Revista Psicologia Organizações e Trabalho
ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.20 no.1 Brasília jan./mar. 2020
https://doi.org/10.17652/rpot/2020.1.16850
"Isso já está superado!" A justificação do preconceito no setor bancário
"This is overcome!" Prejudice justification in banks which have diversity management programs
"¡Eso ya está superado!" La justificación del prejuicio en organizaciones bancarias que tienen programas de gestión de la diversidad
Adílio Renê Almeida MirandaI; Mônica Carvalho Alves CappelleII; Jessica Martins SampaioI; Isabela Ariane BujatoIII; Rafaela Fernanda Barbosa de SiqueiraII
IUniversidade Federal de Alfenas (UNIFAL), Minas Gerais, Brasil
IIUniversidade Federal de Lavras (UFLA), Minas Gerais, Brasil
IIIUniversidade Federal do Espírito Santo (UFES), Espírito Santo, Brasil
RESUMO
O objetivo deste artigo foi compreender a maneira pela qual se manifestam as estratégias de justificação e negação do preconceito em organizações bancárias no sul de MG, que possuem programas de gestão da diversidade. Empiricamente, realizou-se uma pesquisa qualitativa na qual foram feitas 15 entrevistas semiestruturadas com bancários. Os dados foram analisados por meio da Análise do Discurso. Os resultados evidenciam que o preconceito está presente no contexto bancário, no entanto, os entrevistados não reconhecem que ele exista no ambiente em que trabalham, por isso, buscam maneiras de justificá-lo e negá-lo. A justificação ocorre por meio da mobilização de estratégias de culpabilização dos "outros" e das próprias minorias, da reprodução da ideologia da meritocracia e da naturalização e "superação" do preconceito. As estratégias de justificação e negação do preconceito servem como elementos que sustentam a manutenção das ideologias hegemônicas das políticas de diversidade das organizações.
Palavras-chave: diversidade nas organizações, preconceito, setor bancário.
ABSTRACT
The purpose of this article was to understand the way in which prejudice denial and justification strategies occur inside banks in the South of Minas Gerais, these being the ones that have diversity management programs. Empirically speaking, a qualitative study was done in which 15 semi-structured interviews were conducted with bank clerks. The results show that prejudice is present in the bank environment, however, the interviewees do not recognize that it exists in their workplace, and consequently, they look for ways to deny it and justify it. Justification takes the form of strategies of blaming others and the minorities themselves, the ideological reproduction of meritocracy, and the naturalization and overcoming of prejudice. Prejudice denial and justification strategies serve as elements that support the maintenance of hegemonic ideologies of the diversity policies of the organizations.
Keywords: diversity in organizations, prejudice, banking sector.
RESUMEN
El objetivo de este artículo fue comprender la manera en que se manifiestan las estrategias de justificación y negación del prejuicio en organizaciones bancarias en el sur de Minas Gerais, Brasil, que poseen programas de gestión de la diversidad. Empíricamente, se realizó una investigación cualitativa en la que fueran hechas 15 entrevistas semiestructuradas con banqueros. Los datos se analizaron mediante el Análisis del Discurso. Los resultados evidencian que el prejuicio está presente en el contexto bancario, sin embargo, los encuestados no reconocen que existe en el ambiente en el que trabajan, por lo que buscan maneras de justificarlo y negarlo. La justificación ocurre por la movilización de estrategias de culpabilización de los "otros" y de las propias minorías, de la reproducción de la ideología de la meritocracia y de la naturalización y "superación" de los prejuicios. Las estrategias de justificación y negación del prejuicio sirven como elementos que sostienen el mantenimiento de las ideologías hegemónicas de las políticas de diversidad de organizaciones.
Palabras clave: diversidad en las organizaciones, prejuicios, sector bancario.
O Brasil é uma nação conhecida por ser considerada uma "mistura cultural", o que acaba por despertar mais interesse em estudos sobre diversidade nas organizações. Tal visão pode criar uma ideia de que todos convivem bem com a diversidade, ou seja, "todo mundo convive bem como todo mundo". No entanto, a realidade pode revelar algo bem diferente, principalmente, pelo fato da existência do preconceito e discriminação nas organizações, como apontam estudos de Closs e Rocha-de-Oliveira (2015), relacionado ao gênero; Rabelo e Nunes (2017), voltado para homossexuais; Lima (2016), sobre Pessoas com Deficiência (PCDs); e Bujato, Miranda, Sampaio e Souza (2018) e W. J. Souza e Miranda (2019), explorando a questão racial.
A despeito de várias empresas desenvolverem programas e políticas de valorização da diversidade, alguns estudos, como os de Labelle, Francouer e Lakhal (2015) e Bell, Marquardt e Berry (2014) contestam a eficácia desses programas, principalmente, pelo argumento de que existe certa dissonância entre o discurso organizacional e a prática. Tal dissonância está fundamentada, entre outras coisas, na manifestação de ações que demonstram a existência de preconceito no ambiente de trabalho. Todavia, o preconceito pode não ser reconhecidos pelos membros das organizações. Isso ocorre porque, pela ausência de reflexão acerca das desigualdades sociais e históricas vivenciadas por grupos construídos socialmente como minoritários, grande parte dos indivíduos busca construir estratégias de justificação e negação do preconceito, a fim de evitarem uma dissonância cognitiva ou um conflito interno entre o que se julgam ser e o discurso explicitado pela fala. Para solucionar tal conflito, indivíduos são motivados a construir formas de justificação que permitam lidar com o preconceito, a ponto de não serem censurados por si próprios ou pelos outros. A justificação do preconceito torna-se uma maneira de aliviar a tensão criada pela dualidade entre expressão e supressão do preconceito (Bahns, 2015). Assim, o preconceito existe de forma velada, mas se manifesta no discurso, por meio da justificação e negação.
Os bancos são exemplo de organizações que adotam programas de gestão da diversidade. Esse setor foi um dos pioneiros no Brasil a implementarem esse tipo de política, portanto, um setor propício para a realização de pesquisas sobre a expressão do preconceito no ambiente de trabalho. Apesar de vários estudos abordarem o preconceito e discriminação no contexto da discussão sobre diversidade nas organizações, percebe-se que tais estudos, de maneira geral, apenas apontam a percepção (ou não) destes fenômenos (muitas vezes, a partir da visão dos sujeitos entrevistados), mas não os colocam como centrais, tampouco explicam como eles podem estar presentes nas organizações e não serem percebidos ou mesmo serem justificados. Buscando explorar esta lacuna, o objetivo deste artigo foi compreender a maneira pela qual se manifestam as estratégias de justificação e negação do preconceito em organizações bancárias no sul de MG.
