizados, reivindicaram direitos e tiveram na Constituição Federal de 1988 o apoio do Estado. A Carta Magna significou, nesse sentido, avanços na garantia de direitos sociais e na responsabilização do Estado na proteção social dos cidadãos, inaugurando um novo padrão nas políticas sociais do Brasil, que passou a priorizar as famílias e os destituídos de direitos. Assim, aquele Estado imune à responsabilização e à deflagração de direitos sociais começou a sofrer alterações, favorecendo a emergência da Assistência Social como uma prática voltada à proteção social e à garantia de direitos (Couto, Yazbek & Raichelis, 2014; Cruz & Guareschi, 2011; Oliveira, Dantas, Solon & Amorim, 2011).
Para a efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado, foi implantado, em 2005, o Sistema Único de Assistência Social (Suas), com base na Constituição Federal de 1988, na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), nas Normas Operacionais da Assistência Social (NOBs) e na Política Nacional de Assistência Social (PNAS). O Suas inovou ao propor a unificação das ações na Assistência Social em nível nacional com foco na atenção às famílias e na organização de ações, benefícios e serviços com base nos territórios e em rede hierarquizada, tendo o Estado como garantidor dos direitos (Brasil, 2005; Couto et al., 2014; Cruz & Guareschi, 2011).
Conforme Couto (2014), um dos grandes desafios do Suas encontra-se na articulação da política nacional numa área em que sempre prevaleceu experiências particulares associadas ao assistencialismo e à caridade. Portanto, a organização dos serviços no Suas deve cumprir com o objetivo de garantir o acesso da população como direito, buscando romper com o viés conservador presente no tratamento da pobreza e que dificulta a instauração de uma cultura de direitos sociais. Assim, a PNAS e o Suas foram introduzidos com a proposta de consolidar uma nova forma de relação entre Estado e sociedade civil, atentando para a proteção social como garantidora dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988 (Couto, 2014).
Como forma de garantir os direitos socioassistenciais, o Suas está estruturado em unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia básica e especial e ainda por níveis de complexidade. A proteção social básica, foco do presente estudo, tem por objetivo "prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários" (Brasil, 2005, p. 18). Por se constituir em porta de entrada do sistema de assistência social, a proteção social básica deve se responsabilizar pela oferta de programas, projetos e serviços socioassistenciais por meio dos Centros de Referência de Assistência Social - Cras (Brasil, 2005). O Cras constitui-se de uma unidade da rede socioassistencial de proteção social básica que tem uma equipe de referência adequada ao número de famílias atendidas pela unidade (Brasil, 2009). O principal serviço ofertado pelo Cras refere-se ao Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (Paif). Esse programa oferece serviços básicos de caráter contínuo para famílias em situação de vulnerabilidade social e tem por perspectiva a garantia do direito à Proteção Social Básica, a ampliação da capacidade de proteção social e prevenção de situações de risco e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Além disso, tem como princípios norteadores a universalidade e gratuidade dos atendimentos, sendo ofertado necessariamente no Cras (Brasil, 2006; Brasil, 2013).
O psicólogo compõe a equipe profissional dos Cras, sendo sua inclusão obrigatória a partir da Resolução nº 17 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de 2011, que ratificou a equipe de referência proposta na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Suas - NOB-RH/Suas (Brasil, 2011). Diante disso, esse profissional é convocado a desenvolver ações com pessoas cujos problemas são materiais, concretos e que necessitam de intervenções fora do escopo da clínica psicológica tradicional (Oliveira et al., 2011). Associado a isso, tais atividades devem ocorrer de forma interdisciplinar e articulada, visando atender as necessidades dos usuários e desenvolver suas potencialidades, além de fortalecer os vínculos familiares e comunitários (Brasil 2006; 2009a; 2009b), aspectos que evidenciam a complexidade dessa atuação.
As referências técnicas para atuação do psicólogo no Cras/Suas (Crepop, 2007), material elaborado pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop) e pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), indicam como diretrizes para a atuação do psicólogo no Cras o atendimento, o desenvolvimento e o acolhimento da população, bem como orientações, visitas e entrevistas domiciliares. Ainda, a relação do psicólogo com a equipe e com a população deve estar pautada na parceria, socialização e construção do conhecimento.
