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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.19 no.1 Brasília jan./mar. 2019

https://doi.org/10.17652/rpot/2019.1.14480 

Suicídio no trabalho: um estudo de revisão da literatura brasileira em psicologia

 

Suicide at work: review of brazilian literature in Psychology

 

El suicidio en el trabajo: estudio de revisión de la literatura brasileña en Psicología

 

 

Pedro Afonso CortezI; Heila Magali da Silva VeigaII; Ana Paula de Ávila GomideII; Marcus Vinícius Rodrigues de SouzaII

IUniversidade São Francisco, Campinas, São Paulo, Brasil
IIUniversidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O estudo da temática do suicídio no trabalho é relevante devido ao impacto desse fenômeno na realidade dos indivíduos e das organizações. No entanto, ainda que existam múltiplas pesquisas sobre o assunto, inexiste estudos nacionais propondo uma revisão de literatura. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho foi realizar uma revisão sobre o tema por meio dos estudos produzidos na literatura nacional. Foram analisados na íntegra 17 trabalhos publicados entre 1998 e 2017, os quais foram resgatados por meio dos descritores "suicídio" e "trabalho" na base de dados BVS Psi. Os resultados demonstraram a predominância de estudos qualitativos e teóricos, a inexistência de uma agenda de produção que propicie à área a proposição de práticas organizacionais, políticas públicas e legislações sobre o tema. Portanto, demanda-se o desenvolvimento de estudos mais amplos, empíricos e longitudinais nos diferentes níveis relacionados ao fenômeno: individual, organizacional e societal.

Palavras-chave: sofrimento; suicídio; trabalho; organização do trabalho; condições de trabalho.


ABSTRACT

Suicide at work is relevant due to its impact on the reality of individuals and organizations. However, despite the relevance and much research about the phenomenon, there is no literature review in the Brazilian context on the subject. For this reason, we reviewed research about suicide at work through studies produced in the national literature. A total of 17 papers published between 1998 and 2017 were analyzed, which were found using the descriptors "suicide" and "work" with the BVS Psi database. The results showed the predominance of qualitative and theoretical studies and the lack of a research agenda that allows the area to propose organizational practices, public policies, and legislation on the subject. Thus, there is a need for the development of broader, empirical, and longitudinal studies on the different levels related to the phenomenon: individual, organizational, and societal.

Keywords: suffering; suicide; labor; work organization; working conditions.


RESUMEN

El suicidio en el trabajo es relevante debido a su impacto en la realidad de individuos y organizaciones. Sin embargo, a pesar de la relevancia y los múltiples entendimientos establecidos sobre el fenómeno, no hay estudios en el contexto brasileño sobre el tema. Por esa razón, el objetivo del trabajo fue realizar una revisión sobre el suicidio en el trabajo a través de estudios producidos en la literatura brasileña. Un total de 17 artículos publicados entre 1998 y 2017 fueron analizados usando los descriptores suicidio y trabajo en la base de datos BVS Psi. Los resultados mostraron el predominio de los estudios cualitativos y teóricos, la falta de una agenda de investigación que permita al área proponer prácticas organizativas, políticas públicas y legislación. Por lo tanto, exigen el desarrollo de estudios más amplios, empíricos y longitudinales en diferentes niveles relacionados con el fenómeno: individual, organizacional y social.

Palabras clave: sufrimiento; suicidio; trabajo; organización del trabajo; condiciones de trabajo.


 

 

O suicídio é definido como o ato de o indivíduo retirar a própria vida, sendo essa prática presente em diversas culturas, a qual tem seus determinantes e motivadores compreendidos de formas distintas ao longo do tempo (Colucci & Lester, 2012). Segundo Minois (2001), na história da humanidade, o suicídio perpassou valorações ambivalentes, que tornavam o ato legítimo ou inaceitável em uma perspectiva de decisão pessoal. Para Durkheim (1992), uma hierarquia entre valores pessoais e sociais se relacionariam de forma a promover a fatalidade ou preveni-la. Em uma concepção epidemiológica, o suicídio é estabelecido como fenômeno multideterminado e, em síntese, manifesta-se como um pedido de ajuda, reconhecível e previsível, que necessita de suporte e resposta imediata (Lovisi, Santos, Legay, Abelha, & Valencia, 2009; Meleiro, 1998).

No contexto atual, pela corrente precarização social do trabalho, as transformações ocorridas no tecido social em decorrência do marco neoliberal implicam modificações micro e macrossociais que fragilizam e tornam descartáveis, instáveis, efêmeras e prejudicadas as relações entre as pessoas, o que inclui o seu vínculo com as organizações (Torres, Ferreira, & Rezende, 2016; Vargas, 2016) e com o próprio trabalho (Almeida, Silva, Félix, & Rocha, 2016; Oda, 2016). Assim, é importante analisar os aspectos que influenciam o suicídio por meio de estudos que buscam minimizar a ocorrência desse fenômeno, a fim de mapear fatores individuais, coletivos e contextuais que impactam na incidência do ato suicida em diferentes espaços (Marin & Barros, 2003).

