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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

 ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.14 no.1 Belo Horizonte jan./abr. 2021

https://doi.org/10.36298/gerais202114e15627 

ARTIGOS

 

Desafios para o cuidado em saúde mental em contextos rurais

 

Challenges for mental health care in rural contexts

 

 

Mauricio Cirilo NetoI; Magda DimensteinII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil. E-mail: mauricioneto_2@msn.com. (orcid.org/0000-0002-5383-6093)
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil. E-mail: mgdimenstein@gmail.com. (orcid.org/0000-0002-5000-2915)

 

 


RESUMO

A atenção em saúde mental voltada às populações rurais é um problema enfrentado em escala mundial, no entanto, está ausente das principais políticas públicas voltadas ao bem-estar social. Embora alguns avanços tenham ocorrido no país com a implantação da Política Nacional de Saúde Mental e com a mudança paradigmática, prática e ética advinda com o referencial da Atenção Psicossocial, as especificidades socioterritoriais e culturais que marcam os contextos rurais ainda não fazem parte do escopo dessas políticas. Assim, objetiva-se discutir os principais desafios para o cuidado em saúde mental identificados por profissionais que compõem equipes de referência para assentamentos de reforma agrária. Para tanto, entrevistou-se 53 profissionais de saúde e da assistência social responsáveis pela cobertura de oito assentamentos rurais. Identificamos que os desafios se referem à constituição de redes de saúde conectadas aos territórios; à consolidação da atenção primária como principal estratégia de cuidado; à construção de práticas na perspectiva da integralidade; à implementação de articulações intersetoriais que atendam à complexidade das demandas da população e, por fim, de oportunidades de Educação permanente para os trabalhadores, de modo que levem em conta as particularidades desses contextos e dos modos de vida da população rural.

Palavras-chave: Atenção psicossocial. Saúde mental. Populações rurais. Cuidados primários.


ABSTRACT

Mental health care for rural populations is a problem faced on a global scale, however, it is absent from major public policies aimed at social welfare. Although some advances have occurred in the country with the implementation of the National Mental Health Policy and with the paradigmatic, practical and ethical change arising from the referential of Psychosocial Attention, the socio-territorial and cultural specificities that mark the rural contexts are not yet part of the scope of these policies. Thus, the objective is to discuss the main challenges for mental health care identified by professionals who make up reference teams for agrarian reform settlements. For this purpose, 53 health and social care professional responsible for the coverage of eight rural settlements were interviewed. We identified that the challenges refer to the establishment of health networks connected to the territories; the consolidation of primary care as the main care strategy; the construction of practices from the perspective of completeness; the implementation of intersectoral articulations that meet the complexity of the population's demands and, finally, opportunities for permanent education for workers, so that they take into account the particularities of these contexts and the ways of life of the rural population.

Keywords: Psychosocial attention. Mental health. Rural populations. Primary care.


 

 

O modelo socioeconômico de dominação patrimonial, ancorado na utilização do Estado de acordo com os interesses das elites políticas e econômicas em detrimento do interesse público, é visivelmente hegemônico no Brasil. Essa lógica, construída ao longo da nossa História, produziu efeitos nefastos em relação às condições de vida das populações rurais, como as altas taxas de pobreza e de isolamento dos serviços de saúde, de Educação e de assistência, moradias precárias, saneamento básico deficiente, entre outros, por meio do desinteresse na efetivação das políticas de reforma agrária e da indiferença à concentração fundiária.

Segundo o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (2019), as taxas de pobreza rural no mundo são sistematicamente mais altas que as urbanas. No Brasil, apenas 15,6% da população vive no meio rural (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2010), sendo que 25% dela encontra-se na faixa de extrema pobreza (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 2014). Isso representa um amplo contingente de pessoas sem acesso à proteção social e à adequada cobertura em saúde pelo SUS, mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Outro problema não menos importante trata-se da coexistência ou sobreposição espacial entre grupos em situação de pobreza e com alta privação que convivem em áreas de risco ou degradação ambiental, como é o caso das populações rurais (Cartier, Barcellos, Hübner & Porto, 2009).

Dessa forma, é sobre essas populações que recai a maior parte dos efeitos advindos da desigualdade social e da pobreza, ou seja, são elas as mais afetadas pelo isolamento, invisibilidade e pouco alcance das políticas públicas, tornando-se alvo indiscutível de vulnerabilização e sofrimento (Dimenstein, Macedo, Leite, Dantas & Silva, 2017a). Como agravante, desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, passando pelo governo de Michel Temer e pelo atual governo Bolsonaro, o Brasil tem experimentado um claro retrocesso nas políticas públicas e o desmonte de uma série de conquistas históricas e de direitos no âmbito da saúde, Educação, meio ambiente, segurança alimentar e acesso à terra.

