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Trivium - Estudos Interdisciplinares

 ISSN 2176-4891

Trivium vol.11 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2019

https://doi.org/10.18379/2176-4891.2019v2p.173 

ARTIGOS TEMÁTICOS

 

Homem moderno e mal-estar na Era da informação: um ensaio à luz da psicanálise

 

Man modern and discontent in the era of information: a test in the light of psychoanalysis

 

El hombre moderno y el malestar en la era de la información: un ensayo a la luz del psicoanálisis

 

 

Tadeu Lucas de Lavor FilhoI; Rochelly Rodrigues HolandaII; Carlos André Silva do ValeIII; Antoniel dos Santos Gomes FilhoIV

IMestrando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará / E-mail: lucasamoha@gmail.com
IIMestranda em Psicologia na Universidade Federal do Ceará / E-mail: rochellyholanda@hotmail.com
IIIPsicólogo Residente em Saúde Coletiva no Instituto de Medicina Integral Fernando Figueira(IMIP)- Recife/Pe. Especializando em Saúde Mental pela Universidade Regional do Cariri(URCA) / E-mail: carlosdovale77@gmail.com
IVDocente da Faculdade Vale do Salgado. Mestre em Educação na Universidade Federal do Ceará / E-mail: antonielhistoriacomparada@gmail.com

 

 


RESUMO

A condição humana permanece em voga na contemporaneidade, tendo em vista que o debate sobre sua construção social desvela a metamorfose do homem civilizado. Em uma modernidade permeada por tecnologias e meios de comunicação ubíquos e, ao mesmo tempo, circunscrita nos ditames da ciência, segundo a qual o sujeito moderno é constituído. A psicanálise apresenta o conceito de mal-estar como aparato as condições civilizatórias ao desamparo do homem moderno. Por meio das concepções psicanalíticas e sociológicas, esse ensaio teórico tem como objetivo buscar conexões e rupturas entre as condições do homem moderno e o mal-estar de viver na coletividade na Era da informação.

Palavras-chave: Era da Informação; Mal-estar; Modernidade; Psicanálise.


ABSTRACT

The human condition remains in vogue in the contemporary world, since the debate about its social construction reveals the metamorphosis of the civilized man. In a modernity permeated by ubiquitous technologies and means of communication and at the same time circumscribed in the dictates of science, according to which the modern subject is constituted. Psychoanalysis presents the concept of malaise as an apparatus the conditions of civilization to the helplessness of modern man. Through psychoanalytic and sociological conceptions, this theoretical essay seeks connections and ruptures between the conditions of modern man and the malaise in living in the collective in the Information Age.

Keywords: Information Age; Discontent; Modernity; Psychoanalysis.


RESUMEN

La condición humana sigue en boga en los tiempos contemporáneos, dado que el debate sobre su construcción social revela la metamorfosis del hombre civilizado. En una modernidad impregnada de tecnologías ubicuas y medios de comunicación y al mismo tiempo circunscrita en los dictados de la ciencia, según la cual se constituye el sujeto moderno. El psicoanálisis presenta el concepto de malestar general como un aparato de condiciones civilizadoras ante la impotencia del hombre moderno. A través de concepciones psicoanalíticas y sociológicas, este ensayo teórico busca buscar conexiones y rupturas entre las condiciones del hombre moderno y el malestar de vivir colectivamente en la era de la información.

Palabras clave: era de la información; Malestar; Modernidad; Psicoanálisis.


 

 

Introdução

“Todas as sociedades produzem estranhos. Mas cada espécie de sociedade produz sua própria espécie e os produz de sua própria maneira, inimitável.”
(Zygmunt Bauman, 1999)

As concepções acerca da modernidade traduzem ao longo das transformações históricas diversos contextos e reflexões pautados no lugar que o homem ocupa na sociedade. Na condição humana, as mudanças seculares provocaram novos costumes, hábitos e crenças que distintamente incidem na perspectiva de um homem pós-moderno do século XXI (LE GOFF, 2003). Tomando a Era da informação e o mundo virtual como janelas que evidenciam transformações do sujeito contemporâneo, transmutam-se não só suas formas de pensar e relacionar-se, como também, à luz da psicanálise, suas formas de mal-estar.