Entre os fatores listados em estudos epidemiológicos como associados ao risco elevado de suicídio estão variáveis demográficas, socioprofissionais e psicossociais, como depressão, agressividade, impulsividade, desesperança, alcoolismo, idade, gênero, substâncias químicas e psicoativas, além de perda de suporte social, emprego, dificuldades profissionais e desengajamento social (Baptista & Borges, 2004; Calixto & Zerbini, 2016; Cardoso et al., 2014; Félix et al., 2016). Voltando-se especificamente para a análise do suicídio nos contextos de trabalho, nota-se na contribuição de Dejours (1997) uma leitura do fenômeno com maior ênfase em aspectos subjetivos do trabalhador, os quais são mediados pelas desiguais e perversas relações laborais provenientes de políticas neoliberais que incidem na precarização dos contextos e do significado do próprio trabalho. Nessa interpretação, para Dejours (2010), por meio da psicodinâmica do trabalho, o suicídio no trabalho pode ser analisado estruturalmente ou em uma dimensão sociogenética, sempre apontando para o cenário de rivalidade, competição e avaliação providenciado pelas organizações sobre a produtividade do trabalhador.

Em uma compreensão expandida sobre o tema, Dejours, Abdoucheli e Jayet (2007) retomam os preceitos da psicodinâmica do trabalho para relacionar o suicídio com a fragilização das defesas estabelecidas pelos trabalhadores no ambiente laboral, as quais foram impactadas por formas neoliberais recentes de organização da produção. Entre essas práticas, evidenciam-se ações de gestão que enfatizam o individualismo, a segregação entre os colegas e a promoção dos valores institucionais em favor da máxima produtividade, sem qualquer consideração acerca dos valores sociais do trabalhador (Dejours, 2010). Essa oposição entre sujeito social e trabalho culmina na anulação das estratégias coletivas de defesa dos indivíduos nas organizações, o que resulta na fragilidade psíquica do trabalhador e na alienação do grupo social, tornando o ambiente de trabalho e o ato produtivo um fazer ausente de pertença e sentido (Dejours, 1992).

Isso acontece por meio da ampliação de um ideário neoliberal vigente desde a década de 1970 que tem contribuído para o declínio progressivo das políticas trabalhistas e de reivindicação de direitos sociais até os tempos atuais, gerando um progressivo clima de constante instabilidade, precarização social e dos vínculos dos indivíduos com o trabalho e organização (Silva, 2016). Nesse sentido, compreender o suicídio no trabalho é fundamental para viabilizar a promoção de condições laborais que favoreçam a pertença e o sentido atribuído ao exercício profissional como estratégia de promoção de saúde para prevenção do suicídio no ambiente laboral (Cortez, Souza, Amaral, & Silva, 2017). Especificamente, nota-se relevância nessa proposição no contexto brasileiro, pois a recente flexibilização das relações de trabalho por meio da terceirização de atividades-fim e modificações propostas na legislação trabalhista brasileira alinham-se ao ideário neoliberal de precarização social, tornando mais flexíveis e instáveis as relações entre trabalhadores e organizações (Cassundé, Barbosa, & Mendonça, 2016). Essa dinâmica incide em formas de organização e regulamentação do trabalho mais instáveis e, consequentemente, passíveis de ampliar condições disruptivas no que tange ao vínculo social do trabalhador com a organização e com o sentido do próprio trabalho (Rios & Gondim, 2010).

Além disso, a despeito da complexidade do fenômeno, da multiplicidade de compreensões estabelecidas para o tema e do contexto recente que torna emergente a discussão, inexiste na literatura nacional revisão de literatura sobre o tema. Isso destaca ainda mais a centralidade da temática ao considerar que a subnotificação dos casos é uma das principais causas da invisibilidade social dada ao suicídio no trabalho, o qual deve ser abordado para aprimorar as condições de desenvolvimentos teóricos e empíricos futuros que propiciem visibilidade ao tema (Botega, 2014).

No Brasil, estimam-se, em média, 24 mortes em decorrência do suicídio diariamente, mas há indícios de que essa estatística possa ser maior, pois as tentativas suicidas são apresentadas como responsáveis por um dos principais motivos para hospitalização no período entre 1998 e 2014, com o total de 153.061 internações (Bahia, Avanci, Pinto, & Minayo, 2017). Com o intuito de identificar as causas post-mortem, os pesquisadores notaram que realizar o nexo causal em casos de suicídios é dificultado pelos tabus que circundam o tema, além de outros entraves como o uso inadequado dos sistemas de notificação das ocorrências e preenchimento incompleto das declarações de óbito (Jorge, Gotlieb, & Laurentil, 2002; Moreira, Félix, Flôr, Oliveira, & Albuquerque, 2017). Além disso, no caso de suicídio desencadeado por aspectos laborais, encontram-se dificuldades em indicar o nexo causal entre trabalho e comportamento suicida pela multideterminação do fenômeno e pela existência de conflitos de interesses ao tratar sobre o assunto (Vidal, 2012).

Nesse ponto, salienta-se ainda a importância de tratar sobre o tema na perspectiva da psicologia, pois as diferentes correntes epistemológicas que buscam compreender o tema (sociocultural, epidemiológica e psicodinâmica do trabalho) compartilham um fator em comum diretamente influenciado pela invisibilidade dada ao tema: a dimensão subjetiva e relacional do sujeito em sofrimento e os efeitos decorrentes dessa dinâmica na realidade dos trabalhadores. No caso do suicídio no trabalho, a polissemia do termo permite compreender como categoria pertinente à questão ao menos duas acepções: a) casos de suicídios que acontecem no ambiente laboral; e b) suicídios que acontecem em decorrência de fatores simbólicos e contextuais vivenciados no trabalho (Venco & Barreto, 2010). No presente estudo, as duas definições são abarcadas como representativas do fenômeno e, portanto, se mostram como conteúdos pertinentes para análise ao longo desta revisão.