No que tange à saúde mental dessas populações, é visível sua ausência na construção da agenda e na implementação das principais políticas públicas no país, atualmente alvo de desmonte, tais como a Política Nacional de Saúde Mental e a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). Contudo, as precariedades e a desproteção social que marcam a vida no meio rural, bem como as relações de trabalho historicamente baseadas na exploração, na ausência de direitos trabalhistas, muitas vezes aproximando-se de situações de escravidão, vêm conformando um quadro de morbimortalidade, no qual os transtornos mentais, uso abusivo de álcool e outras drogas, suicídio etc., aparecem de forma significativa (Dimenstein et al., 2017a; Macedo, Dimenstein, Silva, Sousa & Costa, 2018). Por sua vez, a escassez de estudos sobre saúde mental das populações rurais, bem como de serviços e ações organizadas e disponibilizadas para essas populações já vem sendo alertada há anos pela Organização Mundial de Saúde (World Health Organization, 2001).

Entre os estudos encontrados no Brasil, a pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag, 2013) é uma das mais esclarecedoras. O relatório aponta para a gravidade do quadro de saúde da população rural, embora não traga informações detalhadas em relação à saúde mental. Essa pesquisa foi realizada em várias regiões do país e identificou como principais agravos a hipertensão, dores de cabeça constantes, problemas de coluna, disfunções gastrointestinais, alergias e problemas de pele, patologias relacionadas às condições de vida e de trabalho no campo. Ademais, registrou a alta prevalência de doenças relacionadas ao uso crescente de insumos químicos e à inadequação de instrumentos de proteção, que acarretam acidentes e quadros de intoxicação, que atingem essas populações cada vez mais, patologias que quase nunca chegam aos serviços de saúde.

Contudo, o relatório não deixa de registrar a ocorrência de insônia, depressão e de surtos psicóticos, assim como o uso de antidepressivos e ansiolíticos, o contato com diferentes tipos de substâncias psicoativas e, inclusive, a busca por atendimento em Centros de Atenção Psicossocial (Caps) pela população estudada. Pesquisas realizadas em assentamentos rurais e comunidades quilombolas detectaram índices importantes de transtornos mentais comuns e uso abusivo de álcool por essas populações (Dimenstein et al., 2017a; Dimenstein et al., 2016). Segundo Werlang (2013, p. 227), "o meio rural tem sido o lugar privilegiado para a prática suicida, uma vez que este tem se constituído em espaço de fragilidade; que a depressão tem avançado no meio rural constituindo-se, inicialmente, na causa primeira do suicídio; enfim, que há um vínculo estreito entre o fenômeno do suicídio e sofrimento social".

Essas pesquisas indicam que não podemos negligenciar a degradação progressiva observada em termos das condições de vida, de saúde, das relações de trabalho, com o avanço do capitalismo no campo e seus efeitos deletérios na saúde mental. Ademais, que há uma subnotificação importante no país quando se trata dos agravos e mortalidade, como os casos de sofrimento psíquico grave e suicídio. Com o aprofundamento da crise econômica, social e ético-política que perpassa a sociedade brasileira desde 2016, observa-se a intensificação do uso da terra como veículo de exploração e enriquecimento da elite brasileira e transnacional, que rebate no recrudescimento da violência, no agravamento dos conflitos ambientais e no aumento do número de mortes no campo, os quais interferem na forte deterioração das condições gerais de saúde da população rural, em particular da saúde mental.

A pesquisa realizada pela Contag (2013) destacou as principais fontes cotidianas de preocupação dos trabalhadores rurais. O medo da violência no campo apareceu como a segunda mais importante, seguido apenas dos problemas de saúde de forma geral. Nesse rol, podem-se observar também os conflitos familiares, solidão, prostituição infantil e um conjunto de problemas associados às novas modalidades de exploração do trabalho no campo, tais como a pluriatividade, degradação ambiental, alimentos contaminados, falta de conservação das estradas e dificuldades de escoamento da produção, entre outros, que rebatem no bem-estar e geram processos de sofrimento nesses trabalhadores.

Quando se trata dos cuidados em saúde mental, não resta dúvida de que estamos diante de um enorme desafio. Inúmeros estudos mostram os problemas em termos de organização e as barreiras de acesso à rede de saúde, em particular, à Rede de Atenção Psicossocial (Raps) no meio rural. Há uma carência de serviços especializados nessas regiões para atender os casos menos graves que não necessitam internação, acompanhar os pacientes crônicos, fazer a gestão da crise no território, dar assistência ao público infantil e às famílias etc. Portanto, é preciso expandir a cobertura assistencial em saúde mental e superar os vazios assistenciais no meio rural (Silva et al., 2013; Dimenstein et al., 2016; Dimenstein et al., 2018).

Contudo, a desassistência vivenciada pelas populações rurais é efeito de uma complexidade de fatores. Dimenstein et al. (2016) indicam que pensar o ordenamento e a oferta de cuidados em saúde mental no meio rural envolve articular diferentes níveis e dimensões macro e micropolíticas do processo saúde-doença-cuidado, indo desde as políticas públicas que estabelecem a estrutura e as diretrizes técnicas para o trabalho desenvolvido pelas equipes multiprofissionais, passando pela formação acadêmica e os processos de gestão e atenção em saúde mental, até as relações sociais que se estabelecem no cotidiano desses trabalhadores.