A transformação do ser humano moderno e suas representações na esfera das ciências humanas e sociais apresentam múltiplas formas de dizer e fazer algo sobre esse novo ser, ou seja, põem-nos diante de múltiplas epistemologias que buscam analisar os efeitos que a modernidade tem produzido nas relações humanas. Partimos de reflexões fomentadas por autores como Freud (1930/2010) sobre a constituição do homem moderno civilizado, Bauman (1999) e Zizek (1996), que refletem sobre a liquidez da contemporaneidade, sobre as nuances constitutivas dos modos de subjetivação humana ao longo do século XX e que permitem subsidiar agora discussões sobre uma contemporaneidade metamorfa e imersa na Era da informação.

 

 

O presente ensaio tem como objetivo buscar conexões e rupturas entre as condições do homem moderno e o mal-estar de viver na coletividade na Era da informação. Para isso, introduzimos o dispositivo psicanalítico como lente teórica para nortear a condição de mal-estar vivida na coletividade.

 

O estatuto do homem moderno nas entrelinhas da contemporaneidade

As contribuições psicanalíticas introduzidas por Sigmund Freud inovam no campo teórico sobre a modernidade considerações que rompem com as verdades fundadas na moral; no entanto, criam um campo de saber moldado através de uma ética sexual traumática. O autor esmiúça o mal-estar e traz para o campo relacional, constitutivo, um não lugar, em que a cognição se torna incapaz de sua completa assimilação: o inconsciente. Dessa maneira, apresenta essa condição moderna como parte das próprias relações dinâmicas pulsionais de cada humano e aprofunda o que estaria tanto na ordem interior como exterior dos nossos comportamentos, duas dimensões indissociáveis da existência.

Nos textos psicanalíticos, principalmente descritos na obra intitulada O mal-estar na civilização [1930/1936] entende que o conceito de mal-estar [Unbehagem] é descrito como contemporâneo à crise da humanidade nos setores das artes, das ciências e do conhecimento. Os processos desconstrutivistas são utilizados como referências para ultrapassar os paradigmas anteriores, fundamentalmente nos segmentos religioso, econômico, político e moral, âmbitos em que o mal-estar é eleito como paradoxo da condição humana nos tempos modernos. Conforme expõe Birman (2012, p.59), "acerca da relação mal-estar e modernidade o conceito de mal-estar na civilização implicava sempre o enunciado da existência do mal-estar na modernidade".

Essa discussão é também inserida nos debates sociais e científicos que ganham destaques na modernidade mediante a produção sobre essa condição humana a partir da tomada do homem como objeto das ciências. Isso já aparecera no projeto de René Descartes, que introduz o estatuto da condição de homo logos. Nesse cenário, destacamos que "tanto em Descartes quanto em Bacon, que estão no fundamento filosófico da discursividade científica, que se consubstanciaram nas revoluções científicas de então. A aquisição de saber sobre a (...) natureza pelos homens". Esse debate ainda fixado na ideia de homo logos é a base para a compreensão do projeto de sujeito moderno (Birman, 2006, p.260).

Herzog (2004, p.43) discute que o modelo cartesiano foi inaugural, ao mesmo tempo que representou um corte narcísico na humanidade, tendo em vista que discorre sobre a ideia de uma "divisão do sujeito em uma res extensa finita e uma res cogitans infinita". Com isso, a estreia do humano nos modos multiculturais de se viver em grupo é dada a partir do seu desprendimento do ser-natural em prol de um apaziguamento civilizatório através de sistemas cognoscitivos e de ideias dentro da cultura (Freud, 1930/2010).

É o interior que se impõe na sustentação escritural da exterioridade. É o exterior, numa operação de função, que se imiscui na marca de algo, resto não esquecido, a se desvelar 'torção' no ponto mesmo em que o interior suscite. Interior/exterior, individual/cultural estão em uma relação de textura de um único e mesmo tecido, onde, ao se passar de um ao outro, isso se dá em continuidade, e disso não há como dar conta. (Holzinger; Carvalho; Cardoso, 2011, p.30)

É na díade entre cultura e instituto que, à luz da psicanálise, o homem emerge enquanto instituinte de civilização. Isto porque o homem cognoscível, diferente de outras espécies, escolheu tornar-se civilizado na medida em que abriu mão parcialmente de uma parcela de gozo. Cabe lembrar que isso pode ser interpretado se enfatizamos que outras espécies primitivas possuíam restrições de seu gozo instintivo e, por isso, a agressividade era então uma prática tangente do homem primitivo, e pouco se podia ter de felicidade. Foi com o anseio de segurança que o homem civilizado buscou interditar parcialmente esse gozo para, então, constituir-se socialmente, isto é, "o homem civilizado trocou um tanto de felicidade por um tanto de segurança" (Freud, 1930/2010, p. 285).