Destaca-se ainda que estudos de revisão são importantes porque retratam o grau de desenvolvimento de determinada temática e contribuem para a identificação de lacunas, permitindo avanços futuros na área (Araújo & Alvarenga, 2011). Dessa forma, este estudo visa contribuir com o tema, ao propor uma revisão crítica às produções que façam interface sobre o suicídio no trabalho por meio dos estudos produzidos na literatura nacional indexados em psicologia no período de 1988 a 2017.

 

Método

Para respaldar a localização dos artigos, foi definido um aporte para fundamentar os critérios empregados para perscrutar a literatura. Nesse sentido, optou-se por empregar as orientações de Macias-Chapula (1998), a qual preconiza a importância de se destacar aspectos quantitativos da produção, disseminação e uso da informação registrada em estudos de revisão. Ao ser aplicada para analisar determinado campo científico, as informações quantitativas relativas às produções da área podem ser definidas como bibliometria, cienciometria ou cientometria (Araújo & Alvarenga, 2011; Macias-Chapula, 1998). Nesse sentido, o primeiro aspecto analisado é a definição dos descritores e categorias, os quais devem ser pertinentes e capazes de abarcar o fenômeno em análise (Mattos, 2004).

No presente estudo, para a realização da busca, o primeiro passo foi definir os descritores a serem empregados. Tendo em vista o foco na temática suicídio no local de trabalho e desencadeado por influências vivenciadas nesse contexto, empregaram-se os descritores "suicídio" e "trabalho" individualmente na base de terminologias da Biblioteca Virtual de Saúde em Psicologia (BVS Psi). Optou-se por essa base pelo foco do trabalho nas contribuições indexadas de forma predominante na psicologia, tendo em vista a ênfase dessa revisão na dimensão psíquica e no sofrimento no trabalho como tópicos de análise. Assim, pela BVS Psi incluir tanto o Scielo - Scientific Electronic Library Online como o PePSIC - Periódicos Eletrônicos em Psicologia, os autores as consideraram adequadas diante da delimitação teórico-conceitual proposta ao estudo.

A ênfase nas produções brasileiras aconteceu pelo fenômeno mostrar-se distinto entre diferentes países (Ferreira-Junior, 2015), abrangendo inclusive diferenciações no próprio contexto nacional em função de aspectos sociodemográficos e geográficos (Dantas et al., 2017). Assim, a delimitação do contexto de análise ao cenário brasileiro alinha essas evidências sobre a necessidade de analisar as particularidades contextuais sobre o tema ao interesse dos pesquisadores de contribuir para a realidade local brasileira. Essa opção no delineamento da investigação limita a generalização e a comparação do estado da arte constatado na presente revisão a outros contextos, mas produz uma compreensão focal sobre o domínio que se propõe analisar.

Nas buscas preliminares não foram identificados outros descritores que versavam sobre o tema de forma mais específica, o que resultou na manutenção deles na busca pelos artigos. Não houve recorte temporal a priori, tendo como critério de inclusão os estudos completos disponíveis em língua portuguesa. Os critérios de exclusão adotados foram: a) indisponibilidade do artigo na íntegra nas bases; e b) inadequação temática (o estudo não tratava sobre suicídio no contexto de trabalho ou decorrente de fatores contextuais e simbólicos derivados do ambiente laboral).

Assim, empregando-se os critérios descritos na estratégia de localização dos artigos por meio do operador booleano (suicídio AND trabalho) na BVS Psi, obteve-se o total de 71 trabalhos disponíveis de forma completa. Em uma exploração inicial, o título e resumo dos estudos foram analisados, levando-se à exclusão de 54 por inadequação em relação ao tema. Dessa forma, 17 trabalhos foram mantidos e analisados na íntegra, os quais são apresentados na presente revisão. Salienta-se que esses estudos abrangeram o período de 1988 a 2017. A Figura 1 sintetiza o procedimento adotado para localização e seleção dos trabalhos nesta revisão.

 

 

Para facilitar a descrição dos resultados apontados pelos artigos, foi adotada como estratégia a análise de conteúdo (Bardin, 1977), com o intuito de agrupar as evidências indicadas pelos estudos em categorias de análise representativas dos temáticos identificados na literatura revisada. Foi realizada uma leitura exploratória do material e formuladas categorias de análise com base nos temas recorrentes a posteriori. Em um segundo momento, a leitura analítica do material resultou na identificação de frequência simples das categorias, as quais representaram quantas vezes o tema foi identificado nos diferentes artigos com a respectiva correspondência em termos de frequência percentual.

Destaca-se ainda que os procedimentos de localização dos manuscritos por meio dos critérios de inclusão estabelecidos e categorização temática foram replicados por dois pesquisadores de forma independente, alcançando 89,4% de concordância. O índice de concordância entre os levantamentos independentes foi avaliado ao contrastar a proporção de estudos identificados como pertinentes pelos pesquisadores (Levantamento 1 = 17; Levantamento 2 = 19; Índice de concordância = 17/19 = 89,4%). As discordâncias entre os dois pesquisadores foram submetidas a um terceiro pesquisador, que definiu como pertinente ao foco da revisão o conteúdo identificado em 17 artigos. Na sequência, apresentam-se os resultados iniciando-se pelos aspectos metodológicos dos estudos incluídos na revisão.

