Trivium - Estudos Interdisciplinares
ISSN 2176-4891
Trivium vol.11 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2019
https://doi.org/10.18379/2176-4891.2019v1p.18
ARTIGOS TEMÁTICOS
A problemática da psicobiografia em Kant com Sade
The problem of psychobiography in Kant with Sade
El problema de la psicobiografía en Kant con Sade
Fábio Augusto Rainer Dantas de Mello SilvaI; Giselle Falbo KosovskiII
IPsicólogo. Doutorando em Psicologia (Universidade Federal Fluminense - UFF). Bacharel em Filosofia. Endereço institucional: Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n, Bloco N, - Gragoatá - Niterói - RJ. Telefone: (021) 2629-2830. E-mail: fabiorainersilva@gmail.com
IIUniversidade Federal Fluminense, Setor de Clínica. Professora do PPGP/UFF Niterói/RJ, Brasil. E-mail: falbogiselle@gmail.com
RESUMO
O presente artigo propõe-se discutir de que modo o texto Kant com Sade, de Lacan, se aproxima ou se afasta de uma psicobiografia. Na literatura, Lacan é assumido como um crítico das psicobiografias, embora haja textos de sua autoria que parecem mostrar uma afinidade com o gênero. Esta questão torna-se mais complexa quando Miller menciona que Kant com Sade é a legítima psicobiografia de Sade. Conclui-se que Kant com Sade foge de uma classificação que o defina ou não como psicobiografia.
Palavras-chave: PSICOBIOGRAFIA; LITERATURA; LACAN; KANT COM SADE.
ABSTRACT
This research paper proposes to discuss how the Lacan's text Kant with Sade approaches or moves away from a psychobiography. In the literature, Lacan is assumed to be a critic of psychobiographies, although there are texts of his own that seem to show an affinity with the genre. This question becomes more complex when Miller mentions that Kant with Sade is Sade's legitimate psychobiography. It is concluded that Kant with Sade escapes from a classification that defines it or not as a psychobiography.
Keywords: PSYCHOBIOGRAPHY; LITERATURE; LACAN; KANT WITH SADE.
RESUMEN
El presente artículo se propone discutir de qué modo el texto Kant con Sade, de Lacan, se aproxima o se aparta de una psicobiografía. En la literatura, Lacan es asumido como un crítico de las psicobiografías, aunque hay textos de su autoría que parecen mostrar una afinidad con el género. Esta cuestión se vuelve más compleja cuando Miller menciona que Kant con Sade es la legítima psicobiografía de Sade. Se concluye que Kant con Sade huye de una clasificación que lo define o no como psicobiografía.
Palabras clave: PSICOBIOGRAFÍA; LITERATURA; LACAN; KANT COM SADE.
Introdução
A psicobiografia configura-se como um modo psicanalítico de leitura do universo interno ao artista por meio de sua arte; uma leitura apoiada, sobretudo, em dados biográficos. Ganhou impulso na psicanálise poucos anos após Freud publicar seu artigo sobre Leonardo da Vinci em 1910. Três décadas depois, a aplicação da psicanálise à literatura ganha fortes opositores (veja-se, por exemplo, o mal-estar gerado pelas críticas de Meyer Shapiro a Freud), dentre eles podemos citar Lacan (Fingermann, 2017).
Em relação a tal temática, há historiadores da psicanálise e psicanalistas que descrevem Lacan como crítico da psicanálise aplicada, principalmente da psicobiografia (Vidal, 2013; Fingermann, 2017; Nobus, 2017). Por outro lado, há no ensino de Lacan, textos dissonantes em relação ao conjunto de obras do autor, que parecem contradizer tais concepções como os seus comentários sobre a psicobiografia efetuada por Delay no texto Juventude de Gide ou a letra e o desejo (1966/1958), Kant com Sade (1966/1998) e o seminário sobre Joyce (2001). Nestes textos, parece possível notar uma afinidade de Lacan com as psicobiografias. Esta questão torna-se ainda mais complexa quando um dos nomes mais respeitados da psicanálise lacaniana, Jacques-Alain Miller (1982), menciona em um de seus cursos que Kant com Sade não é apenas uma psicobiografia, mas a legítima psicobiografia de Sade.
