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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.15 no.2 Brasília jun. 2015

https://doi.org/10.17652/rpot/2015.2.495 

Redes sociais e o vínculo com a organização: como a estrutura das relações explica o comprometimento, o entrincheiramento e o consentimento

 

Social networks and links with the organization: how the structure of relations explains the commitment, entrenchment and consent

 

Las redes sociales y el vínculo con la organización: cómo la estructura de las relaciones explica el compromiso, el atrincheramiento y el consentimiento

 

 

Magno Oliveira MacambiraI,1; Antônio Virgílio Bittencourt BastosII,2; Luciano RossoniIII,3

IUniversidade Federal da Bahia
IIUniversidade Federal da Bahia
IIIUniversidade do Grande Rio

 

 


RESUMO

A partir da perspectiva da análise de redes sociais no contexto organizacional, buscou-se evidências de como a estrutura das relações sociais influencia os vínculos dos trabalhadores com suas organizações, mais especificamente, o comprometimento organizacional, o entrincheiramento organizacional e o consentimento organizacional. Para responder a essa questão, foram coletados dados referentes a seis grupos de trabalhadores de diferentes empresas em um delineamento transversal e prioritariamente quantitativo, totalizando 172 participantes, aos quais foi aplicado um questionário contendo a medida da rede social de confiança e as escalas para medir os três vínculos com a organização, previamente validadas. Foram utilizadas regressões múltiplas (método stepwise) identificando-se cada um dos preditores relacionais, analisados em três níveis de imersão: posicional, relacional e estrutural. Cada um dos vínculos apresenta, entre seus antecedentes, variáveis relacionais que auxiliam na explicação da intensidade dos construtos analisados e que os diferenciam em termos de preditores. Indicadores de coesão grupal afetam mais fortemente o entrincheiramento e, sobretudo, o consentimento organizacional. Novos estudos podem ampliar a contribuição de como a imersão social no contexto organizacional pode afetar a natureza e a intensidade dos vínculos do trabalhador com a organização.

Palavras-chave: Análise de redes sociais; comprometimento organizacional; entrincheiramento organizacional; consentimento organizacional; vínculos com a organização.


ABSTRACT

From the perspective of analyzing social networks in the organizational context, we sought evidence about how the structure of social relations influences the links workers have with their organizations, more specifically, organizational commitment, organizational entrenchment, and organizational consent. To answer the question, we collected data from six groups of workers from different companies in a cross-sectional and primarily quantitative design, totaling 172 participants, who answered a questionnaire containing the measure of the social network of trust and the scales to measure the three links with the organization, previously validated. Multiple regressions (stepwise method) were used, identifying each of the relational predictors assessed at three different levels of social embeddedness: positional, relational, and structural. Each of the links has, among its antecedents, relational variables that help explain the intensity of the constructs analyzed and that differentiate them in terms of predictors. Group cohesion indicators more strongly affect entrenchment and, above all, organizational consent. New studies can broaden the contribution regarding how social embeddedness can affect the nature and intensity of workers' ties to the organization.

Keywords: Analysis of social networks; organizational commitment; organizational entrenchment; organizational consent; ties with the organization.


RESUMEN

Desde la perspectiva del análisis de redes sociales en el contexto organizacional, se buscaron evidencias de cómo la estructura de las relaciones sociales influyen en los vínculos que los trabajadores establecen con sus organizaciones, específicamente, su compromiso organizacional, su atrincheramiento organizacional y su consentimiento organizacional. Para responder esta pregunta, se colectaron datos de seis grupos de trabajadores de diferentes empresas siguiendo un diseño transversal y cuantitativo, totalizando 172 participantes, a los cuales se les aplicó un cuestionario que contenía la medida de la red social de confianza y las escalas que evalúan los tres vínculos de con la organización, previamente validadas. Fueron utilizadas regresiones múltiples (método stepwise) donde se identificaron los predictores relacionales, analizados en tres niveles de inmersión: posicional, relacional y estructural. Cada uno de los vínculos presenta, entre sus antecedentes, variables relacionales que ayudan a explicar la intensidad de los constructos analizados y que los diferencian de sus predictores. Indicadores de cohesión grupal afectan más el atrincheramiento y, sobretodo, el consentimiento organizacional. Nuevos estudios pueden ampliar la comprensión de cómo la inmersión social en el contexto organizacional puede afectar la naturaleza y la intensidad del vínculo del trabajador con la organización.

Palabras-clave: Análisis de redes sociales; compromiso en la organización; atrincheramiento organizacional; consentimiento organizacional; vínculos con la organización.


 

 

Esta investigação adota a perspectiva da análise de redes sociais (ARS) no contexto organizacional, buscando evidências de como a imersão na estrutura das relações sociais, mais especificamente, as relações de confiança entre trabalhadores que integram equipes de trabalho, influenciam os vínculos que tais trabalhadores desenvolvem com suas organizações. O contexto organizacional tem se revelado particularmente frutífero para o desenvolvimento teórico e metodológico da ARS, apresentando como variáveis de análise temas como poder, rotatividade, performance, atitudes no trabalho, dinâmicas competitivas e inovação (Carpenter & Li, 2012).