 

Resultados

Aspectos bibliométricos e metodológicos

Houve predominância de estudos qualitativos entre os artigos localizados (16) com ocorrência de um único artigo quantitativo. Em relação à área de formação do primeiro autor, a maior parte dos estudos recebeu contribuições da Psicologia (8),seguida da Administração (3),Medicina (3),Enfermagem (2) e Engenharia de Produção (1). Para a elaboração dos estudos, os autores analisaram predominantemente documentos de empresas e legislações (10), protocolos de entrevista (3),artigos científicos (2),relatório de observação (1) e questionário (1),conforme disposto na Tabela 1.

 

 

Em relação à quantidade de publicações sobre o tema localizadas cronologicamente na literatura, nota-se a primeira contribuição na BVS Psi em 1998. Após essa publicação, há vários anos sem qualquer menção ao tema na literatura, o que só ocorre após 2007. O ano com maior número de publicações foi 2010. Nos anos mais recentes, há apenas uma contribuição considerando-se os anos de 2015 e 2016. Na Figura 2 há uma síntese da quantidade de artigos publicados por ano.

 

 

Evidências apontadas pelos estudos

Considerando-se os assuntos abordados nos resultados dos estudos, empregou-se a técnica de análise de conteúdo para estruturar categorias temáticas a partir do agrupamento de temas predominantes. Os 17 artigos tiveram o conteúdo agrupados em sete eixos de análise temáticos recorrentes entre os diferentes estudos. A maior parte das contribuições dos artigos versou sobre aspectos individuais (n = 19) e organizacionais (n = 17) associados ao suicídio no trabalho. Outros temas identificados em menor grau nos estudos foram aspectos societais (n = 5), elementos teóricos e metodológicos (n = 4), grupos profissionais de risco (n = 3), aspectos contextuais (n = 2) e aspectos práticos (n = 2), conforme Tabela 2.

 

 

A categoria aspectos individuais abarcou aspectos emocionais e comportamentais relacionados ao suicídio no trabalho, como a Síndrome de Burnout (Silva et al., 2015), a depressão (Jardim, 2011; Morais & Sousa, 2011; Santa & Cantilino, 2016), a ansiedade (Morais & Sousa, 2011), o estresse (Ceccon, Meneghel, & Hesler, 2012; Oliveira & Santos, 2010; Silva et al., 2015; Santos, Siqueira, & Mendes, 2011), o desequilíbrio emocional (Oliveira & Santos, 2010), o sofrimento psíquico (Santa & Cantilino, 2016; Santos et al., 2011; Silva & Vieira, 2008), o alcoolismo (Silva & Vieira, 2008), o abuso de substâncias (Santa & Cantilino, 2016) e os transtornos psiquiátricos (Santa & Cantilino, 2016). Outros aspectos relevantes nessa categoria foram pensamentos repetitivos (Morais & Sousa, 2011), privação de sono (Santa & Cantilino, 2016), fragmentação de identidade (Martins & Ribeiro, 2011), vontade de acabar com a dor (Morais & Sousa, 2011), uso excessivo de remédios (Morais & Sousa, 2011) e impulsividade (Oliveira & Santos, 2010). Do ponto de vista de impactos na vida do indivíduo, essa categoria apresentou o cansaço (Oliveira & Santos, 2010), o desempenho profissional prejudicado (Silva et al., 2015), as preocupações financeiras (Santa & Cantilino, 2016) e a vinculação de forma instável e negativa em diferentes grupos (Bastos, 2009).

Mostraram-se relevantes, para compreender os fatores relacionados ao suicídio no trabalho voltado aos aspectos organizacionais, a sobrecarga de trabalho e informações (Santa & Cantilino, 2016; Silva et al., 2015), a ausência de reconhecimento (Martins & Ribeiro, 2011), a baixa autonomia (Silva et al., 2015), o foco excessivo na produtividade (Máximo, Lima, & Araújo, 2012), na gestão da qualidade total (Souza & Souza, 2010) e na avaliação de desempenho de forma individual (Martins & Ribeiro, 2011). Em uma perspectiva mais ampla, a disseminação de valores organizacionais negativos ou capazes de alienar os valores pessoais do indivíduo mostraram-se prejudiciais para o clima social da organização (Gomide, 2013; Santos et al., 2011). Em linhas gerais, os impactos dessas ações organizacionais resultaram em desestabilização psíquica dos trabalhadores (Souza & Souza, 2010), estabelecendo relações autoritárias (Gomide, 2013) e prejudiciais ao sofrimento criativo e defesas coletivas (Martins & Ribeiro, 2011). O conceito de ‘trabalho morto' abrange um fazer no espaço laboral sem sentido, trata-se do trabalho instrumental em que o ato criativo é anulado por meio de relações instáveis e autoritárias provenientes das formas de administração perversas predominantes em contextos de precarização social do trabalho (Gomide, 2013).

