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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.9 n.2 Florianópolis dez. 2009

 

ARTIGOS

 

Implicações do teletrabalho: um estudo sobre a percepção dos trabalhadores de uma região metropolitana

 

The telework implications: a study about the perception of workers in a metropolitan region

 

 

Edgar Pereira JuniorI; Maria Elisabeth Salvador CaetanoII

IGraduado em Psicologia. Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. edgpj@yahoo.com.br. lattes http://lattes.cnpq.br/1183945584659659
IIProfessora da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP. mecaetan@unimep.br. lattes http://lattes.cnpq.br/7423783247874516

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo buscou identificar, por meio de questionários, as percepções de trabalhadores, convencionais e teletrabalhadores sobre as implicações do teletrabalho, forma de produção não-presencial nas organizações, em uma região metropolitana do estado de São Paulo. A pesquisa indicou que, na perspectiva dos teletrabalhadores, os resultados e a produtividade melhoraram; a avaliação realizada pelo superior e pela família sobre sua condição de trabalho era compreendida como positiva; e, além da satisfação por serem teletrabalhadores, consideravam como boa ou ótima a qualidade de vida pessoal. Por outro lado, os trabalhadores convencionais reconheceram os benefícios do teletrabalho, mas se mostraram pouco interessados em migrar para ele, divergindo também quanto às dificuldades em ser um teletrabalhador e as competências necessárias ao teletrabalho. As implicações psicológicas e sociais consequentes do excesso de carga de trabalho e do isolamento social, mesmo que tais fatores tenham sido reconhecidos por todos os participantes, foram minimizadas pelos praticantes, sugerindo que o teletrabalho poderá revelar consequências ainda não identificadas, inclusive para aqueles que hoje o aprovam.

Palavras-chave: psicologia e informática, tecnologia, trabalho, globalização.


ABSTRACT

This study searched to indentify the perceptions of workers, conventional and teleworkers, by using questionnaires about the implications of the Telework, a way of production without presence in organizations, in a metropolitan region of São Paulo state. The research indicated that, in teleworkers perspective, results and productivity improved; they understood as positive, the manager and family assessments about their work condition; and considered themselves satisfied being a teleworker and as good / great their work-life balance. On the other hand, conventional workers recognized the benefits of Telework, but were little interested in migrating to it; also disagreeing about the difficulties of being a teleworker and the necessary skills to be one. The psychological and social implications in consequence of excessive work and the social isolation, even that these factors had been recognized by all participants, were minimized by practitioners, suggesting that the Telework might reveal consequences not yet identified, including for those approving it nowadays.

Keywords: psychology and computer sciences, technology, labour, globalization.


 

 

A partir do final do século XX, modernas tecnologias, nas áreas de telecomunicação e informática, têm promovido transformações em alta velocidade na sociedade. A revolução tecnológica e da Informação vem sustentado a ideia de mundo globalizado e, consequentemente, produzindo novos hábitos, comportamentos e formas de interagir no ser humano (Bauman, 1999; Castells, 2000; Cebrián, 1998; Levy, 1999; Nicolaci-da-Costa, 2004).

Segundo um dos principais analistas dessa revolução, Castells (2004), as mudanças mais profundas ocorreram na economia (com a flexibilização da gestão e a globalização do capital, da produção e docomércio) e na sociedade (com a valorização da liberdade e da comunicação aberta). A noção de liberdade se dá principalmente através da internet, a rede mundial de computadores, onde é possível alcançar uma autonomia que traz à imaginação uma amplitude de fronteiras (Cebrián, 1998) e encoraja um estilo de relacionamento quase independente de lugares geográficos e de tempo (Levy, 1999). Transformações psicológicas também estão sendo produzidas, "gerando a emergência de uma nova organização subjetiva menos centrada, mais superficial, mais ágil, menos presa a projetos de longo prazo" de acordo com Nicolaci-da-Costa (2002).

A difusão tecnológica mais rápida e ampla se deu no setor da sociedade que é a principal fonte de riqueza de capital: as empresas privadas. O uso da tecnologia passou a ser fundamental para a competitividade e a produtividade de qualquer empresa, em qualquer lugar do mundo (Castells, 2004). Nesse contexto, emergiu uma nova estrutura ocupacional que dá maior valorização às posições claramente informacionais (administradores e profissionais especializados de ensino superior), bem como às profissões ligadas a serviços, sistemas e vendas, em detrimento do profissional operacional - seja ele rural ou industrial (Castells, 2000).

