Trivium - Estudos Interdisciplinares
ISSN 2176-4891
Trivium vol.9 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2017
https://doi.org/10.18379/2176-4891.2017v1p.26
ARTIGOS TEMÁTICOS
O Menino e o Pinguim: reedição edípica, corpo e sexualidade adolescente na contemporaneidade
The Boy and the Penguin: oedipal reissuing, body and adolescent sexuality in our contemporary days
Oscar Luiz Castro FontellaI; Sandra D.TorossiamII
IPsicólogo, Especialista em Psicanálise pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Rua Riachuelo 269/403, Porto Alegre, RS, CEP: 90010270. E-mail: gaiomreiki@uol.com.br / Tel.: (51) 3023-5832
IIProfessora do Departamento de Psicopatologia e Psicanálise do Instituto de Psicologia/UFRGS. Rua Mariante 650/302, Porto Alegre, RS, CEP: 9043018. E-mail: djambo.sandra@gmail.com Fone (51) 991642895
RESUMO
Os novos arranjos familiares produzem subjetividade na contemporaneidade: as funções paternas tradicionais (pai-homem; mãe-mulher) são repensadas, bem como as peculiaridades na forma como um adolescente vai reeditar seu "complexo de Édipo" e fazer sintomas no aprendizado e na socialização. O presente artigo, na perspectiva da psicanálise com relação ao estudo de um caso clínico de fobia, vai refletir sobre estas questões na contemporaneidade, tendo como relevância o corpo, a identificação ao traço e a sexualidade, e vai apontar que a reedição edípica, na qual um adolescente triangulariza com um casal homossexual, não necessariamente influenciará sua orientação sexual.
Palavras-chave: ÉDIPO; IDENTIFICAÇÃO; SEXUALIDADE; ADOLESCÊNCIA.
ABSTRACT
The new family arrangements produce subjectivity in our contemporary days: the traditional paternal functions (Father-man; mother-woman) are rethought, as well as the peculiarities in the way an adolescent will reedit his "Oedipus Complex" and, create from that, symptoms in his learning and socialization processes. The current article, with the psychoanalysis perspective in the study of a clinical case of phobia, will reflect over these issues in our days, with the body having major relevance, the identification to the trace and sexuality. It will show that the Oedipal reissuing, in which an adolescent has a threesome with a homosexual couple not necessarily will influence his sexual orientation.
Keywords: OEDIPUS; IDENTIFICATION; SEXUALITY; ADOLESCENCE.
Introdução
O presente artigo tem como base um estudo de caso no início da adolescência, numa clínica-escola. Vamos pensar a influência dos novos arranjos familiares na produção de subjetividade, numa reedição edípica na qual o adolescente em questão rivaliza com a namorada da mãe.
Ante as novas relações da família contemporânea, vamos refletir psicanalítica e conceitualmente acerca do modo em que será revivido o complexo de Édipo, na adolescência que se inicia. De que forma a identificação, num triângulo edípico, no qual o casal é homossexual, pode influir na orientação sexual do filho? Particularmente neste estudo, indagamos qual o lugar do corpo, da sexualidade e dos sintomas produzidos no aprendizado e na socialização. Que hipótese diagnóstica, na transferência, pode ser feita?
Conceitos norteadores
Na construção do caso clínico em questão, senti-me convocado a considerar, basicamente, na perspectiva freudiano-lacaniana, "ferramentas" conceituais sobremaneira significativas a serem destacadas, primeiramente, na seguinte ordem de encadeamento: os "tempos do Édipo" e "identificação", para, então, passar a refletir sobre as questões adolescentes enunciadas.
O complexo de Édipo e seus tempos
Num primeiro momento da obra freudiana, o complexo de Édipo é não estrutural, no sentido de não ser descritivo de como a sexualidade do menino se constitui, nem de como seus desejos se constroem. Vai aparecer como orientador da sexualidade infantil e de suas emoções. Dirigindo-se aos pais, o menino, suposto como constituído e com base biológica, tem sua sexualidade predeterminada, é destituído de desejos e a função paterna não tem importância na construção de sua sexualidade. A partir da primeira tópica, tendo como relevância desejos e hostilidades infantis incestuosas e o contexto cultural como influentes na vida anímica, bem como a repressão, o complexo edípico "já contribui para a constituição do inconsciente", sendo então estruturante (Bleichmar, 1988, pp. 13-14).
Freud avança e, num segundo momento, observa a complexidade edípica e a ambivalência de sentimentos em relação a ambos os pais, tendo uma saída com as identificações, formação do superego como "herdeiro do complexo de Édipo", estruturante da personalidade "no segundo tópico".
Enfim, num terceiro momento, segundo a visão freudiana, a castração passa a ter lugar central no complexo edípico, não sendo da mesma forma para o homem e para a mulher. Essa questão, partindo das diferenças anatômicas entre os sexos, aponta que o complexo de Castração finaliza junto com o complexo de Édipo, para o menino, não sendo uma simples repressão, mas uma consequência da ameaça de castração. Com a menina, no entanto, o complexo de Castração inaugura o complexo de Édipo (Freud 1925/ 1994).
No viés lacaniano, o "complexo de Édipo" vai ser ampliado, considerando o contexto em que o menino está inserido. Ele, então, se constitui como o "falo para a mãe", que também se constitui "possuindo-o". Diante desta posição subjetiva da mãe, cabe a reflexão do papel do "pai real" e o que ele poderá produzir na "díade mãe-filho". Este olhar para o que se produz no triângulo edípico convoca ao entendimento da "constituição dos mecanismos de funcionamento psíquico e, entre eles, dos de defesa" que antes eram tomados como algo "naturalmente" introjetado como proteção da ansiedade nesta mesma situação de triangulação (Bleichmar, 1988, pp. 14-15).
No "complexo edípico", Lacan aponta conceitos que clareiam a posição das funções paternais, bem como suas importâncias "no declínio do Édipo e na formação do supereu": A "frustração" como encargo próprio da mãe simbólica; a "castração", em Freud, do "Pai Real" e a "Privação" do "Pai imaginário".
O "Pai Real" é aquele com quem a criança rivaliza pela mãe, "promovido como Grande fodedor - e não diante do Eterno (...) que nem mesmo está aí para contar o número de vezes". E o "Pai imaginário" é o "que fez uma criança ser tão fodida". Lacan destaca o "Pai imaginário" como o representante divino cujo luto da privação estimula a gênese do supereu, entre ódio e culpa, temor e respeito, numa herança do "complexo edípico" (Lacan 1954-1955/1985, pp. 368-369).