A categoria aspectos societais versou sobre elementos mais amplos, como fatores socioeconômicos relacionados ao desemprego (Jardim, 2011), baixa renda familiar e percepção de insegurança constante (Silva et al., 2015), além de ausência de suporte familiar e social (Finazzi-Santos & Siqueira, 2011). Em relação à dinâmica social, essa categoria pontuou o antagonismo de forças sociais (Silva & Vieira, 2008) e o mal do século (Jardim, 2011) como relevantes para compreensão do suicídio no ambiente de trabalho. No que tange aos aspectos relacionados à produção do conhecimento sobre o tema, o eixo elementos teóricos e metodológicos representou a predominância de estudos qualitativos pautados em uma noção de hermenêutica interpretativa (Santos, Soares, & Mendes, 2010), mas limitados por não apontar antecedentes, consequentes e desconsiderar a multideterminação do suicídio no trabalho (Bastos & Gondim, 2010); Ainda sobre os elementos teórico metodológicos, o referencial da psicodinâmica do trabalho se mostrou fundamental para instituir um espaço de defesa das coletividades e dar visibilidade ao tema nas organizações. Além disso, essa categoria apontou a necessidade de expandir as compreensões sobre o tema, buscando apreender os diferentes níveis societal, organizacional e individual (Bastos & Gondim, 2010; Nunes, 1998).

O eixo de análise grupos profissionais de risco agrupou estudos com temática voltada para policiais militares (Oliveira & Santos, 2010) e trabalhadores da área da saúde, como enfermeiros (Silva et al., 2015) e médicos (Santa & Cantilino, 2016). Em relação aos aspectos contextuais associados ao suicídio no trabalho, essa categoria evidenciou o período noturno (Silva et al., 2015) e ambientes insalubres (Santa & Cantilino, 2016) como relevantes. Por fim, referindo-se aos aspectos práticos, a última categoria demonstrou o método psicodinâmico clínico expandido como forma de ação e a existência de canais de promoção de saúde nos espaços institucionais como possíveis práticas a serem desenvolvidas para lidar com o suicídio no trabalho (Máximo et al., 2012).

 

Discussão

O presente estudo constatou a predominância de estudos qualitativos e teóricos, com maior incidência de contribuições da psicologia, havendo uma lacuna temporal na produção das investigações no período de 2000 até 2007 e baixa produção sobre o tema em anos recentes. Também identificou algumas evidências relacionadas ao tema, as quais abrangeram aspectos individuais, organizacionais, societais, contextuais, práticos e grupos profissionais elencados na literatura como relacionados ao suicídio no trabalho.

A predominância de artigos qualitativos e teóricos demonstra que a produção na área se restringe majoritariamente a relatos de experiência (Santos et al., 2011), estudos de caso (Finazzi-Santos & Siqueira, 2011) e ensaios teóricos (Nunes, 1998). Essa característica qualitativa da área, apesar de fomentar a produção de conhecimento abrangente e detalhado sobre realidades locais, limita a proposição de protocolos para lidar com a questão em larga escala e o desenvolvimento de políticas específicas para tratar sobre o tema em um espectro mais amplo. No entanto, diante das condições de subnotificação dos casos de suicídio, essas investigações se mostram importantes, pois nota-se um esforço dos pesquisadores de dar visibilidade ao tema, apontando para a contradição existente entre os relatos de sofrimento e precarização que emergem das pesquisas qualitativas, mas são negligenciados em uma perspectiva mais ampla por nem sempre aparecerem nas estatísticas oficiais.

Do ponto de vista das contribuições estabelecidas pelas diferentes áreas, nota-se que a literatura é abrangente e interdisciplinar ao versar sobre aspectos relacionados à subjetividade, à organização do trabalho e à saúde do trabalhador por meio de referenciais da psicologia, da administração, da medicina e da enfermagem. No entanto, a maior parte das contribuições estabelecidas por esses autores é pontual e inconstante ao longo do tempo, demonstrando que a literatura nacional carece de elaborações específicas sobre o tema de forma regular para consolidar suas produções de modo concreto na realidade das organizações de trabalho (Bastos & Gondim, 2010). De forma geral, essa constatação permite inferir que os estudos têm problemas de investigação razoavelmente delineados, mas são limitados no que tange à formulação de uma agenda futura para a área, demandando esforços para que as contribuições sobre o tema interajam, com o intuito de alcançar maior efetividade prática nas realidades e temas que se propõem a analisar.

Em relação às evidências apontadas pelos estudos, os aspectos individuais parecem confirmar que, na perspectiva do indivíduo, o suicídio no trabalho perpassa por sintomas e fatores de risco relatados em estudos anteriores sobre o tema (Jardim, 2011; Morais & Sousa, 2011; Santa & Cantilino, 2016; Silva et al. 2015). Nesse ponto, não parece profícuo especificar um modelo para analisar os aspectos individuais relacionados ao suicídio no trabalho de forma diferente da concepção apreendida pela epidemiologia, para compreender o suicídio como ocorrência geral. Essa não distinção entre os modelos pode facilitar a proposta de uma agenda de pesquisa que viabilize a interação entre as produções que versam sobre o suicídio no nível individual na epidemiologia e aquelas que buscam compreendê -lo nos contextos de trabalho, pois, em ambos os domínios, os processos cognitivos e subjetivos vivenciados mostraram-se equivalentes ao se analisar fatores individuais associados ao tema (Baptista & Borges, 2004; Calixto & Zerbini, 2016; Félix et al., 2016).

Em uma perspectiva organizacional, nota-se que o excesso de práticas focando os trabalhadores como unidades autônomas, isto é, individuais, e na produtividade, resulta na fragmentação do vínculo social no trabalho, perda do sentido da tarefa e anulação do significado do ato produtivo, o que pode resultar na percepção do trabalho como servidão, e, portanto, associando-o ao suicídio no trabalho nos casos em que as práticas de gestão se mostram inadequadas (Máximo et al., 2012; Souza & Souza, 2010). Nesse ponto, torna-se um desafio estabelecer práticas organizacionais que consigam dimensionar apropriadamente a produtividade relacionada à execução da atividade-fim da organização sem que isso impacte na anulação do trabalho como ato de criação, preenchido de sentido e inserido em um contexto coletivo em que os vínculos emergem e o grupo se identifica com aquilo que realiza (Cimbalista, 2006).