Este artigo está estruturado, além desta introdução, da seguinte maneira: no Referencial Teórico discute-se a questão da diversidade nas organizações e suas principais vertentes, e conceitos de preconceito e discriminação e suas formas de justificação; em seguida, apresentam-se os procedimentos metodológicos; adiante, são descritos os resultados e discussões e considerações finais.
Gestão da Diversidade nas Organizações
A partir do aporte teórico da teoria da identidade social, Nkomo e Cox Júnior (2007, p. 337) definem a diversidade como "um misto de pessoas com identidades de grupo diferentes dentro de um mesmo grupo social". Fleury (2000, p. 20) afirma que "a diversidade é um mix de pessoas com identidades diferentes interagindo no mesmo sistema social". Tal sistema é composto por grupos formados por membros que disputam recursos econômicos e buscam exercer poder. Segundo a autora, os grupos de maioria são aqueles que obtêm vantagens sobre os demais, os de minoria.
Ainda sobre o conceito de diversidade, Patrick e Kumar (2012) relatam que a diversidade no ambiente de trabalho refere-se à variedade de diferenças das pessoas no contexto das organizações. Tais diferenças estão diretamente relacionadas à forma como os indivíduos percebem a si e aos outros. Essa percepção, segundo estes autores, afeta as relações e interações que se estabelecem no ambiente organizacional, portanto, a gestão da diversidade deve se preocupar com a manutenção de um ambiente favorável que considere semelhanças e diferenças a fim de utilizar o máximo potencial dos indivíduos para se atingir os objetivos da organização.
Segundo J. B. C. Pereira e Hanashiro (2010), com o intuito de acompanhar as mudanças demográficas e representar a variedade de identidades sociais e culturais, as organizações buscam criar políticas de diversidade em seu ambiente. Fleury (2000, p. 21) destaca o objetivo da gestão da diversidade nas organizações:
administrar as relações de trabalho, as práticas de emprego e a composição interna da força de trabalho a fim de atrair e reter os melhores talentos dentre os chamados grupos de minoria. Isso pode ser feito por políticas de recrutamento que incorporem os critérios relacionados à diversidade cultural do mercado de trabalho.
Na literatura sobre a diversidade nas organizações há, pelo menos, duas correntes principais, a que considera a diversidade a partir de uma perspectiva gerencialista (funcionalista) e uma crítica (baseada na perspectiva de uma reflexão ideológica da diversidade). Autores da perspectiva gerencialista seguem uma linha baseada na ideia de que a gestão da diversidade pode trazer bons resultados para as organizações, podendo ser considerada como vantagem competitiva. Uma das contribuições de se ter uma força de trabalho diversa é a possibilidade de corresponder às expectativas dos clientes que, também, possuem necessidades específicas (Gilbert, Stead & Ivancevich, 1999). Nesse sentido, os indivíduos dentro das organizações contribuem para o entendimento das especificidades culturais dos clientes, pois as conhecem melhor que uma força de trabalho mais homogênea (Tomlinson & Schwabenland, 2010). Essa ideia também é compartilhada por Ely e Thomas (2001), que ainda acrescentam como uma das vantagens, a possibilidade de criar processos de trabalho e produtos inovadores para o mercado.
Essa ideia de utilizar as diferenças entre os indivíduos para se conseguir bons resultados para as organizações é questionada por Alves e Galeão-Silva (2004). Estes autores tratam a gestão da diversidade a partir de uma perspectiva crítica, baseada no argumento de que ocorre um deslocamento no tratamento de desigualdades sociais do âmbito político para as organizações, por meio de políticas de recursos humanos. Janssens e Zanoni (2014) complementam esta discussão afirmando que as práticas organizacionais, quando não tem um viés crítico, acabam por reforçar estereótipos e desigualdades externas à organização. A crítica à gestão da diversidade está calcada no entendimento de que não se pode reduzir uma questão social ao caráter meramente técnico, sem considerar as questões políticas que a envolvem.
Na mesma linha de Alves e Galeão-Silva (2004), Wrench (2005) discute sobre a questão da desigualdade em sociedades estruturadas historicamente nas relações sociais e de emprego, ressalta que há uma tendência à persistência da condição de dificuldade de acesso às posições mais privilegiadas no mercado de trabalho. Schwabenland e Tomlinson (2015), ao abordarem o "lado negro" da gestão da diversidade, contrapõem o discurso organizacional baseado na noção de valorização de oportunidades iguais e justiça social com a realidade que se ampara busca de eficiência e racionalização.
Vários autores, como Saraiva e Irigaray (2009), Greene, Kirton e Wrench (2005) e Wrench (2005) destacam pontos importantes quanto ao distanciamento existente entre o discurso e as práticas nas organizações, no que se refere à questão da diversidade. Greene et al. (2005) e Wrench (2005), por exemplo, ressaltam que, ideologicamente, o discurso da gestão da diversidade não leva em conta a questão das desigualdades estruturais históricas existentes na sociedade, como o racismo e as desigualdades de gênero. Tais desigualdades são construídas com base nas relações de trabalho e aspectos culturais. Saraiva e Irigaray (2009) concluíram que, ideologicamente, a adesão de funcionários e a construção de uma imagem positiva perante o mercado, demonstra a ideia da responsabilidade social da empresa. No contexto bancário, estudado por E. M. Souza, Silva e Carrieri (2012), percebeu-se a ineficácia dos programas de diversidade no combate à discriminação, principalmente, pelos mesmos reforçarem as identidades grupais, em vez de reconhecerem as semelhanças nas múltiplas diversidades.
Preconceito, Discriminação e Justificação
A sociedade brasileira foi e ainda é considerada estratificada e hierarquizada. Isto porque a dinâmica de inclusões e exclusões que caracteriza o processo de construção identitária não se baseia apenas em semelhanças e diferenças, mas em "relações hierárquicas e poderes de raiz histórica que influenciam a definição do que é bom e do que é ruim, do que é belo, do que é feio, do que tem valor e do que não o tem" (Bandeira & Batista, 2002, p. 131).
Neste contexto, as diferenças podem ser vistas como traços desqualificadores sociais. Assim, um grupo afirma a unidade numa espécie de fechamento identitário do "nós" diante dos "outros", criando-se um mito de superioridade. As diferenças, na maioria das vezes, são percebidas a partir da pertença a grupos. Segundo C. R. Pereira e Souza (2016, p. 4), "a categorização das pessoas em grupos tem sido uma condição suficiente do preconceito e, em consequência, da discriminação". Dessa maneira, "o mecanismo psicológico responsável por explicar a relação categorização-preconceito envolve a formação de estereótipos" (C. R. Pereira & Souza, 2016, p. 4). Segundo estes autores, o estereótipo seria o componente cognitivo do preconceito, portanto, o preconceito seria um fenômeno que dependeria dos estereótipos associados ao grupo-alvo (Pearson, Dovidio, & Gaertner, 2009).