Parte da literatura psicanalítica descreve Kant com Sade (1966/1998) não como psicobiografia de Sade, mas sim como um texto focado em questões clínicas trazidas pelo imperativo categórico de Kant, tal é o posicionamento de Žižek (1998), por exemplo. Esta forma de ir a Kant com Sade compreende como foco do texto Kant; com o que Sade parece surgir apenas como algo acessório. Em relação a isso, Miller (1982) traz uma compreensão simetricamente oposta, em que Sade está no centro do texto. Há muitos textos que comentam o entendimento de Miller a respeito de Kant com Sade, mas eles se concentram nos textos em que o autor não considera Kant com Sade uma psicobiografia. Dessa forma, não encontramos na literatura ensaios que discutam o posicionamento de Miller. A dificuldade aumenta na medida em que Miller (1982) não volta a abordar a questão sob a perspectiva mencionada. Dado que ainda existem dificuldades de compreensão a respeito do texto lacaniano, entendemos que seria relevante reler Kant com Sade (1966/1998) a partir do entendimento ainda não discutido de Miller (1982), isto é, em que medida o texto de Lacan se aproxima ou se afasta de uma psicobiografia.
Visando preencher essa lacuna, o presente artigo propõe-se discutir de que modo o texto Kant com Sade de Lacan se aproxima ou se afasta de uma psicobiografia. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, exploratória, de recorte bibliográfico com o foco nos seguintes textos de Miller: uma palestra transcrita de 1985 ministrada no Rio de Janeiro, Brasil (Miller, 1987); uma palestra transcrita, de 1989, na Universidade de Kent no livro Reading Seminars I and II (Feldstein; Fink, 1986) e um trecho do curso Du symptôme au fantasme, et retour de 1982, onde é trabalhada pontualmente a questão da legitimidade da psicobiografia (Miller, 1982). Nossa pesquisa contribui para a literatura psicanalítica na medida em que explora e discute a possibilidade de Lacan se ter aproximado do gênero psicobiográfico através de seu texto e ter subvertido o modo convencional com que se entendem as psicobiografias. Com isso, chegamos à conclusão de que nos parece embaraçosa ou simplória a forma de aproximar-se de Kant com Sade que pretenda fixá-lo ou não no gênero psicobiográfico.
Psicanálise e literatura
Em princípio, podemos compreender a aproximação entre psicanálise e literatura como um recorte de pesquisa interdisciplinar assim como a psicanálise e política e a psicanálise e o direito. No âmbito da psicanálise e literatura, há autores contemporâneos que defendem a aproximação das duas disciplinas e outros que defendem a necessidade de trabalhar no intervalo de sua diferença ou na separação entre elas. Quanto ao primeiro grupo de autores, podemos citar, por exemplo, algumas reflexões de Jean Bellemin-Noel, professor de literatura francesa da Universidade de Paris, em seu livro considerado clássico: Psicanálise e literatura de 1978 (1983). Este autor afirma que, no espaço de interação destas disciplinas, tanto a psicanálise quanto a literatura atingem e abordam o "não-consciente", podendo se aproximar tanto a ponto de se confundirem: "Já que a literatura carrega nos seus flancos o não-consciente e já que a psicanálise traz uma teoria daquilo que escapa ao consciente, somos tentados a aproximá-las até confundi-las" (p. 13). Nessa linha de entendimento da interface entre as duas disciplinas, é vista como superficial a distinção entre o sintoma manifestado na clínica e as narrativas fantásticas ou ficcionais da literatura, mas não só isso:
Um sonho, um brinquedo, um rito, uma associação secreta, um mito, uma lenda, uma fábula, uma epopeia, uma canção infantil, um romance, uma brincadeira, a magia de um poema, formam objetos de estudo distintos apenas para especialistas que pensavam trabalhar sobre materiais heterogêneos (Bellemin-Noel, 1978/1983, p. 13).
Para este autor, a legitimidade da interação aproximativa entre os campos da psicanálise e literatura ocorre por tratarem de fenômenos que se derivam, em todos os casos, de manifestações do inconsciente tal qual Freud as concebeu: "tais fenômenos humanos são considerados em qualquer grau como realizações de um mesmo Inconsciente (...) torna-se legítimo que um mesmo intérprete ocupe-se deles" (1978/1983, p.13). De fato, para Freud (1910/1980), o inconsciente manifestava-se em qualquer atividade que fosse humana. Bellemin Noel mostra-nos uma imagem simpática de Freud em que este não retirava por nada o seu pincenê, investindo todo o seu tempo na leitura do "texto do humano". Não pretendemos criticar de qualquer modo tal iniciativa, mas mostrar que, por meio desta: "o texto é, sem o saber nem querer, um criptograma que pode e deve ser decifrado" (p. 13). Dessa postura em relação ao texto, surgiu a psicobiografia, que pode ser entendida como uma tentativa de leitura do inconsciente manifestado nas produções bibliográficas e na vida de artistas que não puderam ser analisados em vida.