Parte importante da relevância dos estudos de redes sociais em organizações se deve ao fato da ARS fornecer um aparato metodológico que permite articular os níveis micro (individual), meso (grupal) e macro (organizacional) para examinar temáticas que ficam, na maioria das pesquisas, restritas ao nível micro. É o caso, por exemplo, das atitudes no trabalho e, mais especificamente, dos vínculos que o indivíduo desenvolve com a organização, objeto da presente investigação.

Avaliando o estado da arte, o campo do comportamento organizacional inclui uma série de construtos que se reportam à noção de "vínculo" entre o indivíduo e inúmeros aspectos ou dimensões do mundo do trabalho no qual se insere. Dentre todos eles, o comprometimento organizacional possui uma larga tradição de pesquisa. Em uma ampla revisão sobre esse construto, Cohen (2000) traça um importante painel do estado da arte sobre os múltiplos comprometimentos no trabalho. O aspecto de interesse dessa produção sobre comprometimento para justificar o recorte do presente estudo, neste momento, refere-se ao nível de análise dominante na pesquisa sobre o comprometimento do trabalhador com sua organização. Em geral, a pesquisa toma como unidade de análise o trabalhador individual e busca, com os dados agregados em unidades maiores (grupos, setores e ou organizações), encontrar variáveis, em diferentes níveis (predominantemente mensuradas a partir de percepções e avaliações dos indivíduos), que predizem a variabilidade observada nos escores.

No conjunto de estudos revisados, por exemplo, existem evidências de que características do grupo de trabalho (especialmente coesão e papel da liderança) são preditores de comprometimento (Allen & Meyer, 1990). No entanto, mesmo os estudos que levam em consideração a interdependência dos atores na avaliação do comprometimento, não superam uma avaliação individual, deixando de atingir a compreensão de como a relação entre os atores pode estar estruturada, tendo o comprometimento organizacional como uma dimensão que aproxima ou afasta pessoas.

Entre os motivos que justificam o crescimento do interesse em ARS no meio científico e que estão na base do presente trabalho, encontra-se o esforço de romper com uma visão atomicista e individualista nos estudos organizacionais, abrindo espaço para concepções mais relacionais que ampliem a compreensão dos fenômenos em questão. Os estudos sobre redes sociais, especialmente as redes sociais informais, mostram-se bastante heurísticos para uma abordagem que toma a organização como uma unidade social, cujas características fundamentais emergem de processos de construção de significados. As raízes dessa perspectiva podem ser buscadas na década de 1930, a partir dos trabalhos de Chester Barnard.

Para Barnard (1971), as organizações são "sistemas cooperativos, formados por pessoas que se comunicam entre si e desenvolvem ações tendo em vista alcançar um propósito comum" (p. 65). Como bem assinala Morgan (2007), no trabalho de Barnard, a ênfase recai nos próprios membros da organização, na formação natural de grupos, na comunicação e num sistema de autoridade horizontal, o que gera uma grande preocupação das empresas em selecionar e em formar bons líderes, já que eles devem funcionar como forças de coesão e desempenhar importante papel na construção da realidade social.

Essa ênfase nas pessoas e nos grupos, nos processos decisórios e nos mecanismos que fazem com que um mesmo aspecto da realidade possa ser percebido e significado de forma diferente pelos atores organizacionais, consolida-se na abordagem da "construção social", claramente explicitada nos trabalhos de Karl Weick, no final dos anos sessenta. Para Weick (1995), a organização é vista com significados intersubjetivamente partilhados, exigindo uma atenção cuidadosa às inter-relações que são construídas pelos indivíduos. Outra marca importante nos trabalhos de Weick é o rompimento com a visão clássica de organizações como entidades racionais e burocráticas, já que ele define as organizações como sistemas frouxamente unidos (não racionalmente planejados e executados), que têm no comprometimento o elo entre os atores sociais.

Coerente com o conjunto de ideias desenvolvidas por Weick, Anderson (1983) assevera que as organizações formam unidades sociais encarnadas em escolhas, na publicização dessas escolhas e no fato de elas serem consideradas irreversíveis. Os objetivos organizacionais emergem através de um processo social que envolve argumentação e debate, em um ambiente em que as justificativas têm um papel central para a legitimação das decisões.

É exatamente aí que o conceito do comprometimento se torna central. O comprometimento auxilia na compreensão de uma série de dimensões da vida organizacional, entre elas as escolhas realizadas pelos atores na organização, que podem afetar as funções para as quais eles se sentem atraídos, as razões que os movem, os valores que direcionam suas realizações, os planos que são admirados e as pessoas com quem estão alinhados.

Em consonância com o pressuposto de que as interações entre os atores organizacionais são centrais para a compreensão de inúmeros fenômenos organizacionais, alguns estudos exploram as relações entre redes sociais e fenômenos psicossociais em contextos organizacionais, como o de Lazer (2001), que aponta a similaridade de atitudes entre atores que interagem em uma rede. Pode-se afirmar, assim, que o comprometimento organizacional, tanto quanto o entrincheiramento com a organização e o consentimento organizacional, tomados como atitudes dos trabalhadores, são fortalecidos no interior de relações que o empregado constrói no seu ambiente de trabalho, fruto tanto das relações previamente estabelecidas quanto do conjunto de relações informais que ele voluntariamente constitui no dia a dia.