Dessa maneira, podemos perceber que os sujeitos fracassam diante da cultura mediante a sua impossibilidade de plena realização pulsional, e passam a manter-se conectados a ela a partir do campo da fantasia e, sobremaneira, do campo simbólico da coisa. Estabelecem, todavia, sucedâneos parciais de modos de vida, dentro de uma experiência fantasmática da sua desnaturalização:

(...) a teoria da pulsão, embora enigmática, definida de forma ambígua e interpretada de muitas maneiras discordantes, algumas reducionistas, é uma inovação importante à noção de sexualidade hegemônica até então. Ao conceituar a sexualidade de forma inédita, e representá-la por meio dos destinos da pulsão, Freud assina a tese de que a sexualidade humana é estruturalmente desnaturalizada. (Rudge & Fuks, 2011, p.77)

Assim, nesse entremeio em que a cultura civilizatória desnaturaliza o homem, outro fenômeno aparece como contemporâneo à modernidade atrelada ao capitalismo: a globalização "sob o estatuto de um mercado onde tudo, inclusive as condutas e os modos de subjetivação, são atravessados pelo fetiche da mercadoria e oferecido como objeto de consumo em cobiçadas e sedutoras vitrines". Diante disso, reacendem-se as discussões sobre a naturalização do consumo em que o homem opera e é operacionalizado em uma engrenagem coletiva que age em prol da sua sobrevivência e ameniza a condição de faltaser (Costa & Justo, 2015, p.44).

Dessa maneira, é válido lembrar o que menciona Quinet (2009) sobre o sistema de troca do capital, um contexto em que o sujeito da modernidade está inserido não somente pela esfera social, porém pela própria condição de sujeito constituído:

O que se troca verdadeiramente é a falta-de-gozar. O objeto de troca é, simultaneamente, aquilo de que um dos parceiros da troca pode gozar, mas não quer gozar - pois o seu valor de uso não o satisfaz e por isso quer desfazer-se dele - aquilo que o outro parceiro quer, mas dele não pode gozar, pois seu valor de uso lhe falta por não possuir o objeto. (Quinet, 2009, p. 78)

Com as teorias das pulsões freudianas podermos articular de que forma o homem visa proteger e realizar-se enquanto ser social. Essa proposta freudiana situa-nos na redoma do fracasso simbólico moderno das superestruturas, na qual as repercussões atingem as subjetividades humanas, operacionalizando os seus lugares de ações, afetos, produções reproduções de devires (Freud, 1996b).

Nesse escambo moderno, o consumismo alienante do sistema capitalista torna emergente outro articulador civilizatório, o discurso da tecnociência dentro das relações humanas e sociais. A busca pelo "projeto hipermoderno de homem requer unicidade e referências identificatórias totalitárias, rechaçando a incerteza causada pela linguagem" (Pinheiro & Carneiro, 2013, p.426). Dito de outra maneira, o discurso da tecnociência objetiva, assim como os demais, tampona o mal-estar vivido pelos sujeitos em coletividade, atingindo-o tanto ao nível macroestrutural como em sua estrutura fundante da civilização.

Abreu (2009) ao referir-se ao uso da internet no cotidiano, bem como à sua história, questiona se agora não seria possível pensar sobre a possibilidade de que a humanidade estivesse frente a um novo processo antropológico, ou, no mínimo, em meio a novas possibilidades de existência humana.

Para tanto, podemos discutir que o paradoxo do homem moderno é estabelecido onde "ao mesmo tempo em que o progresso tecnológico fornece ao sujeito meios para expandir sua autonomia (...) o próprio discurso científico da ciência foraclui o sujeito" (Teixeira & Goldenberg, 1997, p.79). As ações operativas de exclusão e inclusão tornaram-se sinônimas para se conceber um traço universal dentro da diferenciação humana existente. Dessa forma, a cultura estabelecida na modernidade opera na proposta de que "faz ressurgir oposições e divisões extremas" (Lipovetsky & Serroy. 2011, p.27).

Os sistemas de exclusão foram sendo reinventados para lidar com descontinuidade sociocultural, singular e objetiva que emergiram das diferenciações. Foucault (2014, p.18) destaca a influência dos sistemas de exclusão, interdição e separação mediante ações dos discursos sobre a "palavra proibida", "segregação da loucura" e "vontade de saber". "Para o autor, os discursos "religiosos", "judiciários", "terapêuticos" e "políticos" são indissociáveis da maneira pela qual os papéis sociais vão sendo constituídos dentro de categoriais disciplinadoras (Foucault, 2014, p.37).

