20 1Tradução e validação da escala de autoliderança para o contexto brasileiroIsso já está superado!: A justificação do preconceito no setor bancário 
Home Page  


Revista Psicologia Organizações e Trabalho

 ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.20 no.1 Brasília jan./mar. 2020

https://doi.org/10.17652/rpot/2020.1.16937 

Evidências de validade para a escala de alegria no trabalho

 

Validity evidence for the joy at work scale

 

Evidencia de validez para la escala de alegría en el trabajo

 

 

Roberta Pérez de Souza Cruz; Maria Cristina Ferreira; Larissa Maria David Gabardo-Martins

Universidade Salgado de Oliveira, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A alegria no trabalho consiste em uma manifestação do bem-estar no trabalho, que se reflete na fusão da satisfação da vida e da satisfação com o trabalho. O presente estudo reuniu evidências de validade da Escala de Alegria no Trabalho no contexto brasileiro. A amostra foi composta por 505 trabalhadores de ambos os sexos. Eles responderam à versão brasileira da escala e a instrumentos a ela correlatos. As análises fatoriais exploratórias e confirmatórias indicaram que o modelo de melhor ajuste para a escala foi o de natureza unidimensional, composto por 14 itens. A escala apresentou correlações positivas fortes com a satisfação no trabalho, o engajamento no trabalho, o comprometimento organizacional afetivo e os afetos positivos dirigidos ao trabalho. Concluiu-se que o instrumento apresentou propriedades psicométricas que recomendam seu uso em investigações futuras destinadas a avaliar o grau de alegria no trabalho.

Palavras-chaves: bem-estar, trabalho, validade estatística, engajamento, satisfação.


ABSTRACT

Joy at work is one manifestation of well-being, which is reflected in the merging of satisfaction with life and with work. The present study has gathered evidence of the validity of the Joy at Work Scale in the Brazilian context. The sample was composed of 505 workers from both genders. They answered a version of the Brazilian scale as well as other instruments related to it. Exploratory and confirmatory factor analyses indicated that the model with the best fit for the scale was the one-dimensional one, composed of 14 items. The scale presented strong positive correlations with satisfaction at work, work engagement, affective organizational commitment, and positive affects toward work. It was concluded that the instrument presented psychometric properties which recommend its use in further investigations designed to evaluate levels of joy at work.

Keywords: well-being, work, statistical validity, engagement, satisfaction.


RESUMEN

La alegría en el trabajo es una manifestación de bienestar, que refleja en la fusión de la satisfacción con la vida y la satisfacción laboral. El presente estudio reunió evidencias de la validez de la Escala de Alegría en el Trabajo en el contexto brasileño. La muestra consistió en 505 trabajadores de ambos sexos que respondieron a la versión brasileña de la escala y a sus instrumentos Los análisis factoriales exploratorios y confirmatorios mostraron que el modelo de mejor ajuste para la escala era el de naturaleza unidimensional, compuesto por 14 ítems. La escala presentó fuertes correlaciones positivas con la satisfacción con el trabajo, el engagement en el trabajo, el compromiso organizacional afectivo y los afectos positivos dirigidos al trabajo. Se concluyó que el instrumento presentó propiedades psicométricas que recomiendan su uso en futuras investigaciones destinadas a evaluar el grado de alegría en el trabajo.

Palabras claves: bienestar, trabajo, validez estadística, compromiso, satisfacción.


 

 

Nos dicionários de língua portuguesa, a palavra alegria tem como sinônimos os termos contentamento, satisfação, júbilo e exultação (Holanda, 2018). Em hebraico, a palavra também se refere a manifestações de contentamento e ao sentido de bem-estar. Já no dialeto grego, ela representa um prazer tranquilo, que emerge dos corações (Jena & Prahdan, 2017). No entanto, definir alegria ainda não é uma tarefa fácil, já que em algumas publicações ela é vista como sinônimo de felicidade, isto é, como uma emoção positiva específica (Watkins, Emmons, Greaves, & Bell, 2017). Recentemente, Volf e Crisp (2015) proporcionaram avanços na conceituação desta emoção, ao defenderem que ela difere da felicidade, em função de consistir em uma resposta específica a um evento individual. Ela se contrapõe, assim, à felicidade, que se caracteriza como uma emoção positiva generalizada (Watkins et al, 2017).