Castells (2004) afirma que o trabalho humano continua a ser a fonte de produtividade e competitividade, mas salienta que, com a evolução da revolução tecnológica, somente serão valorizados, nas empresas, os profissionais que têm a capacidade de organizar, focalizar e transformar toda informação em conhecimento para a produção de inovação e de riqueza. Isso cria uma maior pressão para o trabalhador, exigindo dele maior nível de qualificação, aprendizado constante, iniciativa e autonomia.

Dentre as características da nova organização social e econômica, duas impactam diretamente o trabalhador: a tendência mundial de administração empresarial descentralizadora e o declínio constante do emprego formal tradicional, com consequências para o crescimento do trabalho flexível, temporário, de meio expediente, terceirizado, autônomo e à distância (Castells, 2004).

O Teletrabalho

Como resultado das novas experiências sobre a utilização do tempo e do espaço na pós-modernidade, surge o conceito de teletrabalho na prática empresarial (Araújo, 2002; Kugelmass, 1996). Segundo Almeida (apud Mello, 1999, p. 4), o teletrabalho "... é o ato de exercer atividades em um domicilio ou local intermediário, visando competitividade e flexibilidade nos negócios", ou seja, forma de produção não-presencial, com utilização de tecnologia disponível.

Os meios tecnológicos portáteis, cada vez mais potentes, possibilitam a multiplicidade do espaço de trabalho, já que é possível ter acesso ao escritório de casa, do carro, do restaurante, do aeroporto, do hotel, à noite, nas férias, etc.. A alta tecnologia, aliada às dificuldades de espaço e de transporte nas grandes metrópoles, fez com que o teletrabalho fosse avançando, inicialmente em grandes empresas dos segmentos de telecomunicações, informática, consultorias, auditorias e publicidade, multiplicando-se, em seguida, para os mais diversos segmentos e portes organizacionais (Castells, 2004).

Dentro das empresas, esse sistema de trabalho é mais usual nas áreas de vendas e prestação de serviços, nas quais os profissionais já passam parte do tempo fora do escritório. Entretanto, as áreas administrativas, informacionais e gerenciais também atuam como trabalhadores à distância, mas de maneira parcial, de um a três dias na semana, em meio expediente ou de maneira esporádica, a depender da empresa, do trabalho e das necessidades ou características pessoais e familiares do trabalhador (Mello, 1999). Castells (2000) apresenta três categorias de teletrabalho:

Integral: trabalho com emprego regular à distância, em 90% a 100% do tempo;

Autônomo: trabalho on-line realizado totalmente em domicílio, sem vinculo empregatício;

Complementador: trabalho do escritório convencional, realizado em domicílio, de Castells maneira esporádica ou em meio expediente, por trabalhadores regulares.

Categorias de Teletrabalho Castells (2000)

O teletrabalho pode ser praticado em qualquer lugar, mas seu ambiente mais usual é o chamado home office, a residência do trabalhador, na qual o profissional, com um telefone e um computador, tem acesso à empresa. Essa forma de trabalho é, muitas vezes, estimulada pela empresa por meio de "presentes", como um telefone celular e um notebook (Mello, 1999).

Na literatura especializada (Araújo, 2002; Boonen, 2002; Castells, 2000; Cebrián, 1998; Costa, 2006; Kugelmass, 1996; Mello, 1999), são encontradas algumas implicações positivas e negativas do teletrabalho. Para a empresa, ele é considerado como positivo pela imediata queda dos custos, dos índices de absenteísmo, do turnover e da alta de produtividade dos trabalhadores. Indiretamente, são implicações citadas a melhoria da qualidade dos serviços prestados ao cliente, a satisfação do empregado e os benefícios ambientais. Já para o trabalhador, são consequências benéficas mencionadas: a maior qualidade de vida, a proximidade da família, a flexibilidade de horários, o menor estresse, a satisfação profissional proporcionada pela sensação de autossuficiência e a autoimagem de profissional responsável e comprometido. A mesma literatura também aponta dificuldades que podem ser encontradas pelos teletrabalhadores: a individualização das atividades, o isolamento social, a perda da ação coletiva, o gerenciamento falho do tempo, o aumento da carga de trabalho (e, consequentemente, da pressão emocional e do estresse), a distração e a invasão familiar ao ambiente profissional. Salienta-se, porém, que tais impactos do teletrabalho são manifestações ainda não confirmadas em estudos empíricos, e autores, como Levy (1999) defendem o aumento das redes sociais e a diminuição do individualismo no mundo tecnológico.