No seminário 17, Lacan vai reposicionar-se dizendo que "o pai real é o agente da castração". Além disso, postula: "A castração é função essencialmente simbólica, ou seja, concebida exclusivamente na articulação significante - a frustração é do imaginário, e a privação, como é obvio, do real". O analista vai, ainda, aparecer com um estatuto de "Pai Real" (Lacan 1969-1970/1992, pp. 117-121).
Em Lacan, o complexo de Édipo é conceituado como "uma estrutura intersubjetiva". As posições e lugares podem ser ocupados por diferentes personagens (Neste estudo de caso veremos: Pai - "A bruxa" - ou um namorado da mãe).
Enquanto "função matemática", Lacan considera a relação entre tais personagens, como variáveis "X" e "Y". De Lévi-Strauss, Lacan considera "as estruturas de parentesco como codificações de alianças que resultam do intercâmbio de mulheres" (que circulam, trocadas entre os homens). A circularidade, no caso em questão, de substitutos no Édipo, produz sintomas num processo de estruturação na reedição edípica e na questão identificatória de Pablo, que logo veremos com suporte dos conceitos de Identificação em Freud e Lacan. Ainda na perspectiva lacaniana, o nosso "Édipo contemporâneo" é pensado pelas funções maternas e patenas, independentes de gênero, no triângulo que se forma e se reedita: Pablo-Pai-Mãe; Pablo-"Bruxa"-Mãe ou Pablo-Mãe-namorado (Bleichmar, 1988, pp. 18-25).
Nessa estrutura, conforme o viés lacaniano, o que determina a posição dos "personagens" em questão e o que circula é o "falo", como significante da falta e do desejo e que é central para o entendimento dos três tempos do Édipo:
- Primeiro Tempo (coincidindo com o "Estádio do Espelho"): O menino é o falo, a mãe tem o falo e o Pai Real não aparece.
- Segundo Tempo: O menino deixa de ser o falo. O Pai é o falo onipotente e pode barrar a mãe que deixa de ter o falo (o menino)
- Terceiro Tempo: O pai tem o falo, mas não é o falo (que simbolicamente é reinstalado na cultura, não sendo nem o menino, nem a mãe, tampouco o pênis do pai ou ele próprio).
Conceito fundamental para pensarmos a elaboração edípica é o de "Pai Simbólico", no viés lacaniano, é "qualquer um ou qualquer coisa que exerça a função da castração simbólica", não necessariamente o "Pai Real". O Pai simbólico é o que barra, cortando "a unidade mãe-fálica/ filho-falo", mas que está igualmente castrado, sujeito à lei, o que vai promover a lei, tendo como "protótipo" "a proibição do incesto". Decorrente disso, o "Nome-do-Pai", enquanto conceito, significante, é o "que instaura o lugar da lei dentro do código", sendo uma inscrição psíquica subjetiva no menino da função do pai simbólico como limitador do poder materno. Este Pai simbólico não precisa ser presente, real, pois o que é imaginado, desejado pela mãe, como o que a completaria já indica sua posição castrada, bastando que esteja em seu discurso (Bleichmar, 1988, pp. 49-51).
Para um melhor entendimento dos três tempos do Édipo, é fundamental a articulação do conceito de identificação, na constituição do sujeito e sua estruturação, a seguir.
Identificação em Freud e Lacan
Como um conceito em psicanálise, "identificação" requer, primeiramente, que nos reportemos à obra freudiana: nela, vamos encontrar a identificação como a mais antiga compreensão da emoção humana entendida como um laço com outro semelhante. Aparece como realidade fundamental no início do complexo edípico. O menino vai mostrar interesse pelo genitor paterno, buscando o mesmo lugar dele, em diversas posições, tomando-o como um ideal a ser buscado. Esta é uma conduta tipicamente masculina, longe de ser um comportamento passivo feminino.
Paulatinamente, ele irá desenvolvendo uma catexia libidinal com a mãe, do tipo anaclítica, tendo-a como objeto sexual. Então, com o pai, a relação é de tirá-lo para modelo, numa relação ambivalente na disputa, desde o início, pela mãe. O comportamento é derivativo da fase primeira da organização libidinal, oral, na qual o objeto desejado, pela ingestão, é assimilado e então aniquilado.
Resumidamente, encontramos três fontes de identificação: "primeiro, a identificação constitui a forma original de laço emocional com um objeto; segundo, de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por meio de introjeção do objeto no ego; e, terceiro, pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto do instinto (pulsão) sexual. Quanto mais importante essa qualidade comum é, mais bem-sucedida pode tornar-se essa identificação parcial, podendo representar assim o início de um novo laço" (Freud 1921/1976 a).
Se, em Freud, a identificação é qualificadora da relação ente o eu e o objeto; na visão lacaniana, não está colocada como conceito a relação entre "dois termos bem constituídos". Trata-se do surgimento de nova "instância psíquica, a produção de um novo sujeito". No lugar de A produzir B, em Freud; B produz A, em Lacan, isto é, que tipo de sujeito B vai se tornar quando A se identificar com ele. O objeto é, então, o agente da identificação e "não mais o eu". Este objeto é a representação psíquica do outro inconsciente (Násio, 1997 pp. 101-102).
- Em Freud: A identificação com o traço do objeto; em Lacan: identificação simbólica do sujeito com um significante.
- Em Freud: identificação com a imagem do objeto; em Lacan, imaginária do eu com a imagem do outro.
- Em Freud: identificação com o objeto como emoção; em Lacan, fantasmática do sujeito com o objeto como emoção. (Násio, 1997, p. 106)
Conforme o viés lacaniano, encontramos, então, três categorias de identificação: Simbólica, imaginária e fantasística (Násio, 1997, p. 111).
1. A identificação simbólica: relaciona-se com um significante e com o nascimento do sujeito do inconsciente. "Um significante é uma entidade formal" que pode ser: "uma palavra, um gesto, o detalhe de um relato, a inspiração poética, a criação de um quadro, um sonho ou mesmo um sofrimento ou ainda um silêncio". O significante está numa cadeia, nunca só (Násio, 1997, p. 112).