Desse modo, indivíduos tidos como "diferentes" tornam-se alvos de intolerância, em outras palavras, tornam-se alvos de preconceito, entendido como um "conjunto de crenças, atitudes e comportamentos que consistem em atribuir a qualquer membro de determinado grupo humano uma característica negativa, pelo simples fato de pertencer a aquele grupo" (Mezan, 1998, p. 226). Diante do exposto, as concepções acerca do "outro" podem influenciar na manifestação de um tratamento diferenciado. Segundo Bandeira e Batista (2002, p. 125), "o preconceito é um elemento fortemente influenciador da discriminação e da exclusão". O preconceito se torna um gatilho para o tratamento diferenciado de determinado grupo social excluído, o qual é categorizado de acordo com sentimentos e crenças negativas (Bahns, 2015). Em linhas gerais, o preconceito estaria relacionado a um julgamento prévio negativo em relação ao "outro" e poderia desencadear atitudes discriminatórias.
Como coloca Bahns (2015), há uma tendência inicial de supressão do preconceito, causando uma tensão interna no indivíduo. A tensão ocorre quando se percebe um conflito entre a coerência da expressão do preconceito e a coerência com a sua autoimagem não preconceituosa (Crandall & Eshleman, 2003). Existe, neste momento, um estado onde o indivíduo precisa suprimir seu preconceito para transmitir uma imagem de não preconceituoso para outras pessoas ou para si mesmo (Costarelli & Gerlowska, 2015). Para solucionar tal conturbação, os preconceituosos são motivados a buscar estratégias de justificação que permitam esclarecer, de alguma forma, tal preconceito, a ponto de não serem psicologicamente e publicamente censurados. A justificação do preconceito torna-se uma maneira de aliviar a tensão criada pela dualidade entre expressão e supressão do preconceito (Bahns, 2015), pois, como colocam Costarelli e Gerlowska (2015), as pessoas precisam reduzir a sensação interna desagradável criada pela necessidade de manifestar o preconceito.
Para diminuir esta tensão, uma das formas de justificar o preconceito é a utilização de argumentos situacionais para criticar uma pessoa de maneira que o preconceito não seja percebido ou condenado socialmente (O'Dea et al., 2015). Um exemplo é quando alguém, por conta do preconceito, critica a inteligência de uma pessoa negra, porém utiliza alguma justificativa para transpassar a ideia de que a crítica não aconteceu porque a pessoa é negra, mas, porque ela, de certa forma, mereceu ser criticada.
Estratégias de justificação podem estar carregadas de preconceito e serem utilizadas para legitimar as desigualdades presentes na sociedade, além de contribuir para a manutenção do status quo (Sidanius & Pratto, 1999). Uma destas estratégias de justificação do preconceito é trazer para o discurso crenças mais específicas sobre certos grupos, como se características inerentes a um grupo pudessem justificar a opinião preconceituosa (Bahns, 2015).
Para Franklin e Camargo (2010, p. 78), "O preconceito é veiculado de forma geralmente encoberta", o que cria uma suposta ideia de aceitação das singularidades existentes, conservando o problema que, por sua vez, deixa de ser combatido ao criar-se a ideia de que o mesmo não existe. C. R. Pereira, Torres e Almeida (2003) acreditam que um dos possíveis motivos desse encobertamento do preconceito se dá por meio de estratégias ideológicas, pelo fato de existirem diversas leis que proíbem a discriminação.
De acordo com Monteiro, Villela e Soares (2014), a reprodução da naturalização do preconceito acontece a partir de dois movimentos simultâneos que consistem em: tomar como inquestionável e natural a atitude de evitar um possível contato com determinado sujeito ou grupo, com base em suas características; assim como deletar qualquer reflexão sobre as razões pelas quais o outro é considerado diferente a ponto de incomodar. Sidanius e Pratto (1999) abordam a teoria da "dinâmica social", na qual as pessoas justificam e naturalizam seu preconceito por meio dos chamados "mitos legitimadores", compreendidos como crenças ideológicas criadas por membros vistos como superiores para legitimarem sua dominação sobre menores grupos, considerados minorias sociais.
De outro modo, o preconceito justificado também poderia estar amparado pela noção de justiça e de meritocracia (Jost & Hunyady, 2005). Segundo Sidanius e Pratto (1999), a justiça teria relação com ideologia da meritocracia, assim, o sucesso ou fracasso de alguém dependeria apenas de elementos do próprio indivíduo, como mérito, esforço e desempenho, excluindo-se a questão da pertença a algum grupo social, principalmente, aqueles que historicamente vivenciam desigualdades, como negros, mulheres e PCDs. Portanto, a ideologia da meritocracia serviria para legitimar as desigualdades sociais (Sidanius & Pratto, 1999).
Monteiro et al. (2014) apontam como um possível motivo para entender o preconceito, o fato de que há, por parte da sociedade, uma falta de conhecimento e de reflexão sobre a origem histórica dos processos que envolvem a diversidade e as consequências na exclusão de pessoas e grupos, os quais possuem determinadas características que os fazem discriminados, sem entender que as mesmas são advindas de um processo construído social e historicamente.
Nesse contexto, cabe mencionar que o preconceito se expressa de maneiras diferentes, conforme condições específicas para sua produção e reprodução (Rios, 2007). Segundo o autor, as formas mais tradicionais, estudadas a partir da II Guerra Mundial, seriam o antisemistimo, o racismo e o sexismo. O antissemistimo surgiu a partir de regimes totalitaristas que se colocaram contra povos semitas, principalmente, judeus. O racismo é oriundo do período da escravidão, expressando-se por meio de elementos fenotípicos como cor da pele, cabelo e aspectos faciais. O sexismo foi relacionado às diferenças morfológicas relacionadas aos órgãos sexuais, à noção binária de gênero e ao patriarcalismo da sociedade ocidental.
Com o passar do tempo, a partir das próprias mudanças na sociedade, os estudos sobre o preconceito passaram a explorar outras dimensões, como a orientação sexual, o ageísmo (contra pessoas idosas), a deficiência. No caso do ageísmo, tem como característica o fato de que todos que viverem até certo tempo passarão a integrar o grupo de pessoas que poderão sofrê-lo (Teixeira, Souza, & Maia, 2018). Diferentemente do racismo, do sexismo, do ageísmo e do preconceito contra PCDs, que se manifestam a partir de marcadores corporais, o preconceito relacionado à orientação sexual não se expressa, necessariamente dessa maneira, pois muitos não assumem a identidade homossexual (Rios, 2007).