O processo saúde-doença-cuidado está imerso em uma complexa teia de elementos micro e macrossociais. Concordamos com Basaglia (1979) que o sofrimento mental é efeito da situação de desigualdade, opressão, intolerância, de marginalização e exclusão de certos sujeitos e grupos sociais. Nesses termos, afirmamos a produção social da saúde mental e a impossibilidade de compreender as práticas de cuidado articuladas somente às variáveis biomédicas e/ou psicológicas (Cirilo Neto & Dimenstein, 2017; Dimenstein, Almeida, Macedo, Leite & Dantas, 2017b). Ou seja, saúde e doença estão articuladas aos diversos níveis de determinação que perpassam a vida e o cotidiano. É efeito das condicionalidades de gênero, sexualidade, raça e etnia, bem como das vulnerabilidades psicossociais dos territórios, da oferta de apoio social e do acesso aos serviços de saúde.

Nesse sentido, o arcabouço teórico da Determinação Social da Saúde (DSS) é muito potente, pois critica o tecnicismo, o reducionismo, a descontextualização histórica e social da produção do conhecimento (Almeida-Filho, 2010; Breilh, 2010; Fleury-Teixeira, 2009; Fleury-Teixeira & Bronzo, 2010; Garbois, Sodre & Dalbello-Araujo, 2014) e defende que as condições de vida interferem no estado de saúde das populações. Buss e Pellegrini Filho (2007) indicam que é imprescindível apreender a produção social da saúde como um processo histórico e cultural. Assim, o modo como as necessidades de saúde é identificado, compreendido e organizado dimensiona o cuidado em saúde mental ofertado. Nesse bojo, a noção de território surge como categoria fundamental para pensar o cuidado em saúde. O território enquanto princípio ordenador das estratégias de cuidado estreita as relações entre o serviço e o contexto de existência concreta das pessoas. Tendo em vista esse horizonte, o planejamento de serviços e projetos terapêuticos requer "olhar e ouvir a vida que pulsa nesse lugar" (Lima & Yasui, 2014, p. 597).

Em razão disso, pretendemos neste trabalho discutir os principais desafios e problemas identificados por profissionais da saúde e de assistência social que compõem equipes de referência para assentamentos de reforma agrária no Nordeste brasileiro, em relação aos cuidados integrados em saúde mental em contextos rurais. Nosso intuito é dar visibilidade às particularidades dos cenários rurais e seus rebatimentos nas formas de cuidado e no ordenamento da rede de atenção psicossocial. Além disso, conhecer os obstáculos em relação ao fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) como nível estratégico de detecção e cuidado em saúde mental para populações assentadas, aumentando, assim, a resolutividade das respostas ofertadas até agora.

 

Método

Este estudo é fruto de uma pesquisa de mestrado intitulada "Cuidado Psicossocial em Saúde Mental: estudo em assentamentos rurais do Rio Grande do Norte" (Cirilo Neto, 2016), que teve como objetivo caracterizar e analisar o cuidado em saúde mental ofertado a moradores de assentamentos rurais do estado em relação aos seguintes pontos: a) conhecimento das necessidades de saúde mental e do território; b) estratégias de cuidado implementadas; c) articulação em rede e continuidade do cuidado; d) desafios para as práticas em contextos rurais. Neste manuscrito, nosso foco é analisar esse último ponto, ou seja, os desafios para o cuidado em saúde mental em territórios rurais.

Os colaboradores da pesquisa foram profissionais que compõem equipes de saúde e assistência social que servem de referência para oito assentamentos rurais do estado, situados nas mesorregiões leste, agreste e oeste potiguar. Como ferramenta metodológica, utilizamos a entrevista semiestruturada. Diante da dificuldade de acesso aos profissionais, constituiu-se uma amostragem intencional, de modo que a prioridade foi dada aos trabalhadores que conheciam os assentamentos e aceitaram participar da pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Participaram 53 profissionais, em sua maioria mulheres (72%), jovens (55% entre 23 e 30 anos), das quais 25% inseridas em equipes de Estratégia de Saúde da Família (ESF); 23%, no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf); 25%, no Centro de Atenção Psicossocial (Caps); 23%, no Centro de Referência de Assistência Social (Cras); e 6%, no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). A análise das entrevistas foi norteada por análise temática de Bardin (2011). A seguir, vamos apresentar os resultados em termos dos desafios indicados pelos profissionais em quatro categorias: a) organização dos serviços; b) centralidade da atenção primária e cuidados integrais; c) práticas intersetoriais; d) educação permanente

Regiões e redes de atenção em saúde: a organização dos serviços

O primeiro desafio apontado pelos profissionais está relacionado à organização dos serviços de saúde e de assistência social. Destaca-se a falta de coordenação do cuidado, de continuidade da atenção psicossocial, de compartilhamento de responsabilidades entre as equipes e, principalmente, de articulação com a realidade e necessidades dos territórios.