Em relação ao segundo grupo de autores, estes defendem a necessidade de uma forma de separação entre psicanálise e literatura, mais precisamente operar em um espaço de corte entre as duas disciplinas, onde não há continuidade entre as mesmas, onde se revela e deve haver uma hiância, uma intersecção ou entrecorte:
Proposta instigante a deste encontro, pensarmos entre Literatura e Psicanálise o e da questão. A sutileza, a meu parecer, encontra-se na questão que subverte a intuição primeira de que existiria algum tipo de relação ou nexo entre essas duas práticas da letra. No entanto, o acento recai sobre o elemento que conjuga os dois termos que, por ser da ordem de uma conjunção, reúne ali onde há separação (Vidal, 2013, p. 64).
Nessa linha de entendimento da relação (ou não relação) entre psicanálise e literatura, estão psicanalistas como Eduardo Vidal (2013), Dominique Fingermann (2017), dentre muitos outros. Fingermann inicia o seu texto sobre psicanálise e literatura alertando-nos sobre a necessidade de eliminar um mal-entendido responsável por contaminar a relação entre as duas disciplinas, trata-se da autorização que o psicanalista se deu ao longo da história da psicanálise de interpretar os textos literários como manifestação do inconsciente do artista, agir assim seria um equívoco ou até mesmo uma fraude:
A psicanálise, por causa de sua prática de interpretação do texto da neurose a partir das manifestações/formações do inconsciente (sonhos, atos falhos, lapsos, chistes) teria qualificação e autoridade para "analisar" os textos dos "escritores criativos" como se fossem simples manifestações do inconsciente do artista? A resposta é não: a redução do autor a seu texto e o rebaixamento do texto a uma patologia, como se fosse um sintoma analisável, é um equívoco, para não dizer uma fraude (Fingermann, 2017, on-line).
Em outro texto, a autora afirma que Lacan tem o cuidado de tratar o campo entre psicanálise e arte: "advertindo-nos para não cairmos em tentação de psicanálise selvagem aplicada ao texto literário, que seja por burrice ou canalhice" (Fingermann, 2011, on-line). Com estas asserções de Fingermann, vemos uma diferença patente entre duas formas de conceber o espaço entre psicanálise e literatura. Por um lado, há uma autorização por parte do psicanalista da leitura e interpretação do inconsciente manifestado no texto e, por outro lado, o entendimento de que o modo com que se realiza esta postura, de alguma forma, é ilegítimo. Ressaltamos o "modo" porque, para Fingermann, o problema não se encontra apenas na leitura. Pelo contrário, para ela, os textos criativos não deveriam ser interpretados, os psicanalistas é que deveriam saber ler melhor isso que se chama inconsciente. Do seu ponto de vista, é necessário para um psicanalista, ao menos o lacaniano, familiarizar-se com um conceito de inconsciente, que ganha forma a partir de 1965:
O inconsciente passa progressivamente a ser indicado como o "saber sem sujeito", feito dos signos de gozo d'alíngua que não se encadeiam e não fazem sentido, até o fim de seu ensino, quando Lacan distingue progressivamente o "inconsciente linguagem" como "elucubração de saber sobre alíngua", diferente do inconsciente real, "na medida em que ele é feito d'alíngua", enquanto repercute os efeitos e afetos do real, enquanto "o mistério do corpo falante, o mistério do inconsciente (Fingermann, 2017, on-line).
Vidal (2013), por sua vez, faz uma reflexão a respeito do conectivo "e" interposto entre a psicanálise e a literatura: a sua aparição indica mais uma disjunção, uma descontinuidade entre elementos do que uma mera aproximação: "O e, neste caso, se situa do lado da separação e do corte e não da conjunção ou do encontro" (Kosovski, 2016, p. 443). Com essa proposta pretende-se indicar o encontro faltoso, que com frequência tende a ser encoberto pela dimensão imaginária, encobrindo o que há de não relação entre as disciplinas, aquilo que força uma semelhança.