Uma alternativa concreta de atuação conciliando produtividade e vinculação social do trabalho poderia ser a avaliação mista de desempenho, integrando a análise da produtividade individual com a produção coletiva, com o intuito de diminuir os impactos negativos desse tipo de prática ao anular o foco excessivo no trabalhador como unidade autônoma individual. Inclusive, essa proposição permite ainda incluir metas flexíveis de trabalho e aprendizagem contínua a serem acordadas e compartilhadas entre os trabalhadores, a fim de aumentar a solidariedade, a comunicação e a coesão no grupo de trabalho, o que tende a maximizar a motivação no trabalho e as defesas coletivas (Cavazotte, Moreno, & Turano, 2015; Rodrigues, Reis, & Gonçalves, 2014).

Ainda sobre aspectos organizacionais, o desenho de cargos, tarefas e funções também exercem influência central ao tratar sobre o suicídio no trabalho, uma vez que, para prevenir a execução do trabalho ausente de sentido, o autorrelato do interesse do trabalhador na definição das formas de execução das atividades pode ser crucial para compreender as alternativas de organização do trabalho que o permitam alcançar êxito na tarefa e, ainda, realização ao desempenhá -la (Kurogi, 2015). Conjuntamente, tanto a possibilidade de compartilhar metas e envolver-se no processo de aprendizagem para o trabalho quanto a participação do trabalhador no desenho do cargo podem desempenhar papel fundamental para anular o autoritarismo nas instituições e instituir dinâmicas nas organizações que priorizem o trabalho em forma de redes colaborativas (Gaiger, 2013; Zonta, Molozzi, Jentz, & Carvalho, 2015). Dessas propostas, torna-se possível emergirem vínculos horizontais, capazes de fortalecer ainda mais a relação entre os pares no contexto laboral, o que pode otimizar o clima social da organização e, assim, diminuir a incidência de fatores associados ao suicídio no trabalho.

No que tange aos aspectos societais, verifica-se que os problemas econômicos e a sensação de instabilidade financeira apresentam grande influência nos fatores associados ao suicídio no trabalho, o que torna a precarização social do trabalho uma variável interveniente nesse processo (Finazzi-Santos & Siqueira, 2011, Jardim, 2011, Silva et al., 2015, Silva & Vieira, 2008). Como forma de enfrentamento da crescente precarização, sugere-se o desenvolvimento de ações de capacitação com os trabalhadores. Essas condições podem ser minimizadas pela definição de políticas públicas e privadas visando a promoção do empreendedorismo, aprimoramento técnico-profissional e o oferecimento de renda mínima para sujeitos em situação de vulnerabilidade social. Maximizar as percepções que o sujeito tem sobre as alternativas de estar e se inserir no mundo do trabalho, bem como garantir condições mínimas de subsistência àqueles que transitoriamente encontram-se sem ocupação laboral pode atuar como fator de proteção societal (Gaiger, 2015; Souza, 2016).

Além disso, considerando-se as mudanças recentes na legislação trabalhista brasileira, especificamente a possibilidade de terceirização das atividades-fim, a definição de políticas fiscais de incentivo tributário para organizações que empreguem diretamente, em vez de empresas terceirizadas, se mostra uma alternativa para consolidar vínculos mais estáveis entre trabalhadores e organizações. Além disso, a proposição de padrões elevados de práticas e fiscalização relativos à psico-higiene e à segurança dos trabalhadores vinculados às terceirizadas também se apresenta como capaz de minimizar possíveis problemas relativos à precarização dos vínculos de trabalho existentes em processos de terceirização (Borges, Motta, Biondini, Lima, & Escarce, 2016; Cassundé et al., 2016; Soares, 2016).

Outra frente de atuação para lidar com a terceirização refere-se à atuação política de forma expandida para reforçar os direitos trabalhistas e fazer valer negociações favoráveis aos trabalhadores nas convenções coletivas. As novas formas de estabelecimento de acordos coletivos entre trabalhadores e patrões mostram-se preocupantes, devido ao aumento da verticalização nos vínculos de trabalho e fragilização do apoio social prestado pela justiça trabalhista, o que pode impactar em prejuízos nos acordos à parte desfavorecida, no caso, o trabalhador (Costa, 2017; Frez & Mello, 2017). Tendo em vista que condições mais frágeis e instáveis de negociações e convenções laborais mostram-se associadas à precarização do trabalho e, consequentemente, vinculadas ao suicídio no trabalho no que tange às práticas sociais, torna-se emergente a proposição de estratégias de atuação que busquem minimizar possíveis danos gerados por essa dinâmica (Druck & Franco, 2011; Franco, Druck, & Seligmann-Silva, 2010).