Até pouco tempo inexistiam políticas e ações em saúde orientadas para a diversidade e dinâmicas das ruralidades, dos sujeitos sociais, às intensas mobilidades populacionais, modos de produção, aspectos culturais e ambientais e variadas formas de organização em acampamentos e assentamentos rurais, aldeias indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhas etc. Diante dos índices negativos de saúde da população do campo, em 2004, a XII Conferência Nacional de Saúde apontou como um dos principais desafios do SUS a ampliação da acessibilidade pela população rural (Bergamaschi, Teles, Souza & Nakatami, 2012). Nesse caminho, o Ministério da Saúde, em 2005, instituiu o Grupo da Terra com a função de elaborar a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, aprovada em 2011.

A PNSIPCF tem como objetivo melhorar o nível de saúde das populações do campo e da floresta, por meio de ações e iniciativas que reconheçam as especificidades de gênero, de geração, de raça/cor, de etnia e de orientação sexual, objetivando o acesso aos serviços de saúde; a redução de riscos à saúde decorrentes dos processos de trabalho e das inovações tecnológicas agrícolas; e a melhoria dos indicadores de saúde e da sua qualidade de vida. (Ministério da Saúde, 2011, p. 7).

Em relação à saúde mental, a PNSIPCF não avançou suficientemente no reconhecimento das singularidades socioterritoriais e psicossociais dos povos tradicionais. Não há orientação com base nos princípios que constituem a atenção psicossocial, a qual preza pela transformação das relações de poder e a desconstrução de saberes e práticas ancoradas no modelo manicomial (Assis et al., 2014). O acesso de grupos populacionais distantes dos centros urbanos, como ocorre com as populações do campo e da floresta, depende da organização da rede de serviços e ações com base nas características dos territórios. Essa organização deve ser guiada pelas materialidades, fluxos e usos dos territórios, visando à integralidade do cuidado.

No cenário investigado de assentamentos rurais, a regionalização ainda é orientada pela lógica neoliberal de racionalização de recursos e pelos interesses políticos locais, conforme discutido com os profissionais, ao elencarem como principais entraves para o processo de trabalho em contextos rurais a dificuldade de acesso às regiões distantes, a grande quantidade de demandas, problemas na pactuação de serviços regionais, além da carência de retaguarda especializada, o que reforça a hegemonia do hospital psiquiátrico na região, como destaca o enfermeiro em seguida:

A gente tem um hospital regional, porém como os municípios aqui dessa região, E. S., J., V., S. que abrange uma gama de uns 9 municípios, todos eles desembocam no hospital regional de S. A. Então, assim, a demanda lá por ser tão grande, e por não ter psiquiatra, então os clínicos gerais de lá, normalmente eles já encaminham para hospital psiquiátrico. (Enfermeiro da ESF).

De acordo com Ribeiro (2015), o desafio é realizar um planejamento territorial participativo, o que implica diferentes respostas governamentais, nos distintos níveis das políticas públicas. Regionalizar, nesse sentido, corresponde a um recorte político em um determinado território e à construção de respostas, social e institucionalmente articuladas, para problemas cuja solução exige esforços coordenados. O modo como esse processo vem ocorrendo no país contribui para a fragmentação do sistema de saúde, explicitada por um conjunto de pontos isolados de atenção à saúde e sem comunicação, que, por consequência, não prestam uma atenção continuada à população. Em linhas gerais, a territorialização se restringe à delimitação de espaços do ponto de vista político-administrativo, o que impossibilita a ordenação da rede baseada nas necessidades de saúde da população (Mendes, 2010).

Na Raps em estudo, os assentados encontram problemas no que concerne à continuidade do cuidado nas redes de atenção; ao acesso à rede especializada, como os Caps e ambulatórios; ausência de leitos de atenção à crise em hospitais gerais, acarretando em internação psiquiátrica desnecessária; à falta de resposta em relação ao uso problemático de álcool e outras drogas. Quando não encontram respostas no município de origem, buscam os municípios próximos, percorrendo longos itinerários, o que agrava o sofrimento individual e da família. Nessa ocasião, encontram barreiras quase intransponíveis, como equipes que reclamam do volume de demandas e da impossibilidade em responder às necessidades de diferentes municípios. Assim, segundo Silva e Gomes (2013), a regionalização deve garantir respostas aos usuários no menor custo social e econômico. Nesse intuito, requer a elaboração de solidariedades territoriais entre os municípios, se não, o atual modelo reproduzirá, desigual e fragmentado, serviços ineficientes em determinadas localidades.

A especificidade da retaguarda especializada em saúde mental diz respeito à dificuldade de alocar serviços em territórios com baixa densidade demográfica e reduzido número populacional. Diante desse obstáculo, experiências na Espanha podem inspirar o ordenamento da rede de cuidados em contextos rurais. Nesse país, construíram-se programas e planos flexíveis, equipes pequenas e próximas do cotidiano de vida das pessoas, como substituto aos tradicionais equipamentos de saúde mental caracterizados pela cristalização do processo de trabalho, no que concerne à circulação de profissionais, horários de funcionamento do serviço, protocolos de encaminhamento tradicionais e profissionais alocados no serviço (Ministério de Sanidad y Política Social, 2011).