Historicamente, a formação em Psicologia no Brasil correspondia a um modelo de exercício profissional hegemonicamente clínico-individual, com pouco alcance social, dificultando a diversificação da prática profissional (Francisco & Bastos, 1992). Contudo, a passagem do contexto de intervenção da Psicologia da clínica elitizada para o contexto das políticas sociais demanda uma aproximação com o contexto social e com a comunidade, exigindo a construção de uma atuação crítica e conjunta com as equipes multiprofissionais dos serviços no qual a Psicologia está inserida (Dantas, Oliveira & Yamamoto, 2010). Cabe ressaltar que o contexto social aqui mencionado deve ser entendido como o conjunto de diferentes práticas humanas que se transformam ao longo do tempo (Silva, 2004). Para isso, segundo Silva (2004), é preciso que se abandone uma compreensão ingênua do social, e que se abarque os acontecimentos e práticas que fazem parte da formação histórica num dado momento. Dessa forma, é preciso pensar a prática psicológica no Cras contextualizada a cada momento histórico em que ocorre. Como descreve Nobrega (2009), mostra-se um desafio aos profissionais a chamada práxis psicológica nos Centros de Referência da Assistência Social (Cras), dentre outras razões, por se depararem com a tarefa de quebrar paradigmas, ou seja, desviar de um caminho tradicionalmente clínico. Conforme o autor, essa área exige que o psicólogo tenha como foco o atendimento psicossocial, com uma visão especialmente direcionada à grupalidade. Nesse sentido, cabe uma prática psi mais voltada para as demandas da população atendida e dos grupos de pessoas, diferentemente do olhar clínico individual e de ajustamento trazido pela psicologia clínica tradicional (Nobrega, Andrade, Carvalho & Souza, 2009).
A participação do psicólogo nas equipes profissionais que compõem as instituições do campo da Assistência Social constitui um importante elemento para a discussão da inserção desse profissional no campo das políticas sociais no Brasil (Faraj & Siqueira, 2012). Conforme Yamamoto e Oliveira (2012), o campo da Assistência Social tem absorvido um contingente expressivo de profissionais da Psicologia nos últimos anos. Pesquisa realizada por Macedo, Sousa, Carvalho, Magalhães, Sousa e Dimenstein, em 2011, que utilizou dados do Cadastro Nacional do Suas (CadSuas), constatou que dos 5.565 municípios do país, 4.743 tinham unidades Cras, o que totalizava 7.607 Cras no território brasileiro. Os autores ressaltam que, dos 8.079 psicólogos que atuavam no Suas, 6.022 trabalhavam no Cras, sendo que mais de 90% desses profissionais atuavam em municípios interioranos. Tais dados permitem inferir que o número de psicólogos inseridos na assistência social é significativo, sendo que a maioria destes encontra-se trabalhando em unidades Cras. Senra e Guzzo (2012), entretanto, acreditam que não basta que os psicólogos estejam inseridos no campo da assistência social, é preciso que esses profissionais tenham acompanhamento e formação adequada para uma intervenção crítica da realidade social e política com a qual atuam.
A atuação dos psicólogos no Suas é, portanto, uma preocupação crescente da categoria dos psicólogos, expressa por meio da criação de diretrizes e orientações que estruturam parâmetros para sua prática nesse contexto. De acordo com Flor e Goto (2015), o Crepop foi criado justamente para nortear o trabalho do psicólogo nas políticas públicas por meio de princípios gerais que orientem o profissional nos mais diversos campos em que as políticas públicas estão presentes, incluindo o campo social. Entretanto, tal preocupação não se traduz, necessariamente, em uma prática de acordo com o estabelecido, visto que, além dos aspectos relacionados à sua formação profissional, o psicólogo está sujeito a problemas estruturais e de gestão municipal que podem interferir no seu trabalho (Senra & Guzzo, 2012). Assim, os avanços ocorridos na assistência social e na psicologia como profissão, muitas vezes, encontram desafios no cotidiano de ação que ultrapassam sua atuação técnica, visto a dificuldade de atuar com as problemáticas de cunho social a partir de uma formação não qualificada para tal (Senra & Guzzo, 2012). Pode-se observar que é fundamental que a formação profissional contemple a complexidade desse atendimento psicossocial.
Cabe ressaltar que o trabalho do psicólogo no Suas faz parte de um trabalho coletivo, baseado em um projeto ético-político em intensa relação com outras profissões que compõem o campo da assistência social. Dessa forma, cabe à Psicologia como ciência e profissão ampliar seus conhecimentos teóricos, técnicos e políticos para auxiliar na construção de uma assistência social mais efetiva no país. Contudo, vários são os desafios enfrentados pelos psicólogos diariamente no exercício de suas atividades profissionais no campo da assistência social, cabendo conhecer o modo como sua atuação vem sendo desempenhada nesse contexto a fim de fornecer subsídios e problematizar as práticas desenvolvidas. Pensando nisso, o presente estudo objetivou compreender a atuação e os desafios enfrentados por psicólogos inseridos nos Cras de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul.