Nessa visada, o objetivo é sustentar a orientação ética da psicanálise, isto é, ter como norte o encontro faltoso entre as disciplinas, o pulsional, o impossível. Sobre esses preceitos, o autor utilizado como base é Lacan. Afirmamos isso, por mais óbvio que seja, por entendermos que a postura de Lacan em grande parte de seu ensino é coerente com este modo de leitura do texto literário. E mais, a sua prática é norteada por uma ética e composta por uma crítica rigorosa em relação à aplicação indevida da psicanálise ao texto. Aqui há o entendimento de que há e houve um prejuízo tanto para a psicanálise quanto para a literatura e para as artes em geral, na aproximação indevida entre os dois campos. Nesse sentido, a figura que corporifica o prejuízo para tais campos é a psicobiografia.
Como vimos, a consequência direta das duas formas mencionadas de pensar a literatura e a psicanálise (psicanálise e literatura como disjunção - Fingerman, Vidal - e psicanálise e literatura como aproximação - Bellemin Noel) poderia ser traduzida como a legitimação ou não da psicobiografia. Como alguns textos de Lacan são demasiadamente complexos, principalmente aqueles nos quais há uma aproximação de Lacan com um autor da literatura específico, entendemos ser necessário investigar um pouco mais a postura de Lacan em relação ao texto literário, o que faremos a seguir.
Psicobiografia em Lacan
Com relação à literatura, em muitos momentos, é possível situar em Lacan um prisma diverso a Freud (1910). No centro das divergências entre eles, no que se refere às formas de arte no âmbito da psicanálise, estão as psicobiografias: "campo no qual o psicanalista se embrenhou seguindo Freud, com o que em Freud é ousadia louca, e que, nos que o seguem, logo se torna imprudência" (Lacan, 1973/1998, p. 110). Lacan deixará claro que não é possível aplicar a psicanálise à literatura ou ao artista: "a psicanálise só se aplica, em sentido próprio como tratamento, e, portanto, a um sujeito que fala e que ouve." (Lacan, 1966/1998, p. 758) e "está fora de cogitação analisar os autores falecidos" (Lacan, 1955/1985, p. 194). Do mesmo modo, e neste ponto se aproxima de Freud, Lacan situa uma dimensão da obra que escapa à psicanálise, tal impossibilidade, concerne ao que resiste à interpretação:
Podemos dizer que, se em uma obra há algo que concerne à fantasia do criador, a fantasia não comparece ali como véu a ser interpretado e sim como núcleo duro, osso, resíduo, que tal como o umbigo do sonho não é passível de interpretação (Kosovski, 2017, p. 6).
Seguindo essa linha de pensamento, podemos afirmar que em uma parte do ensino de Lacan, não há aplicação da psicanálise à literatura, mas sim o inverso: a aplicação da literatura e a arte em geral à psicanálise. Como vemos em certas menções que faz à literatura (Edgar Allan Poe, Shakespeare, Victor Hugo, Sófocles, Plauto, Molière, Marguerite Duras), Lacan não tenta fazer uma psicologia do artista, não considera legítimo ou necessário, por exemplo, chegar a Shakespeare através de Hamlet.
Miller, por vezes, descarta a hipótese de que Lacan guarde alguma afinidade em relação ao gênero, e a este respeito menciona que, ao menos Joyce, "não é, como talvez pretenderia uma psicobiografia, redutível a uma formação do inconsciente" (Miller, 2011, p. 236). Já o texto Kant com Sade, paradoxalmente, ele afirma tratar-se não apenas de uma psicobiografia de Sade feita por Lacan, mas, de todas, "a legítima psicobiografia" (Miller, 1982, p 5). Como um texto específico de Lacan, psicanalista que durante todo o seu percurso intelectual criticou as psicobiografias, poderia ser interpretado como uma psicobiografia por excelência? Diante dessa afirmação, será necessário revisitar o texto Kant com Sade (Lacan, 1966/1998).
Kant ou Sade?