A alegria no trabalho ainda tem recebido pouca atenção dos estudiosos das organizações. Alguns autores (Bakke, 2005; Varila, 2014; Warr & Clapperton, 2010) apresentaram considerações teóricas sobre o construto, mas não chegaram a desenvolver instrumentos capazes de operacionalizar suas proposições. Coube, assim, a Jena e Prahdan (2017) desenvolverem um instrumento especificamente destinado à avaliação da alegria no trabalho. De acordo com esses autores, a alegria no trabalho consiste na fusão da satisfação com a vida e com o trabalho, os quais coletivamente denotam o bem-estar eudaimônico de um trabalhador. Nesse sentido, ela se distingue de outros indicadores do bem-estar laboral, como a satisfação, o comprometimento afetivo, a prosperidade e o bem-estar subjetivo.

A satisfação no trabalho associa-se a experiências hedônicas, enquanto a alegria no trabalho inclui aspectos eudaimônicos, em função de se vincular ao autodesenvolvimento para uma vida laboral plena (Jena & Pradhan, 2017). O comprometimento afetivo, por sua vez, consiste em um apego emocional dos empregados à visão da organização, ou seja, à identificação pessoal dos próprios valores com os objetivos organizacionais (Pradhan, Jena, & Kumari, 2016). Ele pode ser visto, portanto, como um dos aspectos da alegria no trabalho (Jena & Pradhan, 2017).

O prosperar consiste em um tipo de experiência alegre que leva o indivíduo a aprender no trabalho e a se autoatualizar (Prem, Only, Kubicek, & Korunka, 2017). Já a alegria no trabalho caracteriza-se como uma experiência psicológica positiva, que abrange não somente o nível pessoal, como no caso da prosperidade, mas também os níveis interpessoal e organizacional (Jena & Pradhan, 2017). O bem-estar subjetivo, por fim, retrata a forma pela qual os empregados julgam sua vida, por meio de respostas emocionais que derivam de suas vidas pessoal e profissional (Diener, Lucas, & Oishi, 2018; Farsen, Boehs, Ribeiro, Biavati, & Silva, 2018). A alegria no trabalho se contrapõe, assim, a este bem-estar subjetivo, por se referir a experiências positivas como gratidão, preocupação, tranquilidade ou inspiração.

Em síntese, de acordo com Jena e Pradhan (2017), a alegria no trabalho caracteriza-se como um indicador do bem-estar eudaimônico no trabalho, associado à vivência de estados positivos que contribuem para o autodesenvolvimento e para uma vida laboral plena. Para avaliar o referido construto, os autores adotaram procedimentos empíricos e verificaram as evidências iniciais de validade do instrumento em uma amostra de executivos indianos. Para tanto, entrevistaram 34 especialistas (profissionais da indústria), que foram solicitados a descrever suas experiências de sentir alegria no trabalho. Após a análise qualitativa das entrevistas, a alegria no trabalho foi definida como um estado psicológico que pode ser desmembrado em três focos (sentimento pessoal, percepção interpessoal e apoio organizacional), subdivididos em dez dimensões. São elas: fator pessoal - significado, engajamento, aprendizado e crescimento; fator interpessoal - compaixão, respeito e apreciação, sensibilidade; fator organizacional - confiança e identificação, apoio percebido, flexibilidade, qualidade de vida.

Com o apoio dessa estrutura conceitual, foi realizado um primeiro estudo, a partir da construção de 28 itens, que refletiam as dez dimensões da alegria no trabalho e foram elaborados sob a forma de afirmativas derivadas das opiniões dos entrevistados. Foi realizada ainda uma revisão de outros instrumentos relacionados ao construto (Employee Engagement Scale, Schaufeli & Bakker, 2003; Employee Commitment, Meyer & Allen, 1991; Job Involvement Scale, Petterson & Arnetz, 1997; Subjective well-being, Diener, 1998), na qual mais 12 itens foram adicionados ao instrumento, que totalizou inicialmente 40 itens. Uma segunda análise com especialistas em línguas foi realizada para aperfeiçoar o entendimento e a linguagem do instrumento. Posteriormente, doze acadêmicos e seis profissionais seniores de diferentes organizações revisaram o instrumento, com o intuito de garantir sua validade de conteúdo. Como resultado desta fase, 14 itens foram removidos, restando 26 itens.

O questionário foi aplicado então em 240 executivos indianos com dois anos ou mais de experiência, após o que oito itens foram excluídos por meio do cálculo de correlações de Pearson. Nos 18 itens restantes, a análise fatorial exploratória resultou em uma solução de 3 fatores: níveis pessoal, interpessoal e organizacional.

Em um segundo estudo, com 452 executivos indianos, foi realizada a análise fatorial confirmatória, por meio da modelagem de equações estruturais. O modelo de três fatores foi o que obteve os melhores índices de ajuste, quando comparado ao modelo de um fator, em mais uma evidência de que a alegria no trabalho era composta por três dimensões.