Logo, podemos pensar de que maneira a ciência agiu para melancolizar a perda das condições multinaturais em prol de um contemplado modo de vida civilizatório? Conforme aponta Costa (2004, p.190), "as formas de vida, antes referenciadas por valores religiosos, éticos ou políticos, passaram a se legitimar do debate científico".

O homem moderno assume o posto de objeto da ciência, inclusive de instrumentos introspectivos, que têm como propósito entender além das produções mecânicas e neurobiológicas do corpo anatômico e as mensurações dos elementos afetivos e da vida intrapsíquica. Assim, o modelo de homem era antes pensado a partir das suas res cogitans e res extensa, um modelo segundo o qual, agora, esse mesmo homem é tido como detentor de uma "força vital". O destino do homem não seria mais a salvação ou purgatório em um plano espiritual, a possibilidade de cura aparece para dar conta da ex-sistência humana (Birman, 2006).

 

 

De igual modo, para que esse homem da ciência se construa em um laço social, ele terá que amparar-se na verdade, na qual "não exista mais ideal, é que o ideal novo consiste em poder passar sem ideal, em ser apenas conforme e transparente com relação a seu próprio funcionamento" (Lebrun, 2004, p.132).

Dentro desse emaranhado de discussões ideológicas e teleológicas da modernidade, outros articuladores simbólicos suscitam debates e pregões nos cenários científicos e sociais. O primeiro envolve o discurso de alteridade, pautado na compreensão inteligível da própria espécie humana, pois devido aos horrores das guerras mundiais, a capacidade autodestrutiva da raça humana foi manifestada e, para que isso não viesse a repetir-se, seria necessário preservar os seus laços humanitários com amor e compaixão.

A segunda característica emerge como utopias da felicidade, ou seja, viver sem dor de ser. Ligados à lógica do consumo, os estilos de vidas happy ganham destaques como proposta de tamponar o mal-estar de se viver na coletividade (Freud, 1930/2010). Quando se refere ao homo digitalis, aquele que se manifesta anonimamente no meio digital, Han (2016) aponta que os sujeitos não apenas se expõem, mas demandam atenção. Sua identidade dissolve-se na massa e esse homem digital, que não pode ser ninguém, é sempre um alguém anônimo.

O sociólogo Bauman (2014, p.129) discute acerca do estatuto da modernidade, na qual temos uma sociedade sustentada em um discurso de normalidade tamponado pela cultura happy que mascara a "vulnerabilidade e a insegurança existencial, assim como a necessidade de viver e agir em condições de incerteza profunda e desesperadora, são garantidas pela exposição das ocupações da vida às forças do mercado, sabidamente voláteis e imprevisíveis".

Esse giro nos laços sociais leva-nos a apresentar o seguinte remonte teórico como base as concepções psicanalíticas: saímos de uma sociedade em que gozar era passível de punição e culpa para outra em que o imperativo do poder-gozar se estabelece como uma cultura do hic et nunc. A lógica do mais-de-gozar "em que as ofertas de gozo se multiplicam", em "uma época que, sob a ordenação do desmentido da falta, faz conviver a lei da transgressão: o cinismo" (Herzog, 2004, p.29). O gozo é estimulado como no limites, goza-se de tudo, inclusive de não-gozar (Lebrun, 2004).

Nesse momento da modernidade, não se trata de um apagamento das formas simbólicas dentro da realidade social, mas sim de uma "atitude cínica" que desconsidera as representações ideológicas anteriores em prol de dar ênfase as " motivações consumistas, utilitarista e hedonistas. (Rech, 2012, p.146)

Dentro da dinâmica do homem moderno com as instituições simbólicas, trazemos ao debate o traço da condição sociocultural que nos funda como ser: o nosso estado primevo de desamparo fundamental. Nesse sentido, a condição de total exposição ao desejo do outro assume uma modulação alienante entre o campo do sexual e a cultura que percorre a constituição da realidade psíquica (Freud, 1908).

Nesse cenário de limite do gozo, com devido à parcialidade decretada pelo homem moderno, a cultura como significante na interdição não cessa de produzir mal-estar, que se encontra na falta estruturante do desejo e na fundação de um sujeito do inconsciente, conforme expressam Andrade (2011, p.69):

Há um mal-estar irredutível do indivíduo e da cultura responsável pela impossibilidade da felicidade humana e da harmonia social. Tanto o sujeito do inconsciente quanto suas produções culturais portam uma falha estrutural que é, indiscursivamente, articulada por manifestações sintomáticas, ou seja, indivíduo e cultura só podem ser ditos por seus sintomas.