Acredita-se que os preconceitos não funcionam da mesma forma na sociedade, ou seja, sua expressão contra as diferentes formas identidade também possui especificidades, como algumas já tratadas anteriormente. Apesar disso, nossa proposta não seria explorar uma forma específica de preconceito, mas dar visibilidade para o fato de que o preconceito pode ser justificado nas organizações, e, talvez, por conta disso, não ser percebido. Por isso, os indivíduos buscam maneiras de justificá-lo. Tal argumento orientou os pesquisadores a, empiricamente, estudar a gestão da diversidade no setor bancário.
Método
Participantes
A pesquisa de campo foi realizada com bancários de agências de três cidades localizadas no Sul do estado de Minas Gerais (Lavras, Varginha e Perdões), pertencentes a quatro bancos que atuam em todo Brasil. As cidades foram escolhidas por estarem próximas às cidades dos pesquisadores, o que viabilizou a pesquisa. O setor bancário foi escolhido em decorrência de ser um dos pioneiros no Brasil no desenvolvimento de programas de valorização da diversidade. Portanto, os Bancos pesquisados participaram e ainda participam das ações desenvolvidas pela Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN) para promoção da diversidade, voltadas para as dimensões: racial, gênero, orientação sexual, etária e deficiência.
Dois Bancos são privados, um público e outro de economia mista. Ressalta-se que não se pretendeu fazer um estudo comparativo nestes Bancos. Foram atribuídos nomes fictícios aos Bancos pesquisados, quais sejam, Banco privado 1 - Banco A, Banco privado 2 - Banco B, Banco público - Banco C e Banco de economia mista - Banco D.
Instrumentos
Para a realização deste trabalho utilizou-se uma abordagem metodológica de natureza qualitativa, pois a diversidade e a justificação do preconceito foram estudados a partir de uma perspectiva interpretativa. As entrevistas semiestruturadas foram gravadas e posteriormente transcritas para análise. Utilizou-se um roteiro para conduzir as entrevistas, que se baseou em questões como: a) elementos sociodemográficos dos sujeitos da pesquisa, b) conhecimento das ações de diversidade promovidas pelo banco, c) percepção sobre a diversidade no ambiente bancário, d) percepções sobre preconceito e discriminação no ambiente de trabalho, e) existência de minorias e percepção sobre a maneira como são tratadas no ambiente de trabalho, f) possibilidades de inserção e ascensão profissional nos bancos de pessoas pertencentes a grupos construídos como minorias.
Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos
A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), com registro CAAE: 37416814.7.0000.5142. Foram realizadas 15 entrevistas. Os sujeitos da pesquisa tomaram conhecimento dos objetivos da pesquisa, bem como foi garantido o sigilo das informações, assim, leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Em relação ao perfil dos entrevistados, sete eram do sexo masculino e oito do sexo feminino. Quanto aos cargos que ocupavam, nove eram gerentes intermediários, um gerente geral de agência, três caixas e dois escriturários. Quanto à idade, três tinham até 25 anos, cinco entre 26 e 35 anos, seis entre 36 e 45 anos e apenas um acima dos 45 anos. Em relação ao tempo de trabalho no banco, quatro tinham até 5 anos, quatro entre 6 e 10 anos, um entre 11 e 15 anos, quatro entre 16 e 20 anos e dois acima dos 20 anos. Dentre os entrevistados, um era PCD e dois negros (uma mulher e um homem).
Os sujeitos da pesquisa foram selecionados a partir de uma amostragem não probabilística por conveniência com base nos primeiros contatos dos pesquisadores com a gerência de agências, para, em seguida, ser utilizada a amostragem tipo Bola de Neve, em que um entrevistado indica o outro que possua potencial para contribuir com a pesquisa. Do total das entrevistas realizadas, apenas três delas foram feitas em uma agência bancária, em decorrência da preferência da gerente da agência para realizar a entrevista no local de trabalho e indicar outras pessoas. As demais foram realizadas nas casas dos entrevistados, na casa do entrevistador, ou no campus da universidade em que o entrevistador trabalha. Aplicou-se o critério de saturação para estabelecer quantas entrevistas seriam necessárias.
Procedimentos de Análise dos Dados
Os sujeitos da pesquisa foram identificados nas análises, pelo sexo, cargo que ocupavam, Banco em que trabalhavam e se eram pertencentes às minorias. Essas informações foram importantes porque os dados foram analisados por meio da Análise do Discurso, portanto, saber quem é o entrevistado pode contribuir para a análise. Como existem entrevistados com o mesmo sexo, cargo, pertencente ou não às minorias, optou-se por numerá-los, como forma de diferenciar um entrevistado do outro. Por exemplo, foram entrevistadas duas mulheres que ocupam cargos de gerência intermediária no mesmo Banco, assim, suas identificações foram: mulher 1, gerente intermediária do Banco C; mulher 2, gerente intermediária do Banco C.
Considerou-se a Análise do Discurso (AD) como abordagem teórico-metodológica mais adequada para análise dos dados, pois o discurso também contribui para a compreensão de como preconceitos vivenciados pelas minorias são criados, perpetuados e justificados dentro das organizações, pois a maneira como as pessoas julgam a si ou o outro se manifesta por meio do discurso, ao expressar ideologias, valores e visões de mundo (Brandão, 2014) em relação às minorias. Optou-se por adotar um referencial teórico da corrente francesa, utilizando-se das contribuições de Maingueneau (1997), Maingueneau (2000) e Orlandi (1999). As categorias da AD utilizadas foram: a) análise lexical, refere-se à maneira como as palavras assumem um sentido dentro de determinado contexto no discurso; b) análise dos elementos implícitos e explícitos, os primeiros referem-se aos argumentos utilizados pelo narrador, mas que, por motivos quaisquer, não foram claramente apresentados, c) construção de personagens, de acordo com as intenções discursivas, contribui para que o narrador apresente coerência em sua argumentação, podendo, inclusive, se valer de relações metonímicas, nas quais partes são usadas para representar o todo, d) sujeito do discurso, quem ele é, quais são os papéis que exerce; e, o lugar de enunciação, de onde o sujeito fala. Dessa forma, a AD "visa articular sua enunciação sobre certo lugar social" (Maingueneau, 2000, p. 13).