Kant com Sade foi um texto escrito por Lacan em 1962 que, no entanto, não foi o primeiro a expor considerações sobre os dois autores. Tanto em dezembro de 1959, em O seminário livro 7: A ética da psicanálise (1986/1988) como em O seminário livro 10: A angústia (2004/2005), há reflexões quanto a essa temática. Quanto ao texto de Lacan, Miller (1982) expõe o seguinte em uma apresentação de tema anual no departamento de psicanálise de Paris VIII:
Evidentemente, existe um modo legítimo desta psicobiografia. O modo legítimo, eu diria, é o que Lacan nos traz com seu «Kant com Sade», sua escrita que se chama «Kant com Sade», porque a partir da fantasia de Sade - a distinguir do que seria a fantasia sádica, Lacan não trata disso, ele fala da fantasia de Sade, da fantasia sadiana, a partir da fantasia sadiana, Lacan nos apresenta, efetivamente em perspectiva, em estrutura, ele nos apresenta a vida de Sade. E até o que motiva os dois esquemas que figuram nesta escrita de Lacan, é a maneira como se respondem, de um lado a fantasia de Sade tal como é investida na sua obra, e a vida de Sade tal como ela responde, a um quarto de proximidade, a essa fantasia. Isto é, evidentemente um modo legítimo do que poderíamos chamar de psicobiografia1 (Miller, 1982, p. 5).
Como mencionado anteriormente, Miller não aponta apenas que o texto Kant com Sade é uma evidente psicobiografia de Sade, mas o modo legítimo de psicobiografia. Sobre este ponto, a pergunta que se coloca é: aquilo que Lacan nos oferece em Kant com Sade é uma psicobiografia? Caso a resposta seja negativa, então, do que se trata? Parte da comunidade analítica ou acadêmica não lê este texto como uma psicobiografia de Sade (Nobus, 2017), mas como um texto em que, como Žižek aponta: "o foco de Lacan é sempre Kant, não Sade: "o que ele (Lacan) está interessado está nas últimas consequências e nas premissas rejeitadas da revolução ética kantiana" (Žižek, 1998, p.1). Miller por sua vez, entende o texto de modo simetricamente oposto à interpretação de Žižek e pondera: "podemos dizer que o que ele (Lacan) estuda no texto K-S é, de certo modo, Sade e a fantasia, pois é disso que se trata: toda a literatura de Sade, a partir de sua fantasia" (1985, p.156). Miller acrescenta: "no ápice deste escrito, o "centro" - se podemos definir um - é a estrutura da fantasia sadiana" (p. 187). Tais considerações abrem espaço para dois questionamentos: acerca do tema central sobre o qual este texto é desenvolvido (Kant ou Sade) e se é possível ou não ser considerado como uma psicobiografia pelo fato de Lacan abordar a vida de Sade em seu texto. Atenhamo-nos, por ora, a isso.
Com Miller, podemos afirmar que, de fato, existem em Kant com Sade dois esquemas que se opõem (Miller, 1985), o "esquema 1" e o "esquema 2" (Lacan, 1998, p. 786 e 790), o primeiro é a "fantasia sadiana" (Lacan não menciona o termo "sádico" em Kant com Sade e Miller evita o termo em seus textos, utilizando apenas a notação "fantasia sadiana", assim como Lacan), que suporta a sua obra, e o segundo representa a "vida de Sade", como disponibilizado nos esquemas abaixo.
Diante da análise detalhada que faremos dos dois esquemas2, tentemos responder a seguinte pergunta com Nobus (2017):
Usando a sequência lógica a - V - $ - S, é possível lançar luz na "política" de Sade, sua moral, seu desejo, sua sexualidade e sua posição social como o autor das mais escabrosas novelas que já foram escritas? (p. 73)
Acrescentando o seguinte: caso seja afirmativa a resposta a essa pergunta de Nobus, Kant com Sade poderia ser considerado como uma psicobiografia de Sade?
Para compreender a fantasia sadiana, é necessário entrar no domínio das personagens do marquês e encontrar a figura do verdugo ou libertino. Entre o século XVI e o XVII, os libertinos foram pessoas que não se submetiam aos costumes ou à moral cristã. A palavra libertino, cunhada originalmente por Calvino, descrevia os opositores à sua teologia (Zophy, 2003).