Na consulta às bases de dados nacionais (Scielo, Pepsic e Banco de Teses e Dissertações), realizada em julho de 2018, não foi encontrada nenhuma referência a instrumentos de mensuração do construto alegria no trabalho. Na consulta ao PsycINFO, foi localizado apenas o estudo de Jena e Prahdan (2017) com a finalidade de mensurar o referido construto. Justifica-se, dessa forma, a realização de estudos adicionais voltados à adaptação da Escala de Alegria no Trabalho a amostras brasileiras. Tal instrumento poderá contribuir para o diagnóstico do bem-estar eudaimônico no trabalho e para a consequente criação de ambientes mais saudáveis e propícios ao aumento do bem-estar dentro e fora da organização.

Fundamentando-se em tais considerações, o presente estudo teve por objetivo reunir evidências iniciais de validade baseada na estrutura interna e de validade convergente da Escala de Alegria no Trabalho em uma amostra brasileira. Na relação com variáveis externas, foram utilizados os construtos de satisfação no trabalho, engajamento no trabalho, comprometimento afetivo no trabalho e afetos positivos no trabalho.

A satisfação no trabalho consiste em um estado íntimo positivo, decorrente de um trabalho realizado que se expressa afetiva e cognitivamente (De Gieter, Hofmans, & Bakker, 2018). Seria assim de se esperar uma correlação positiva forte entre tal construto e a alegria no trabalho (H1). O engajamento no trabalho pode ser descrito como um estado mental positivo em relação ao trabalho, em que ocorre o envolvimento pleno do trabalhador em suas tarefas (Breevaart & Bakker, 2018). Seria, portanto, de se esperar, também, uma correlação forte positiva entre este construto e a alegria no trabalho (H2).

O comprometimento afetivo, como já mencionado, caracteriza-se por uma identificação pessoal dos próprios valores com os objetivos organizacionais (Pradhan et al., 2016), podendo ser analisado, nesta ótica, como um aspecto da alegria no trabalho (Jena & Pradhan, 2017). Desta forma, seria de se esperar uma correlação positiva forte entre tal construto e a alegria no trabalho (H3). Os afetos positivos no trabalho, por fim, referem-se a um estado afetivo-emocional de bem-estar relacionado ao trabalho (Diener, Oishi, & Tay, 2018). Seria assim de esperar que a alegria no trabalho apresentasse uma correlação forte positiva com os afetos positivos (H4). Cumpre ressaltar que não foram localizadas, nas bases de dados consultadas, evidências empíricas anteriores que pudessem dar suporte às hipóteses, razão pela qual elas só foram apoiadas em fundamentos conceituais.

 

Método

Participantes

Foi utilizado um processo de amostragem por conveniência e a amostra ficou composta por 505 trabalhadores brasileiros de ambos os sexos (62,8% do sexo feminino), com idades variando entre 20 e 74 anos (M = 39,5; DP = 9,7). Desse total, 59,0% possuíam pós-graduação e 39,0%, o ensino superior completo ou incompleto. Dentre os participantes, 80,6% provinham do segmento terciário / serviços e desempenhavam diferentes funções (auxiliares, analistas, gestores, entre outros). Seu tempo no trabalho atual variou de 1 a 50 anos (M = 6,6; DP = 7,2) e seu tempo total de serviço, de 1 a 50 anos (M = 17,5; DP = 9,6), sendo que 64,8% recebiam mais de seis salários mínimos. A pesquisa abrangeu 15 estados brasileiros, embora a maioria das respostas (73,9%) tenha sido do estado do Rio de Janeiro.

Instrumentos

Escala de Alegria no Trabalho (Jena & Prahdan, 2017). Instrumento de autorrelato composto por 18 itens, que avaliam os fatores pessoal (7 itens), organizacional (4 itens) e interrelacional (7 itens). As instruções para o preenchimento pedem para que os participantes respondam às perguntas em escala de resposta tipo Likert de 5 pontos, a qual varia entre discordo fortemente e concordo fortemente.

Escala de Satisfação Geral no Trabalho (Silva & Ferreira, 2009). Instrumento unifatorial de autorrelato composto por 5 itens (Alfa de Cronbach = 0,93). As instruções para o preenchimento solicitam que os participantes respondam às perguntas em escala de resposta tipo Likert de 7 pontos, variando de discordo totalmente a concordo totalmente.

Escala de Engajamento no Trabalho (Schaufeli & Bakker, 2003), adaptada ao contexto brasileiro por Ferreira et al. (2016). Instrumento de autorrelato composto por 9 itens (Alfa de Cronbach = 0,94). As instruções para o preenchimento pedem para que os participantes respondam às perguntas em escala de resposta tipo Likert de 7 pontos, a qual varia entre nunca e diariamente.