Resultados e Discussão
Nesta seção serão apresentadas e discutidas as estratégias de justificação do preconceito, as quais são usadas pelos entrevistados, de maneira consciente ou não, com o intuito de argumentar que o preconceito não existe ou pode ser justificado. Isso pode acontecer porque ainda não refletiram sobre as desigualdades históricas vivenciadas pelos grupos construídos socialmente como minorias, como destacam Monteiro et al. (2014), ou porque participam de um contexto, de um "lugar" (uma formação discursiva) que os leva a crer que, de fato, o preconceito não existe. Por várias razões, talvez, eles compartilhem e aceitem, sem maiores questionamentos, o ponto de vista (a ideologia) imposto pelo banco, que, por meio do discurso (o programa de gestão da diversidade) tenta levá-los a crer que o preconceito no banco não existe. Para tanto, lançam mão de vários mecanismos de justificação para responder aos questionamentos feitos sobre as pessoas construídas socialmente como minorias no contexto bancário, que serão discutidos neste tópico.
"A Exceção que vira a Regra" e a "Culpa dos Outros": Inclusão de Terceiros no Discurso de Justificação
Ao serem questionados sobre a existência de preconceito no país e nas organizações em que trabalham, as dimensões da diversidade explicitadas foram: a racial, de PCDs e etária. Uma das estratégias utilizadas por alguns entrevistados foi fazer referência a uma terceira pessoa (uma minoria) que possui destaque na sociedade, conforme fragmentos.
Eu acredito que vem da escravidão (referindo-se ao preconceito), que é um processo que realmente eles (referindo-se aos os negros) passaram (...) A meu ver, o que passou, estava lá, eu não acho que eles têm que ser diferenciados. Aqui em (nome da cidade em que trabalha) nós temos um juiz que é negro, nós temos..., no entanto, com as melhores qualidades (Mulher 1, gerente intermediária do Banco B).
(...) não vejo negro como um, já te falei, pra mim todo mundo é igual, eu não vejo o negro como um ser diferente (...) a gente viu como o Ministro do Supremo, acho isso muito legal, a gente tem um país de negros onde o presidente é negro, todo mundo é negro (...) (Mulher, gerente de agência do Banco A).
No primeiro fragmento, explorando a dimensão racial, a expressão "o que passou" refere-se às lutas, desigualdades e preconceitos vivenciados pelos negros no passado, principalmente, no tempo da escravidão. Tais questões, pela percepção da entrevistada, não existem mais. A seleção lexical "estava lá" remete a um passado a ser negado, inclusive, pela percepção dela, já superado. O léxico "vantagens" não adquire sentido dizer que eles são diferentes por sua cor de pele, mas uma não concordância com políticas de inclusão ou aumento de oportunidades para negros, por meio da contratação ou criação de cotas, como se, atualmente, eles vivenciassem condições plenas de igualdade e equidade na sociedade. Esse é um tipo de justificação baseada na perspectiva descrita por Pearson et al. (2009), do discurso do senso comum fundamentado na ideia de que todos são iguais na sociedade, amparado, principalmente, na noção de igualdade legal da constituição brasileira. Para confirmar seu argumento de que não existe distinção entre negros e brancos, a entrevistada utiliza-se de outro personagem no discurso, o juiz negro. Todavia, seu preconceito contra negros fica claro, ao dizer, "no entanto, com as melhores qualidades", como se negros não tivessem "boas qualidades", ou seja, características valorizadas socialmente.
Outro elemento que chama a atenção nos dois fragmentos é o artifício da construção de personagens exteriores ao contexto do Banco, o juiz e o ex-presidente negro do Supremo Tribunal Federal. Por que não utilizar exemplo de funcionários negros do alto escalão dos Bancos em que trabalham? Talvez, como elemento implícito em seus discursos, a ausência de negros nos altos escalões dos bancos ajude a compreender tal omissão.
A estratégia de "colocar a culpa nos outros" foi recorrente nos relatos de alguns entrevistados, como tentativa de justificar o preconceito no contexto bancário e na própria sociedade. A seguir, a entrevistada aborda a questão racial e da deficiência.
Porque... acho que a culpa nem é nossa, né? (referindo-se à necessidade de inclusão de minorias) É do que vem, não sei, acho que as próprias pessoas já ficam com sentimento de preconceito, né? Ah, eu acho que vem... Sei lá. De muitos anos de história, né? É... da época da escravidão. Né? É... de uma... de uma ditadura, talvez. De um movimento... que a gente pode falar é do... nazismo, que não aceitavam... um aleijado, né?" (Homem 2, gerente intermediário do Banco A).
Ao dizer que a culpa é "do que vem", o gerente do Banco A tenta argumentar que, historicamente, sempre foi assim, como se fosse a ordem natural das coisas, contra a qual não há muito o que fazer para mudar esta realidade. Esse entendimento vem reforçar o que Sidanius e Pratto (1999) comentam sobre a justificação do preconceito como maneira de manter a situação como ela está, ou seja, manter o status quo. Em outras palavras, a culpa não seria dele, nem do Banco em que trabalha, mas das desigualdades históricas que existem na sociedade, por isso, ninguém poderia fazer nada para mudar esta realidade. O gerente culpa, inclusive, o movimento nazista, que exterminava PCDs. Isso demonstra um posicionamento vago, sem reflexão, talvez, até uma maneira de evitar o conflito ou a busca por uma análise mais aprofundada que poderia comprometer seu discurso, pois, segundo Crandall e Eshleman (2003), uma das razões de justificação do preconceito é orientada pelo evitamento da censura ou condenação social por alguém.
A perspectiva de colocar a culpa nos "outros" também foi identificada no caso de pessoas mais velhas, no entanto, trata-se de responsabilizar o mercado pelas barreiras advindas da idade no processo de ascensão profissional.
(...) o próprio mercado já faz com que as pessoas mais velhas tenham uma dificuldade maior de ascensão. (...) eu acredito que no dia de hoje a pessoa que tem 20 anos tem muito mais possibilidade de chegar lá em cima do que a pessoa mais velha, isso não pela destreza que cada um possui não, mas o próprio mercado propõe isso (Homem, PCD, gerente intermediário do Banco A).
O enunciado revela uma estratégia de justificação baseada no deslocamento da responsabilidade do Banco para o mercado, pela dificuldade de ascensão de pessoas mais velhas. Colocar a "culpa" no mercado é a mesma coisa de isentar o Banco da responsabilidade. Considerando o sujeito do discurso, pelo lugar de fala do entrevistado, um gerente que fala em nome do banco, é esperado que ele, discursivamente, tente construir uma boa imagem para si e para a organização, portanto, acusar o mercado é uma maneira de não se comprometer. A lógica mercadológica que influencia a sociedade é aquela baseada na racionalidade produtiva. Embora o entrevistado busque chamar a atenção para a ideia de que velhos e jovens possam ter a mesma "destreza" no trabalho, dá ênfase maior no enunciado, com o uso operador argumentativo "mas", para a lógica produtiva, que descarta aquilo que não "serve mais".