Os significantes, em sequência, estão marcados por "um signo distintivo" e que se repete em cada um dos acontecimentos, para além de sua diferença, e que Lacan conceituou como "traço unário" (em Freud, caracteriza-se como a identificação regressiva ou do eu "com o traço distintivo do objeto").
Para Lacan, o sujeito nasce, então, no traço comum à cadeia de significantes, constituindo a identificação simbólica. Freud, por sua vez, busca o eu no traço comum aos objetos amados e perdidos (Násio, 1997, pp. 113-114).
2. Identificação Imaginária: A identificação imaginária é estruturante do eu, uma nova "instância psíquica". Isso se dá num "processo formador", conceituado como "estádio do espelho". A criança, nesse "momento inaugural", é "captada", de modo impactual, por sua visão refletida no espelho.
Passará o mundo a ser, para o eu, uma continuidade de imagens entre ambos, em constância. A diferenciação entre o externo e interno é abolida (sobretudo, a indiferenciação com o Outro primordial). As imagens importantes serão as evocadas pelo outro, semelhante: ódio, amor ou ignorância.
Na identificação imaginária, o narcisismo não se reduz a "amar a si mesmo" através da imagem do outro; é, porém, "amar-se a si mesmo como se ama o sexo da imagem do outro", ou ainda: "eu amo a mim mesmo como amo meu sexo" (Násio , 1997, pp. 116-117).
3. Identificação fantasística. Necessitamos considerar, neste âmbito, o sujeito do inconsciente e o objeto a (caracterizado "como a emoção sexual com que o eu histérico se identifica"), presentificados na relação: $ ◊ a. A fantasia inconsciente manifesta-se em palavras ou atos. O afeto nela dominante, bem como sua "tensão psíquica", deve ser distinguido no reconhecimento do "lugar do objeto". Através da exteriorização da fantasia, a tensão pulsional "é efetivamente descarregada, transformando-se em força muscular e outra parte fica errante no "espaço psíquico", disponível para "produzir fantasias novamente"". Essa operação tem como função "barrar o gozo absoluto e satisfazer parcialmente a pulsão".
A fantasia protege o "eu da criança" do medo de um aniquilamento total pela descarga de suas pulsões. Por sua vez, o objeto a é "uma tensão de natureza sexual", pois "está ligada a uma fonte corporal erógena, a uma parte erotizada do corpo, sempre presente no cerne de uma fantasia".
Conforme a zona predominante da fantasia, o objeto assumirá diferentes figuras e denominações: Se for a boca, vai assumir a zona do seio, na fantasia oral; se for o ânus, a forma dos excrementos, caracterizando a fantasia anal. Se o olho for a zona erógena, o "objeto se revestirá da figura do olhar e a fantasia será "escópica", etc.
Sendo o mecanismo "estruturante de uma fantasia" resultante da identificação do sujeito com o objeto, ou que o próprio sujeito é o objeto, a identificação fantasística denota a cristalização do mesmo, na "parte compacta de uma tensão que não chega a descarregar-se", defensiva contra outra assimilação de um intolerável "sofrimento infinito" (Násio, 1997, pp. 118-120).
Os processos de identificação no adolescente
Os processos de identificação são repetidos na adolescência. Como "evocação, inscrição, repetição de um gesto arcaico" já dado ou numa situação passível de modificação? - é o que se pergunta Rassial (1999, pp. 43-44). Conforme a resposta do próprio autor, os processos primeiros de identificação, nesta fase do desenvolvimento, estão em suspensão, possibilitando trocas no que aparentemente se fixara nas identificações.
Na infância, o processo situa o sujeito em relação aos objetos pulsionais que lhe são propostos, para além da ocupação do "lugar de ser ele mesmo sintoma para o Outro, precisamente a mãe". Do nascimento ao Édipo, na primeira identificação sexual, "leva o sujeito a poder estar (ser) do lado homem ou do lado mulher". Já na adolescência, ocorre uma apropriação do sintoma "como sintoma sexual". Além disso, os outros como "pertencentes ao Outro sexo-como objetos possíveis; não somente objetos do desejo orientado pela genitalidade", mas paradoxalmente "objetos do sintoma". Pai e mãe, recolocados em cena, serão novamente reinterrogados.
Nesse processo, o adolescente reedita também o "estádio do espelho" em função de um novo estatuto do corpo e sua imagem, vacila na nova identificação especular, precisando de reformulação, refundação, uma vez que o "Outro e objeto" passam a ter valor psíquico atualizado. Enquanto o Outro do lactante se referia à mãe e o Outro do Édipo, aos pais; o Outro, para o adolescente, vai estar imaginariamente associado ao Outro do sexo.
O olhar e a voz, na adolescência, aparecem divididos: de um lado, já constituídos como objetos, existe "o olhar e a voz do sujeito", parcialmente articulados a "outros objetos para sustentar a dimensão do imaginário"; de outro lado, "o olhar e a voz do Outro, primeiro da Mãe, depois dos pais" (isto é, do "Outro sexo ideal; olhar e voz que o sujeito deve, se não incorporar, pelo menos simbolizar").
Na adolescência, o "Outro parental é afetado em seu valor", consequentemente, os objetos a ele associados são passíveis de danos, na divisão do sujeito desejante e o Outro. Daí a reatualização do estádio do espelho, principalmente na "simbolização necessária" dos objetos voz e olhar. O valor fálico imaginário que, "desenvolvido a partir do Édipo, levaria o sujeito à realização genital", divide-se com a "sua função simbólica de significante-mestre", fundante, assujeitando na linguagem, o sujeito. Com isso, opera-se um novo confronto com a castração simbólica, ocorrida ou "imposta na infância" (Rassial, 1999, pp. 50-51).
Numa aparente regressão, o sujeito adolescente, sem surpresas, retoma os processos de identificação para com isso "tirar consequências quanto ao ser". O adolescente apropriado do significante fálico que o produziu, vai tomar posições em relação a ele e apropriar-se do olhar e da voz, objetos caídos do Outro.
O Caso Clínico e teorizações
O menino Pablo, como assim ficticiamente o chamarei, inicia o tratamento aos 12 anos, na clínica-escola, sendo atendido por uma psicóloga que me antecedeu. Primeiramente, a demanda da mãe era que Pablo, inicialmente, trocava letras (F por V e P por B), o que depois não mais apareceu. Na ficha ela escreveu, sobre outras questões: "Troca letras na iscrita!" Lapso ou erro ortográfico dela, viríamos a inferir, ulteriormente, durante a escuta do paciente, que nisso já aparecia, literalmente, uma identificação de traço com a mãe.