Escala de Comprometimento Organizacional Afetivo (Meyer & Allen, 1991), adaptada ao contexto brasileiro por Ferreira et al. (2002). Instrumento unifatorial de autorrelato composto por 6 itens (Alfa de Cronbach = 0,93). As instruções para o preenchimento solicitam que os participantes respondam às perguntas em escala tipo Likert de 7 pontos, variando de discordo totalmente a concordo totalmente.

Escala de Afetos Positivos no Trabalho (Daniels, 2000), adaptada ao contexto brasileiro por Ferreira, Silva, Fernandes e Almeida (2008). Instrumento de autorrelato composto por 10 itens (α = 0,93). As instruções para o preenchimento pedem para que os participantes respondam as perguntas em escalas tipo Likert de 5 pontos, a qual varia entre nunca e sempre. Os instrumentos foram acompanhados do termo de consentimento livre e esclarecido, que constou na primeira página do questionário de coleta de dados, e de um levantamento de dados sociodemográfico, que constou ao final do questionário.

Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos

A adaptação da Escala de Alegria no Trabalho para o idioma português do Brasil envolveu três etapas. Foram elas: tradução dos itens da língua inglesa para a portuguesa por profissional bilíngue/tradutor; retradução para o inglês por outro profissional bilíngue/tradutor; submissão a um consenso final das duas traduções por outro profissional bilíngue da área de Psicologia, que resolveu as pequenas discordâncias observadas entre as duas versões em inglês e chegou a uma versão inicial da escala em português. Tal versão foi então submetida a um grupo de seis estudantes de pós-graduação em Psicologia, que possuíam experiências de trabalho de pelo menos um ano em suas respectivas funções. Após o preenchimento do instrumento, eles emitiram suas opiniões acerca da compreensão dos itens e das instruções, ocasião em que alguns ajustes finais foram ainda realizados na escala.

O instrumento foi aplicado de forma individual, totalmente em versão online, por meio da ferramenta Google Docs, em trabalhadores contatados por meio da rede de amizades dos pesquisadores e acessados via WhatsApp, E-mail, Facebook ou Linkedin. Os participantes receberam inicialmente esclarecimentos acerca dos objetivos da pesquisa e o convite para dela participarem. Os que optaram voluntariamente por participar preencheram o termo de consentimento livre e esclarecido e, em seguida, completaram as escalas que, ao final, foram gravadas e enviadas aos pesquisadores. O tempo médio de preenchimento foi de 20 minutos e o sigilo acerca das informações prestadas foi assegurado a todos os participantes. A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa da instituição dos autores e aprovada com o número CAAE 09683019.7.0000.5289.

Procedimentos de Análise de Dados

Com o intuito de verificar a estrutura do instrumento, foram utilizadas análises fatoriais exploratórias e confirmatórias. Para a análise fatorial exploratória, realizada no software R (R Core Team, 2017), no pacote Psych (Revelle, 2014), empregou-se uma parte da amostra (N = 253). A fim de verificar a adequação dos dados aos pressupostos da análise fatorial, foram calculados o Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett. O critério de retenção fatorial utilizado foi o scree plot, por meio do Kaiser-Gutman (Damásio, 2012).

Para a análise fatorial confirmatória, realizada no pacote Lavaan (Rossel, 2012), utilizou-se outra parte da amostra (N = 252). Considerando-se que o teste do Shapiro-Wilk demonstrou que a amostra violou o pressuposto da normalidade, optou-se pela adoção do estimador WLSMV. A consistência interna do instrumento foi analisada por meio do coeficiente Alfa de Cronbach. A validade convergente da escala foi investigada por meio de correlações de Spearman entre os escores do instrumento e os escores globais das medidas a ele relacionadas. Optou-se pelo uso desse tipo de correlação pelo fato de ela não fazer nenhum pressuposto sobre a distribuição normal da amostra e considerar que os dados devem ser pelo menos ordinais (Chen & Popovich, 2002).

 

Resultados

Os resultados demonstraram que o KMO foi igual a 0,89, evidenciando a adequação da amostra à análise fatorial. O teste de Bartlett foi significativo (χ = 1755,61; p < 0,001), o que indicou que a matriz de correlações entre os itens também permitia a realização da análise fatorial. A análise do Scree Plot, por meio do critério de Kaiser-Gutman, evidenciou a presença de apenas um fator.

A análise fatorial exploratória com solução antecipada de um único fator, realizada pelo método dos eixos principais, apontou que 15 itens apresentaram cargas fatoriais acima de 0,30, enquanto três itens ficaram com cargas fatoriais abaixo deste valor e foram assim descartados. Tal fator único foi denominado de alegria no trabalho, com base no fato de que a natureza eudaimônica do bem-estar encontra-se subjacente a todos os itens do instrumento (Jena & Prahdan, 2017). As cargas fatoriais desta versão final encontram-se na Tabela 1.