A organização das redes de cuidado em contextos rurais visa ao atendimento das necessidades territoriais, por meio de serviços, programas e estratégias de cuidado locais e singulares. Para tanto, há algumas diretrizes para a organização do processo de trabalho, tais como: a) uso de protocolos para detecção precoce dos usuários, evitando a falta de cobertura; b) ações de base territorial e comunitária, ocupando no mínimo 20% da carga horária; c) programas de atenção domiciliar, atentando para as especificidades territoriais dos contextos rurais; d) alta coordenação entre os serviços de saúde para os casos de maior isolamento territorial, com destaque para a capilarização da Atenção Primária; e) potencialização da Atenção Primária na coordenação do cuidado, bem como a utilização dos equipamentos sociais utilizados pelos moradores; f) intervenção visando à colaboração das famílias, principalmente nas áreas mais distantes; e g) capacitação e formação continuada dos profissionais, contribuindo para qualificar os programas e intervenções psicossociais (Ministério de Sanidad y Política Social, 2011).

Torna-se urgente, então, a revisão das políticas voltadas à saúde das populações do campo e da floresta e adequação da Raps, no intuito de obter maior conexão com as múltiplas redes que integram as populações rurais, de modo sensível ao território, às necessidades de saúde dos usuários, interligada aos equipamentos sociais, grupos comunitários e religiosos, movimentos sociais, cooperativas de trabalhadores, entre outros, ampliando o foco da saúde para o âmbito dos espaços cotidianos de vida.

A centralidade da atenção primária no cuidado integral às populações rurais

O segundo desafio indicado pelos profissionais refere-se à fragilidade da atenção primária e, consequentemente, das equipes da ESF e Nasf produzirem um cuidado integral e continuado na zona rural.

O princípio da integralidade leva em conta a variedade da vida e a realidade vivida dos sujeitos, a singularidade dos atributos sociais, culturais, econômicos, subjetivos e orgânico das pessoas e agrupamentos sociais. Assim, o cuidado integral implica em uma aproximação à experiência vivida das pessoas e reconhece que existem "idiomas culturais de sofrimento" que são mediados pela cultura e que é preciso considerar como essenciais nas trajetórias do cuidado. Portanto, é um cuidado culturalmente sensível, multicultural, congruente e competente. Competência cultural, por sua vez, é a capacidade de compreender as diferenças culturais, a fim de prestar cuidados de qualidade a uma diversidade de pessoas.

Isso implica em estruturar políticas e estratégias de cuidado sensíveis às diversas realidades sociais e individuais, a um conjunto variado de fatores que marcam as condições de vida das pessoas. Os vínculos estabelecidos no território com os profissionais de saúde, e mais especificamente com o profissional da Atenção Primária, devem ser intensamente explorados no cuidado psicossocial em saúde mental em contextos rurais. Reconhecer as potencialidades e possibilidades dos profissionais da Atenção Primária é reafirmar que a atuação em saúde mental não se restringe aos níveis especializados, mas ocorre, sobretudo, nos espaços de sociabilidade e convivência.

Assim, a APS como centro de comunicação e coordenação de cuidado é um elemento indispensável para a efetivação da atenção às populações rurais. Além de ser a porta de entrada preferencial no sistema de saúde, as equipes da ESF lidam diretamente com os problemas cotidianos das pessoas. A OMS recomendou, em nível global, a APS para o cuidado ao sujeito em sofrimento psíquico, bem como destacou a importância do estabelecimento de cuidados em nível comunitário, envolvendo a família e a comunidade na atenção em saúde (WHO, 2001).

Não obstante, é preciso considerar as denúncias de Mendes (2015) acerca dos interesses sub-reptícios na construção da Atenção Primária como estratégia neoliberal de focalização da atenção aos pobres e de racionalização dos gastos públicos em saúde, delegando às famílias e comunidades a responsabilidade pelos seus cuidados. Além disso, as populações assentadas recebem com pouca frequência as equipes de saúde, muitas vezes nunca receberam o agente comunitário no local de moradia, precisam percorrer longas distâncias para acessar a unidade de saúde, grande parte a pé, e enfrentar o tempo de espera para serem atendidos, tal como indicado por uma profissional: "a gente só vai duas vezes por mês e as pessoas aproveitam tudo para ir ao atendimento corrido porque tem que sair de lá às 13h30" (Enfermeira da ESF).

Os estudos de Oliveira et al. (2015) e Uchoa et al. (2011) sobre o acesso aos cuidados primários em contextos rurais evidenciam o impacto positivo nas condições de vida da população. Por meio da Atenção Primária, observou-se o aprimoramento do acompanhamento do pré-natal, do crescimento e desenvolvimento infantil, a qualificação do manejo dos casos de diabetes e hipertensão e a expansão do atendimento odontológico. No tocante à saúde mental, os estudos reforçam cada vez mais a potência da Atenção Primária na atenção aos grupos sociais que se encontram em contextos rurais (Werlang, 2013; Wonca, 2013).