A Justificação a partir da "Culpa" das Minorias
Ao serem questionados sobre a baixa presença de minorias nos bancos, nenhum dos posicionamentos dos entrevistados ressalta que as organizações, de certa maneira, também se tornam responsáveis pelas desigualdades vivenciadas por minorias, principalmente, no que se refere às relações de trabalho. Nos próximos relatos, percebe-se que a "culpa" por tais desigualdades parece ser atribuída às próprias pessoas. A gerente, a seguir, comenta sobre a existência de negros no Banco em posições gerenciais.
É um Banco europeu com predominância mais de brancos mesmo né, (...) no nosso (banco), ainda não tem (negro), é, porque, talvez, os que têm, ainda não têm se destacado o bastante, porque aqui todos nós, independente (da cor), nós temos as mesmas chances, não existe favorecimento, todos que querem, estão aqui (...) (Mulher, gerente de agência do Banco A).
A entrevistada, por ser gerente geral da agência, fala em nome do banco. Portanto, é esperado que ela se coloque como sujeito do discurso que defende a imagem da instituição, assim, tenta passar o sentido de naturalidade ao comentar sobre predominância de pessoas de cor branca no Banco, já que, pelo fato de a instituição ser europeia, acreditar que neste continente exista mais brancos que negros. Outra estratégia de justificação do preconceito é colocar a culpa nas próprias minorias. A seleção lexical "os que têm", passando a ideia de não ter muitos bancários negros, "ainda não tem se destacado o bastante", remete à não existência de negros em altos escalões do Banco. Merece destaque também a maneira como a entrevistada trata a questão da igualdade de oportunidades, na seleção lexical "todos que querem, estão aqui", como se outros que não estão lá, não quisessem. Essa é uma estratégia de justificação do preconceito amparada por um discurso de igualdade (Pearson et al., 2009), que considera que todos são iguais e, supostamente, teriam as mesmas condições de inserção social. Outro relato reforça a perspectiva de "culpar" as minorias:
[...] tem alguns deficientes que sentam em cima da deficiência, eu sou deficiente, eu tenho uma vaga própria, porque pra eu poder mandar um deficiente embora, eu tenho que colocar outro deficiente no lugar dele. Isso é muito mais difícil, então essa pessoa conta com essa facilidade, eu acredito. (Mulher 1, gerente intermediária do Banco B).
No fragmento discursivo há a utilização de várias vozes pela entrevistada. Usa-se a voz da pessoa com deficiência na seleção lexical "eu sou deficiente, eu tenho uma vaga própria", buscando passar um sentido negativo para a PCD, relacionado ao comodismo ou mesmo ao favoritismo diante das pessoas sem deficiência. A voz da empresa "para eu poder mandar um deficiente embora, eu tenho que colocar outro no lugar dele" adquire sentido positivo para a empresa, do cumprimento da lei de cotas. A entrevistada parece se sentir incomodada com a inserção de PCDs por meio da lei de cotas, segundo ela, seria uma "facilidade" que estes possuem em relação aos outros, como se uma PCD fosse "tomar", a vaga da pessoa sem deficiência. O posicionamento da entrevistada reflete uma ausência de reflexão sobre as desigualdades históricas vivenciadas por PCDs. Essa questão é tratada por Monteiro et al. (2014), que comentam o quanto a diferença, muitas vezes, chega a incomodar pessoas, por isso, a inserção desse grupo no contexto bancário, por meio da lei de cotas, desperta na entrevistada certa discordância. Posicionamento parecido com o da entrevistada anterior pode ser percebido no próximo relato.
Eu já me perguntei isso, será que eles (os negros) procuram realmente isso? Será que eles... as chances que eles têm, eles fazem com que elas tornem uma realidade na vida deles? Ou será que eles preferem ser chamado de coitadinhos, dos que são excluídos. Até que ponto é só a gente mesmo? Será que eles também não têm certo preconceito com a gente? (Mulher, gerente de agência do Banco A).
Este fragmento, inicialmente, revela uma condenação dos negros por sua própria condição. Ao usar o termo "coitadinho", para se referir a eles, precedido pela expressão "as chances eles têm", a gerente de agência do Banco A, que é branca e loira, busca reforçar a ideia de que as oportunidades para negros são iguais àquelas existentes para os não negros. Nesse sentido, a "culpa" daqueles que não conseguem sua inserção social é deles próprios. Todavia, em seguida, por meio da seleção lexical "até que ponto é só a gente mesmo?" a entrevistada até responsabiliza, de certa forma, os não negros. Mas, no final da sua argumentação, ainda tenta inverter a noção da desigualdade vivenciada por negros, dizendo "será que eles não têm preconceito com a gente"?. Essa noção de reversão da culpa pode ser considerada uma estratégia de negação do racismo utilizada em discursos racistas por aqueles que detém o poder da palavra. Aqui, verifica-se que, apesar de a entrevistada poder sofrer preconceito por ser mulher, ainda ocupa historicamente posição de privilégio se comparada com negros. Portanto, fala de um lugar de alguém que não vive os conflitos raciais.
A Ideologia da "Meritocracia" no Ingresso nos Bancos
Quando questionados sobre as políticas de diversidade dos bancos e as ações voltadas para combate ao preconceito, a estratégia de justificação utilizada foi a reprodução da ideologia da meritocracia, em especial nos Bancos públicos, conforme pode ser observado no relato a seguir.
(...) condição de passar num concurso todo mundo tem e de forma igual; do mesmo jeito que estudei na escola pública a vida inteira e estudei para o concurso e consegui passar, acho que quaisquer outras pessoas também têm condições. Não sei se é por uma questão de interesse ou de esforço, mas aí eu não encararia a questão por causa da cor da pele, mas sim da questão da pessoa em si. (Mulher 2, gerente intermediária do Banco C).
O instrumento usado para seleção de funcionário no Banco ao qual a entrevistada se refere é o concurso público. De fato, por meio dos léxicos "todo mundo" e "forma igual", introduz-se a noção da igualdade de condições, do acesso democrático. Ao dizer que estudou em escola pública, a entrevistada se justifica quanto à possibilidade de todos terem as mesmas condições. Ao concluir, busca responsabilizar a própria pessoa negra, por não conseguir ingressar no Banco, por sua falta de interesse ou esforço. Nesse aspecto, conforme Alves e Galeão-Silva (2004) e Wrench (2005), em sociedades nas quais as desigualdades são construídas com base nas relações de trabalho e aspectos culturais, dificilmente, a ideologia da meritocracia poderia garantir condições de igualdade nos processos de seleção, pois as condições para qualificação profissional e acesso à educação já dificultariam a participação de alguns grupos minoritários, como os negros. Assim como a gerente 2 do Banco C, a gerente 1 do Banco C expressa um posicionamento parecido quanto às oportunidades para negros e PCDs, no entanto, declara ser favorável às políticas de diversidade para mulheres.