Método
Delineamento e Participantes
Este estudo é produto de uma pesquisa desenvolvida por meio de um convênio de cooperação acadêmico-científica, o Programa de Cooperação Acadêmica (Procad), desenvolvido em nível nacional, entre os Programas de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e da Universidade de Brasília (UnB), sob a coordenação do primeiro. Essa parceria foi aprovada e financiada pela Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e buscou estabelecer uma rede de pesquisa com foco na atuação do psicólogo no campo das políticas sociais, além de compreender a formação, inserção e atuação dos profissionais da Psicologia nos serviços vinculados ao campo da assistência social, saúde e das instituições socioeducativas. Assim, este relato é um recorte desse projeto.
O estudo tem caráter qualitativo exploratório, visando à apreensão de dados de natureza subjetiva a partir da fala dos entrevistados e de sua relação com a temática abordada (Turato, 2003). Para isso, contou com a participação de cinco psicólogos, de um total de seis profissionais da Psicologia que atuavam nos quatro Cras da cidade no momento da coleta de dados. O profissional que não quis participar da pesquisa alegou dificuldade em encontrar um horário disponível para a entrevista. Dentre os participantes, quatro estavam em regime de contrato temporário e apenas um era concursado. O tempo de atuação dos psicólogos variou entre aproximadamente um mês a um ano de prática profissional no Cras, conforme o Quadro 1. Com vistas a preservar a identidade dos psicólogos, os cinco participantes do estudo foram identificados como C1, C2, C3, C4 e C5.
Instrumento
Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas individuais acerca da atuação dos psicólogos no Cras. Tal entrevista contemplou um roteiro com questões amplas sobre o serviço e questões específicas sobre a prática profissional do psicólogo, o que permitiu a condução e o aprofundamento dos tópicos em um formato de diálogo, semelhante a uma conversa informal (Minayo, 2010).
Procedimentos e Considerações Éticas
Esta pesquisa foi realizada no período de março a dezembro de 2015, em todos os Centros de Referência da Assistência Social (Cras) de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Para isso, foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Maria, sob parecer CAEE nº 45151815.4.1001.5346.
Todos os participantes do estudo foram contatados via ligação telefônica e convidados a participar das entrevistas, que foram agendadas conforme disponibilidade e local de preferência. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), como previsto pelo Conselho Nacional de Saúde pela Resolução nº 510/2016 (Brasil, 2016), e tiveram acesso aos objetivos do estudo, à voluntariedade da participação, à garantia de sigilo das informações pessoais e possibilidade de desistência a qualquer momento da pesquisa. Posteriormente, os participantes responderam a uma entrevista semiestruturada, com duração média de 50 minutos cada. Do total das cinco entrevistas, quatro foram realizadas nos próprios Cras e uma nas dependências de uma Instituição de Ensino Superior (IES) da cidade investigada.
Análise dos dados
Após a transcrição das entrevistas audiogravadas, os dados foram submetidos à análise de conteúdo proposta por Bardin (1979). Segundo a autora, esse método permite a identificação dos conteúdos e das informações presentes na fala dos participantes, expondo aqueles que se destacam a partir de sua repetição ou relevância. Sendo assim, a análise dos dados ocorreu em diferentes etapas. Inicialmente, todas as entrevistas foram analisadas de forma global, buscando uma impressão inicial sobre o material e seu conteúdo. Após esse primeiro contato com o material, as entrevistas foram analisadas em sua totalidade, buscando considerar a repetição dos temas e a relevância dos conteúdos apresentados. Por último, as palavras que se destacaram na fala dos participantes foram organizadas de forma a constituir as categorias temáticas. Assim, surgiram duas categorias: "Atuação do psicólogo no Cras" e "Desafios da prática psicológica no Cras". A primeira categoria toma como foco específico o trabalho do psicólogo no Cras, ou seja, a maneira como a atuação do psicólogo tem ocorrido nos Cras do município investigado. A segunda categoria, por sua vez, aborda as condições de trabalho desses profissionais e os desafios que enfrentam na realização de suas atividades profissionais nesse contexto.
Resultados e Discussão
Atuação do psicólogo no Cras
De acordo com Oliveira et al. (2011), o trabalho no campo da assistência social não é estranho ao serviço social, mas sim à Psicologia, que tem cada vez mais se inserido em espaços diferentes dos tradicionais. Tal fato acaba por gerar questionamentos e dúvidas sobre a atuação do psicólogo nesse campo, principalmente em relação àquilo que é específico da Psicologia. Diante disso, várias são as práticas desempenhadas pelos psicólogos no Cras, dentre as quais, segundo as autoras, destacam-se as visitas domiciliares, os acompanhamentos, os grupos de reflexão e operativos e as campanhas.