Outra importante implicação do teletrabalho levantada na bibliografia consiste nas características de personalidade e competências comportamentais que são exigidas dos trabalhadores que atuam à distância, como maior autonomia, proatividade, criatividade, automotivação, autodisciplina, espírito inovador, concentração, planejamento, flexibilidade, elevado nível de autoestima, comprometimento e responsabilidade (Boonen, 2002; Costa, 2006; Mello, 1999; Rodrigues, 2007). A passagem da cultura gerencial "paternalista" para o gerenciamento por resultados, com metas e feedbacks, também modifica a relação entre empresa e trabalhador (Kugelmass, 1996; Mello, 1999; Rodrigues, 2007).

Relações de emprego e trabalho transbordam da esfera profissional para o bem-estar social e influenciam o estilo de vida das pessoas (Araújo, 2002). Novos espaços, como os proporcionados pelo teletrabalho, geram novas necessidades, demandas, regras, formas de agir e viver que vão compor um novo ser (Nicolaci-da-Costa, 2004). De acordo com Castells (2000) e Nicolaci-da-Costa (2004), observa-se a necessidade da produção de conhecimento para compreender essa realidade que se apresenta com mudanças tão velozes. Entretanto, ainda são poucos os trabalhos nacionais que analisam os efeitos da revolução tecnológica em andamento, e menor ainda é a quantidade de estudos sobre o teletrabalho.

A partir da Psicologia Organizacional e do Trabalho, buscou-se compreender as implicações do teletrabalho sobre os indivíduos, na percepção dos próprios trabalhadores, sejam eles ainda convencionais ou já teletrabalhadores de uma região metropolitana do interior do estado de São Paulo, centro produtivo do Brasil.

Este artigo procurou investigar algumas das implicações do teletrabalho, identificando: as variáveis do teletrabalho que promovem mudanças positivas e negativas nas esferas pessoais e profissionais, segundo a perspectiva dos trabalhadores (convencionais ou teletrabalhadores); a percepção dos participantes da pesquisa sobre as características pessoais e competências comportamentais que são diferenciais exigidos dos teletrabalhadores; a comparação entre trabalhadores convencionais e teletrabalhadores relativa aos objetivos anteriores; e como os teletrabalhadores e as pessoas que estão próximas a eles percebem a interferência do teletrabalho nas suas vidas.

 

MÉTODO

Com base na revisão bibliográfica realizada e nos objetivos propostos, foi desenvolvida uma pesquisa que contou com a participação de 24 teletrabalhadores e 23 trabalhadores convencionais, totalizando 47 participantes. A escolha pela inclusão de trabalhadores convencionais na amostra coletada visava a comparar suas respostas com as dos teletrabalhadores. Não houve predefinição do número de participantes, apenas do período da coleta dos dados: os meses de dezembro de 2007 e janeiro de 2008, definidos por conveniência.

O campo de coleta de dados foi uma consultoria de seleção de profissionais especialistas em suas áreas e de executivos, localizada em uma região metropolitana do interior de São Paulo. Essa definição tinha como perspectiva obter pluralidade de áreas de trabalho, cargos, segmentos, portes e nacionalidades das empresas dos participantes. Pela característica da consultoria, a população atendida foi composta por profissionais de áreas e cargos de nível superior, tidos na bibliografia como os de maior emergência, em se tratando de usuários de sistemas tecnológicos. Os participantes foram convidados pelo pesquisador quando compareciam à recepção da consultoria para participar da entrevista para algum processo seletivo. Só participaram aqueles que responderam e devolveram o questionário no momento do convite, após a leitura e assinatura do Termo de Consentimento, que continha breve apresentação sobre o tema e os objetivos da pesquisa, conforme estabelecido pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

Entretanto, compreende-se a limitação do campo e dos resultados obtidos por este estudo, pela possibilidade de viés vinculado ao fato de a população estar num contexto de processo seletivo para emprego, apesar de o pesquisador não estar envolvido com a seleção, os pesquisados não estarem concorrendo diretamente à cargos de teletrabalho e o caráter voluntário e sigiloso da pesquisa. Considerando também o número de participantes da amostra, é possível identificar que as contribuições deste trabalho podem ser aproveitadas, mas as frequências devem ser avaliadas com ressalvas.