Weick (1995) e Lazer (2001) postulam claramente que o comprometimento é uma atitude com impacto importante na vida das organizações, que são, em última análise, padrões recorrentes de interação entre pessoas que ganham uma continuidade no tempo. Entretanto, até então, os estudos de redes sociais e as pesquisas sobre vínculos dos trabalhadores não exploraram, empiricamente, essa relação. Considerando tal lacuna, o estudo desenvolvido tem como objetivo central analisar como a imersão na estrutura relacional influencia os níveis do comprometimento organizacional, do entrincheiramento com a organização e do consentimento organizacional, articulando os níveis de imersão posicional, relacional e estrutural do indivíduo na sua rede de confiança como potenciais antecedentes dos vínculos do trabalhador com a organização.

 

Análise de redes sociais

Podemos definir a análise de redes sociais como uma perspectiva de análise estruturalista, que busca compreender a dinâmica das relações sociais, fundamentada por um conjunto de micro-teorias advindas de disciplinas das ciências sociais e exatas (Macambira, 2013). Para buscar uma resposta mais precisa aos problemas formulados, o foco de interesse desloca-se para a noção de homofilia, que se caracteriza pela tendência de as pessoas priorizarem, em suas relações pessoais mais duradouras, outros sujeitos que mantenham relações de similaridade, tanto de traços sociodemográficos (McPherson & Smith-Lovin, 1987) quanto de características subjetivas (McPherson, Smith-Lovin, & Cook, 2001).

No contexto organizacional, muitos estudos se voltaram para a identificação dos efeitos das redes sociais na carreira individual e no sucesso organizacional (Ibarra, 1997) e no desempenho individual e do grupo (Ibarra, 1992; Krackhardt & Stern,1988). A partir da operacionalização da noção de homofilia e compreendendo os vínculos como atitudes desenvolvidas pelo trabalhador, é possível encontrar um nível de análise que suporte a questão: como a estrutura das relações explica o comprometimento, o consentimento organizacional e o entrincheiramento na organização?

As evidências mais próximas, que chegam a uma resposta ao questionamento realizado, vêm do trabalho de Macambira (2009), que identifica relações estatisticamente significativas entre o comprometimento organizacional (até então identificado por duas dimensões, a afetiva e a instrumental) e indicadores da estrutura de relações dos trabalhadores em três níveis de análise. Contudo, não identificamos uma resposta precisa na literatura da área sobre a direção de causalidade dessa relação, o que constitui uma lacuna de conhecimento a ser preenchida.

Vínculos com a organização

O modelo tridimensional de comprometimento organizacional proposto por Meyer e Allen (1991), que diferencia as bases afetiva, normativa e de continuação como geradoras de diferentes formas de compromisso com a organização, tem sido questionado nos últimos anos (M. P. Cunha, Rego, R. C. Cunha, & Cabral-Cardoso, 2004; Solinger, Olffen, & Roe, 2008). As críticas fundamentam-se em três principais vertentes: a) trata-se de uma ampliação indevida do conceito de comprometimento (um esticamento, como define Solinger et al., 2008), aproximando-se mais de um modelo explicativo da intenção ou da permanência do indivíduo na organização, já que a natureza do vínculo que caracteriza as diferentes bases são muito distintas para serem abarcadas pelo mesmo conceito de comprometimento; b) as evidências empíricas revelam que embora o indivíduo possa permanecer na organização por gostar (afetiva), necessitar (continuação) ou por um sentimento de obrigação (normativa), há diferenças importantes tanto nos fatores antecedentes como em outros consequentes.

Sendo assim, como tratar como um fenômeno único, algo que tem antecedentes e gera consequências muito distintas? E, finalmente, (c) as medidas das três bases apresentaram, especialmente em contextos distintos de onde foram propostas, sobreposições, especialmente entre as bases afetiva e normativa; ou várias outras soluções, que não unidimensional, no caso da base instrumental.

Trabalha-se, aqui, com a proposta desenvolvida por Rodrigues (2011) e Silva e Bastos (2010) de que as três bases de comprometimento do modelo tridimensional são, na realidade, três distintos vínculos. Rodrigues (2011) propõe o conceito de entrincheiramento organizacional como um substituto para a base de continuação do modelo tridimensional. Silva (2013) desenvolveu o construto de consentimento organizacional para diferenciar o comprometimento (vínculo ativo) de um vínculo passivo, marcado pela obediência às normas organizacionais.

Assim, o comprometimento organizacional volta a ser conceituado unidimensionalmente, como uma vinculação afetiva que o trabalhador desenvolve com a organização, produto de um processo de identificação e associado a um sentimento de pertença. O entrincheiramento organizacional, como proposto, envolve a transposição para a organização de um vínculo inicialmente concebido para a carreira por Carson e Bedeian (1994). O desenvolvimento de uma medida e as análises que mostraram a sua sobreposição com a medida de comprometimento de continuação permitiram a Rodrigues (2009) conceituar esse novo vínculo com a organização como integrado por três dimensões constituintes:

• Ajustamentos à posição social (APS): adaptação dos comportamentos do trabalhador à posição que ele assume na organização em termos de tempo de dedicação e à percepção de que sua saída traria perda do reconhecimento social e de parte da rede de relacionamentos.

• Arranjos burocráticos impessoais (ABI): percepção de que abandonar a organização acarretaria perda das recompensas e dos retornos materiais que a organização provê.