Ao mesmo tempo, apesar do estudo de Oliveira et al. (2011) indicar que o atendimento clínico ainda aparece como o carro-chefe da atuação psi na proteção básica, principalmente devido ao fato de a clínica tradicional figurar como zona de relativo conforto e de reconhecimento do psicólogo como particularidade de sua atuação, ficou evidenciado no presente estudo que os profissionais não realizavam atendimento clínico e que o diferenciavam claramente do acolhimento psicossocial preconizado pelos guias do Suas, por exemplo. Tal informação indica que os psicólogos estão se instrumentalizando para a prática exigida por esse campo de atuação, adaptando-se às demandas sociais por meio de uma prática mais condizente e adequada.
Conforme Flor e Goto (2015), a psicologia precisa identificar as principais demandas psicossociais dos usuários, afastando-se do modelo assistencialista, herança clientelista da era inicial da Assistência Social no Brasil, e investir numa intervenção psicológica contextualizada histórico, social e pessoal condizente com os usuários. Ao intervir nesses contextos, portanto, é importante que o psicólogo tenha como intenção a prevenção de situações de risco, buscando fortalecer os vínculos familiares e comunitários a partir do desenvolvimento de potencialidades e aquisições pessoais e coletivas (Crepop, 2007).
A respeito da prática dos psicólogos nesse contexto, os entrevistados relataram que a sua atuação no Cras se baseava na realização de atendimento psicossocial, grupos e visitas domiciliares: "Realizo grupos, acolhimento e visitas, que não são como o Serviço Social, que tem muita visita" (C2); "Realizo visita domiciliar e acolhimento aqui no Cras" (C4). Tal fato indica que as atividades realizadas pelos profissionais da Psicologia no Cras estão entre as prescritas pelos guias, no entanto, restringem-se a algumas delas, o que pode indicar uma limitação nas possibilidades de atuação, visto que, conforme o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (Brasil, 2006), várias são as atividades que podem ser realizadas pela equipe técnica dos Cras, tais como: atendimento psicossocial, vigilância social, mapeamento do território, busca ativa, visita domiciliar, encaminhamento para outros serviços, grupos, acompanhamento familiar, entre outros.
Com relação ao atendimento psicossocial, por exemplo, a participante C3 afirma:
Eu realizo atendimento psicossocial, que é realizado junto com a assistente social, conforme a demanda que chega. Atendimento individual, não clínico, porque o serviço não tem essa especificidade do atendimento clínico. Como que eu vou conduzindo isso? Eu acolho, faço uma primeira escuta, quando necessário, uma segunda e terceira escuta, no máximo, para que eu possa ter um entendimento melhor do caso e para que eu possa saber pra onde encaminhar esses usuários.
Com relação às atividades grupais, estas podem incluir profissionais de diversas áreas da saúde, de modo que o psicólogo não necessariamente ocupa um lugar de coordenador dos grupos. Embora participe das atividades grupais desenvolvidas no Cras, o psicólogo pode assumir um papel de proporcionar apoio e acompanhar o trabalho dos grupos (Crepop, 2007).
Quem conduz os grupos é a orientadora social, e temos a técnica do Suas, que é uma professora de educação física que também fica à frente nos grupos. Então, assim, eu vou dando uma passada em alguns grupos, faço uma troca de ideias com as coordenadoras dos grupos, participo de vez em quando para escutar, ver como é que está o desenvolvimento do grupo, ver qual é a demanda, ajudar nesse olhar mais da Psicologia na condução das atividades. Então, eu vou tentando participar um pouquinho de cada grupo. (C3)
Os psicólogos participantes indicaram também a importância da realização das visitas domiciliares para o conhecimento das condições em que vive a população atendida e para uma atuação mais eficaz na comunidade, como proposto por Amaro (2003). As falas a seguir ratificam essa relevância.
E às vezes parte do trabalho é esse, tu poder ir lá e ver se tem alguma coisa de violação de direitos, alguma situação, enfim, oferecer o serviço. (C5)
Que a gente pode ver a necessidade de perto, né? Porque tu entra dentro da casa deles, tu vê o que realmente precisa, o que realmente tá acontecendo, que ambiente real que eles vivem, né? Eu acho bem importante. A gente consegue abranger melhor o que eles precisam realmente, entender. (C4)
Além de auxiliar no conhecimento da realidade de vida da população atendida, alguns participantes apontaram a visita domiciliar como facilitadora da compreensão do funcionamento familiar. Desse modo, a visita domiciliar pode servir como base para o planejamento de intervenções mais eficazes, ao passo que permite que se leve em consideração as especificidades de cada caso.