Além disso, a mãe se perguntava sobre a orientação sexual do filho que tinha problemas de relacionamento escolar: os colegas o chamavam de "bichinha". Ela disse que teve uma gravidez conturbada e que desejava uma menina. Preocupava-se com a agressividade do filho e suas elucubrações de machucar os colegas, por vingança.
Comigo, primeiramente, a demanda, como é usual, também veio por parte da mãe: Pablo estava numa dificuldade de adaptação na nova escola. Para adquirir bolsa nessa nova instituição, teve que repetir a sexta série do ensino fundamental.
Ela, atualmente, tem 44 anos, esteve desempregada, depois arrumou um emprego do qual se queixou pela pressão e falta de tempo. Acabou demitindo-se. Esteve em tratamento na mesma Clinica Escola, na qual o filho se trata, mas desistiu.
O pai, atualmente, tem 41 anos, trabalha numa empresa de calçados, viaja seguidamente para o interior, mora com a família, dividindo quarto com um irmão mais novo. Está separado da mãe do garoto desde que ele tinha uns quatro anos.
Desde o primeiro encontro, percebi que o meu desafio clínico seria significativo. Até então, nunca me tinha deparado com um jovem tão queixoso, irritadiço, atuando pela sala, arrastando a cadeira. Além disso, Pablo era muito inteligente e irônico. Suas queixas giravam em torno do excesso de temas, de falta de tempo para descansar e curtir seus joguinhos e chats na internet. Quanto às questões de relacionamento com os colegas apenas disse que "pegavam no pé dele".
Ele criticava a maioria dos professores, especialmente o de filosofia, com relação ao qual assim se referia: "- Ele é um chato, um imbecil! Onde se viu pedir que escrevêssemos sobre "como agarrar o mundo? Como vou fazer isso, com que braços?"
Essas colocações me deixaram em alerta, pois eram muito presas no Real, bem como o lugar do corpo, em transferência, que se bate na parede, que arrasta cadeira, que circula pela sala. Porém, não me precipitei, porém, em diagnósticos, principalmente por tratar-se do início de uma adolescência. Algumas reflexões teóricas acautelaram-me: o que mais aproxima a crise adolescente da psicose é sua propensão ao agir. Reconheço no comportamento de Pablo algo de uma ordem extremamente pulsional, nos seus acting-outs, conforme Rassial (1999, p. 134). A adolescência pode ser descrita, para pensarmos na questão diagnóstica segundo o viés psicanalítico, como uma "passagem na estrutura, e não uma estrutura de passagem" (Lauru, 2002, pp. 74).
Noutra sessão, Pablo trouxe mais uma crítica ao professor de filosofia: "Onde que se viu o pensamento do filósofo que ele apresentou que dizia: 'Penso, logo existo'. Como assim? Ele é um idiota, pois uma cadeira existe e não pensa!"
A posição anticartesiana de Pablo provocou em mim um amor de transferência imediato. A partir daí, começamos a criar um joguinho dialético, tendo o "jogo" como um significante em sua história pessoal. Na transferência, ele acabou estabelecendo comigo um joguinho do tipo "te peguei", em várias situações. Por exemplo, chegava e dizia: "Não tenho nada de novo pra falar hoje!" Então eu dizia: "Fala das coisas velhas". Ele ria, começava a lembrar-se de algo. Depois, noutra sessão, disse: "Não tenho nada de novo, nem de velho para falar hoje", rindo, com ironia. Eu disse: "Vamos falar de coisas do futuro então?" Ria com isso e acabava por falar de sua rotina, da ansiedade por férias para descansar e curtir seus jogos.
O gozo desse garoto girava sempre relacionado com games. Perguntei se não tinha falta de amigos. Ele disse que não, pois já tinha os colegas de escola e eventuais companhias de fim de semana na casa de seu pai. Acrescentou ainda: "- Amigos não se atualizam como os jogos!" A sua distração preferida são os jogos eletrônicos, numa compulsão à repetição que ocupa a maior parte de seu tempo, reivindicando o que investe na escola, nos temas das disciplinas, que ele reclama como sendo demasiados.
Vamos encontrar, com toda a sua singularidade, nesse comportamento de Pablo, o quanto o adolescente, "na nossa cultura", denota uma "idade na qual se representam as formas imaginárias do mais-gozar". Tendo, como atravessamento, o apelo publicitário nesse "sem limites", frente a tanta "idealização", e "na falta de um sistema de referências alternativo aos valores de consumo - sistema que deveria estar sendo permanentemente elaborado por jovens e adultos, mas não está -, os pais sentem-se desautorizados a barrar certos excessos de seus filhos" (Kell, 2004b, p. 100).
Um dos jogos preferidos de Pablo era com pinguins. Comentou que sempre "teve uma questão com pinguins, mas que não sabia o porquê". Chegou a desenhá-los um dia. Noutra sessão, disse que interagia com outro garoto no jogo dos pinguins. Perguntei como se identificavam essas aves, no game. Ele disse que eram colocadas roupas que definiam quem era o pinguim menino ou menina. Comentou, depois, que esse companheiro um dia estava com roupa de pinguim menina, mas acreditava que ele tinha emprestado, talvez para uma garota, o espaço de jogo.
Na continuação das sessões, trouxe um enfrentamento na escola: ele tinha ido com uma jaqueta que tinha a letra "F". Chamaram-no então de "Félix", o personagem gay da novela "Amor à vida", da Rede Globo. Conversando sobre isso, ele pôde falar que ainda existem muitos preconceitos com os "gays".
Tive algumas entrevistas com os pais de Pablo, indicadas pela supervisão. A mãe estava muito fragilizada, desempregada, deprimida também por se ter separado da namorada que morava com eles. O pai era afetivo, simpático, não percebia muito as questões preliminares de adaptação do filho à nova escola, dificuldade de concentração e socialização. Disse que Pablo era "muito meigo, educado" diferente dele que fora "meio maloqueirinho". Pontuei que ele poderia "emprestar" um pouco desse lado mais "maloqueirinho" ou moleque para ajudar Pablo, identitariamente, em sua socialização escolar.