Quando olhamos para o meio cultural em que essas relações de poder se estabelecem, percebe-se que "as exigências culturais causam prazer na medida em que aponta para uma capacidade de controle sobre as paixões, ao mesmo tempo que não se consegue fazer isso impunemente" (Hank, 2011 p.40). As instituições buscam manter o controle social à medida que não haja dentro desse contexto produções subjetivas que ultrapassem o gozo das produções sociais almejadas.

 

Entrelaçamentos entre o sujeito moderno e o mal-estar na era da informação

Tudo parece interminável: dividimos nossa existência entre um naturalismo e um artificialismo extremos; vivemos o descrédito da política, o desprezo das normas éticas e morais, a opacidade das relações sociais, a obscuridade na cultura e nas artes, 'verdades estabelecidas pela ciência e pela técnica'. (Novaes, 2004, p.7)

Com considerações epistêmicas díspares e muitas vezes voltadas a uma discussão sobre ordem, progresso, verdade e cientificidade, inquieta muito a crítica sobre o pósmoderno. A fluidez e o movimento como traços da subjetividade contemporânea não passam despercebidas e a crise, diga-se de passagem, do homem moderno, estende-se para as ciências sociais, humanas, políticas, culturais, econômicas, e psicológicas. (Nicolaci-da-Costa, 2004)

O último relatório Digital in 2018 aponta que mais da metade da população mundial já possui acesso a internet1. Um número tão significativo não é conquistado sem consequências e, nesse sentido, o acesso massivo à informação, a comunicação simultânea e as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) são coeficientes do processo. As transformações sociais decorrentes da inserção desses aparatos tecnológicos no cotidiano promovem a discussão sobre os contornos sociais nos quais estamos inseridos bem como a constituição subjetiva do homem moderno.

Algo deve ser considerado, entretanto, mesmo na caótica situação gnosiológica da modernidade, que vai além de um recorte tempo-espacial, pois, conforme aponta a epígrafe supracitada, as marcas desse período são e estão no próprio declínio do homem na humanidade (Novaes, 2004). Freud (1908) entende esse aspecto quando afirma que essa condição moderna advém da própria organização do homem como sujeito sexual.

Alguns autores ratificam existir uma crença segundo a qual continuamos em uma modernidade tardia ou, talvez, estejamos em um espectro de transição civilizatório característico de uma pós-modernidade, ou ainda de uma hipermodernidade em que o homem é objeto inconcluso para os pensadores contemporâneos. Para Eagleton (1996), com efeito, esse período é tido como um traçado da linha de pensamento que busca no questionamento verdades fundadas na cultura, nas ciências, nas literaturas como também nas identidades formadas em sociedades, e provoca, assim, um discurso cético ao longo da história.

O que aparece, contudo, como elemento comum dessa transitoriedade que perpassa o início do século XX, é a concepção da falência das estruturas simbólicas, representadas por: família, Estado, religião e a ciência. O "século que agora chega ao fim já começou com a ideia de declínio, da decadência, ou, para usar uma metáfora célebre, do crepúsculo" (Bobbio, 2004, p.222).

Voltando-se à contemporaneidade e aos novos arranjos dessas estruturas simbólicas, Castells (2000) aponta que a revolução tecnológica atual consolidou-se em meio à reestruturação global do capitalismo e atribui o termo Era da informação ao conjunto de eventos que teriam demarcado o fim da Era industrial. O processo histórico em que emerge essa nova sociedade ocorre em meio ao desenvolvimento tecnológico e informacional, ou seja, o desenvolvimento e as manifestações da tecnologia foram moldados pelos interesses do capital e assinalou seus entrelaçamentos com as relações sociais.

Essa discussão entre o moderno e o pós-moderno são apresentados por Cardoso (2011), que destaca que, na modernidade, predomina a racionalidade iluminista. Tem-se a razão como prótese simbólica e imaginária para a decadência humana, em virtude da crise dos valores e das crenças das Reformas e Contrarreformas. Nesse sentido, o autor aponta que existe a naturalização do conhecimento em consonância com a supremacia racionalista, construindo-se um campo em que a verdade está no subjetivismo. A pósmodernidade se ancora, por sua vez, nos pressupostos extremistas, em que o então sujeito vivencia o excesso e o vazio, tornando-se frágil e impotente frente aos discursos totalitários, assim como à estagnação de uma democracia participativa.