• Limitação de alternativas (LA): percepção de pouca ou nenhuma chance de reinserção no mercado caso deixe a organização à qual está vinculado.

Finalmente, o consentimento organizacional, apresentado por Silva (2009) para equacionar as tensões entre duas noções de comprometimento que conviveram ao longo de décadas. A primeira noção (ativa), sugere condutas proativas e uma adesão crítica aos objetivos e fazeres organizacionais. A segunda noção, indica uma postura passiva e reflete uma ideia de obrigação para com a organização, lealdade e um forte senso de dever (Bar-hayim & Berman, 1992) e se distanciam dos comportamentos pró-sociais (O'Reilly & Chatman, 1986). A noção de um comprometimento como obediência e adesão, está presente, por exemplo, na base denominada compliance, proposta por Kelman (2006).

As bases teóricas e o próprio termo "consentimento" foram buscados na Sociologia do Trabalho. O trabalho de Halaby (1986), que ressalta que o vínculo com a organização, menos do que algo afetivo, envolve a internalização das normas no ambiente de trabalho. Na Psicologia Social, especialmente nos trabalhos sobre conformidade, C. A. Kiesler e S. B. Kiesler (1973), também fundamentam a definição do conceito de consentimento.

Tais fundamentos são particularmente importantes para o presente estudo. Os processos psicossociais que geram a conformidade, levam a algumas consequências, a saber: semelhança de opinião (visão de que, se as pessoas concordam com outras, devem também gostar delas); utilidade de opinião (mudanças comportamentais para o indivíduo ser bem quisto socialmente); definição do eu (as opiniões socialmente bem vistas passam a ser compartilhadas pelo indivíduo para a manutenção de um autoconceito positivo); fatores de atenção (o indivíduo dá mais importância e atenção aos que já são atraentes); e credibilidade (consequência lógica dos fatores de atenção, quando o indivíduo ganha mais confiança e credibilidade à medida que dedica mais atenção ao grupo de referência).

Todas essas características levam os empregados a se sentirem mais semelhantes aos demais, o que pode contribuir para o fenômeno da homofilia. Ou seja, aqueles que compartilham de uma série de valores ou atitudes em certo ambiente social, por aceitação íntima, naturalmente vão compartilhar relações de confiança, referenciando-se reciprocamente. Por outro lado, aqueles que obedecem às normas impostas, mas não as aceitam intimamente, tenderão a apresentar uma estrutura relacional mais dispersa e menos coesa com o grupo.

Tomando como base a literatura sociológica sobre obediência e as contribuições sobre conformismo nos estudos da cognição social, Silva e Bastos (2010) desenvolveram uma escala para mensurar o consentimento organizacional, inicialmente concebida como bidimensional: obediência (adesão cega às normas organizacionais) e aceitação íntima (introjeção de valores e normas vistos como corretos). Após estudos exploratórios e confirmatórios, tal escala foi redefinida, constando apenas de um único fator cujo conteúdo se restringe ao fator inicialmente definido como obediência cega. Silva (2013) argumenta que o fator aceitação íntima sobrepõe-se fortemente com a medida de comprometimento afetivo, o que poderia gerar uma nova confusão conceitual.

Em síntese, trabalhou-se com um modelo que diferencia três possíveis vínculos do sujeito com a sua organização empregadora que não podem ser tratados como diferentes fatores ou bases de um mesmo conceito - comprometimento. Esse último, define-se como o vínculo afetivo fundado na identificação com valores.

O entrincheiramento reporta-se a uma relação decorrente de uma avaliação calculativa, em que os custos da saída e as alternativas existentes são elevados para o sujeito. E, por fim, o consentimento refere-se à adesão obediente às normas organizacionais, introjetando o papel de subordinado, de onde pode decorrer o sentimento de obrigação por contribuir para os seus objetivos.

O presente estudo buscou analisar os possíveis impactos da inserção dos indivíduos nas redes sociais de confiança (a estrutura das redes sociais) na intensidade com que tais vínculos estão presentes, dentro de um projeto mais amplo de contribuir com elementos empíricos para identificar diferenças existentes entre essas formas de o trabalhador se vincular à sua organização empregadora.

 

MÉTODO

Participantes

Para a operacionalização dos objetivos desta investigação de corte transversal, em que as técnicas de reconhecimento e análise do fenômeno podem ser caracterizadas como prioritariamente quantitativas, foram definidos, como unidades de análise, seis departamentos de trabalho, envolvendo seu coordenador e o grupo de trabalhadores, abrangendo, ao todo, 172 trabalhadores formais distribuídos em seis organizações.

Tomou-se como unidades participantes departamentos ou setores de pequeno porte presentes na estrutura organizacional e com a função de gestão formalizada. Não foram incluídos grupos de trabalho temporários, montados em função de objetivos ou tarefas com prazos definidos de conclusão. Foram, portanto, unidades organizacionais mais perenes.