Numa entrevista conjunta com a mãe, Pablo ficava todo tempo agarrado nela. Ele seguidamente queria que ela viesse responder coisas por ele, nas sessões. Percebi, numa despedida da recepção, que o garoto saía caminhando meio infantilizado e bamboleante, como um pinguim. Sua voz em timbre e inflexões confundia-se com a da mãe. Ela passou a queixar-se dele como "muito grudento", inclusive por não querer ter um quarto só para si (espaço que ficou vago com a saída da companheira).
A ex-companheira, que nunca aparecia no discurso do garoto, passa a ser referida, em relação ao quarto no qual ele não demonstra interesse: "Tem uma energia ruim daquela „bruxa"!" Assim ele vai passar a ser referir à ex-namorada da mãe. Pergunto por que ela era uma "bruxa". Ele diz que ela era muito chata, intrometida e mandona. A partir daí, Pablo, em muitas outras sessões, no final, saía falando: "Bruxa, bruxa, bruxa!" Durante muito tempo, ele apenas repetiu as mesmas críticas à ex-companheira de sua mãe, sem maiores fundamentações, nem reflexão sobre a amizade de ambas.
Paulatinamente, Pablo teve avanços: por demanda dele mesmo, passou a tomar Ritalina sob prescrição do psiquiatra da clínica-escola. Com o processo psicoterapêutico, melhorou a relação com os colegas, saindo de um isolamento no recreio e sendo mais participativo nos jogos e nos trabalhos escolares. No final do ano, teve aprovação com ótimas notas. Ainda assim, seu entusiasmo segue pelo mundo virtual e pelo presente de Natal, um novo play station em 3D, que ganhou do pai.
O caso no contexto dos novos arranjos familiares na contemporaneidade
Os novos arranjos familiares contemporâneos convocam a teoria e a escuta psicanalítica a um reposicionamento diante do complexo edípico e sua reedição. Dialogando com Roudinesco, Derrida pergunta-se: "Será que um casal de homens homossexuais propõe ou impõe dois pais masculinos para seu filho? Não estou certo disso. Será que um casal de mulheres homossexuais engendra duas mães?" Segue ponderando o quanto o modelo tradicional de família "estável e fundadora para a teoria psicanalítica, poderá, ao se transformar, transformar a psicanálise", bem como a teoria edipiana.
Para manter seu propósito de ser das famílias, Derrida considera que a psicanálise terá que ser tão mutante quanto ela. Roudinesco, anuindo às reflexões do filósofo, reflete que existe uma posição dogmática, dos "ligados a um modelo congelado que tende a ser suprimido da realidade social". Ela então se posiciona do lado dos "desconstrutores", e também sensibilizados "às transformações induzidas pelos próprios sujeitos".
Derrida complementa: "É com uma transformação da própria sociedade que estamos lidando, com uma transformação desse modelo de que acabamos de falar". Ele aponta o quanto a "turbulência social irá produzir efeitos", tanto no cenário psicanalítico, "do lado dos pacientes e do lado da formação dos clínicos", sem uma dissociação das mutações sociais e simbólicas, transformando "a profissão analítica de outro" (Derrida e Roudinesco, 1930/ 2004, p. 50-51). No "caso Pablo", no qual um triângulo edípico se reedita de modo não tradicional, tendo a mãe uma namorada, tais reflexões são bem pertinentes para pensar o que se produz subjetivamente nas ambivalências e identificações do paciente em início de adolescência.
Noutra recente conversa com a mãe, ela pôde falar que é a única que percebe fortes tendências à homossexualidade no filho, posicionando-se sem preconceitos quanto a isso, caso se efetive com o tempo. Ponderei que seja qual for a escolha, o desejo, deve poder fazer-se com aceitação. Ainda assim, disse que ele poderia escolher melhor, também, experimentando mais identificação com o pai e com os outros meninos.
Em supervisão, passei a pensar, como hipótese, que pelo fato de o pai não ser um rival, Pablo teria passado a rivalizar com a parceira da mãe (por isso veio a ser ela uma "bruxa"?). Sua maneira muitas vezes feminilizada não seria devida à identificação com a mãe, para "concorrer" então com a rival?
Pablo voltou a falar na "bruxa", na saída da sessão. Retomei esse assunto, convocando-o a falar mais sobre ela. Disse então que a ex-companheira da mãe era, além de bruxa: "um inseto, uma ratazana, uma psicopata"! Não saiu dessas desqualificações. Busquei, metonimicamente, saber se ele já tivera experiência com outra "bruxa". Então comentou que uma professora, na outra escola, dando aula de geografia, referindo-se a "montanhas roliças", olhava ironicamente para ele. Os colegas, segundo Pablo, entenderam que a professora o estava chamando de gordo.
Em janeiro de 2014, período de férias escolares, Pablo ficou mais tempo com o pai. O jovem, agora com 13 anos, chega então com um jeitão mais moleque. Relata que na praia, por falta de espaço, teve que dormir numa cama improvisada, junto com a namorada do pai, como um "hamster" (sic). Então assumiu o ciúme também em relação ao genitor, dizendo querer o pai somente para si.
Novamente parece que a entrada de um terceiro, nas suas relações mais íntimas, é intolerável (também relatou conflitos com uma tia mais jovem, na triangulação com a avó paterna). Podemos inferir que essas relações ilustram algo típico da adolescência, como "tempo do reencontro" com o "real do sexo e da morte", ao ser possibilidade de representação desses absolutos no recurso unívoco dos elementos simbólicos fornecidos pela função paterna no Édipo. Sendo essa metamorfose, conforme Freud (1905), uma "reedição do complexo de Édipo", "o adolescente vai reconvocar o saber do pai que "sabe fazer" a mãe gozar", mas convocando outro a encarnar essa função, testando o saber paterno, com os seus mestres (Poli e Lângaro-Becker, 2010, p. 208).
Como pesquisa psicanalítica, este estudo de caso não tem a pretensão de fazer generalizações com respeito à singularidade com a qual o complexo de Édipo do paciente se reedita: a identificação ao traço, com a mãe, bem como o feminilizar-se para rivalizar com a "bruxa", companheira daquela.