Em relação às necessidades em saúde mental identificadas nos assentamentos, os profissionais indicaram dificuldades que conformam um cenário bastante complexo e multifacetado, como problemas laborais e financeiros, conflitos familiares e violência de gênero, uso indiscriminado de psicotrópicos, uso de drogas ilícitas, compondo um cenário de vulnerabilidade individual e social que está relacionado ao sofrimento vivenciado pela população, conforme aponta médica cubana vinculada ao Programa Mais Médicos, quando relaciona drogadição às condições socioeconômicas e de saúde observadas na comunidade:

É todo um problema para a pessoa quando já está provocando um problema de saúde, o alcoolismo não como uma doença, mas quando já começa a causar problemas socioeconômicos e biopsicossociais ao paciente, por exemplo, quando o paciente já começa a apresentar problemas com a família, com os vizinhos da comunidade, problemas no trabalho, ou problemas de saúde como gastrite, diabetes, hipertensão.

A despeito de alguns indicarem a diversidade de atravessamentos sociais, a maioria dos profissionais não consegue estabelecer correlações entre as condições de vida e os problemas de saúde mental. Há uma naturalização dessas condições e desconsideração dos fatores socioambientais que interferem na saúde mental, desembocando em ações limitadas, como pode ser observado no relato a seguir: "Semana passada eu fui fazer a primeira visita, foi de uma moça que a filha dela morreu no parto, ela acabou caindo em uma depressão pós-parto que se transformou em outro transtorno, eu ainda tenho dúvida que transtorno seja esse" (Psicóloga do Cras).

Essas ações focalizadas e reducionistas é efeito da hegemonia do modelo tecnoassistencial biomédico que modela uma assistência individualista e curativista, incentiva a procura desenfreada do serviço para restabelecimento da saúde, cria um ciclo de oferta e demanda por essa modalidade de assistência. Sendo assim, tais práticas não oferecem abertura para a emergência de qualquer outra necessidade de saúde que não seja codificada por essa lógica que objetifica o sujeito e suas demandas em saúde (Graziano & Engry, 2012).

Assim, para Ayres (2014), é indispensável a superação das perspectivas reducionistas acerca do processo saúde-doença das populações em condição de vulnerabilidade. A complexidade dos processos implicados nas condições de saúde exige outros modos de inteligibilidade não redutíveis à luz do paradigma biomédico hegemônico da saúde. O autor aposta em arranjos tecnoassistenciais sensíveis às diversidades e peculiaridades das necessidades de saúde e, portanto, com potência para responder adequadamente a elas.

Reafirmar outros modos de compreender implica repensar as tecnologias de atenção à saúde. Nesta pesquisa, diante das questões de saúde dos moradores, os profissionais habitualmente baseavam o cuidado mediante uma lógica curativista, individualista e focalizada na doença, constituindo ações despreocupadas com as particularidades, saberes e iniciativas locais, com pouca participação dos usuários nos processos decisórios de seu projeto terapêutico. Como exemplo, o enfermeiro do Caps conduz sua análise sobre o sofrimento mental a partir da ausência de aminoácidos e vitaminas: "Se for olhar pelo lado científico do negócio, a gente sabe que uma pessoa normal, quando ela está privada de glutamina e privada de complexo B, ela pode desenvolver, coisa que é muito comum a gente encontrar pessoas de rua não ter a mente, são pessoas que eram normais e devido a isso".

As ações em saúde estão sustentadas por modelos instituídos e idealizados de saúde. Nesse cenário, o cuidado se realiza pela aplicação de programas verticalizados e descontextualizados, bem como pela transposição de uma lógica de cuidado etnocêntrica, orientada para ambientes urbanos, que ao ser implementada nesses territórios não responde às necessidades de saúde dos moradores, garantindo baixa resolutividade.

Conforme Ayres (2014), a renovação do cuidado é um desafio que pode ser enfrentado por meio da transformação do horizonte normativo das práticas de saúde. De acordo com o autor, o cuidado não pode se reduzir ao êxito técnico, usualmente reproduzido nos serviços por meio da aplicação de instrumentos, exames, mas deve ser guiado pelo sucesso prático visado, isto é, pelas ferramentas consideradas adequadas para equacionar os problemas de saúde. Para Merhy (2013), as tecnologias leves, relacionais, agenciadas entre trabalhadores e usuários, podem orientar as práticas de saúde, na direção de uma clínica das singularidades. A produção desses espaços dialógicos oportuniza apreender as peculiaridades dos modos de vida no campo, a história de luta pela reprodução social na terra e constituição de sujeitos políticos; os diversos modos de trabalho na terra; as sociabilidades que se estruturam; as redes sociais que compartilham; os modelos familiares que escapam da família tradicional burguesa; as crenças e religiosidades; as concepções diferenciadas de saúde e práticas populares de cuidado, retirando as populações de um território estático, identitário e homogeneizador, inserindo-os em um território processual, dinâmico e aberto à transformação.