 

 

Após a análise exploratória, procedeu-se à análise fatorial confirmatória, com a adoção do estimado WLSMV. Devido ao fato de o modelo original da escala ser composto de três fatores, foi realizado o teste inicial de um modelo de três fatores correlacionados. Em tal modelo, o item 17 não obteve carga fatorial significativa e, desta forma, foi excluído. Em seguida, o modelo de três fatores correlacionados, sem o item 17, foi testado. Em tal modelo, os itens 8 e 18 também apresentaram cargas fatoriais abaixo de 0,30. Além disso, os fatores apresentaram correlações muito altas entre si (pessoal e organizacional = 0,96; organizacional e interpessoal = 0,93; pessoal e interpessoal = 0,97).

Como mais uma forma de contrastar o modelo de um fator com modelos alternativos, testou-se, em seguida, um modelo de dois fatores correlacionados, composto de um fator com 15 itens e outro com os itens 8, 17 e 18. Em tal modelo, os itens do segundo fator não obtiveram cargas fatoriais significativas, além de que o item 6 apresentou carga fatorial baixa (0,32). Além disto, a variância média extraída dos fatores foi menor que os índices de correlação ao quadrado, em mais uma indicação de não ser possível garantir que os fatores se diferenciavam entre si. Desse modo, foi testado, por fim, um modelo final composto de um único fator com 14 itens, o qual apresentou índices de ajustes e cargas fatoriais adequadas.

Os índices de ajuste obtidos nos diferentes modelos testados encontram-se na Tabela 2. Tais resultados evidenciam, mais uma vez, que a estrutura unifatorial do instrumento, revelada na análise fatorial exploratória, é realmente a mais robusta, quando contrastada com modelos alternativos de dois e três fatores. O modelo final obtido, com suas respectivas cargas fatoriais padronizadas, é apresentado na Figura 1.

 

 

 

 

A escala apresentou ainda um bom índice de consistência interna (α = 0,90), calculado por meio do Alfa de Cronbach. No que tange às evidências de validade convergente, os resultados encontrados na correlação de Spearman evidenciaram correlações positivas fortes e significativas da alegria no trabalho com a satisfação no trabalho (ρ = 0,74; p < 0,01), o engajamento no trabalho (ρ = 0,74; p < 0,01), o comprometimento organizacional afetivo (ρ = 0,71; p < 0,01) e os afetos positivos dirigidos ao trabalho (ρ = 0,71; p < 0,01).

 

Discussão

O presente estudo teve como objetivo adaptar e reunir evidências iniciais de validade de estrutura interna e de validade convergente da Escala de Alegria no Trabalho em uma amostra de trabalhadores brasileiros. Após as análises fatoriais exploratórias e confirmatórias, o modelo de melhor ajuste foi o de apenas uma dimensão, composta de 14 itens, que se diferenciou do modelo original, constituído por três dimensões e 18 itens. A versão brasileira da escala ficou, portanto, com quatro itens a menos (excluídos: 6, 8, 17 e 18), em função de eles terem apresentado cargas fatoriais muito baixas. Nesse sentido, optou-se pela retirada de tais itens, de modo a permitir que o instrumento ficasse com os melhores índices de ajuste possíveis e, ao mesmo tempo, mantivesse itens suficientes para assegurar uma boa precisão.

A escala apresentou um bom índice de consistência interna (α = 0,90). Tal resultado mostra-se congruente com o obtido por Jena e Pradhan (2017) na escala total (α = 0,91), e indica que a escala apresentou precisão adequada na estimação dos escores, na medida em que o índice foi superior a 0,70 (Nunnally, 1978). Tal índice de precisão, aliado aos bons índices de ajuste do modelo unifatorial adotado como solução final para a escala, constituem indicações de que a versão brasileira da Escala de Alegria no Trabalho apresentou evidências iniciais de validade de estrutura interna. Esses achados dão sustentação ao uso futuro da escala em situações de diagnóstico da alegria no trabalho.

Uma possível explicação para as diferenças entre o modelo final do estudo original e o modelo presentemente obtido pode ser a de que o estudo original foi realizado apenas com executivos indianos, enquanto o atual estudo foi realizado principalmente com trabalhadores provenientes do setor de serviços, no qual desempenhavam diferentes funções. Acrescente-se a isso o fato de que os dois estudos foram conduzidos em culturas diferentes. Considerando-se que a cultura consiste em uma programação coletiva da mente, que diferencia grupos nacionais e orienta seus comportamentos (Hofstede, 2015), é possível que padrões nacionais distintos, oriundos da cultura indiana e brasileira, tenham interferido nos perfis de resposta à escala.