Eu não concordo com essa coisa de que eu tenho que privilegiar é, por exemplo, os negros. Eu tenho que privilegiar os deficientes, porque a partir do momento que você privilegia, você está, se você dá uma oportunidade pra um, você está tirando a oportunidade de outro e isso não é justo, entendeu? Eu acho que precisa haver diferenças entre homens e mulheres é porque fora da agência, fora da empresa, a vida da mulher é diferente da vida do homem. Mas em relação a negros ou gays, eu não acho que eles têm que ter um tratamento diferenciado. (Mulher 1, gerente intermediária do Banco C).
Pode-se observar um posicionamento contra políticas de diversidade para negros e PCDs por parte da entrevistada. Ao usar outra voz no discurso, a voz da empresa "eu tenho que privilegiar", se posiciona contra a empresa reservar cotas ou algum tipo de ação para promover a diversidade racial e de PCDs. No entanto, manifesta ser favorável às políticas de diversidade para mulheres, pois estas teriam outras atividades como o cuidado da casa e dos filhos. Cabe destacar que esta entrevistada é divorciada e possui uma filha de dois anos, certamente, sua experiência pessoal (lugar de enunciação) influenciou em seu posicionamento acerca da diversidade de gênero.
Tanto no relato da Mulher 1 e como no da mulher 2, ambas gerentes intermediárias do Banco C, percebe-se que o preconceito é justificado por meio da reprodução da ideologia da meritocracia e pelo discurso de igualdade (Pearson et al., 2009). Certamente, tais posicionamentos expressam, de certa maneira, pouco conhecimento e reflexão sobre o contexto histórico e social vivenciado por minorias (Monteiro et al., 2014), como PCDs, negros e homossexuais.
A Justificação por meio da Naturalização do Preconceito
A naturalização do preconceito é uma maneira de dizer que ele não existe mais, ou de tê-lo na "ordem natural das coisas". Isso acontece com o costume de um indivíduo com determinada prática ou ação, a ponto de não a perceber mais como preconceituosa. A naturalização omite a realidade tal como ela é. Os relatos a seguir, relacionados à dimensão orientação sexual, produzidos a partir do questionamento sobre a existência do preconceito nos bancos, evidenciam como o preconceito pode justificado por meio da naturalização.
Hoje em dia eu acho que não estão excluídos, entendeu? Porque hoje em dia melhorou muito, eles estão fazendo passeatas, buscando, tanto os homossexuais hoje está tendo casamento entre os homossexuais, então, hoje, não estão tão excluídos, eles estão mais à mostra (...) (Mulher, caixa do Banco A).
Eu acredito que se fosse há um tempo atrás, a gente ia ver isso (a homossexualidade) de uma forma diferente, mas hoje não. Isso está na mídia, hoje, isso é falado a toda hora (Homem, PCD, gerente intermediário do Banco A).
Eu acho que a sociedade hoje está tão acostumada, tá tão, já é tão normal os gays no nosso meio (...) (Mulher 1, gerente intermediária do Banco C).
A seleção lexical "está na mídia hoje, isso é falado a toda hora" mostra a naturalização do preconceito contra homossexuais. Além disso, mostra o papel que a mídia, principalmente, a mídia hegemônica e de massa, tem no reforço de estereótipos, ideologias e preconceitos, ou seja, aquilo que aparece na mídia é tido como verdade. O gerente PCD reconhece que ele já existiu, mas procura defender seu discurso amparando-se no senso comum de que por estar na mídia e ser um assunto muito comentado, já tenha sido superado.
Nos relatos da gerente do Banco C e da caixa do Banco A, verifica-se a naturalização a partir da ausência de reflexão sobre a exclusão de homossexuais. O uso dos léxicos "eles estão mais à mostra" e "normal os gays no nosso meio" parecem adquirir o sentido, para elas, de que essas minorias estejam vivendo condições de igualdade dentro da sociedade, o que não ocorre. O relato da gerente do Banco C também corrobora com os do gerente PCD e da caixa do Banco A, acerca da naturalização do preconceito. No entanto, a primeira se coloca como vítima, parecendo querer inverter as desigualdades e preconceito vivenciados por negros e gays.
Na realidade, hoje eu enxergo o contrário, porque hoje tudo que se faz, os negros, tanto os negros como os homossexuais, tudo que a gente faz hoje eles recebem como preconceito (...), eu acho que hoje, os gays e os negros, eles têm mais, é... como é que fala? Eles são mais beneficiados por serem gays. (Mulher 1, gerente intermediária do Banco C).
As seleções lexicais "eu enxergo o contrário" e "tudo que a gente faz eles recebem como preconceito", reforçam a noção de que a entrevistada se coloca no discurso como se ela fosse prejudicada em decorrência das leis que protegem negros e homossexuais contra preconceito ou mesmo políticas de diversidade dos bancos voltadas para esta dimensão. Também tem a ver com o que Monteiro et al. (2014), comentam sobre a naturalização a partir do esquivamento da reflexão sobre as razões pelas quais existem políticas voltadas para a diversidade por orientação sexual.
A Justificação por meio da "Superação" do Preconceito
Ainda sobre as políticas de diversidade dos bancos e sobre minorias nesse setor, alguns entrevistados reconhecem que pode ocorrer a "superação" do preconceito. O termo "superação" foi usado propositalmente e colocado entre aspas porque o que pode ocorrer nos Bancos é uma tentativa de fazer de conta que não existe preconceito contra minorias em prol dos interesses econômicos destas organizações. Ou seja, não significa que o preconceito seja superado, mas que, por conta de interesses mercantis, foi deixado em segundo plano, conforme será elucidado a seguir.
A venda no Banco é mágico assim, o cara que vende, ele pode ser o que for, por exemplo, o gerente pode ser o cara mais preconceituoso do mundo, com determinado tipo de, vamos supor com cor, com religião, com gênero, com opção sexual, mas ainda assim, se a pessoa vender, ele consegue desfazer esse preconceito, o gerente vai ficar incomodado, mas ele dá o braço a torcer, porque assim, o interesse maior dele é o bolso dele. (Homem, escriturário do Banco D).
quando ele (o superior hierárquico) viu os números, desses três (homossexuais), não é porque são meus amigos não, mas é, aí já esqueceu um pouco né, dessa questão aí, deles serem gays né. (Homem 1, gerente intermediário do Banco A).