O questionário, com roteiro estruturado a partir dos dados levantados na pesquisa bibliográfica, elaborado e aplicado pelo pesquisador, tinha questões objetivas que se referiam a sexo, idade, escolaridade, cargo atual e segmento da empresa; categoria de teletrabalho (com instruções segundo as definições de Castells (2000) apresentadas na introdução: integral, complementador e autônomo); nível de transformação que a revolução tecnológica gerou; dependência de pares e da equipe nos resultados do trabalho; a quem o teletrabalho beneficia; características de personalidade que diferenciam teletrabalhadores dos trabalhadores convencionais; vantagens e dificuldades do teletrabalho; e o interesse em se tornar ou continuar como teletrabalhador.

Exclusivamente aos teletrabalhadores foi questionado o porquê da opção em ser teletrabalhador; equipamentos tecnológicos utilizados; evolução da produtividade no trabalho; mudanças na carga horária de trabalho; sua avaliação sobre ser um teletrabalhador, a do seu superior e a da sua família.

A análise dos dados foi realizada através do método quantitativo, com a leitura das respostas e organização de tabelas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A maioria dos 47 participantes foi composta por profissionais do sexo masculino (68,1%), com faixa etária predominante entre 25 a 45 anos (72,3%) e com formação superior completa (85,1%). Quanto à atual situação profissional, a maioria ocupava as funções de analistas, consultores e afins (53,2%) ou supervisores, coordenadores e gerentes (27,7%), nos mais diversos segmentos de negócios (20 foram citados). Os dados de identificação confirmaram a expectativa, descrita na metodologia, sobre a população do campo escolhido para a pesquisa, ou seja, a de possuir escolaridade e cargos de nível superior e representar diversos segmentos de negócios.

É importante salientar que profissionais com nível superior ainda não representam a maioria dos trabalhadores brasileiros. A força de trabalho predominante, segundo informações do próprio mercado de trabalho, apresenta pouca qualificação profissional, pois é formada por um sistema de ensino que não acompanha, na mesma velocidade, as exigências de capacitação profissional. Isso embasa a tese de Castells (2000) sobre o porquê de a estrutura ocupacional informacional emergente apresentar dificuldade em encontrar candidatos com perfil para as suas demandas, numa época em que o desemprego é alto.

Dos participantes entrevistados, 48,9% eram trabalhadores convencionais e 51,1% teletrabalhores. Mesmo sendo uma pequena diferença e considerando os limites estatísticos do estudo - que não possibilitam a afirmação de que essa porcentagem represente a realidade do mercado -, o fato de a maioria ser constituída de teletrabalhadores parece indicar a tendência a essa forma de trabalho entre profissionais que possuem nível superior, o que corrobora a expectativa mundial apresentada na introdução teórica. A participação na pesquisa de profissionais dos mais diversos segmentos de negócios também contribui para a constatação de que o teletrabalho tem cada vez mais se tornado presente no mercado de trabalho da região pesquisada.

Ao analisar os dados de identificação referentes aos 24 teletrabalhadores, confirmaramse as frequências médias dos dados de identificação da população geral, com a maioria dos teletrabalhadores situada na faixa entre 25 e 45 anos de idade (62,5%), formação superior completa (91,7%) e atuando como analistas, consultores e afins (58,3%), ou supervisores, coordenadores e gerentes (29,2%) em suas empresas. Destaca-se, nesses dados, a predominância do sexo masculino (75%) entre os teletrabalhadores, o que parece indicar menor identificação das mulheres participantes desta pesquisa com os cargos relacionados ao trabalho à distância. Esse é um resultado que surpreende e deve ser investigado em novas pesquisas com diferentes campos de coleta, pois, ao se pensar em algumas características inerentes ao teletrabalho - liberdade para a escolha da hora em que as atividades serão desenvolvidas e do local, que pode ser a própria residência da pessoa -, seria esperada presença de mulheres, pelo seu compromisso, em nossa sociedade, com uma jornada dupla de trabalho, o que não ocorreu neste estudo.