O primeiro grupo era composto de trabalhadores de uma empresa de serviços de saúde em atuação no Norte e Nordeste voltada para a comercialização de planos de saúde e prestação de serviços médico-hospitalares. O segundo grupo, formado de trabalhadores de uma empresa de publicidade, com serviços de produção de marketing em meios digital e impresso. O terceiro grupo veio de uma empresa de jornalismo que produz e comercializa jornais para todo Norte e Nordeste. A quarta unidade é uma organização auxiliar da administração pública estadual, responsável pela implementação de programas de modernização, descentralização, busca de investimentos e capacitação de recursos humanos. A quinta unidade pode ser descrita como uma empresa de médio porte, de fabricação e distribuição de aparelhos para pilates e, por fim, a última unidade-alvo da coleta de dados caracteriza-se como uma unidade do Sistema Único de Saúde (SUS), de referência em todo o estado da Bahia. Todas as empresas têm sede em Salvador (BA).

Para garantir os cuidados éticos, o questionário foi aplicado diretamente pelo pesquisador e colaboradores, impedindo que a organização tivesse qualquer contato com o conteúdo das redes sociais ou níveis de comprometimento do trabalhador. Os participantes foram convidados, sendo voluntária a participação na pesquisa, aceitando o termo de consentimento livre e esclarecido.

Instrumentos

Foram utilizadas três escalas para avaliar os vínculos que o trabalhador desenvolve com sua organização empregadora. A primeira delas é a escala de comprometimento organizacional. Foi validada uma versão reduzida, a partir da escolha dos cinco itens com maiores cargas fatoriais e que cobrissem a extensão do conteúdo abarcado pela definição de comprometimento com base na escala de comprometimento organizacional proposta e validada por Bastos, Siqueira, Medeiros e Menezes (2008). Ela possui uma única dimensão (que enfatiza a natureza afetiva do vínculo), com cinco itens. A avaliação da escala apresenta um alpha de 0,79, com uma variância explicada de 56%.

A segunda foi a escala de entrincheiramento organizacional. Também foi validada uma versão reduzida, a partir da escolha de quatorze itens com maiores cargas fatoriais que cobrissem a extensão do conteúdo abarcado pela definição de entrincheiramento, com base na escala proposta e validada por Rodrigues (2009). A escala de entrincheiramento organizacional, na versão reduzida, apresentou um alpha de 0,74, com uma variância explicada de 49%. A escala validada possui três dimensões - ajustamento à posição social com cinco itens, limitação de alternativas com cinco itens e arranjos burocráticos impessoais, com quatro itens.

A terceira escala avaliou o consentimento com a organização e também envolveu a validação de uma versão reduzida da escala original, resultando em um conjunto de seis itens, com alta carga fatorial e mantendo toda a extensão do conteúdo abarcado pela definição constitutiva de consentimento. A versão reduzida é unidimensional, com alpha de 0,75 e 58% de variância explicada.

As três escalas apresentam um escalonamento do tipo Likert de seis pontos, distribuídos de "Discordo totalmente" a "Concordo totalmente", sem a possibilidade de estado neutro ou zero. Juntas, formaram as três variáveis atitudinais utilizadas para testar a predição das variáveis relacionais e sociodemográficas.

O questionário sociométrico foi adaptado a partir do estudo de Kuipers (1999). Os participantes foram solicitados a citar até cinco (05) pessoas que fossem de seu ambiente de trabalho e que compusessem sua rede de confiança. As variáveis relacionadas às redes sociais foram trabalhadas em três níveis: imersão posicional, imersão relacional e imersão estrutural.

No nível da imersão posicional, foram utilizados os indicadores de centralidades de grau de entrada, de saída e de intermediação. O conceito de centralidade auxilia na compreensão das redes, pois identifica e localiza os atores mais responsáveis pela sua dinamização, já que ocupam posições estratégicas na estrutura informal. A centralidade de entrada refere-se ao número de ligações que um ator recebe, denotando popularidade ou prestígio, e a centralidade de saída reflete a busca por contatos e suporte. Por sua vez, a centralidade de intermediação é uma medida baseada no potencial de controle de um ator sobre a interação de outros dois, denotando a capacidade de interrupção (Rossoni, 2006; Santos, 2004).

O nível da imersão relacional apresenta a rede do ego. Esse indicador é fruto de um tratamento dos dados em que é considerado o nível (operacionalizado pela média) do vínculo de cada trabalhador e sua matriz de relacionamentos. Por fim, é extraída a média dos contatos diretos de cada trabalhador, sendo esse indicador utilizado para representar a intensidade do vínculo da rede do ego.

No terceiro nível de análise - imersão estrutural - envolve duas variáveis: o coeficiente de agrupamento da rede e a densidade. O primeiro é a média dos coeficientes de agrupamento individuais. Esse indicador é o resultado da razão entre o número de arestas existentes entre os contatos de um ator e o número máximo de arestas possíveis, indicando o quão perto os vizinhos do ator estão prestes a se transformarem em um grupo completamente coeso. A densidade, por sua vez, é a razão entre a quantidade de ligações existentes na rede e a quantidade de ligações possíveis, apontando quão concentrados os atores estão em uma estrutura social. As duas variáveis (coeficiente de agrupamento da rede e densidade) versam sobre quão coesa a rede está, a partir de informações complementares.

Procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

Os instrumentos de coleta de dados foram aplicados in loco, com a colaboração da gestão das organizações que dispensaram os participantes durante o momento de aplicação, permitindo que cada um apresentasse suas respostas sem pressão de tempo ou produção, deixando formalizado que a participação deveria ser voluntária e a qualquer momento os participantes poderiam desistir da coleta de dados, assim como suas identidades seriam preservadas.