Pensando com Serralta, Nunes, Eiziri (2011, p. 508), percebi, na construção do caso clínico, sua serventia "para gerar e para testar hipóteses". Nessa construção, fui ampliando a escuta clínica, sem me fixar no que era identitário do menino com a mãe, nem na percepção que ela tinha do filho, considerando que, nessa reedição edípica, tudo se poderia reatualizar. Tal procedimento foi servindo "à investigação do processo terapêutico", além de cooperar, junto com a supervisão, na direção do tratamento, tendo o "jogo" um significante importante na consolidação da transferência.
O corpo na transferência
Dentro do "joguinho" estabelecido na transferência, Pablo, repetidas vezes fala gritando, tocando com o dedo em meu braço, repassando as "questões do jogo" para mim. Eu devo responder, ou sou mentiroso, ou bobo, quando não entendo ou não sei de um game que é de grande valor para ele, além de apresentar uma hipercinesia no set terapêutico.
Conforme Balbo, esse tocar, como um compartilhamento do corpo com o analista é importante como certificação de "uma conquista possível". Além disso, é preciso que o "analista possa ser bobo e também não bobo, de certa forma, e que esse saber possa cair para que o saber inconsciente, o saber Outro, que é constitutivo do sujeito, possa vir à luz" (Bergès e Balbo, 2001 pp. 64-65).
A importância do discurso da mãe, como o que "sustenta, introduz o simbólico no tocar", fazendo um deslocamento "do contato", afigura-se com precariedade no caso de Pablo, denotando falta de teorizações, recalcadoras, segundo Bergès, que poderiam ter aliviado "os excessos" de suas excitações. Isso se evidencia no seu comportamento "grudento" com o corpo da mãe, bem como na dificuldade de diálogo, como ele seguidamente diz: "Com ela, não tem negociações!"
A hipercinesia de Pablo é sintomática de um corpo que foi "somente receptáculo", renunciando "ao que chega às orelhas", tendo o toque como prevalência, mas carente "do discurso materno", não sendo questão com o "pai que saberia o que é preciso invocar para que tudo se ponha novamente no lugar". O interessante é que esse "algo do materno" se reedita na transferência (Bergès e Balbo, 2001, p. 72).
A convocatória, pouco simbolizada, do Outro, na conduta "grudenta" de Pablo com a mãe, no querer o genitor somente para si, numa cama improvisada de praia, bem como um apelo ao "Nome do pai", vêm pela via do corpo. "Com efeito, o corpo é então capturado na rede das relações com o outro e, em particular, com o outro sexo: na vertente histérica, esse corpo é promovido a significante do desejo, pelo qual o sujeito subjetiva seu estatuto de objeto para o Outro; assim poderíamos dizer, ele oferece seu corpo ao Outro como lugar possível de um gozo comum" (Rassial, 1999, p. 128).
Com base freudiana, Bergès traz-nos importantes reflexões sobre as questões do corpo, aplicadas ao "Caso Pablo": as desordens motoras e gestos agressivos são "grandemente desprovidos de significações", tendo no "gozo motor" um endereçamento "ao Outro". A "dimensão corporal" representa a "cena auditivo-visual" referente à teoria sexual infantil. As movimentações corporais são erotizadas numa "frequência das masturbações que não são acompanhadas de nenhum movimento real", sustentadas "por um ritmo".
Bergès postula o quanto é difícil em terapia o desalojamento da criança e de seu corpo de um lugar de "gozo dos pais". Em Pablo, isso é observável no comportamento "grudento" com a mãe, em sua dificuldade de mudar de quarto. Ainda assim, o teórico aposta que esses pequenos pacientes são capazes de "sustentar um discurso propriamente dito, totalmente coerente e bem construído" (Bergès e Balbo, 2001, pp. 90-103).
Com Bergès, podemos pensar no lugar da medicação no tratamento de Pablo, no caso, da Ritalina. O autor aponta a ação do psicofármaco como estabilizadora do "gozo do corpo da criança", diminuindo sua visibilidade, atendendo à suposição dos pais de que, assim, o seu filho ficaria mais sábio. Então, como efeito da droga, a "pulsão gira, não há objeto e a satisfação sobrevém sem objeto". Bergès não esquece, porém, o que "a teoria sexual infantil" tem para dizer sobre isso, numa importância da pesquisa clínica com crianças medicadas com Ritalina. Observo, no caso em questão, o quanto a estabilização medicamentosa apazigua principalmente a demanda do Outro no rendimento escolar, mas também apoiando a socialização e a autoestima do paciente, talvez ao custo de uma procrastinação de suas teorizações sexuais, agora adolescentes.
Pablo, adolescendo, vivendo um novo estatuto de modificação corporal (e subjetiva) vai buscar, no olhar do outro "uma confirmação de sua identidade inicial pré-sexual", numa reedição do Estágio do Espelho (Cairoli e Chittó-Gauer, 2009 p. 209). Como os preconceitos enfrentados são pouco simbolizados, fora o episódio do personagem "Félix" da novela e o evento com a professora que insinua sua gordura, Pablo busca aprovação numa oferta corporal aos pais, bem como nas atuações no set terapêutico. Embora não tenha queixas do pai, este é pouco testado na reconvocação do triângulo edípico e seus mestres são desqualificados por serem "chatos" ou preconceituosos. Então, para esse adolescente, vinha existindo o esvaziamento de um saber, pela falta de alguém que desempenhasse essa função.
Hipótese de diagnóstico
A repetição da "bruxa" manteve-se como um protesto, nos finais de sessão, sendo relevante em supervisão que eu ficasse atento e convocasse Pablo a falar mais sobre o tema.
Ele seguiu com a queixa dos excessos de provas e temas e do cronograma da "Copa". Numa sessão, fala que todo mundo "é um pouco corrupto", como disse uma professora. Pergunto como quem. Ele lembra que a amiga da mãe (a bruxa) deve ter sido quem roubou um game dele.
Anteriormente, ele se queixara de que a mãe teria usado "grana" da sua mesada sem devolver-lhe: "imagina, minha própria mãe me caloteando" (sic).
Essa questão da corrupção, de modo chistoso, vai aparecer na oferta de dinheiro que me fez, para que eu assinasse o boletim, pois "sou responsável por ele". Nessa sedução, ainda que num terreno perverso, Pablo parece fazer um apelo ao "Nome-do-pai", deslocando a posição do analista para a do "Pai Real" e jogando-se então numa castração própria da fobia. Posiciono-me como psicólogo, no lugar de escutá-lo!