No que diz respeito validade convergente, foi possível verificar que a Escala de Alegria no Trabalho apresentou uma correlação positiva forte com a satisfação no trabalho, o que deu sustentação à hipótese 1. Foi observado, portanto, que as pessoas que são mais alegres no trabalho, são também as que apresentam maior satisfação com o mesmo. Considerando-se que a satisfação com o trabalho faz parte da própria definição do construto alegria no trabalho, na medida em que ela é conceituada como uma fusão entre a satisfação com a vida e com o trabalho (Jena & Pradhan, 2017), seria de se esperar uma correlação forte entre esses construtos, como de fato ocorreu. Cumpre registrar, também, que enquanto a alegria possui aspectos mais eudaimonicos, como a compaixão, a aprendizagem e o crescimento (Jena & Pradhan, 2017), a satisfação provoca nos empregados um estado emocional de prazer resultante da avaliação do trabalho (Bakker & Oerlemans, 2010), representando, portanto, uma característica hedônica.

A Escala de Alegria no Trabalho também apresentou uma correlação positiva forte com o engajamento no trabalho, o que forneceu apoio à segunda hipótese. Tal resultado vai ao encontro do argumento de que emoções positivas como a alegria são ativadas frequentemente nas pessoas mais engajadas no trabalho, no qual manifestam estados mentais de vigor, dedicação e absorção (Bakker & Oerlemans, 2010).

A hipótese 3 também recebeu suporte empírico, na medida em que foi constatada uma correlaçao positiva forte entre a alegria no trabalho e o comprometimento organizacional afetivo, numa evidência de que quanto mais alegria as pessoas vivenciam em suas tarefas laborais, maiores são os vínculos afetivos que elas tendem a desenvolver com sua organização. Tal resultado alinha-se com o posionamento de Pradhan et al. (2016), para quem o comprometimento afetivo no trabalho é também um dos aspectos da alegria no trabalho, razão pela qual seria de se esperar uma alta correlação entre estas variáveis.

Por último, uma correlaçao positiva forte entre a alegria no trabalho e os afetos positivos no trabalho forneceu sustentação à quarta hipótese da pesquisa. Verificou-se, assim, que quanto maior a vivência da alegria no trabalho, maiores são os sentimentos positivos dirigidos ao trabalho. Embora os afetos positivos no trabalho constituam uma manifestação hedonica do bem-estar, enquanto a alegria remete a uma manifestação eudaimonica (Jena & Prahdan, 2017), a correlação encontrada entre estes construtos pode ser vista como uma evidência de que ambos se referem a estados afetivo-emocionais característicos do bem-estar laboral (Diener et al., 2018).

Os resultados das altas correlações obtidas entre a alegria no trabalho e as variáveis a ela relacionadas sinalizam, portanto, para o fato de a alegria constituir-se em mais um indicador do bem-estar no trabalho. No entanto, o presente estudo não se deteve na análise das reais diferenças observadas entre a alegria no trabalho e a satisfação no trabalho, o engajamento no trabalho, o comprometimento afetivo no trabalho e os afetos positivos no trabalho. Contudo, todos esses construtos caracterizam-se como resultados individuais positivos decorrentes do trabalho e essa pode ser uma provável explicação para as altas correlações obtidas. De todo modo, tais resultados constituem evidências sobre a validade convergente da escala, o que, juntamente com os resultados sobre a validade de sua estrutura interna, reafirmam as possibilidades de utilização do instrumento na avaliação da alegria no trabalho.

Cumpre pontuar ainda as limitações do estudo. Assim é que a maioria da amostra (74%) estava concentrada em um único estado do Brasil, o Rio de Janeiro, além de que 98% dos participantes possuíam ensino superior completo ou incompleto. Logo, não é possível generalizar os resultados para as demais regiões brasileiras e nem tampouco para amostras de indivíduos de ensino médio. Além disso, o estudo foi baseado exclusivamente em medidas de autorrelato, o que pode levar a problemas associados à variância comum do método (Spector, 2006). Tais problemas foram minimizados com o fato de o anonimato ter sido garantido a todos os participantes e de não haver questões certas ou erradas, que implicassem em riscos pessoais ou profissionais aos respondentes. Ademais, os itens do instrumento de coleta de dados versavam sobre variáveis distintas, o que também ajuda a evitar respostas com vieses (Podsakoff, MacKenzie, & Podsakoff, 2012).