Para os casos que eu vou visitar quando é mais questão de alguma orientação pra organizar a família, também pra conhecer mais o ambiente, como a família se organiza. Às vezes, também pra poder conversar com mais de um membro da família ao mesmo tempo, poder ver algumas coisas que só uma pessoa indo lá no serviço eu não vou conseguir identificar. (C5)
Na verdade, às vezes vem uma mãe trazendo um caso de um filho que não tem condições de vir. Aí, a gente realiza a visita, porque a gente não tem como dar encaminhamento pelo olhar de um terceiro. A gente tem que averiguar a situação pra ver se realmente é o que se configura. (C2)
Apesar de os psicólogos entrevistados terem conhecimento da importância das visitas domiciliares para o desempenho de Suas atividades no Cras, também relataram restringir essa prática aos casos solicitados pelo judiciário (Ministério Público, por exemplo) ou outros órgãos públicos (Conselho Tutelar, por exemplo), ocorrendo, em sua maioria, com assistente social. Assim, conforme exposto pelos participantes C1 e C3, as visitas domiciliares respondem à necessidade de elaboração dos relatórios solicitados.
Eu só vou nas visitas que é destinada. Vem do Ministério Público, dito que é algo da Psicologia: ver se tá recebendo atendimento psicológico, ver a questão da saúde mental. Então, nesses casos, eu vou. Mas nos demais, assim, que parece que é só estudo social, eu acabo não conseguindo ir. (C1)
Olha, a gente faz visita domiciliar, mas geralmente essas visitas domiciliares são de acordo com a demanda que a gente recebe do Ministério Público, ou do Conselho Tutelar, quando tem alguma denúncia, mas fora isso no momento, não está sendo possível fazer. Fora essas visitas que a gente faz em função de uma determinação, ou de uma denúncia, não tá sendo possível. (C3)
[A visita domiciliar] Depende do encaminhamento do Conselho ou do Ministério Público que vem pra cá. Os pedidos deles, a demanda deles, na verdade, a demanda do Conselho e do Ministério Público. (C4)
A visita domiciliar parece ser o instrumento de trabalho da área de assistência social que ainda não tem sido explorado pelos psicólogos em todas as suas potencialidades. Associada às limitações diante das demais demandas de trabalho no Cras, a prática da visita domiciliar pelos psicólogos fica restrita ao cumprimento de solicitações advindas dos órgãos públicos. Percebeu-se, portanto, um prejuízo quanto à realização dessa atividade como instrumento para conhecer o modo de vida e as reais demandas da comunidade atendida.
Desafios da prática psicológica no Cras
A atuação dos psicólogos no Cras foi apontada pelos participantes como permeada por desafios. Segundo eles, as dificuldades no dia a dia do trabalho envolviam uma formação com pouco investimento no campo das políticas públicas, alta rotatividade dos profissionais, precária estrutura física dos Cras, escassez de recursos materiais e pessoais e de baixo investimento do poder público no campo da assistência social.
A inserção da Psicologia na assistência social pode ser considerada ainda como um desafio para os profissionais que atuam nesse campo (Dantas et al., 2010; Lauriano, Silva & Pessini, 2011), conforme destacou a fala do participante C5.
A gente tem pouca construção da Psicologia no Brasil em Políticas Públicas, por ser uma coisa recente. [...] Pensar a atuação do psicólogo mesmo, o que fazer nas Políticas Públicas. Tem áreas que provavelmente têm muito pouca coisa ainda. Mas eu acho que é uma coisa que as graduações têm que começar a investir mais e produzir mais conhecimentos sobre isso. (C5)
Ainda sobre a construção de uma base de saberes para a prática no Cras, verifica-se a busca dos participantes pelo contínuo compartilhamento dos conhecimentos adquiridos, seja entre colegas de profissão, seja com a equipe multiprofissional, como destacado por C1.