Em outras palavras, em nossa investigação, as equipes da ESF e Nasf enfrentam problemas no acolhimento e produção de cuidados integrais para enfrentar as demandas de saúde mental. Os trabalhadores reclamam da pouca habilidade e competência para manejar os casos de saúde mental e têm um discurso muito arraigado à ideia de periculosidade, o que tem levado à recusa em fazer atendimentos a esses usuários. Desse modo, o encaminhamento para o nível especializado é a resposta padrão dada aos casos de saúde mental, tal como descrito na fala a seguir: "Olhe, eu nunca trabalhei essa questão de saúde mental e nem gosto. [...]. Porque quando acontece geralmente passa pela médica e ela encaminha para o Caps. É, aí ela já faz os encaminhamentos lá para o Caps" (Enfermeira da ESF).

Acerca do apoio matricial realizado pelas equipes de Nasf, estratégia adotada pelo Ministério da Saúde para fortalecer as ações de saúde mental na Atenção Primária, nota-se que o Núcleo não vem contribuindo para a ampliação das habilidades e competências dos profissionais. O matriciamento apresenta um caráter meramente assistencial, limitando-se a atendimentos pontuais e de natureza ambulatorial; discussões dos casos problemáticos; visita domiciliar quando extremamente necessária. Os atendimentos e intervenções conjuntas entre os trabalhadores do Nasf e ESF ao usuário, família e comunidade não faz parte do cotidiano dos serviços. Os problemas detectados estão relacionados à saturação das demandas; cristalização do estilo de trabalho; bem como a problemas de gestão nos serviços, como a pouca autonomia na gerência de trabalho pelas equipes, priorização da assistência e pressão por produção, além do privilégio de práticas individualistas em detrimento daquelas de caráter comunitário.

Guiada por experiências internacionais, Dimenstein (2013) afirma a potência dos cuidados primários, na medida em que permite a complexificação e ampliação das estratégias de cuidado, incluindo elementos como relações comunitárias, produção e trabalho. As ações da Atenção Primária possibilitam atacar os diversos fatores que impactam negativamente a vida das famílias e comunidades, à luz de Buss e Pellegrini Filho (2007). Nesses moldes, a Atenção Primária torna-se para as populações rurais a referência mais importante no atendimento à saúde, sendo o ponto de convergência de diversas políticas públicas, como a PNSIPCF, a política nacional de saúde mental e de assistência social.

Apesar das iniciativas já existentes representarem movimentos importantes em direção ao acesso de qualidade às populações rurais, conforme apontado pelo relatório do Observatório da Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, esclarece Soares (2014) que a cobertura das equipes de ESF ainda se encontra comprometida em áreas rurais, principalmente as que têm baixa densidade populacional, constituindo um desafio ainda a ser superado pelas gestões locais. Nesta investigação, os moradores ainda se encontram desassistidos durante certos períodos devido ao rodízio das equipes pelas diferentes comunidades ou troca pelas gestões municipais, criando amplos vazios assistenciais.

Práticas intersetoriais: complexificação do cuidado

No cenário investigado, os profissionais apostam na rede intersetorial de cuidado para oferecer respostas efetivas para as necessidades de saúde identificadas, porém, identificam muitos desafios para operar de forma articulada.

A intersetorialidade é um modo de gestão das políticas públicas, de organização de redes de atenção e de metodologias de trabalho que favorece a integralidade da atenção em saúde mental, uma vez que contempla a complexidade do contexto de vida dos sujeitos. Isso é ainda mais evidente quando se observa a atenção em saúde mental às populações rurais, dado que as particularidades dos seus modos de vida e trabalho exigem uma articulação entre as políticas, além das deficiências existentes em relação à retaguarda assistencial, que só podem ser sanadas por meio da conexão dos diversos equipamentos de saúde e socioassistenciais.

Mesmo assim, inexistem ações conjuntas entre as diferentes equipes e setores das políticas públicas, obstruindo a elaboração de práticas intersetoriais. Para ilustrar o problema em questão, a psicóloga do Nasf aponta a ausência de comunicação e articulação entre os diferentes equipamentos de saúde e socioassistenciais:

Não, não. Até então não tem articulação, mas nós estamos bolando algumas estratégias já para nos articularmos com eles. Porque algumas situações nós realmente precisamos do Cras, algumas intervenções precisam ser realizadas. E aí a gente realmente está tentando se aproximar deles para poder a gente trabalhar em equipe. Inclusive na questão dos grupos. (Psicóloga do Nasf).

Dessa maneira, outro desafio para o cuidado em saúde mental em contextos rurais é a composição de um plano comum entre os setores das políticas públicas, com a participação da comunidade. O compromisso ético e sanitário de responder à multidimensionalidade das questões de saúde solicita respostas coordenadas, integradas, complexas e plurais, o que implica articulação intersetorial (Assis et al., 2014). Em contextos rurais, a regionalização em saúde e a elaboração de redes de atenção exigem respostas que não se circunscrevem apenas ao campo de atuação do setor de saúde.