Destarte, as sociedades modernas, conforme discute Kehl (2009, p.45), são "caracterizadas pela mobilidade social e pela crescente liberdade de escolhas individuais, tornaram as condições da inclusão e as regras de convívio cada vez mais abstratas. Dentro dessa redoma moderna, onde há uma mistura do público com o privado e se tende a homogeneizar a diferença, os atributos civilizatórios tendem a ganhar destaque nas estruturas de poder, devido às injunções políticas que incorporam o diferente a uma modelagem universal, mesmo que essa seja expressa pela diversidade.

A concepção da existência do homem moderno é representada com base em uma cosmovisão que o interliga aos diversos sistemas e subsistemas organizativos sociais, institucionais e orgânicos, ao mesmo tempo que ele tem em si depositado todo um projeto individual-humanitário. Na modernidade, temos uma compreensão ecológica do homem, principalmente quando o conceito de self se tornou utilitário para a compreensão de devir do indivíduo em sociedade, via de regra um lugar de indivíduo no mundo a partir de suas peculiaridades éticas e morais (Lipovetsky, 2009).

No cenário hipermoderno, conforme Lipovetsky e Serroy (2011, p.12-13) destacam, o homem moderno" quis fazer tábula rasa com o passado", dando ênfase aos particularismos e estabelecendo uma " fé na ciência". E, dessa maneira, circunscreveu em pluralismos culturais, heterogêneos e universais dentro de uma lógica do hiperegocentrismo e na instrumentalização técnica e científica do hiperconsumismo, fazendo jus ao antropocentrismo que, para Foucault (2007), é compreendido como um dispositivo de emaranhados discursos que concerne a um contexto de forças e resistências.

Freud (1930/2010), em seu Mal estar na civilização, alerta que embora a humanidade se tenha debruçado no progresso técnico-científico e, assim, expandido seu domínio sobre a natureza, permitindo realizações de um anseio milenar, isto de nada valeu para alcançar sua felicidade. Tal crítica aos processos civilizatórios que promovem satisfações momentâneas coloca-nos frente à reflexão sobre o papel das condições culturais e sociais que tangenciam o mal-estar contemporâneo.

Logo, o discurso sobre a experiência humana de desamparo é (re)construído pelas explicações em torno da "alienação e do fetichismo" no mercado hipercapitalista (Dunker, 2011, p.115). Segundo Freud (1996), o desamparo é o próprio amparo para a constituição do Eu, a partir da vida em sociedade, a existência de uma ética normativa que requer, sobretudo, a diferença, a abdicação das paixões ao excesso de angústia, é primordial para uma leitura de civilização. Nesse cenário, todavia, da "existência luxuriante de um mundo que promete a felicidade de satisfação incontestáveis e sempre renovadas, cresce uma imensa desorientação individual e coletiva" (Lipovetsky & Serroy, 2011, p.23). Podemos pensar aqui nos laços sociais, nos regimes, na política, na economia, nos dispositivos de controle social como contextos para repensar essa alienação.

E, dito isso, conforme Zizek (1996, p.310), torna-se a discutir que dentro da sistematização da lógica de mercado, o capitalismo propõe o eufemismo das suas próprias produções, ao colocar o agente como desfetichizado e/ou o produto como bem de fetiche, com o propósito de conceder orientação para que o homem saia do caos moderno em direção ao cósmico do capitalismo. Isso é desvelado quando encaramos os seus deslocamentos discursivos baseados na concepção hegeliana do Senhor e do Escravo, que coloca a verdade cínica da modernidade como rastro de subalternidade do não-saber presente por trás das ideologias de mercado, implicadas atualmente na criação de neoconservadores assujeitados na oscilação entre o público e o privado, o que coloca em cheque a transformação do aspecto social (Adelman, 2009).

Dessa forma, para o autor "nas sociedades burguesas, as relações de dominação e servidão são recalcadas formalmente, parecendo estar lidando apenas com sujeitos livres"; como efeito disso, "a persistente relação de dominação e servidão -emerge num sintoma que subverte a aparência ideológica de igualdade, liberdade e assim por diante" (Zizek 1996, p.310). Segundo Adelman (2009), essa relação perdura na contemporaneidade de forma a reger a condição da lógica de trabalho. O autor está atento para a condição de pós-modernidade consonante ao capitalismo, que implementa cada vez mais uma lógica de produção e consumo exacerbado.