Embora o teletrabalho seja apontado como uma nova tendência na forma de produção, a região pesquisada parece guardar, em parte, a cultura do trabalho coletivo, socialmente partilhado e sob controle da organização. Isso pode ser deduzido do fato de a maioria dos teletrabalhadores atuar na categoria teletrabalho complementador (54,2%), ou seja, com vinculo formal com a empresa e atuação regular no escritório, embora trabalhando à distância esporadicamente ou em meio expediente. Trabalhavam completamente à distância os pertencentes à categoria teletrabalho integral (20,8%), que, apesar do registro formal em carteira, desenvolviam atividades em outros locais fora dos escritórios e os autônomos (25%), que trabalhavam em casa sem vinculo empregatício formal. Esses dados indicam que as empresas e os profissionais ainda têm adotado a manutenção do vinculo de trabalho mais convencional, com seus colaboradores presentes no interior das organizações, mesmo que em parte do expediente diário.

A absoluta maioria de trabalhadores convencionais (95,7%) e teletrabalhadores (91,7%) respondeu que a revolução tecnológica mudou muito ou mudou completamente o seu dia a dia de trabalho, demonstrando que percebem as mudanças que vêm enfrentando, decorrentes dessa "revolução". Ao serem questionados sobre "quem é o maior beneficiado pelo teletrabalho?", 91,3% dos trabalhadores convencionais e 91,7% dos teletrabalhadores acreditavam ser o teletrabalho um benefício tanto para a empresa como para o trabalhador. Ou seja, em geral, trabalhadores percebiam a influência do teletrabalho no seu cotidiano, mas uma influência positiva, com benefícios para eles e para as empresas.

Essa visão positiva dos teletrabalhadores sobre seu trabalho é confirmada quando se observa a resposta à pergunta sobre se havia interesse do participante "em continuar sendo um teletrabalhador". Nesse caso, verifica-se que 91,7% deles apresentaram interesse em continuar nessa condição. Esse resultado significativo parece revelar um alto nível de satisfação desses profissionais. Por outro lado, os trabalhadores convencionais se dividiram quanto a esse interesse, e 56,5% responderam que não gostariam de adotar esse tipo de trabalho à distância no futuro. Aqui se tem um dado de reflexão interessante, já que, apesar de ambas as categorias (trabalhador convencional e teletrabalhador) considerarem o teletrabalho como um benefício para a empresa e para o trabalhador, e de praticamente a totalidade daqueles que se encontram nesta condição ter interesse em nela permanecer, observa-se que os trabalhadores convencionais apresentaram certa resistência para assumi-la. Seria importante a continuação de um trabalho que investigasse os motivos dessa resistência frente à opinião de que ele seria benéfico, mas não para si próprios. Considerando-se os 43,5% dos trabalhadores convencionais que responderam ter interesse em se tornar teletrabalhadores, um questionamento poderia ser feito: essa modalidade de trabalho seria atrativa, ou seria vista como inevitável? Isso porque os constantes avanços na tecnologia da informação e a realidade de economia de custos sugerem que o teletrabalho logo se tornará uma necessidade para as empresas que quiserem continuar competitivas (Kugelmass, 1996).

Para Cebrián (1998), na medida em que uma concepção de globalização é espalhada, aumenta o individualismo entre os trabalhadores. Nesse processo, imposto pela revolução tecnológica, as distâncias se encurtam, e é possível ter acesso a mais pessoas, a espaços e a informações (mais de uma ao mesmo tempo), mas as relações tornam-se mais frágeis (Castells, 2004). Nesse sentido, quando se observa a opinião dos participantes sobre "quem é o responsável pelo resultado do trabalho?", confirma-se, em parte, esse individualismo. Nela se observa que 39,1% dos trabalhadores convencionais e 45,8% dos teletrabalhadores têm a percepção de que o resultado depende apenas dele próprio, apesar de estar conectado em rede com muitas pessoas; ou seja, cada um realiza seu trabalho de forma individual e solitariamente. Para esses participantes, a equipe não parece importante para a sua produtividade, indicando um padrão de independência e fragilidade, na relação com os pares, tanto dos que trabalham à distância como dos que trabalham somente na empresa. Tal fato parece combinar com o processo de reestruturação das empresas e das organizações imposto pela tecnologia que tem no trabalho individual e na relação entre homem e máquina um maior valor (Araújo, 2002). Mas, se compararmos outro dado para a mesma questão, de que 39,1% de trabalhadores convencionais responderam ser o resultado um produto do trabalho em equipe, com os 29,2% dos teletrabalhadores que possuíam essa mesma interpretação, verificamos que, apesar de o trabalho individual ser comum à população em geral, no teletrabalhador isso é ainda mais acentuado, talvez pelo isolamento social e pela individualização do trabalho ser ampliada.