Procedimentos de análise de dados

As análises foram desenvolvidas considerando cada variável e os objetivos da pesquisa. Num primeiro momento foram caracterizados os vínculos com a organização, calculando-se medida de tendência central e de dispersão por cada um dos grupos participantes da pesquisa.

Na segunda etapa, acompanhando o segundo objetivo específico, foram calculados os indicadores quantitativos das redes sociais extraídas das unidades organizacionais participantes da pesquisa, envolvendo os dados de centralidade e coesão dos participantes.

Para testar as relações entre os indicadores de imersão dos sujeitos nas redes e os vínculos com a organização, foram utilizadas correlação de Pearson e análises de regressão linear múltipla (método stepwise).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados são apresentados e discutidos em três segmentos. No primeiro são mostrados os dados descritivos sobre os vínculos dos trabalhadores com a organização. No segundo, as características das redes de relacionamento de cada grupo. Finalmente, no terceiro, os resultados das relações buscadas entre esses dois fenômenos.

A tabela 1 apresenta as médias e os desvios-padrão dos três vínculos estudados nos seis grupos participantes da pesquisa.

Como se percebe na Tabela 1, nos diferentes grupos estudados, os vínculos de comprometimento e consentimento revelam-se mais fortes do que o de entrincheiramento. Em alguns grupos (2 e 4) o vínculo de consentimento é ligeiramente mais intenso do que o próprio comprometimento. Considerando-se a escala utilizada, pode-se afirmar que em apenas dois grupos (2 e 6) o comprometimento tende a ser mais elevado, aproximando-se do escore 5.

O grupo 2 revela-se mais homogêneo, com desvio-padrão mais baixo do que o grupo 6, cuja variabilidade interna gera um desvio-padrão elevado. Apenas no grupo 2 encontra-se um escore médio mais elevado de consentimento, embora em cinco dos seis grupos, as médias estejam acima do ponto médio da escala, todos com desvios-padrão moderados e próximos.

Por outro lado, em todos os grupos, os escores de entrincheiramento encontram-se abaixo do ponto médio da escala, revelando uma tendência geral de os trabalhadores não se sentirem muito entrincheirados nas organizações. Em síntese, nos grupos estudados emerge um padrão que combina comprometimento e consentimento moderadamente elevados e baixo entrincheiramento organizacional.

Ainda com o objetivo de caracterizar os grupos em termos dos seus vínculos com a organização, os resultados das correlações entre os vínculos e suas dimensões constituintes são apresentados na Tabela 2.

Os resultados deixam evidente a relação entre os vínculos e a conclusão de que não se tratam de atitudes excludentes, como previa Rodrigues (2009). Ou seja, um mesmo indivíduo pode apresentar intensidades distintas dos três vínculos com a organização.

Como mostram os dados, a correlação entre os três vínculos é positiva e estatisticamente significativa, todas, no entanto, abaixo de 0,40. Apesar de correlacionados, a força da correlação não sugere sobreposição entre os conceitos, pois as relações são moderadas (r = 0,3 para comprometimento e entrincheiramento; r = 0,39 para comprometimento e consentimento; e r = 0,39 para consentimento e entrincheiramento).

Quando se consideram as dimensões que integram o construto de entrincheiramento, perceber-se, em primeiro lugar, a forte associação entre as dimensões e o construto geral, como seria esperado, e correlações moderadas entre as dimensões, sendo a mais forte entre limitação de alternativas e ajustamento à posição social.

As relações entre os vínculos apresentam direções e magnitudes muito próximas do estudo realizado por Moscon (2013), ao avaliar relações entre liderança e os mesmos vínculos investigados nesta pesquisa, ampliando o suporte à validade dos resultados.

Os resultados sobre os padrões relacionais que caracterizam as redes de confiança de cada grupo participante da pesquisa, nos indicadores escolhidos para a presente análise (imersão posicional, relacional e estrutural), encontram-se na Tabela 3.

De acordo com os resultados relacionados às redes sociais, os grupos 2 e 6 são os que apresentam maior grau de centralização de entrada (prestígio) e saída. Esse indicador é uma média dos graus de centralidade de entrada dos trabalhadores de cada organização e significa, por exemplo, que em média, os atores são indicados por 3 trabalhadores no grupo 2 (não podemos considerar o resultado como 3.2 por se tratar de um dado quantitativo discreto).

O grupo com maior média de intermediação são os grupos 6 e 5, denotando um alto grau de potencial intermediações por consequência da pouca ramificação da rede. Essas ramificações, por outro lado se tornam um reflexo do agrupamento que os atores sociais apresentam, facilitando rotas alternativas de relacionamentos, sendo o grupo 2 o grupo com maior média de agrupamento entre seus membros. O grupo 2 também é a que possui maior densidade, dado congruente com a expectativa resultante da média de agrupamento.

Na tabela 4 vemos o conjunto de relações entre os vínculos organizacionais e os indicadores das redes. O comprometimento organizacional relaciona-sesignificativamente com o nível de imersão posicional e relacional, o entrincheiramento organizacional relaciona-se com os dois indicadores do nível de imersão estrutural e o consentimento organizacional mantém correlações com os níveis relacional e estrutural.