No Sade, lido por Lacan, grande parte dos libertinos não só não se enquadravam na fé dominante, mas possuíam uma concepção diferente de Deus: "o Ser supremo é restaurado no Malefício" (Lacan, 1966/1998, p.802), concepção que "não substituía exatamente o deus-suposto-saber: ela o substituía, mas enquanto substância-suposta-gozar" (Serge, 1995, p. 21). Esta substância identifica-se com uma onipotência na e da Natureza; é necessário, ou melhor, é dever estar de acordo com o seu Malefício. A Natureza em si, na fantasia sadiana, deseja e exige que todas as monstruosidades do crime sejam cometidas de forma cega e surda, identifica-se com o mal primordial, a despeito da humanidade. O libertino, em sua fantasia, torna-se um objeto rijo, indivisível, "cristalizado" (Lacan, 1966/1998, p. 785), enquanto é a vítima virtuosa (Justine como ideal) que se pergunta o que dela se quer, é ela o sujeito que se torna dividido: "com Sade, nós vemos a explícita divisão do sujeito" (Miller, 1996, p. 236, seminário 1 e 2 introdução). Mas é somente em sua fantasia que o libertino se posiciona como objeto, estruturalmente, o libertino é apenas um sujeito onde "vemos, aí, a manobra da fantasia perversa, do sujeito perverso recusar a divisão do sujeito em si" (Miller, 1997, p. 2003). No auge da fantasia, através de todo o processo de provocar o inimaginável no outro, o libertino almeja encontrar um elemento bruto, cru, primordial, do prazer, algo que escapa às leis humanas e celestiais (Nobus, 2017; Serge, 1995).
Temos condições agora de entender o esquema 1, como disponível. Nele, temos quatro elementos: a - V - $ - S. Como dissemos, em sua fantasia, o Libertino coloca-se como instrumento, objeto (a), guiado por sua vontade de gozo (V), originado "propriamente, do desejo perverso" (Miller, 1997, p. 204). Tal vontade (volonté) incide sobre a vítima virtuosa dividindo-a ($), para que possa alçá-la a "um puro sujeito do prazer... um sujeito que só experimente prazer ao gozar" (S) (Serge, 1995).
Em relação à vida de Sade, existem na literatura analítica ou não analítica pelo menos duas interpretações possíveis: Sade como vítima ou como verdugo. Por um lado, autores como Jean Paulhan (1946) desenhavam Sade como a maior das vítimas. Assim como Justine, Sade teria sido um escritor abusado, humilhado e perseguido por todos ao seu redor. No outro extremo, temos autores como S. Beauvoir (1990/2013) que veem Sade como a projeção fidedigna dos libertinos assassinos de sua obra, lendo relatos de personagens como confissões do autor (Nobus, 2017). Em relação a essas duas interpretações-chaves a respeito da figura de Sade, entendemos que tanto Miller como Lacan evitariam manter-se em um extremo ou outro, ou seja, Sade não era nem um monstro nem um exemplo de virtude. No entanto, como discutiremos à frente, Miller compreende a vida do marquês como estando mais do lado da vítima, do que do verdugo.
Esta é uma discussão particularmente delicada porque a fantasia sadiana não é somente a fantasia dos personagens de Sade, mas aquilo que dá suporte à sua obra. Isso não significa que sua vida se tenha organizado de acordo com essa fantasia, Lacan menciona que "Sade não é tapeado por sua fantasia" (Escritos, p. 789), isto é, pela fantasia que dá suporte a suas obras. No rigor de sua vida, opera uma lógica diversa da fantasia de seus libertinos: "não foi um tipo de sanguinário, de nenhum modo" (Miller, 1997, p. 218), foi apenas "um pouco malvisto, em sua manobra social" (Miller, 1997, p. 217). Para dar suporte a essa asserção, Lacan busca traços biográficos de Sade, como a relação que este tinha com a sua sogra, esposa e servos. A senhora Montreuil, sogra de Sade, aparece em sua vida como aquela que age de acordo com uma vontade absoluta por dividi-lo entre o escritor libertino e o prisioneiro. De acordo com a história a que se tem acesso sobre a vida de Sade, pode-se supor que a vontade de sua sogra teria sido provocada pela própria obra de Sade sobre ela. Na versão de Miller, Sade, aprisionado na Bastilha, almejava alcançar um prazer puro, não dialetizável, como o das vítimas em sua obra. Miller descreve a partir disso que "Sade não foi um verdugo, e sim uma vítima", para ele "a posição de vítima é a posição de Sade" (1997, p. 217).