Teletrabalhadores e trabalhadores convencionais tiveram avaliações próximas quanto às implicações positivas de ser um teletrabalhador. Em ambas as avaliações, representadas na Tabela 1, a maioria dos respondentes indica melhor qualidade de vida (68% dos teletrabalhadores e 52,2% dos trabalhadores convencionais), maior proximidade com a família (75% e 65,2% respectivamente) e, principalmente, a maior flexibilidade de horários (91,7% dos teletrabalhadores e 100% dos trabalhadores convencionais) como os benefícios desse tipo de atividade. No item "ausência de controle presencial", 56,5% dos trabalhadores convencionais consideraram como algo positivo, enquanto apenas 33,3% dos teletrabalhadores tiveram a mesma avaliação. Essa constatação parece indicar que nem sempre não ter um "chefe por perto" é bom; a figura do superior, ao mesmo tempo que significa controle, pode significar também apoio, respaldo, direção. Nesse sentido, uma pesquisa que buscasse compreender o papel de controle exercido pelos gestores no teletrabalho seria de grande importância para o processo de gestão de pessoas. Quanto a outros fatores, observou-se a unanimidade das respostas negativas em relação à melhora dos níveis de estresse e de pressão, indicando que essa modalidade de trabalho não difere das contingências aversivas e invasivas da forma de produção presencial.

Na avaliação das implicações negativas impostas pelo trabalho fora do escritório, observa-se que há discrepância na percepção dos trabalhadores convencionais em relação à dos teletrabalhadores. A maioria dos teletrabalhadores via como dificuldades a serem enfrentadas o isolamento social (70,8%) e a maior carga de trabalho (50,0%). Já os trabalhadores convencionais minimizaram as consequências da maior carga de trabalho (39,1%) e do isolamento social (52,2%) e potencializaram a distração e invasão familiar (82,6%) versus 45,8% das respostas emitidas pelos teletrabalhadores a esse item. A avaliação mais crítica das dificuldades, apresentada nas respostas dos trabalhadores convencionais, repetiu-se em relação aos itens perda de ação coletiva (56,5%) e o falho gerenciamento do tempo (56,5%), que foram apontadas por apenas 41.7% e 25%, respectivamente, dos teletrabalhadores. De um modo geral, as dificuldades relativas ao teletrabalho foram potencializadas pelos trabalhadores convencionais, o que indica sua visão sobre essa forma de desempenhar atividades laborais como a menos agradável e satisfatória do que as formas como as desempenhavam no momento. Essa concepção pode ter sido um dos fatores responsáveis pelo fato de 56,5% dos trabalhadores convencionais não demonstrarem interesse em se tornar teletrabalhadores, indicado anteriormente. Por outro lado, é possível inferir que os teletrabalhadores consideram menores as implicações negativas e, por isso, a sua opção por continuar nessa condição de teletrabalho (91,7%), apesar do reconhecimento do isolamento social e da maior carga de trabalho.

Analisando as relações entre homem e trabalho, e trabalho e sociedade, Castells (2004) considera que a perda de parte da proteção institucional leva a uma crise da relação entre o trabalho e a sociedade, tornando os trabalhadores mais dependentes de suas condições individuais. Devido ao isolamento da equipe, essa dependência das condições individuais torna-se mais evidente para aqueles que trabalham à distância. Os 47 participantes da pesquisa avaliaram 17 características pessoais e competências comportamentais citadas na bibliografia pesquisada como importantes ao trabalhador moderno, e aos teletrabalhadores foi solicitado que identificassem cada uma delas como mais importante para o teletrabalhador, para o trabalhador convencional ou para ambos, independentemente de desenvolverem suas atividades presencialmente na empresa. As respostas demonstraram que nenhuma competência ou característica foi indicada pelos dois grupos como mais importante para o trabalhador convencional. A maioria dos participantes pertencentes às duas populações concordou que as competências organização, pró-atividade, aprendizado constante, capacidade de negociação, criatividade, concentração, planejamento, sociabilidade, autoestima, comprometimento, responsabilidade e ética são importantes tanto para teletrabalhadores como para os trabalhadores convencionais. Assim, pode-se dizer que os participantes viram tais competências como fundamentais ao profissional moderno, e consideraram-nas importantes no dia a dia do trabalhador, estando ele no escritório ou não. Em relação às competências mais importantes e cobradas àqueles que praticam o teletrabalho, não houve consenso entre os teletrabalhadores e trabalhadores convencionais. Os teletrabalhadores responderam que as competências autonomia (66,7%), capacidade de adaptação (45,8%), flexibilidade (54,2%), automotivação (45,8%) e autodisciplina (75%) eram fundamentais e mais importantes no teletrabalho; já para os trabalhadores convencionais, era necessária, para o teletrabalho, apenas maior autonomia (56,5%) e autodisciplina (43,5%). É possível inferir que os teletrabalhadores, como estavam vivenciando a condição de trabalho à distância, tinham maior clareza sobre as competências que seriam mais exigidas e avaliadas pelas empresas.