Considerando-se os elementos teóricos metodológicos empregados na literatura de suicídio no trabalho, verifica-se que, pela predominância qualitativa dos estudos, a hermenêutica é potente para demonstrar o significado individual produzido sobre o tema e trazer à tona as contradições e a invisibilidade (Santos et al., 2010). No entanto, a característica ideográfica desses métodos mostra-se como um entrave para a expansão de estudos empíricos e quantitativos, à medida que diversas definições não compatíveis entre si são propostas na literatura, dificultando a interlocução entre os múltiplos estudos (Bastos & Gondim, 2010). Assim, a despeito da necessidade apontada na literatura para que as críticas sejam produzidas a partir do referencial epistemológico que sustentou a proposição (Santos et al., 2010), é desejável que a produção de protocolos diagnósticos e medidas funcionais para lidar com a questão de forma ampliada sejam produzidos (Cardoso et al., 2014). Para isso, é necessário que os diferentes estudos propostos dialoguem, de forma a reconhecer as compreensões produzidas por referenciais diversos como legítimas, mas passíveis de críticas, como acontece com qualquer área e tema inserido na produção do conhecimento científico.

Nesse aspecto, inclui-se tanto a psicodinâmica do trabalho, como forma de práxis idiográfica no contexto das organizações (Mendes & Vieira, 2014), quanto a hermenêutica interpretativa (Viana, Costa, & Brito, 2016) que, pela natureza do método clínico, implicam uma difícil operacionalização no sentido nomotético. Além dessa dificuldade, cabe questionar também em que medida as produções locais pautadas na hermenêutica interpretativa e na psicodinâmica do trabalho adequam-se à realidade brasileira, tendo em vista a origem internacional dessas correntes e a inexistência de procedimentos de adaptação e validação dessas propostas no contexto nacional (Bastos & Gondim, 2010).

Contudo, é preciso considerar que, antecede a proposição de avaliações em larga em escala sobre o suicídio no trabalho, o desenvolvimento de um sistema de notificação compulsória do suicídio em decorrência do trabalho e no ambiente laboral. Para que isso seja possível, faz-se necessária a difusão de uma agenda multimétodo que articule contribuições qualitativas passíveis de desenvolver condições de avaliações quantitativas, a fim de superar a invisibilidade dada ao tema. Na dimensão qualitativa, pode ser importante investigar: a) quais dispositivos e processos organizacionais e institucionais resultam na subnotificação das ocorrências de suicídio?; b) nos casos que se relacionam com o contexto laboral, o que dificulta a apreensão do nexo causal e quais os conflitos de interesses entre os atores envolvidos (organizações, familiares, agências médicas - institutos médico-legais e clínicas de medicina do trabalho) relegam a questão à invisibilidade?

Afinal, muitos estudos de caso são produzidos, mas poucas proposições são passíveis de teste empírico, o que cria dificuldades na literatura sobre as formas de compreender e atuar em relação ao suicídio no trabalho na realidade brasileira de forma ampliada e sistemática, que possibilite agir de forma preventiva. Assim, compreender qualitativamente as contradições pertinentes à subnotificação é o primeiro passo para o desenvolvimento de estratégias ampliadas e efetivas frente ao tema. O exame detalhado dos princípios que sustentam a formação ético-profissional dos sujeitos que atuam nesses casos e os gargalos existentes nos sistemas formais de notificação dos casos de morte por suicídio se mostram como tópicos relevantes de investigação (Cortez & Souza, 2017; Vidal, 2012).

Em relação às categorias profissionais, a existência de associação entre suicídio no trabalho e profissionais da área da saúde e segurança parece se explicar pelo lugar social que ocupam. Esses profissionais enfrentam situações conflitantes e dilemáticas na maior parte do tempo que os colocam constantemente entre dinâmicas sociais contraditórias, como: pertencimento vs. exclusão, saúde vs. doença, o que, em síntese, resume-se na dualidade existente entre vida e morte (Oliveira & Santos, 2010; Silva et al., 2015; Santa & Cantilino, 2016). Em conjunto com as questões do plano subjetivo, é provável que o contexto de trabalho altamente sobrecarregado de tarefas, alta exigência e ansiedade depositada para manutenção da ordem social nas instituições de saúde e militares levem esses profissionais a condições estressoras de trabalho que implicam risco aumentado para suicídio no trabalho nesses grupos (Santa & Cantilino, 2016; Silva & Vieira, 2008).

No entanto, devido à inexistência de estudos empíricos buscando confirmar essa relação, torna-se necessário a realização de investigações qualitativas e quantitativas mais amplas que busquem mapear a prevalência de casos de suicídio no trabalho entre esses grupos e outras categorias profissionais que, caso confirmadas, devem ser contempladas por políticas públicas específicas que priorizem a valorização da vida desses profissionais e otimizem as suas condições de trabalho. Outros aspectos fundamentais a serem considerados referem-se aos elementos abrangidos pela categoria aspectos contextuais, a qual apresenta relação entre o período noturno e ambientes insalubres com o suicídio no trabalho, apontando a inadequação desses contextos para indivíduos propensos ao suicídio (Santa & Cantilino, 2016; Silva et al., 2015). Nessas situações, mudanças de turno ou atenção ao nível de insalubridade para readaptação do trabalhador em períodos críticos podem ser alternativas para minimizar os riscos de suicídio no trabalho associados aos aspectos contextuais (Tisato & Ferreira, 2017).