No tecido social, essa utópica ideologia libertária de autonomia e emancipação humana ecoa nos boletins científicos modernos a fim de apaziguar a função sintomática de desorientação do homem. Isso advém desde a Renascença (século XVI), a qual aponta Freud (1930/2010) como um período de certezas e dúvidas principalmente no que se remete às questões sobre o sexual. Harvey (2013) esclarece que as empreitadas das ciências e da filosofia tinham como propósito abarcar a condição humana dentro dos vestígios dos movimentos iluministas, os quais exploram a estética do naturalismo em consonância com os atributos das produções civilizatória objetivando um projeto que:

(...) equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos pensadores iluministas para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e a ideia era usar o acúmulo de conhecimento gerado por muitas pessoas trabalhando livre e criativamente em busca da emancipação humana e do enriquecimento da vida diária. (Harvey,2013 p.23)

De fato, por onde caminhar, então, nesse crepúsculo moderno? Uma das formas encontradas para prosseguir foi o retorno às próprias condições humanoides, podendo sugerir uma intersecção dos artefatos culturais e da natureza humana. Onde como o "declínio" aparece "concomitantemente ao fortalecimento de autonomia do sujeito, que acredita não ter mais que submeter-se a nenhuma Lei simbólica" (Teixeira & Goldenberg, 1997, p.76).

Partindo de literaturas que compreendem uma definição e representação de homem moderno, termos como igualdade e liberdade, viraram jargões como base em ideologias universais dentro das estruturas sociais e científicas. Entretanto, "esse processo implica, pois, uma certa lógica da exceção: todo Universal ideológico - por exemplo, a liberdade, a igualdade - é 'falso' (Zizek,1996, p.306).

Nessa linha, a partir das próprias evidências históricas, esse projeto de hominização moderna fracassou, os regimes democráticos, por exemplo, encenaram horrendas guerras, como demonstração das maiores ações civilizatórias do homem, em muitos casos por motivos políticos, econômicos e ideológicos (Harvey, 2013). Por isso, é válido lembrar que, no cenário cultural, isso não é algo inédito, pois "a construção coletiva da identidade contém um elemento constitutivo de violência assassina" (Rusen, 2014, p.20). Freud (1930/2010), ao tratar sobre o mal-estar, trouxe esse dilema para o ponto central de sua teoria acerca da constituição da civilização, tecendo a ideia de que a barbárie primitiva teve uma modelação com base na Lei constituída pela linguagem que permitiu uma vida em sociedade.

Em sua discussão sobre a Educação após Auschwitz, Adorno (1995) aponta que o horror é o fato de que a barbárie sobreviverá enquanto as condições que produzirem a sua recaída perdurarem. A respeito das contribuições feitas por Freud nessa temática, Adorno acrescenta que a civilização engendra por si mesma o anticivilizatório e o reforça. Se a barbárie caminha progressivamente com a civilização, a luta contra esta tem algo de desesperador. Podem ser citados como atenuante a essa afirmação o holocausto em Auschwitz, as ditaduras militares na América Latina e o genocídio higienista nos manicômios brasileiros, fora outras tragédias demasiado humanas que regam a historicidade civilizatória. De acordo com isso, Safatle (2010, p.238) esclarece que o modelo totalitário não assume apenas a forma estatal de apagamento de verdades, mas, sobretudo, "é fundado nesta violência muito mais brutal do que a eliminação física: a violência da eliminação simbólica. Neste sentido, ele é a violência da imposição do desaparecimento do nome".

De tal maneira, as ações totalitárias visam atingir até o simbolismo dos fatos, a fim de apagar esse traço horrendamente humano. E, isso nos faz lembrar as poiéseis de Mia Couto acerca das memórias, que muito refletem os aspectos da contemporaneidade, ao relatar que "os mortos não morrem quando deixam de viver, mas quando os votamos ao esquecimento" (Couto, 2009, p.59).

Com isso, as nuances de compreensão dos processos civilizatórios dentro da cultura são fundamentais, tendo em vista que esses têm por objetivo afastar-nos de um corpus animus, conferindo uma roupagem de sociabilidade, a fim de proteger o homem de si e do seu ambiente externo, através de um corpus politikos (Freud, 1930/2010). O sujeito cínico da modernidade passa então a denunciar pelas suas produções de exceções o que há por trás da "noblesse sublime das expressões ideológicas, os interesses egoístas, a violência e as reivindicações brutais do poder" (Zizek,1996, p.313).