A ação intersetorial traz como imperativo o planejamento integrado e a pactuação de objetos de intervenção comum e prioritários entre os diferentes setores e a comunidade. Diante disso, é importante a criação de estruturas políticas e institucionais que propiciem a cooperação e o compartilhamento de objetivos. No que se refere aos assentamentos, apesar dos problemas observados no acompanhamento do cotidiano das famílias, o agente comunitário de saúde ainda vem funcionando como elo entre a saúde e a assistência social. "Eu ainda tenho mais contato com o agente comunitário, principalmente quando o Bolsa Família é bloqueado, porque às vezes a criança não tá sendo acompanhada direito, é quando eu consigo falar mais com a equipe de saúde" (Psicóloga do Cras).

Assim, sublinhar a produção de uma rede intersetorial de cuidados baseada nas necessidades sociais e de saúde das populações rurais exige a organização local e regional de redes de cuidado, com intensa participação e controle social (Wonca, 2013).

Educação, formação e capacitação para atenção à saúde das populações rurais

Outro desafio encontrado no cotidiano de trabalho dos profissionais diz respeito aos problemas na formação e ausência de capacitação para o manejo das questões de saúde mental em contextos rurais: "Não, sinceramente, uma coisa que aprendi na faculdade é que ela não forma, ela informa. Ela simplesmente informa, eu me lembro de ter simplesmente ouvido falar do Caps, e me lembro de ter estudado algumas doenças, que a gente paga aquelas disciplinas básicas, mas que não dá conta do universo do Caps" (Psicóloga do Caps).

A incorporação do debate sobre a determinação social da saúde sobre as dinâmicas territoriais na construção de cuidados para os povos do campo requer mudanças no paradigma hegemônico biologicista, tecnicista, hospitalocêntrico, curativista e individualista ainda reproduzido na formação em saúde. A formação de profissionais de saúde é um determinante importante, tendo em vista que são os trabalhadores que operam os cuidados nos territórios. Então, experiências durante a graduação, como o Programa de Educação pelo Trabalho (PET-Saúde), ou ainda iniciativas recentes na pós-graduação, como a Residência Multiprofissional em Saúde do Campo, que conectam a formação aos princípios e diretrizes do SUS, são imprescindíveis. Ademais, as políticas de interiorização do ensino superior podem contribuir para a contextualização da formação de profissionais, desde que sejam ofertados processos formativos em saúde nas próprias comunidades.

Outras iniciativas também merecem ser evidenciadas, como o curso de formação a distância voltado para a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta, via Rede UNA-SUS (Rede da Universidade Aberta do SUS), planos de qualificação da atenção às populações do campo. Todavia, é urgente a construção de estratégias de educação permanente, descentralizadas e equitativas, de modo que contemple as necessidades dos pequenos e médios municípios que enfrentam dificuldades na construção de ações de capacitação para os trabalhadores, denunciado pelos participantes da investigação, quando alegaram a escassez de vagas e processos de seleção duvidosos: "Por causa disso, a gente vai ter que buscar, e o curso mesmo, às vezes até aparece cursos interessantes, mas infelizmente para as secretarias, às vezes os secretários dão mais preferência em ficar na unidade atendendo, e tem muito curso que a gente sabe que vem do SUS, do Ministério, né?" (Enfermeira da ESF).

Desenvolver estratégias de educação em saúde articulando universidade, comunidade e serviço pode constituir um poderoso dispositivo de aprendizagem, suscitando, de acordo com Franco (2015), deslocamentos, rupturas, desterritorialização, dos atuais modos de subjetivação no campo da saúde para outros condizentes e direcionados à produção de cidadania e justiça social. No tocante à saúde mental, ainda fortemente ancorada no saber-poder psiquiátrico, fomentar processos formativos nesses contextos colabora para a ampliação da concepção de saúde e de ferramentas psicossociais, o que favorece a produção de saberes e práticas locais, intimamente ligados aos contextos socioculturais, em detrimento do colonialismo e hierarquização dos saberes (Dantas, 2014).

 

Considerações finais

Os resultados deste estudo permitem sinalizar que há enormes desafios à produção do cuidado em saúde mental em contextos rurais, desde a organização de redes territorializadas e intersetoriais coordenadas pela APS, passando pela superação de modelos tradicionais de gestão e de práticas profissionais, até dificuldades em ter uma compreensão ampliada acerca do cuidado psicossocial a partir da perspectiva da determinação social da saúde mental. Apesar dos avanços na expansão da APS, ela ainda não consegue acolher de forma equitativa e integral as populações rurais. Por fim, os resultados alertam que a formação em saúde mental precisa contemplar aspectos que envolvam as peculiaridades das condições de vida e saúde das populações rurais, incluindo a Educação permanente dos trabalhadores, de forma que o cuidado psicossocial seja agenciado nos territórios, abranja tecnologias de cuidado singulares, contextualizadas e culturalmente sensíveis.

 

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Recebido em: 14/4/2018
Aprovado em: 30/5/2020

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