Chama-nos a atenção o relacionamento estatisticamente significativo entre o entrincheiramento organizacional e os dois indicadores de imersão estrutural. A correlação sugere que o aumento do entrincheiramento com a organização está positivamente associado ao aumento da densidade e do agrupamento entre os trabalhadores, apesar de apresentar uma intensidade entre baixa e moderada (r = 0,25 e 0,25 respectivamente).

Podemos identificar, ainda na tabela 4, o resultado das correlações entre o consentimento organizacional e os dados da estrutura social dos trabalhadores que participaram da pesquisa.

Assim como no entrincheiramento organizacional, o consentimento com a organização apresenta uma intensidade moderada de correlações com os indicadores da imersão estrutural. Por outro lado, o vínculo fundamentado em uma noção de obediência mantém uma baixa correlação com o nível de consentimento da rede do ego (nível de imersão relacional) com um r=0,22.

Esse resultado sugere que, quanto mais o trabalhador apresenta uma atitude consentida, mais os outros trabalhadores com quem ele mantém contato direto também apresentam altos níveis de consentimento, e mais coeso se torna o grupo em que ele se encontra. Esses achados são congruentes com resultados sustentados por Macambira (2009), onde foi identificado que trabalhadores interagiam mais fortemente com colegas de trabalho que apresentaram níveis similares de comprometimento organizacional.

Por outro lado, a correlação também foi significativa entre o nível de consentimento da rede do ego com os níveis dos outros vínculos em suas redes de ego (nível de comprometimento da rede do ego com um r=0,25 e com o nível de entrincheiramento da rede do ego, com um r=0,20).

A relação identificada sustenta que, quando maior o nível atitudinal do grupo diretamente relacionado a um trabalhador, independente do tipo de vínculo, maior é o seu nível de consentimento organizacional. Esse resultado não atinge uma intensidade suficiente para sugerir uma sobreposição (Hair, Babin, Money, & Samouel, 2009), mas chama a atenção por se diferenciar do padrão apresentado na relação entre os outros dois vínculos estudados e os níveis de vinculação das redes dos egos.

A análise de correlação entre os vínculos e os indicadores de imersão estrutural apresentam duas tríades de correlação que ressaltam sua validade interna. O conjunto de correlações entre as médias dos vínculos (imersão posicional) e o segundo conjunto, entre os níveis dos vínculos das redes dos egos (imersão relacional). Os dois conjuntos analisados apresentam correlações internas entre moderadas e altas, resultado congruente com a expectativa do estudo, pois se referem a vínculos diferentes, mas não excludentes (Rodrigues, 2011).

Por fim, realizamos os testes de regressão linear múltipla para avaliar em que grau os indicadores dos três níveis de imersão predizem os vínculos do trabalhador com a organização empregadora. Inicialmente, exploramos o teste de regressão entre níveis de imersão e o comprometimento organizacional (Tabela 5).

 

 

A partir dos resultados encontrados, podemos concluir que somente duas variáveis se mantiveram no modelo, sendo o nível de comprometimento da rede do ego o principal responsável pela variação do nível de comprometimento organizacional do trabalhador (R2 = 5,4). No segundo modelo, há um acréscimo de 4,2 no R ajustado, elevando o R2 para 9,1, com um F = 9,277.

Para a utilização da regressão linear foram testados dois pressupostos: Durbin-Watson, que testa a hipótese nula de que os resíduos de uma regressão que utiliza o critério dos mínimos quadrados não são correlacionados - multicolinearidade - (Field, 2009). Nesse teste, valores próximos a 2 indicam ausência de multicolinearidade. No teste realizado, foi encontrado um resultado de 1,953 para o Durbin-Watson, rejeitando a hipótese de correlação dos resíduos da regressão realizada.

O segundo pressuposto é o Fator de Inflação da Variância (VIF), que indica em que medida os Betas são instáveis devido à colinearidade entre as variáveis independentes. Valores de VIF maiores do que 5 ou 6 já começam a indicar problemas, por outro lado, valores de VIF até 1 indicam ausência de multicolinearidade (Hair et al., 2009). No teste realizado, foi identificado o valor 1,0 para o VIF, do grau de intermediação e do comprometimento da rede do ego, suportando que as variáveis independentes não estão fortemente correlacionadas. As demais variáveis do modelo foram excluídas por não atenderem os aos pré-requisitos do teste de regressão linear.

Em seguida, avaliamos os preditores do entrincheiramento organizacional. Observa-se que, pelo resultado da regressão (Tabela 6) que a densidade explica 6% da variação do entrincheiramento organizacional. No teste realizado, foi encontrado um resultado de 1,889 para o Durbin-Watson, rejeitando a hipótese de correlação dos resíduos da regressão realizada.

 

 

Esse valor explicativo é, sem dúvida, um valor baixo. Contudo, devemos levar em consideração que o entrincheiramento organizacional é uma atitude possivelmente influenciada por uma gama considerável de antecedentes nos níveis pessoal, grupal e organizacional (Rodrigues, 2011). Essa multicausalidade reduz, inevitavelmente, o poder explicativo de qualquer variável alvo de estudo, principalmente ao se tratar de variáveis relacionais, onde os indicadores são enviesados naturalmente por outros fatores como, por exemplo, o tamanho da amostra.