A gente tem, toda semana, grupo de estudo da equipe técnica do Cras também, a gente estuda diversos temas, a gente estuda o Suas, as políticas públicas, tudo isso. Então, tem bastante essa preocupação, não só com a prática, mas também essa preocupação do amparo teórico, da gente se capacitar, sempre melhorando. (C1)
Esses aspectos vêm ao encontro dos achados na literatura que revelam que, uma vez que o campo da assistência social constitui-se em uma oportunidade para a atuação dos psicólogos, muitos buscam formações complementares (cursos, capacitações, grupos de estudos) para melhorar a sua experiência prática após finalizar a graduação. Tal fato, segundo Bastos e Gomide (2010), deve servir como respaldo para aqueles que buscam uma formação mais qualificada e de acordo com a realidade em que o profissional vem se inserindo nos últimos tempos. Dessa forma, a adequação dessa formação, seja por meio de uma reformulação dos programas de graduação, seja a partir de uma busca ativa do próprio aluno/psicólogo de se familiarizar com as políticas e práticas da assistência social brasileira, pode ser pensada como o primeiro movimento necessário a ser feito rumo a uma atuação contextualizada e efetiva nos Cras.
No entanto, não apenas a formação dos psicólogos se mostrou limitada perante a atuação em meio às políticas sociais, como vários foram os desafios encontrados pelos profissionais em suas atividades diárias nos serviços. A alta rotatividade de profissionais na Assistência Social no município foi identificada como um desses desafios, prejudicando a continuidade das atividades propostas, visto que dificultava tanto o conhecimento do território de abrangência dos Cras quanto a vinculação dos profissionais à população atendida, à rede e à equipe. Na fala de C3, "atualmente o infantil (grupo infantil que acontecia no Cras), a gente tem uma criança só participando. Como o serviço passou por algumas mudanças, isso afeta diretamente na questão dos grupos, por uma questão de vínculo com os profissionais". A profissional está se referindo à alta rotatividade presente nos serviços socioassistenciais do município. Uma das razões para isso seria a precarização do trabalho, como o baixo salário recebido pelos profissionais, como sinaliza C1.
Eu vejo bastante rotatividade de profissionais nessa área [...], até porque, com as condições de salário que a gente tem, é muito difícil assistente social e psicólogo do Cras que tenha somente um emprego. Normalmente, a gente tem dois ou três. Muitas vezes, tem gente que tem três empregos. Então, muitas vezes, daqui a pouco o outro trabalho começa a te consumir mais tempo e tu tem que optar. (C1)
Além dos baixos salários, no momento da coleta dos dados, apenas um dos entrevistados era concursado. Os demais participantes, quatro psicólogos, tinham o contrato temporário como forma de vínculo empregatício, uma forma de vinculação que pode gerar insegurança nos profissionais, incentivando-os a procurarem empregos que proporcionem mais estabilidade e segurança financeira. Um participante afirmou que "eu acho que a questão é de ser contrato temporário, que não te dá garantia nem segurança de nada, por isso tem esta rotatividade muito alta" (C5).
A alta rotatividade dos psicólogos nos Cras foi possível de ser verificada tanto nas falas dos participantes quanto nos dados Quadro 1, demandando constante adaptação por parte das equipes dos Cras e da população atendida. Tais aspectos interferem na qualidade das atividades desenvolvidas, tanto para as pessoas que utilizam os serviços do Cras, por dificultar o reconhecimento do psicólogo como um profissional de referência, quanto para o próprio profissional, que necessita conhecer o contexto da população local, identificar suas demandas e planejar suas intervenções. Além disso, a alta rotatividade também influencia no fluxo das atividades realizadas no local, podendo trazer o sentimento de descontinuidade ou falta de sentido destas quando um outro profissional passa a assumi-las. Esse resultado corrobora estudos atuais, que indicam que os profissionais da política de Assistência Social ainda têm relações empregatícias instáveis, com alta rotatividade, falta de valorização, reconhecimento e condições precárias de trabalho (Pauli, 2017; Yamamoto & Oliveira, 2010). A rotatividade excessiva de profissionais, descontinuidade das ações, fragilidade do trabalho das equipes e a despotencialização dos trabalhadores da Assistência Social foram fatores presentes no dia a dia do Suas (Macedo, Sousa, Carvalho, Magalhães, Souza & Dimenstein, 2011).
Outro desafio enfrentado na atuação dos psicólogos, segundo os participantes, referiu-se à estrutura física precária dos Cras. Em dias de muita chuva, por exemplo, algumas atividades precisavam ser canceladas em função de goteiras, como apontou C3.
Agora, inclusive com essa questão das chuvas, a gente tem goteira pra tudo quanto é lado. Os grupos não acontecem por que tá alagado. Então, não tem como a gente receber as pessoas. Então, em termos de estrutura física, atrapalha um pouco sim, porque os grupos já não podem acontecer. (C3)
Além disso, C4 caracterizou a estrutura física do Cras como "horrível" e acrescentou: "Bem complicado. Chove dentro quando tem chuva [...]. Tem assalto aqui, a gente ficou sem alarme, eles roubam de noite. Bem complicado".