Considerando-se, outrossim, que a atual pesquisa incluiu categorias ocupacionais diversificadas, seria interessante que estudos futuros reunissem evidências sobre a invariância da escala, mediante a comparação de sua estrutura interna em grupos ocupacionais específicos. Investigações sobre a validade incremental da escala, isto é, sobre a capacidade de discriminação do construto alegria no trabalho em relação a outros construtos de natureza eudaimônica, como a realização no trabalho, também poderiam ser realizados. Ainda no que tange à realização de estudos futuros, sugere-se que sejam realizadas pesquisas que objetivem o aprofundamento da rede nomológica do construto alegria no trabalho, em especial no que diz respeito a seu impacto em variáveis que caracterizam a qualidade de vida no trabalho. Tais pesquisas deveriam ser preferencialmente de natureza longitudinal, o que permitiria o aprofundamento da compreensão acerca de tais relações, bem como do funcionamento dos estados afetivos em espaços laborais.

De todo modo, os resultados do presente estudo indicam que a Escala de Alegria no Trabalho apresentou evidências iniciais de validade de estrutura interna e de validade convergente, em uma amostra brasileira. Portanto, ela pode ser considerada como uma medida apropriada à avaliação do quão alegres as pessoas se mostram em seus ambientes laborais, o que recomenda seu uso futuro em pesquisas e em diagnósticos organizacionais.

 

Referências

Bakke, D. W. (2005). Joy at work: A revolutionary approach to fun on the job. Seattle, Washington: PVG.         [ Links ]

Bakker, A. B., & Oerlemans, W. G. M. (2010). Subjective well-being in organizations. In K. Cameron & G. Spreitzer (Eds.), Handbook of positive organizational scholarship (pp.1-31). Oxford: University Press. https://doi.org/10.1093/oxfordhb/9780199734610.013.0014        [ Links ]

Breevaart, K, & Bakker, A. B. (2018). Daily job demands and employee work engagement: The role of daily transformational leadership behavior. Journal of Occupational Health Psychology, 23(3),338-349. https://doi.org/10.1037/ocp0000082        [ Links ]

Chen, P. Y., & Popovich, P. M. (2002). Correlation: Parametric and nonparametric measures. Thousand Oaks, CA: Sage Publications.         [ Links ]

Damásio, B. F. (2012). Uso da análise fatorial exploratória em psicologia. Avaliação Psicológica, 11(2),213-228.         [ Links ]

Daniels, K. (2000). Measures of five aspects of affective well-being at work. Human Relations, 53(2),275-294. https://doi.org/10.1177/a01054        [ Links ]

De Gieter, S., Hofmans, J., & Bakker, A. B. (2018). Need satisfaction at work, job strain, and performance: A diary study. Journal of Occupational Health Psychology, 23(3),361-372. https://doi.org/10.1037/ocp0000098        [ Links ]

Diener, E. (1998). Subjective well-being and personality. In D. F. Barone, M. Hersen, & V. B. Van Hasselt (Eds.), Advanced Personality (pp. 311-344). New York, NY: Plenum Press.         [ Links ]

Diener, E., Lucas, E. M., & Oishi, S. (2018). Advances and open questions in the science of subjective well-being. Collabra: Psychology, 4(1),15. https://doi.org/10.1525/Collabra.115        [ Links ]

Diener, E., Oishi, S., & Tay, L. (2018). Advances in subjective well-being research. Nature Human Behavior, 2(4),253-260. https://doi.org/10.1038/s41562-018-0307-6        [ Links ]

Farsen, T. C., Boehs, S. T. M., Ribeiro, A. D. S., Biavati, V. P., & Silva, N. (2018). Qualidade de vida, bem-estar e felicidade no trabalho: Sinônimos ou conceitos que se diferenciam? Interação em Psicologia, 22(1). https://doi.org/10.5380/psi.v22i1.48288        [ Links ]

Ferreira, M. C., Assmar, E. M. L., Souto, S. O., Braga, L. L., Rocha, P. M., & Pacheco, G. L. (2002). Validação de um instrumento de comprometimento organizacional [Resumo]. Em Conselho Federal de Psicologia - CFP (Ed.), Anais do I Congresso Brasileiro Psicologia Ciência e Profissão. Brasília, DF: CFP. Recuperado de http://anais.cbp.cfp.org.br/congre/busca.asp        [ Links ]

Ferreira, M. C., Silva, C., Fernandes, A. P, A, & Almeida, H. P. (2008). Desenvolvimento e validação de uma escala de afetos no trabalho (ESAFE). Avaliação Psicológica, 7(2),143-150. Recuperado de http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=335027184005        [ Links ]

Ferreira, M. C., Valentini, F., Damásio, B. F., Mourão, L., Porto, J. B., Chinelato, R. S. de C., & Pereira, M. M. (2016). Evidências adicionais de validade da UWES-9 em amostras brasileiras. Estudos de Psicologia, 21(4),435-445. https://doi.org/10.5935/1678-4669.20160042.         [ Links ]