Seguindo esse pensamento, Freud (1996) apontou para um dinamismo intercambiado no processo civilizatório a partir dos laços simbólicos que emaranham os dominados e os dominadores, ou seja, as posições de poder que emergem, formam, regulam e controlam as massas desde sua concepção coletiva ao individual e vice-versa. Para o autor, isso advém dos próprios modos coletivos dos agrupamentos humanos, aos quais é atribuída a função de proteger o homem dos fenômenos da natureza e controlar as pulsões autodestrutivas. A atenção do autor dirige-se a compreender que a:

(...) a civilização tem de ser defendida contra o indivíduo, e todos os seus regulamentos, instituições e decretos são postos a serviço dessa tarefa; objetivam não apenas efetuar certa distribuição dos bens, mas também mantê-la, e, de fato, têm de proteger dos impulsos hostis dos seres humanos tudo aquilo que serve ao domínio da natureza e à produção de bens. As criações humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a técnica, responsáveis por sua existência, podem ser utilizadas também para a sua aniquilação. (Freud, 1996a, p. 189)

Destarte, a problemática do homem moderno descreve-se segundo os conceitos de "tempo", "democracia" e "paz". Com que dimensão do homem, no entanto, está ela a lidar? Com as relações políticas construídas no apogeu do acúmulo do poder. Na modernidade, esse poder foi metamorfoseado, avançou como poder eclesiástico, poder político e, hoje, poder econômico (Bobbio, 2004, p.23). Essa metamorfose engendra, na exposição de si, uma liberdade que se vê como esvaziamento de um mal-estar, capturado pelas tecnologias da informação.

Freud (1930/2010, p. 285) provoca essa condição quando afirma que "a liberdade individual não é um bem cultural", porque a liberdade não é dada, nem naturalizada, mas sim uma condição que, devido à constituição do homem moderno na civilização, passou a ser alvo de todas as nuances sociais, como a justiça, o consumo, as tecnologias. Nesse emaranhado de forças, a liberdade perfaz-se como impulso das forças constituintes no ato de o sujeito se reinventar e gozar de forma desmedida.

 

Considerações finais

Tendo como base as discussões propostas neste ensaio, percebe-se que a inquietação dos autores versa sobre a condição de mal-estar na modernidade. Nessa relação, denota-se um contexto de civilização delineado por vários construtos, sejam eles culturais, políticos, sociais ou morais.

Otero e Fuks (2012) afirmam que o desejo move o sujeito em sua busca por conhecimento, descobertas e invenções. Atualmente, a sociedade passa por uma revolução tecnológica sem precedentes, alavancada pelo advento da internet e esses processos são responsáveis por transformações que impactam a cultura e atravessam a subjetividade da humanidade civilizada.

As transformações decorrentes da inserção da tecnologia de modo desenfreado no meio social provocam discussões pertinentes sobre as condições de mal-estar dos sujeitos na modernidade. Os meios de comunicação promovem arbitrariedade sobre o próprio tempo e o nosso mundo caracteriza-se pelo primado absoluto do presente. O tempo dispersa-se numa simples sucessão de presentes disponíveis. Atrelado à transmutação do próprio tempo na contemporaneidade, o próprio consumo da informação torna-se patológico no âmbito subjetivo. A fadiga da informação decorre do consumo de informação em excesso e dentre seus sintomas estão o próprio embotamento da percepção e da capacidade analítica. (HAN, 2016)

Além da preocupação sobre a massiva quantidade de conhecimento que temos acesso na contemporaneidade, é imprescindível atentar aos aparatos tecnológicos que nos cercam no cotidiano. Nesse sentido, Turkle (2004) aponta que as ferramentas usadas para processar, armazenar e organizar nossos dados, tais como smartphones, acarretaram uma mudança significativa no modo como pensamos. Quando se discute a respeito do impacto do uso da tecnologia no dia a dia, pensamos no computador e seus periféricos.

O modo como ciência e tecnologia têm protagonizado a organização de novos construtos sociais e subjetivos na humanidade promove o debate acerca de questões como a condição de mal-estar em uma civilização 'conectada'. As construções dos ideários científicos que conduzem a uma definição de condição moderna indicam uma relevância para a compreensão do fenômeno de pós-modernidade. Mostra-se que o sujeito é compreendido em sua particularidade, ou seja, em sua constituição histórica, social e subjetiva, sejam quais forem as finalidades em relação às quais se põe em xeque a discussão sobre modernidade.

 

Notas

1 Mais de 4 bilhões de pessoas usam a internet ao redor do mundo. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/internet/126654-4-bilhoes-pessoas-usam-internet-no mundo.htm> Acesso em 7 set. 2018.

 

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Recebido em: 21/09/2018
Aprovado em: 08/06/2019

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