As respostas ao questionário final específico destinado aos teletrabalhadores mostraram que, para a maioria deles (62,5%), o motivo de terem começado a trabalhar à distância foi resultante de negociação de interesses entre a empresa e o próprio trabalhador. Essa negociação demonstra que trabalhadores e empresa puderam avaliar antecipadamente a situação como positiva. Dentre os equipamentos tecnológicos utilizados pelos teletrabalhadores, os mais citados foram o laptop (70,8%) e o celular (83,3%), sugerindo que as empresas estimulam seus funcionários a realizarem o trabalho fora do escritório. Computador e telefone doméstico mostraram-se comuns para respectivamente 50% e 41,7% dos teletrabalhadores, enquanto o smartphone era realidade para apenas 16,7%.

A análise das respostas dos teletrabalhadores mostra ainda que, para 75% deles, os resultados e a produtividade melhoraram com o teletrabalho, mesmo que 79,2% das respostas indicassem um aumento na carga de trabalho. Apesar do aumento de trabalho, a maioria dos teletrabalhadores (87,5%) considerou que a satisfação em ser teletrabalhador e a sua qualidade de vida pessoal era boa ou ótima, assim como foi positiva a avaliação recebida do superior na empresa (88,9%) e de sua família sobre a condição de trabalho à distância (75%).

 

CONCLUSÃO

A partir dos resultados do estudo bibliográfico e da pesquisa realizada, é possível pressupor que essa nova forma de trabalho não-presencial nas organizações deve se consolidar no mercado da região metropolitana do interior de São Paulo pesquisada, com perspectiva de crescimento no futuro próximo, especialmente dentre os profissionais jovens e com ensino superior.

Apesar do elevado índice de satisfação apresentada pelos teletrabalhadores em relação à sua atual condição e das avaliações positivas recebidas das organizações e de seus familiares, implicações negativas foram evidenciadas, como o parcial isolamento do ambiente social do escritório e do aumento da carga horária de trabalho. Essas alterações parecem contribuir para o individualismo e a perda da ação coletiva, ainda que isso seja pouco reconhecido pelos teletrabalhadores. Frente à necessidade de as empresas mesclarem escritório e casa, na busca de melhores resultados, como é a prática dos teletrabalhadores complementadores, parece ser essa uma forma de equilíbrio tanto para o social quanto para o psicológico dos teletrabalhadores, que passam a ter possibilidades de usufruir das implicações positivas de melhor qualidade de vida, de estar mais próximo da família e de ter flexibilidade de horários, sem perder o elo com o social na empresa. Essas condições de trabalho foram percebidas como benefícios do trabalho à distância pelos teletrabalhadores e pelos trabalhadores convencionais. Apesar de reconhecerem tais benefícios, os trabalhadores convencionais demonstraram pouco interesse em migrar para o teletrabalho.

Sobre as competências comportamentais necessárias para o desenvolvimento do teletrabalho, verificou-se que o teletrabalhador tem mais clareza do perfil exigido para essa forma de produção do que o trabalhador convencional. Assim, faz-se necessário orientar o trabalhador convencional para o desenvolvimento das competências autonomia, adaptação, autodisciplina, automotivação e flexibilidade, quando da opção por essa modalidade de trabalho; já outras competências, como organização, negociação, criatividade, proatividade, planejamento etc., parecem indispensáveis ao profissional moderno, estando ou não no escritório. A escolha de qual delas constituirá um determinado perfil varia de cargo para cargo e de empresa para empresa.