Os participantes expressaram também preocupação e dificuldades quanto aos investimentos públicos no setor da assistência social. C4 apontou a relação com os gestores do município como a principal dificuldade do seu trabalho: "A maior dificuldade é conseguir as coisas com a prefeitura. Tu pede e tem que esperar. A questão burocrática, essa parte, incomoda bastante". Em vez de um facilitador, o participante C5 caracterizou a gestão municipal como um empecilho: "As dificuldades são, principalmente, ter que conseguir trabalhar apesar da gestão, em vez de trabalhar com a gestão, que deveria ser feito em Políticas Públicas. Essa é a principal dificuldade". Estudos anteriores realizados no contexto do Suas, em Creas (Centros de Referência Especializados em Assistência Social), também apontaram a ausência de infraestrutura e de materiais como fonte de dificuldade na atuação dos psicólogos no campo da assistência social (Faraj & Siqueira, 2012; Pauli, 2017; Koelzer, Backes & Zanella, 2014).
Ainda relacionado à escassez de recursos e de investimento público na assistência social, outro desafio mencionado pelos participantes referiu-se à baixa carga horária dos profissionais contratados no serviço, que em sua maioria perfazia 20 horas, e a dificuldade em acessar os recursos para o deslocamento para o cumprimento das visitas domiciliares (veículo, combustível, motorista). Segundo o relato dos participantes, era reservado apenas um turno de expediente da semana para a realização das visitas e, muitas vezes, elas não ocorriam ou eram adiadas devido à falta do veículo público para o deslocamento da equipe, visto que vários Cras precisavam dividir o mesmo carro.
O fato de eu estar aqui só 20 horas. Um psicólogo teria que estar aqui umas 40 horas, tinha que ser turno integral, porque realmente a demanda é bem grande. A maioria das vezes a gente não consegue atender com tanta rapidez como a gente gostaria de atender. (C1)
Mas essa função de não ter o carro realmente dificulta bastante, né, atrasa relatório, a gente não consegue fazer as outras visitas. (C1)
Essas dificuldades também foram relatadas por Pauli e Siqueira (submetido) em uma pesquisa com psicólogos temporários dos Creas, os quais, da mesma forma que os psicólogos deste estudo, tinham péssimo salário, pequena carga horária para a demanda, falta de investimento da gestão, alta rotatividade dos membros da equipe de trabalho, múltiplos empregos, entre outros aspectos. As autoras evidenciam que a mesma fragilidade vivenciada pela população atendida no campo da Assistência Social é visualizada nos trabalhadores sociais que atuam no campo, evidenciando o descaso dos agentes governamentais tanto com relação aos usuários quanto aos psicólogos e assistentes sociais.
Questionados sobre possíveis estratégias de atuação para superar as dificuldades encontradas nos serviços, alguns profissionais mostraram-se pouco confiantes devido à impotência percebida nos órgãos gestores, como apontou C4: "É difícil. [...] Porque quando vai pra esse lado burocrático, a gente não tem muito o que fazer, infelizmente. Aí tu fica de mãos amarradas porque tem outras pessoas acima da gente". C5 complementa com uma reflexão sobre a instabilidade do vínculo empregatício, entendendo como barreira para o combate às dificuldades: "Então... consigo, mas no momento não faço, porque fazer sozinho é muito complicado, e fazer sozinho num estágio probatório é muito complicado".
Considerações Finais
A partir da revisão teórica realizada para este estudo e dos resultados identificados, é possível perceber que a inserção da psicologia no campo das políticas sociais, especialmente na assistência social, se efetiva de modo gradativo em nossa realidade brasileira e enfrenta inúmeros problemas e desafios. Apesar dos avanços e conquistas, principalmente a partir da estruturação do Sistema Único de Assistência Social (Suas), em 2005, mostra-se como um campo de atuação ainda marcado por muitos desafios para os psicólogos. Os resultados indicaram que os psicólogos do campo da assistência social, mais especificamente da proteção social básica, apresentam ainda limitações com relação às possibilidades de atuação nesse contexto, de modo que a prática psicológica tem se restringido a atendimentos em grupos, atendimento psicossocial/acolhimento e visitas domiciliares, desconsiderando outras práticas e formas de atuação que podem ser desenvolvidas e que constam, inclusive, em materiais como os guias desenvolvidos pelo Crepop, que servem como parâmetros para a prática dos psicólogos em políticas públicas.