O último vínculo estudado, consentimento organizacional, apresenta o mesmo preditor que o entrincheiramento, porém sua capacidade explicativa é superior (R2 = 11,2). De acordo com o resultado, visualizado na Tabela 7, podemos sustentar que quanto mais denso é o grupo, maior o nível de consentimento apresentado pelos trabalhadores.

 

 

O Durbin-Watson para o teste de regressão entre os preditores do consentimento organizacional atinge um indicador de 1,86, sustentando a validade dos resultados encontrados.

A Figura 1 apresenta uma imagem que sintetiza o resultado dos três vínculos analisados. A visualização do conjunto dos vínculos sustenta parcialmente a proposta de discriminação entre o comprometimento, o entrincheiramento e o consentimento organizacional. O status "parcialmente" se deve ao compartilhamento do preditor "densidade" entre os vínculos do consentimento e do entrincheiramento organizacionais, mesmo não se igualando na capacidade explicativa.

 

 

Neste momento, cabe uma integralização dos resultados identificados nos três vínculos (Figura 1), visando fornecer evidências que discriminam, efetivamente, os três vínculos avaliados.

Cada um dos vínculos apresenta, entre seus antecedentes, variáveis relacionais que auxiliam na explicação da intensidade dos construtos analisados. Entre os três vínculos, o que mais se destaca pela influência das redes de relacionamentos de confiança é o comprometimento organizacional, confirmando as expectativas de Weick (1995), ao apontar a estrutura social como o contexto no qual o comprometimento seria o elo entre os trabalhadores.

Os indicadores relacionais que impactam significativamente nos outros dois vínculos estudados - o entrincheiramento e o consentimento organizacional - remetem-se à coesão grupal. Nesse caso, a diferença clara entre os dois construtos fica por conta da força da explicação do modelo preditivo, sendo o consentimento organizacional mais impactado pela coesão do grupo.

Apesar dos dois vínculos sofrerem impactos do nível de imersão estrutural, a explicação para a predição adota caminhos diferentes. Enquanto no entrincheiramento o grupo pode pressionar o sujeito a um padrão atitudinal frente ao risco de perder reconhecimento e rede de relacionamentos (Rodrigues, 2011), no consentimento, os trabalhadores podem ter sido impactados pela pressão em direção à semelhança e utilidade da opinião e conformidade às normas estabelecidas (C. A. Kiesler & S. B. Kiesler, 1973).

 

CONCLUSÕES

A pesquisa realizada testou a influência das relações sociais de confiança, construídas no contexto de trabalho, no nível dos vínculos que os trabalhadores desenvolvem com suas organizações empregadoras. A estrutura social, nas suas três dimensões analisadas neste estudo, apresentou poucos mas esclarecedores preditores para os três vínculos estudados. Os resultados auxiliam a discriminação entre os vínculos, a partir do estudo dos seus preditores relacionais, adicionando evidências aos estudos apresentados por Rodrigues (2011) e Silva (2013). A realização desse estudo também contribui para uma linha de pesquisa que une um campo já com uma larga tradição de produção - vínculo do trabalhador com a organização - e um campo que tem demonstrado um grande potencial de pesquisa - redes sociais - oferecendo a possibilidade de analisar os fenômenos organizacionais em múltiplos níveis de análise.

O presente estudo ao fornecer as primeiras evidências empíricas sobre o impacto da inserção dos indivíduos nas redes de relacionamento nos seus grupos de trabalho sobre os três vínculos com a organização, contribui para a discriminação entre tais vínculos. Mais uma vez, constata-se que o vínculo de comprometimento difere do entrincheiramento e do consentimento em termos de preditores relacionados à estrutura social. Por sua vez, o entrincheiramento e o consentimento se diferenciam pouco em termos de efeito, mas a sua compreensão teórica sustenta a discriminação entre os vínculos.

Novas pesquisas tornam-se necessárias para ampliar a validade do trabalho aqui apresentado, ampliando o número de grupos e contextos organizacionais investigados de modo a explorar como tais contextos podem gerar redes sociais informais com distintas características que, por sua vez, podem impactar na construção e desenvolvimento dos vínculos com a organização. Esta investigação tem, adicionalmente, a contribuição de chamar a atenção para o fato de que os vínculos estudados são influenciados por processos grupais no interior das organizações, indo além do paradigma de que eles resultam de processos de troca indivíduo-organização (expectativas e políticas organizacionais voltadas para o seu atendimento).

Finalmente, como fenômenos sociais complexos, é importante que novas pesquisas, utilizando distintos desenhos metodológicos, possam explorar as relações recíprocas entre atitudes e características estruturais da redes informais construídas pelos indivíduos. Não podemos descartar a hipótese de que os vínculos são simultaneamente impactados pela estrutura social das redes informais e, ao mesmo tempo, também contribuem para a sua configuração, como se constata com o fenômeno da homofilia. Pessoas similares tendem a aproximar-se de outros similares e isto fortalece a proximidade de crenças, valores e atitudes. Analisar a dinâmica de tais processos continua sendo um desafio fundamental para a compreensão dos processos organizativos.

 

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Recebido em: 24.04.2014
Primeira decisão editorial em: 28.10.2014
Versão final em: 02.12.2014
Aceito em: 13.12.2014

 

 

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