Hofstede, G. (2015). National differences in communication styles. Em D. Brzozowska & W. Chłopicki (Eds.), Culture's software: Communication styles (pp. 1-14). Newcastle, UK: Cambridge Scholars Publishing.         [ Links ]

Holanda, A. B. (2018). Michaelis dicionário brasileiro da língua portuguesa (Versão 2.0). São Paulo: Ed Melhoramentos Ltda.         [ Links ]

Jena, L. K., & Pradhan, S. (2017). Joy at work: Initial measurement and validation in Indian context. The Psychologist-Manager Journal, 20(2),106-122. https://doi.org/10.1037/mgr0000051        [ Links ]

Meyer, J. P., & Allen, N. J. (1991). A three-component conceptualization of organizational commitment. Human Resource Management Review, 1(1),61-89. https://doi.org/10.1016/1053-4822(91)90011-Z        [ Links ]

Nunnally, J. C. (1978). Psychometric theory. Ney York, NY: McGraw-Hill.         [ Links ]

Petterson, I., & Arnetz, B. B. (1997). Measuring psychosocial work quality and health: Development of health care measures of measurement. Journal of Occupational Health Psychology, 2(3),229-241. https://doi.org/10.1037/1076-8998.2.3.229        [ Links ]

Podsakoff, P. M., MacKenzie, S. B., & Podsakoff, N. P. (2012). Sources of method bias in social science research and recommendations on how to control it. Annual Review of Psychology, 63,539-569. https://doi.org/10.1146/annurev-psych-120710-100452        [ Links ]

Pradhan, R. K., Jena, L. K., & Kumari, I. G. (2016). Effect of work-life balance on organizational citizenship behavior: Role of organisational commitment. Global Business Review, 17(3),1-15. https://doi.org/10.1177/0972150916631071        [ Links ]

Prem, R., Ohly, S., Kubicek, B., & Korunka, C. (2017). Thriving or challenge stressors? Exploring time pressure and learning demands as antecedents of thriving at work. Journal of Organizational Behavior, 38(1),108-123. https://doi.org/10.1002/job.2115        [ Links ]

R Core Team (2017). R: A language and environment for statistical computing. Vienna, Austria: R Foundation for Statistical Computing. Recuperado de https://www.R-project.org/        [ Links ]

Revelle, W. (2014). Psych:Procedures for psychological, psychometric, and personality research. Evanston, IL: Northwestern University. Recuperado de https://cran.r-project.org/web/packages/psych/index.html        [ Links ]

Rossel, Y. (2012). Lavan: An R package for structural equation modeling. Journal of Statistical Software, 48(2),1-36. Recuperado de https://EconPapers.repec.org/RePEc:jss:jstsof:v:048:i02        [ Links ]

Schaufeli, W. B., & Bakker, A. B. (2003). Utrecht Work Engagement Scale: Preliminary manual. Utrecht, the Netherlands: Department of Psychology, Utrecht University.         [ Links ]

Silva, A. P. C., & Ferreira, M. C. (2009). Escala de Satisfação Geral no Trabalho [Resumo]. Em Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (Ed.), Anais do IV Congresso Brasileiro de Avaliação Psicológica. Campinas, SP: IBAP.         [ Links ]

Spector, P. E. (2006). Method Variance in Organizational Research: Truth or Urban Legend? Organizational Research Methods, 9(2),221-232. https://doi.org/10.1177/1094428105284955        [ Links ]

Varila, J. (2014). Joy of work as a research topic. Researching work and learning conference proceedings (pp. 501-507). Calgary, Canada: University of Calgary, Faculty of Continuing Education.         [ Links ]

Volf, M., & Crisp, J. E. (2015). Joy and human flourishing: Essays on theology, culture, and the good life. Minneapolis, MS: Fortress Press.         [ Links ]

Warr, P., & Clapperton, G. (2010). The joy of work? Jobs, happiness, and you. New York, NY: Routledge/Taylor & Francis Group.         [ Links ]

Watkins, P. C., Emmons, R. A., Greaves M. R., & Bell J. (2017). Joy is a distinct positive emotion: Assessment of joy and relationship to gratitude and well-being. Journal of Positive Psychology, 13(5),522-539. https://doi.org/10.1080/17439760.2017.1414298        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Roberta Pérez de Souza Cruz
Rua das Laranjeiras, 361 ap. 504 - Laranjeiras
Rio de Janeiro (RJ), Brasil, CEP 22240-004
E-mail: roberta.perez@ymail.com

Recebido em: 03/10/2018
Primeira decisão editorial em: 25/09/2019
Versão final em: 13/10/2019
Aceito em: 17/10/2019

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License