Dentre as atividades desenvolvidas pelos participantes do estudo, a visita domiciliar foi apontada como apresentando alguns entraves à sua execução. Apesar de considerada como ferramenta importante para o entendimento das necessidades da comunidade, para a observação de situações de violação de direitos, bem como a fim de aproximar e oferecer os serviços da proteção social básica aos usuários, as visitas domiciliares eram restritas a situações específicas. Devido às demais demandas atendidas pelos psicólogos, à baixa carga horária dos contratados e à falta de recursos para o deslocamento, as visitas ocorriam, majoritariamente, em casos de solicitações do poder judiciário ou outros órgãos públicos, não sendo utilizada como fundamental ferramenta de intervenção social do psicólogo.
A alta rotatividade dos profissionais nesses equipamentos da assistência social também foi apontada como uma questão preocupante devido à precarização do trabalho e à falta de reconhecimento e de valorização dos profissionais. De acordo com os psicólogos entrevistados, tais aspectos, somados às limitações na estrutura física dos locais de trabalho e à falta de recursos públicos (materiais, veículo, motorista), dificultam o planejamento e a execução de intervenções e ações preventivas de longo prazo com os usuários.
O presente estudo oferece evidências que corroboram estudos realizados no campo da assistência social de diversas partes do país (Faraj & Siqueira, 2012; Koelzer, Backes & Zanella, 2014; Yamamoto & Oliveira, 2010, entre outros), demonstrando as dificuldades encontradas na atuação nas políticas públicas. O estudo indica que há fragilidades na execução da política da assistência social e que, ao mesmo tempo em que a intervenção psicológica serve de base e oferece os fundamentos para a promoção da proteção social, também enfrenta obstáculos em termos de estrutura e incentivo para a realização eficaz daquilo que é preconizado. A precarização das condições de trabalho visualizadas no campo da assistência social pode ser evidenciada na prática dos psicólogos investigados. Conforme Cavalcante e Prédes (2010), os obstáculos que surgem na execução da política advém da natureza precária das medidas de proteção social, visto a funcionalidade que estas têm para o capital. O Estado, ao mesmo tempo em que atende parte da demanda dos trabalhadores, garante também o pleno desenvolvimento do capital. Portanto, as lutas no campo dos direitos e das políticas sociais acabam voltadas principalmente para a preservação do que já foi conquistado, diante da maior precarização das condições de trabalho na assistência social (Cavalcante & Prédes, 2010). Por outro lado, cabe reconhecer que a política da assistência social é recente e, nesse sentido, suas ações e a própria gestão dos serviços estão sendo construídas, sendo necessário tempo como também um permanente esforço da sociedade para o seu fortalecimento.
Outro aspecto identificado no estudo e que merece ser ressaltado diz respeito à necessidade da construção de uma base de saberes para a prática psicológica na proteção social básica, que se mostrou ainda incipiente, exigindo um maior compartilhamento entre pares e entre os profissionais da equipe do Cras. Esse compartilhamento de saberes tem ocorrido tanto no Cras, por meio de grupos de estudos, quanto por formações complementares, com o objetivo de melhorar a prática profissional. Neste estudo, a complementação teórica partiu do interesse particular de cada profissional inserido no Cras, não estando estruturada formalmente. Para melhor estruturar e fortalecer o conhecimento acerca da prática do psicólogo nas políticas públicas, salienta-se a importância de um olhar mais atento sobre o tema pelos cursos de graduação em Psicologia. Como indicado nos resultados, a carência na formação sobre o fazer do psicólogo na Assistência Social está presente desde a graduação dos profissionais.
Em meio aos desafios enfrentados, a consolidação de práticas que garantam a proteção social e a prevenção de situações de risco das famílias brasileiras apresenta-se, no cenário contemporâneo, como medida imprescindível para aqueles que gerenciam e atuam nos serviços de proteção social básica. Considerando as diretrizes e os referenciais técnicos que orientam a atuação do psicólogo nos Cras, muitas são as potencialidades que esse profissional pode desenvolver nesse campo de atuação, visando fortalecer os serviços oferecidos à população.
Por fim, considerando os limites do presente estudo, como o número limitado de participantes envolvidos, sugere-se que pesquisas continuem sendo realizadas com o objetivo de colaborar com o processo de construção da atuação do psicólogo. Resultados de investigações no campo poderão fortalecer os profissionais que atuam na área e a política social, fomentando tanto a construção de conhecimento quanto a implementação da política como é preconizada e fortalecendo a Psicologia como disciplina fundamental nesse processo de consolidação da política da assistência social.
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Recebido em: 02/08/2017
Aprovado em: 10/07/2018