A seleção lexical "a venda no Banco é mágico assim" revela uma possibilidade de "omissão" do preconceito de gerentes quanto às questões relacionadas à cor, religião ou gênero, assim, oportunamente e intencionalmente é neutralizado em decorrência de questões "maiores", como os resultados alcançados por determinada pessoa. Essa perspectiva vem ao encontro daquilo que Franklin e Camargo (2010) comentam sobre uma das maneiras com que o preconceito pode ser justificado, passando uma "suposta aceitação", ou seja, isso paralisa o problema do combate ao preconceito, como se ele não existisse, podendo manter o status quo, sem qualquer modificação na estrutura (Sidannius & Pratto, 1999). Em uma visão utilitarista, seria, talvez, uma relação inconsciente de troca entre o gerente e a pessoa alvo do preconceito. Em outras palavras, é como se "em um passe de mágica" ele não passasse a existir ou o preconceito fosse "desfeito" a partir de ações orientadas pelo valor econômico, o "bolso". Outra maneira de "superar" o preconceito que emergiu nos relatos é tratar as pessoas como números, como, por exemplo, nas falas: "Todos são números, a gente é uma funcional, eu acho que a gente não é uma pessoa, ali não é a cor, não é a deficiência física." (Mulher 1, gerente intermediária do Banco B); "[...] hoje o que eles querem é isso, nós somos um número, entendeu? Se você tá batendo a meta, ótimo, você está me dando resultado." (Mulher negra, gerente intermediária do Banco A); e "[...] a gente tem que olhar as pessoas pelo resultado que ela produz pela liderança que ela impõe [...]" (Homem, gerente intermediário do Banco C).
Os fragmentos evidenciam a "superação" das diferenças, quando supostamente poderiam ser um entrave à ascensão profissional. Como a lógica dos Bancos é sempre vender mais, aumentar seus índices de rentabilidade, inclusive, os Bancos públicos ou de economia mista, os funcionários são, cada vez mais, pressionados a cumprirem suas metas de vendas de produtos. Nesse sentido, uma diferença que, dependendo do gerente, poderia ser impedimento para ascensão, acaba sendo "superada" em nome da lógica mercadológica. Também pode ser uma maneira de manter o status quo e evitar o conflito (Crandall & Eshleman, 2003). Isso parece ser algo comum no universo das minorias, pois precisam, geralmente, se esforçar mais que as não minorias para conseguir reconhecimento e a possibilidade de chegar aos postos mais altos das organizações
Considerações Finais
Os resultados da pesquisa mostraram que o preconceito está presente no contexto bancário, no entanto, os entrevistados não reconhecem que ele exista no ambiente em que trabalham, por isso, buscam maneiras de justificá-lo e negá-lo. As estratégias utilizadas para justificação e negação do preconceito foram: utilização outras pessoas no discurso (terceiros) fazendo referência a alguém de destaque na sociedade de maneira a induzir a ideia de que a exceção vira a regra; culpar os "outros" pelas dificuldades enfrentadas pelas minorias; culpar as próprias minorias por suas dificuldades de inserção, permanência e ascensão profissional e social; reprodução da ideologia da meritocracia no ingresso nos bancos públicos e de economia mista; justificação por meio da naturalização do preconceito e, por fim; justificação por meio da "superação" do preconceito.
Os achados desta pesquisa contribuem para se entender a complexidade que envolve a expressão do preconceito nas organizações. As estratégias de justificação e negação do preconceito servem como elementos que sustentam a manutenção das ideologias hegemônicas das políticas de diversidade das organizações. Com isso, não queremos dizer que as políticas de diversidade não promovam algum tipo de mudança quanto à maneira de lidar com a diversidade, mas, dificilmente, potencializam possibilidades efetivas de inclusão dos grupos construídos socialmente como minorias.
No que se refere à diversidade nas organizações, a dificuldade de reconhecimento da existência do preconceito contra grupos construídos socialmente e historicamente como minorias, bem como seus processos de (re)produção nas organizações bancárias, conjugada com as estratégias de justificação e negação, criam barreiras bastante difíceis para seu enfrentamento e combate.
Outro elemento importante que ficou evidente nesta pesquisa e que vai ao encontro das discussões feitas por autores da perspectiva crítica dos estudos sobre diversidade nas organizações, tais como Janssens e Zanoni (2014), Wrench (2005) e Alves e Galeão-Silva (2004) seria a falta de reconhecimento e reflexão dos bancários entrevistados sobre os processos sociais e históricos de produção das desigualdades e exclusão, vivenciados pelos grupos construídos como minorias. Em outras palavras, especificamente sobre os resultados desta pesquisa, quando os membros das organizações bancárias não têm consciência das desigualdades históricas e suas consequências para o contexto atual, as políticas de diversidade (ou até políticas de ações afirmativas/cotas) não fazem muito sentido para eles. Assim, tais políticas operam mais no sentido de disseminar uma suposta promoção da diversidade com o intuito de mediar possíveis conflitos advindos da diversidade entre os funcionários do que, de fato, possibilidades de superação das desigualdades, reconhecimento das diferenças e promoção da inclusão.
Cabe destacar que os preconceitos não funcionam da mesma forma na sociedade, ou seja, a expressão do preconceito tem a ver com a(s) identidade(s) relacionada(s) a cada dimensão da diversidade. No entanto, nossa proposta foi dar visibilidade para o fato de que o preconceito pode ser justificado nas organizações, e, talvez, por conta disso, não ser percebido. Acreditamos ser essa a contribuição da pesquisa, pois, como destacado na Introdução do artigo, os trabalhos que discutem a diversidade nas organizações apontam a existência do preconceito, mas não abordam a perspectiva da negação e justificação dele. Além disso, abordamos a gestão da diversidade como um fenômeno organizacional, cujas políticas dos bancos estudados têm como base uma proposta de valorização das diferenças.
Portanto, nossa opção por não abordar um tipo de preconceito específico, embora possa trazer contribuições quanto ao estudo da diversidade e preconceito nas organizações como fenômeno genérico, possui limitações que não puderam ser trabalhadas neste artigo. Assim, sugerimos como possibilidades de pesquisas futuras estudos que abordem de que maneira o preconceito se re(produz) nas organizações a partir da exploração de dimensões específicas (negros, mulheres, idosos, homossexuais, PCDs, etc) ou mesmo contra pessoas pertencentes a mais de um grupo minoritário (por exemplo, uma mulher negra e com deficiência ou um homossexual negro), a partir da noção das interseccionalidades.
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Endereço para correspondência:
Adílio Renê Almeida Miranda
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Recebido em: 18/09/2018
Primeira decisão editorial em: 16/09/2019
Versão final em: 05/10/2019
Aceito em: 09/10/2019