Os praticantes do teletrabalho se consideram bem avaliados por seus superiores e por suas famílias, com implicações consideradas positivas, como bem estar psicológico e melhor qualidade de vida, embora as implicações sociais sejam preocupantes para o futuro desses profissionais em termos de isolamento social e de individualismo.

Este estudo possibilita concluir que os participantes veem o teletrabalho como benéfico; que os teletrabalhadores desejam continuar nessa condição, mas os trabalhadores convencionais não o desejam. Mesmos os praticantes do teletrabalho não conseguem perceber como o aumento na carga de trabalho, o isolamento social e o individualismo decorrentes dessa prática impactam ou impactarão em sua vida social e pessoal, em médio e longo prazo.

Cabe ressaltar que, devido à escolha metodológica de abordar profissionais em situação de processo seletivo para uma vaga de emprego, é de grande importância o desenvolvimento de novos estudos com outras metodologias que propiciem o aprofundamento dos resultados desta pesquisa e a verificação de eventuais vieses da população estudada.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Segundo Cebrián (1998):

...a sociedade global da informação é um fato que está aqui, que pertence a nós e ao qual nós pertencemos de maneira indiscutível, que nos rodeia por todos os lados, nos esmaga com seus excessos, nos seduz com suas promessas e nos agride com suas incógnitas. (p. 142).

Essa afirmação alerta para o fato de que a revolução tecnológica é indiscutível e irreversível, mas devemos atentar para os excessos, promessas e incógnitas que ela produz. Isso se evidencia nos resultados deste estudo, segundo os quais indivíduos praticantes do teletrabalho mostraram-se contentes com os benefícios dessa modalidade para sua vida particular e profissional, independentemente do aumento da carga e do horário de trabalho, bem como do parcial isolamento social que ele proporciona. Além disso, veem a aprovação de seus superiores e de sua família como um incentivo a mais para a continuidade dessa prática nessas condições. O exercício do teletrabalho é muito recente e pode ter consequências ainda não conhecidas ou imprevisíveis até para aqueles que hoje aprovam esse contexto. Especialmente as implicações que o excesso de carga de trabalho e de isolamento social, com o aumento do individualismo e da perda da ação coletiva poderão produzir nos teletrabalhadores, implicações que ainda não podem ser compreendidas em toda sua amplitude, devido ao pouco tempo de sua implantação.

A emergência do virtual cria uma sociedade mais universal (extensa, interconectada, interativa). O virtual e a velocidade que ele propicia não fazem com que o espaço real desapareça, mas que espaços informacionais, relacionais ou concretos mais amplos sejam explorados e aproveitados (Levy, 1999). Conviver, ao mesmo tempo, com o velho e o novo e ver-se diante da impossibilidade de acompanhar a velocidade das mudanças são situações que tornam tudo muito confuso. Estudar para melhor compreender o mundo do trabalho é uma tarefa interdisciplinar. Assim, cabe também à Psicologia analisar mais profundamente as implicações ainda não visíveis das alterações mais frequentes no dia a dia de adeptos ao teletrabalho, bem como outros impactos que a revolução tecnológica causa a todos.

Estudar o mundo do trabalho tem sido primordial e urgente, pois, afinal, o trabalho na contemporaneidade é um forte determinante para a construção de muitas das formas de se viver em sociedade, e o homem se constitui a partir dos referenciais dados por sua atividade laboral. A saúde física e mental das pessoas é fortemente influenciada pelo trabalho, e a sociedade se estrutura a partir dele. Assim sendo, este estudo é o início de um longo trabalho, e torna-se necessário continuá-lo, para que se possam produzir conhecimentos que possibilitem compreender melhor as implicações dessa nova forma de trabalho (semipresencial ou não-presencial) nas organizações, com o uso de outras metodologias e de outras questões de estudo como as apontadas na discussão dos resultados, na perspectiva de contribuir para a saúde dos trabalhadores, das empresas e da sociedade como um todo.

 

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Endereço para correspondência:
Rua Joaquim Líbano Pires, 217, Vila Miranda
CEP 13170-330, Sumaré (SP), Brasil

Recebido em: 26.01.2009
Aprovado em: 30.09.2009
Publicado em: 22.03.2010

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