No esquema 2, temos os mesmos elementos do esquema 1: a - V - $ - S, embora posicionados sob uma configuração diferente. Esta configuração do esquema 2 é apenas "a rotação de um quarto de círculo" (Lacan, 1966/1998, p.789). Feitas essas considerações, podemos ler o esquema 2 da seguinte forma: Sade alcança o status de objeto (a), não por meio da identificação com os seus personagens libertinos, mas através de sua obra (Nobus, 2017). Esta, por sua vez, deve provocar à vontade (V) de sua sogra por mantê-lo encarcerado, algo que perdura vinte e sete anos. Nesta interpretação do esquema 2, sua sogra nutriria uma vontade inabalável, dirigida a provocar uma cisão entre o Sade escritor e o Sade libertino ($). E, nesse sentido, os anos de encarceramento na Bastilha visavam alcançar o sujeito primordial do prazer (S). Há outras interpretações possíveis para o objeto a no esquema 2, como por exemplo, situar a sogra de Sade na posição de verdugo. Esta segunda hipótese estaria mais próxima da oferecida por Miller.
Diante de tudo que foi abordado, é possível afirmar que Kant com Sade é uma psicobiografia?
Considerações finais
A afirmação de Miller de que Kant com Sade é uma psicobiografia encontra-se em um texto transcrito a partir de um curso em Paris XVIII, ocorrido em 1982. Tal texto não explora em detalhes qual a concepção de psicobiografia de Miller nem por que ele considera Kant com Sade como uma evidente e legítima psicobiografia de Sade. Pelo contrário, o trecho que mencionamos é um comentário pontual do autor, que não guarda nem mesmo relação central com o tema de sua apresentação. Em ao menos outros dois textos transcritos, Miller aborda de forma extensa o tema de Kant com Sade: primeiro em uma palestra de 1985, ministrada no Brasil, Sobre Kant com Sade; e em uma aula, em 1989, na universidade de Kent. Nestes dois últimos textos, Miller em nenhum momento menciona ou trata Kant com Sade como uma psicobiografia. Mas deixa claro, nas duas ocasiões, que os temas centrais do texto de Lacan são Sade e os esquemas de suas fantasias. O fato de Miller não sustentar sua asserção sobre a suposta psicobiografia de Sade feita por Lacan, em nenhum dos textos em que ele aborda diretamente o tema, abre espaço para algumas questões.
Parece-nos, primeiramente, que a discussão em torno do foco do texto - se é Kant ou Sade - seria mais uma escolha daqueles que se debruçam sobre o texto do que uma posição do autor, já que o texto aborda Kant com Sade e não Kant ou Sade. De qualquer modo, tal escolha interpretativa parece provocar uma ida ao texto muito diferente dependendo da posição que se toma diante dele. Que Žižek o tome como centrado em Kant, leva-o a compreendê-lo como um texto com acento filosófico cujo objetivo principal é desbancar o imperativo moral kantiano por meio de Sade. Por outro lado, temos Miller afirmando que o centro é Sade. Quando se vai ao texto supondo que o seu centro é Sade, podemos supor que o interesse de Lacan tenha sido o de encontrar a fantasia da vida do marquês, dando a volta por Kant e chegando aos elementos literários e biográficos de Sade.
Independentemente do foco do texto, é possível verificar alguma referência ao sujeito, ao escritor Sade, por meio tanto de suas obras quanto de dados biográficos. Por outro lado, é evidente o interesse clínico de Lacan em Kant na medida em que o texto Kant com Sade está diretamente ligado às questões centrais abordadas no seminário A ética da psicanálise (1986/1988) como o imperativo de gozo, de modo que grande parte do texto está focada em elementos como o imperativo categórico de Kant.
Ainda assim, parece-nos um pouco problemático afirmar que Kant com Sade seja uma "evidente" psicobiografia, o que colocaria o texto em uma profunda dissonância em relação à posição que Lacan assume, ao longo de seu ensino, em relação à dita psicanálise aplicada. Não se trata aqui de apagar possíveis contradições de Lacan, mas consideramos difícil, do seu ponto de vista, adotar a afirmação de que Kant com Sade seja, de modo evidente, uma psicobiografia. Se há algo evidente em Lacan é o seu confronto em relação a tais aplicações. Entendemos, de igual modo, que a posição de Lacan frente à psicobiografia, o modo como se aproxima dos textos literários e de seus autores, é mais complexa do que de início se imagina.