Noutra ocasião, Pablo veio acompanhado da avó, que me interpela dizendo que ele precisava falar de um grande medo que tem de "baratas" (ele tinha falado sem muita ênfase). Então, ele disse que tem muito medo sim e que já ficou apavorado, trancado no quarto. Pergunto como isso começou. Ele trouxe o discurso do pai, afirmando que isso começara quando ele era bem pequeno, entre dois e três anos (antes da separação), quando uma barata lhe passou por cima. Na saída da sessão, uma modificação no protesto: num emassamento de dois significantes, ele dizia: "bruxa-barata".
Na sessão seguinte, convocado por mim, Pablo fala que a "Bruxa" tinha o ajudado num trabalho de ciências, colocando uma barata num vidro para levar à escola. Compara a bruxa com a barata, dizendo que a segunda seria pior que a primeira. O protesto "Bruxa" vai ser uma repetição, aos finais das sessões
Com essa questão, somada ao isolamento e ao refúgio numa topologia segura nos jogos, no quarto, na internet, passamos a pensar numa hipótese - ainda que aberta, por ser ele um adolescente - de neurose fóbica. Num relato sobre lugares, acerca dos quais ele deveria falar num trabalho escolar, sobre Porto Alegre, ele não manifesta entusiasmo com nenhum. Ao perguntar-lhe que lugar seria melhor, respondeu: "Meu quarto" (sic).
Pablo teve uma sequência de duas faltas, por não ter quem o pudesse trazer. Resiste quando pergunto o porquê de ele não vir sozinho, uma vez que mora perto da clínica. A iminência de completar quatorze anos tampouco faz diferença alguma para ele.
Pelo viés freudiano, a fobia é "a neurose edipiana por excelência", tendo "papel organizador do complexo de Édipo e da castração". Conforme Lacan, a angústia do fóbico é equivalente "a angústia de castração", numa transição "da relação imaginária com a mãe em torno do falo ao jogo da castração na relação com o pai" e, no caso Hans, singularmente se dá "por uma identificação feminina", apontando "o fracasso da transmissão da castração de pai para o filho". O objeto fóbico, como significante, faz um "apelo ao nome-do-pai", conforme nos aponta Lerude-Flechet (1992, pp. 4-6). Essa base teórica pode ser apreciada no "caso Pablo": identificação ao traço, com a mãe, a "barata" como objeto fóbico que aparece, primeiramente, no discurso do pai, que o protegeu num momento, mas que, pela fragilidade, não sustentou esse lugar. Depois, a barata aparece na relação com a "bruxa" que também é "barata", mas num lugar aterrorizante.
A questão da topologia do fóbico é, no caso, relevante, pois deve ser segura, em "termo último é o domicilio e mesmo o quarto". Além de que o papel do acompanhante fóbico é fundamental, pois o mesmo "pode modificar o espaço, torná-lo transitável" (Lerude-Flechet, 1992, p. 10). Pablo denotou tudo isso: na dificuldade em ter um quarto próprio, desapegando da mãe, na necessidade de ter quem o traga à terapia, bem como num resguardo em criar uma topologia virtual com jogos e com a internet.
O jovem paciente, na transferência, já no começo do tratamento, permitiu-se uma forte histerização com queixumes da mãe, da escola dos professores, gritando, arrastando a cadeira e atuando no set terapêutico. De forma obsessiva, sente-se endividado com a família, em especial com a mãe, tendo que pagar com boas notas para não perder a bolsa escolar, mas, principalmente, para ser amado.
Denotando certa desmentida na castração, Pablo também fez a oferta de pagar-me para que eu assinasse seu boletim, além de afirmar que todo mundo é corrupto. Contou ainda ter trocado dois bonequinhos estragados do jogo virtual "Mário, o encanador" por outros de sua tia, que estavam inteiros, sem que ela o percebesse. Nisso, temos mais um respaldo para a hipótese diagnóstica em questão: Lacan postula sobre a fobia não vista como "uma entidade clínica", mas como "plataforma giratória". O que fica bem elucidado no discurso do paciente "girando" ora na direção de uma histeria, ora numa neurose obsessiva e (quem sabe?) na junção com a perversão (Lerude-Flechet, 1994, p. 7).
Ao longo do tratamento, consegue admitir que fica muito angustiado com a cobrança da mãe em relação às notas na escola e o risco de "rodar", perdendo a bolsa. Ele sofre antecipadamente pelos resultados. Associa uma "pressão no corpo" com a pressão que a mãe exerce. Ainda assim, vem conseguindo, em geral, bom desempenho escolar. Em supervisão, pensamos em nova conversa com a mãe, tendo isso acordado com ele. Pablo resiste, mas autoriza a conversa. Eu garanto que não comentarei nada além do combinado. A Mãe do jovem andava com dificuldades de vir, pois estava em novo trabalho. Comenta que está com novo namorado e que o filho demonstra ciúmes, embora seu companheiro procure incluí-lo em conversas e passeios, sendo gentil. Nesse contexto, ele traz uma demanda de amor familiar condicionada a ser "bom aluno".
Pablo, frequentemente hipercinésico nas sessões (autonomeando-se como "aleatório", muitas vezes), não largava do celular, confundindo a conversa com comemorações ou protestos em relação aos jogos. Combinei, por orientação da supervisão, que seja estipulado um tempo para isso, lembrando que ele não tinha esta negociação com a mãe, ante os limites que ela colocava no tempo dedicado aos jogos e à internet. Ele tinha cometido um lapso dizendo que ele não "negociava" com ela. Na sessão seguinte, veio sem o celular.
A questão do que é do feminino ou do masculino de forma implícita, reaparece em seu discurso: "Tenho fobia de ir comprar roupas femininas" (fala, em lapso, em "Marias", incluindo-se, referindo-se às mulheres que vão às compras). Falando de sua irritação com a mãe, comete outro lapso: "imitação". Isso denota uma identificação ao traço feminino da mãe, que aparece na forma e no timbre de sua fala.
Na semana que antecede seu aniversário, Pablo volta às queixas das demandas da escola com trabalhos e provas que impedem melhor comemoração de seu aniversário. Muito irritado, fala gritando, escondendo o rosto no acento da cadeira, dizendo repetidamente: "Tudo na minha bunda, tudo na minha bunda!" Também se sente comprometido de ir às comemorações judaicas, em dois dias, do aniversário de um colega, um dos seus amigos "antigos". Pontuo que ele não tinha comentado ter amigos "antigos". Pablo reage agressivo: "Tu quer saber tudo!" (sic). Digo que ele pode falar apenas o que desejar.