Além disso, deve-se considerar que, no que tange aos aspectos práticos, a literatura revela-se limitada e com poucas contribuições. A potência da prática via psicodinâmica do trabalho pode trazer o tema à tona descortinando o tabu em torno da questão em favor da formação de canais de comunicação sobre o suicídio no trabalho (Máximo et al., 2012). Por outro lado, salienta-se a importância de planejar adequadamente a comunicação institucional que se respalde em aspectos éticos, a fim de preservar a identidade do sujeito que se mostre vulnerável ao suicídio. Sobre isso, nota-se que, em grande parte, a prática sobre o tema limita-se devido à existência de um dilema entre a exposição e a proteção dos trabalhadores, tendo em vista o tabu social em torno da questão e os efeitos da comunicação da ideação suicida na vida cotidiana dos indivíduos e nos grupos de trabalho (Marquetti, Kawauchi, & Pleffken, 2015). O "efeito contágio da ideação suicida" (Werther Effect) aos demais pares e vias de comunicação institucionais parece relevante e, portanto, deve ser considerado na proposição de práticas institucionais sobre o tema (Kovács, 2013).

Em uma perspectiva de avaliação psicológica de quadros mais proeminentes, a aplicação de escalas de ideação suicida e monitoramento da história clínica do trabalhador em exames periódicos pode facilitar o rastreio e o referenciamento da demanda aos dispositivos de saúde específicos (Cardoso et al., 2014). Na prática organizacional, medidas que avaliem os vínculos do indivíduo com a organização e com o trabalho, assim como indicadores de clima organizacional, podem ser úteis para apreender a percepção dos trabalhadores sobre a organização e otimizar as práticas de gestão de forma a torná -las um mecanismo institucional capaz de promover saúde, a fim de prevenir casos de suicídio no trabalho (Buss, 2000). No entanto, a despeito da existência dessas alternativas, inexistem estudos sobre o tema que proponham orientações mais específicas nas formas de atuação no âmbito laboral diante do suicídio no trabalho, o que se apresenta como fundamental para o avanço da literatura. Para tanto, é crucial produzir uma agenda convergente de investigação e prática que dê visibilidade à questão e proponha ações sistemáticas para o incremento das notificações de morte desencadeadas pelo suicídio decorrente do trabalho ou inserido nesse contexto.

Por fim, é esclarecido que este estudo apresentou um estado da arte sintetizando criticamente as evidências sobre o tema suicídio no trabalho existentes na literatura nacional na área de psicologia. Dessa forma, destaca-se como contribuições da presente investigação a síntese das evidências propostas pela literatura e a identificação das diferentes variáveis e categorias temáticas analisadas por meio das múltiplas compreensões lançadas sobre o tema. Essas contribuições possibilitam compreender de forma expandida o suicídio no trabalho como um fenômeno multideterminado e associado a diferentes formas de análise.

No que tange às limitações, a principal lacuna refere-se à natureza narrativa e descritiva empregada na análise dos relatos de pesquisa, o que dificulta a comparação dos vieses entre as investigações revisadas. Além disso, a definição da base de dados restringe as contribuições encontradas de forma predominante à psicologia e áreas correlatas, não sendo possível expandi-las para um estado geral da literatura sobre o tema. Nesse sentido, faz-se necessário que estudos futuros busquem relacionar as contribuições da psicologia elencadas neste estudo com outros campos do conhecimento e evidências disponíveis em bases de dados de outras áreas, nacional e internacionalmente.

Ademais, no que tange à literatura brasileira, nota-se a necessidade de aumentar a quantidade de estudos e a sua periodicidade de elaboração, a fim de fomentar o desenvolvimento de uma agenda de pesquisa que viabilize políticas públicas e práticas organizacionais sobre o tema. Em grande parte, essa proposição requererá que os estudiosos sobre o tema na literatura nacional realizem uma mudança na forma de produção de conhecimento a respeito de suicídio no trabalho. Para tanto, é preciso reconhecer e dialogar com as contribuições e limitações dos estudos desenvolvidos em diferentes perspectivas, a fim de permitir o avanço da área tanto qualitativa quanto quantitativamente diante das questões concretas relacionadas ao tema. Tendo em vista o impacto que o desenvolvimento da área resultará na realidade dos trabalhadores, deve-se abandonar os apriorísticos na elaboração dos estudos sobre o fenômeno, buscando uma interlocução mais branda entre as diferentes vertentes e evidências propostas, a fim de produzir avanços nas diferentes perspectivas adotadas na área.

Em linhas gerais, a literatura sobre o tema mostra-se estagnada, necessitando de estudos que substanciem e expandam as possibilidades de um modelo de notificação dos casos que dê visibilidade à temática e proporcione o desenvolvimento de agendas de pesquisa e intervenção protetivas à saúde e ao bem-estar dos trabalhadores. Essa expansão inclui a proposição de estudos que impliquem novas práticas organizacionais, legislações e políticas públicas; e sistemas e protocolos de notificação capazes de conciliar conflitos de interesses entre os envolvidos na questão, com o intuito de fomentar a proteção aos trabalhadores. Para isso, a ação sistemática de dispositivos públicos e privados para mapear o tema e dar visibilidade à questão é fundamental para superar a invisibilidade ocasionada pela subnotificação dos casos concretos. Nesse sentido, urgem esforços conjuntos entre pesquisadores e outros agentes de interesse para impactar na realidade dos trabalhadores e gestores que vivenciam a questão cotidianamente nos diferentes espaços de trabalho existentes no contexto nacional.

 

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Endereço para correspondência:
Pedro Afonso Cortez
Universidade São Francisco, Departamento: Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia
13045-510, Campinas, SP - Brasil
E-mail: cor.afonso@gmail.com

Recebido em: 14/10/2017
Primeira decisão editorial em: 31/05/2018
Versão final em: 09/09/2018
Aceito em: 09/09/2018

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