Outro argumento que se opõe à assimilação evidente de Kant com Sade às psicobiografias é a distância que guarda daquilo que foi classicamente concebido como tal. Nelas, frequentemente se verifica uma tentativa de interpretar o autor ou artista, de acordo com seus sintomas, inibições e defesas, em categorias clínicas. Embora exista uma diferença patente entre psicobiografia e patografia (gênero na literatura psiquiátrica cujo objetivo era encontrar uma patologia nos "degenerados superiores"), vemos que existe na primeira o intento, mesmo que não restrito a isto, de compreender sobre qual eixo clínico se encontra o artista.
A partir de Kant com Sade, não é fácil afirmar qual a estrutura clínica de Sade. Existem autores, como Bruce Fink (2014), que partem da pressuposição que Sade é ali apresentado como masoquista, enquanto autores como Nobus (2017) discordam dessa tese. Não há, portanto, exatamente um enquadramento de Sade em uma estrutura clínica específica. É apenas no O seminário livro 17: o avesso da psicanálise (1969-1970/1992), que Lacan afirma: "ele [Sade], em aparência, é sádico" na prática, "o praticante é simplesmente masoquista" (1969-1970/1992, p. 63). Desse modo, no final de Kant com Sade, apesar de recolhermos alguns dados de sua fantasia e de sua vida, não sabemos ao certo se ele é sádico ou masoquista.
Assim, quando nos perguntamos se Kant com Sade lança luz sobre a "política" de Sade, sua moral, seu desejo, sua sexualidade e sua posição social, poderíamos responder da seguinte forma: sim, embora não haja uma discussão explícita sobre o masoquismo de Sade, é possível através dos esquemas montados por Lacan, responder a tais questões. Trata-se, portanto, de uma psicobiografia? A resposta deveria ser, então, sim e não, ou abrir a possibilidade para reflexão de algo que ainda não tenha sido considerado.
Em Kant com Sade, temos dois autores, entretanto é apenas Sade o foco de uma análise de vida. Como vimos, o texto diferencia por dois esquemas opostos a fantasia sadiana e a vida de Sade. O primeiro trata da fantasia dos verdugos na obra de Sade e o segundo da fantasia que governa a vida de Sade. Vemos que essa oposição entre fantasias é um dos pilares para afirmarmos a diferenciação entre Kant com Sade de qualquer outra psicobiografia. Em geral, nas psicobiografias, não encontramos uma diferenciação entre a fantasia da vida do artista e a fantasia fruto do conteúdo de sua obra (como a fantasia dos verdugos). A diferença introduzida por Lacan entre fantasia do autor e de seus personagens é notada por Miller, e é a partir dessa diferenciação, como vimos no trecho de sua palestra de 1982 em Paris, que ele afirma que Kant com Sade é uma psicobiografia legítima. Em contrapartida, entendemos que é, precisamente, a diferenciação que torna Kant com Sade tão distante das outras psicobiografias, distante a ponto de o termo "psicobiografia" se mostrar incapaz de abarcar a complexidade do texto.
Referências
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Recebido em: 28/08/2018
Aprovado em: 10/01/2019
Notas:
1 Trecho em francês: Évidemment, il y a un mode légitime de cette psychobiographie. Le mode légitime, je dirais, c'est ce que Lacan nous apporte avec son « Kant avec Sade », son écrit qui s'appelle « Kant avec Sade », puisque à partir du fantasme de Sade - à distinguer de ce qui serait le fantasme sadique, Lacan ne parle pas de ça, il parle du fantasme de Sade, du fantasme sadien , à partir du fantasme sadien, Lacan nous présente, effectivement, en perspective, en structure, il nous présente la vie de Sade. Et même, ce qui motive les deux schémas qui figurent dans cet écrit de Lacan, c'est la façon dont se répondent, d'un côté le fantasme de Sade tel qu'il est investi dans son œuvre, et la vie de Sade en tant qu'elle répond, à un quart de tour près, à ce fantasme. Ça, c'est évidemment un mode légitime de ce qu'on pourrait appeler « psychobiographie ».
2 Esquemas retirados do livro: Lacan elucidado: palestras no Brasil, 1997, Miller, Jorge Zahar editor.