Em supervisão, constatamos a importância do corte do uso do celular, nas sessões, considerando essa atividade compulsiva de Pablo como "masturbatória", e que precisava dar lugar à palavra. Como direção do tratamento, pensamos na importância de seguirmos trabalhando a busca de Pablo por diferenças, escolhas, culturas etc.
Pelos seus novos movimentos, inclusive de recentemente ir só para a escola, assumir o próprio quarto, bem como melhor socialização, minha aposta é que o joguinho dialetizado de saber, que operou na transferência, pode estar fazendo função. O corpo agitado e a compulsão com jogos no celular, em transferência, vêm cedendo lugar à palavra. Pablo pode explicitar seu ciúme do atual namorado da mãe. No entanto, a entrada de um terceiro numa reedição edípica faz função de corte. Ele ainda teve avanços escolares, com reforço de aulas particulares de um professor de matemática. Numa pontuação que fiz, ele confirma que, tendo a atenção de alguém, pode aprender melhor. Podemos inferir então que, eminentemente, seu "déficit" é de atenção afetiva.
Na direção do tratamento, a aposta é que o "pinguim", como significante, siga deslizando. Que nessa metonímia, as metáforas que permitam a emergência desse jovem sujeito desejante apareçam e, na transferência, que ele possa fazer suas escolhas, orientar-se sexualmente, numa travessia fantasmática nada fácil ao longo dessa fase que é a adolescência.
Considerações Finais
"O caso Pablo" trouxe ricas reflexões, contribuindo à pesquisa clínica psicanalítica para pensarmos como o "Édipo" pode reeditar-se dentro do contexto contemporâneo, dando lugar para o corpo, a sexualidade, o gozo, bem como para a reedição do estágio do espelho.
No começo do tratamento, evidenciava-se uma conduta extremamente queixosa que se histericizava sem pudores pela via da voz, do corpo, de joguinhos dialetizados numa transferência que prontamente se consolidou.
À medida que fomos trabalhando, sem pressa com diagnósticos, com muita supervisão, pude fazer algumas inferências: com base freudiana, o componente primário da identificação pela emoção aparecia em Pablo pela via da voz, muito semelhante à da mãe. Identificação também de forma imaginária e circulando no corpo com o "pinguim" que o jovem mesmo tinha como questão. Outros animais, que não podemos de pronto identificar o gênero, circulavam na vida e no discurso como o "hamster" e a "barata", sendo esta um objeto fóbico.
Bastante relevante na hipótese diagnóstica de fobia é o lugar do Pai, frágil e infantilizado, quem na história de Pablo é testemunha do trauma infantil com a barata. Depois, a rival namorada da mãe: a "bruxa" aparece como um sucedâneo terceiro, mas num lugar terrorífico. Podendo falar disso, parece que Pablo começa a ressignificar o lugar desta rival, pois ela é vista menos negativamente que a "barata" na ajuda que lhe presta no trabalho escolar, ao colocar o inseto num recipiente.
O deslizamento do lugar ocupado pela "bruxa" afirma-se quando, em ato analítico, eu nomeio o namorado atual da mãe como "bruxo", algo que nossa transferência humorada na forma de um jogo permite. Ele ri e, na sessão seguinte, pôde admitir que sentia ciúme do mesmo.
A topologia virtual, nos chats na internet, nos joguinhos e no celular, presta-se, no contexto atual, como espaço seguro para qualquer fóbico, máxime para um jovem adolescente. O acolhimento disso tudo na transferência permitiu que esse "gozo masturbatório" fosse dando lugar à palavra, assim também ocorreu com a própria agitação corporal de Pablo.
O "mundo virtual" predominante, principalmente, na vida dos jovens presta-se como sintoma. No entanto, como está bastante naturalizado na cultura, não cabe ao analista ocupar o lugar do Outro que restringe tal comportamento. Ainda assim, em nossa negociação, os joguinhos e o mundo virtual seguiram presentes na palavra. Pablo vem trazendo também a via da socialização direta com os joguinhos entre os colegas, o que antes não aparecia, pois ele dizia "amigos não se atualizam; jogos se atualizam". À medida que pôde ir falando, este discurso também se atualizou, pois Pablo hoje não mais fica isolado no recreio, tampouco com dificuldade de parcerias em trabalhos escolares. Isso marca ainda outra possibilidade de identificação com os pares masculinos, coisa que igualmente aparece em seu discurso, inclusive quando fala do interesse pelos jogos, maior do que por roupas, como sendo do masculino o primeiro; do feminino, o segundo.
Diferentes personagens foram ocupando o lugar terceiro, dentro desta "estrutura intersubjetiva", como diria Lacan, nesta reedição edípica: O Pai, a namorada da mãe, o analista, o professor de matemática e o atual namorado materno. Podendo simbolizar tudo isso, Pablo amplia suas possibilidades de elaboração dos conflitos afetivos, bem como de direcionar sua vida e suas escolhas como sujeito desejante.
A separação dos pais de Pablo deu-se quando ele tinha pouco mais que quatro anos, um tempo em que o declínio do Édipo já poderia estar operando com uma identificação fálica paterna. Considerando, porém, essa separação, bem como o fato de este pai não ser nada fálico, dependente de sua própria família, podemos inferir o quanto o Ideal do Eu do menino também ficou fragilizado. Na continuidade, um Outro terceiro, a "bruxa", entrou de forma terrorífica. Dentro desse processo responsivo, analisamos os decorrentes sintomas e a fobia.
Quanto à influência na reedição edípica, dentro da nova ordem familiar que se estabeleceu entre Pablo, a mãe e sua namorada, podemos inferir, concordando com Derrida e Roudinesco (2004), que não podemos ver com uma implicação direta na orientação sexual de um filho, o fato de os parceiros, em função paterna, serem homossexuais. Além disso, tomando um significante importante no caso clínico, nessa retomada do Édipo, o "jogo" está recomeçado, tendo como novas jogadas a identificação de Pablo com seus colegas, o convívio com o novo namorado da mãe e uma aposta identitária com o pai, lançada ao mesmo pelo analista.
Referências
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Recebido em: 25/09/2015
Aprovado em: 12/01/2016