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Revista Psicologia e Saúde

 ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.13 no.2 Campo Grande abr,/jun. 2021

https://doi.org/10.20435/pssa.v13i2.1096 

ARTIGOS

 

Intervenção para cessação do tabagismo em pacientes internados por AVC

 

Smoking cessation intervention in hospitalized patients with stroke

 

Intervención para cesación del tabaquismo en pacientes hospitalizados con accidente cerebrovascular

 

 

Daniella Porfírio NunesI; Marcos Christiano LangeI; Luiza Moschetta ZimmermannI; Élcio Juliato PiovesanI; Isabel Cristina ScarinciII

IComplexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
IIUniversity of Alabama at Birmingham

Endereço de contato

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Estudos mostram baixas taxas de abstinência pós-AVC.
OBJETIVOS: Descrever o desenvolvimento e apresentar os resultados preliminares de uma intervenção para cessação do tabagismo em pacientes internados com AVC.
MÉTODO: Baseado na Teoria Social Cognitiva. Foram incluídos 15 pacientes. Foram analisadas as taxas de abstinência 15 dias após a alta hospitalar, com monoximetria, e, 12 meses depois, por contato telefônico.
RESULTADOS: Desenvolvidas cinco cartilhas para o paciente, uma para os familiares e um guia para o profissional de saúde. As taxas de cessação em 15 dias foram de 46,7% (7/15) e, após 12 meses, de 40% (6/15).
CONCLUSÕES: Este estudo demonstrou os passos para o desenvolvimento de uma intervenção para cessação de tabagismo em pacientes internados com AVC, e que uma intervenção baseada em teoria e personalizada pode impactar favoravelmente a taxa de cessação após a alta hospitalar.

Palavras-chave: intervenção, cessação, tabaco, AVC, internados


ABSTRACT

INTRODUCTION: Studies have shown low post-stroke smoking abstinence rates.
OBJECTIVES: To describe the development and present the preliminary results of a smoking cessation intervention in stroke patients.
METHOD: Based on Cognitive Social Theory. Fifteen patients were included. Smoking abstinence was analyzed 15 days after hospital discharge, through exhaled carbon monoxide assessment, and 12 months later, by telephone contact.
RESULTS: Five patient booklets were developed, one for family members and one guide for the health professional. The 15-day cessation rate was 46.7% (7/15) and, after 12 months, 40% (6/15).
CONCLUSIONS: This study demonstrated the steps for developing a smoking cessation intervention in stroke patients and showed that a theory-based and personalized intervention may favorably impact the cessation rate after discharge.

Keywords: intervention, cessation, tobacco, stroke, inpatients


RESUMEN

INTRODUCCIÓN: Estudios han demostrado bajas tasas de abstinencia post accidente cerebrovascular.
OBJETIVOS: Describir el desarrollo y presentar los resultados preliminares de una intervención para cesación del tabaquismo en pacientes con accidente cerebrovascular.
MÉTODO: Basado en la Teoría Social Cognitiva. Se incluyeron 15 pacientes. Las tasas de abstinencia fueron analizadas a los 15 días después del alta hospitalaria, con monoximetría, y a los 12 meses, por contacto telefónico.
RESULTADOS: Se desarrollaron cinco folletos para pacientes, uno para miembros de la familia y una guía para el profesional de la salud. Las tasas de cese de 15 días fue del 46,7% (7/15) y, después de 12 meses, del 40% (6/15).
CONCLUSIONES: Este estudio demostró los pasos para desarrollar una intervención para dejar de fumar en pacientes con accidente cerebrovascular, y que una intervención basada en la teoría y personalizada puede afectar favorablemente la tasa de cesación después del alta.

Palabras clave: intervención, cesación, tabaco, accidente cerebrovascular, hospitalizados


 

 

Introdução

Apesar da redução do uso de derivados do tabaco nos últimos anos, no Brasil, 10,1% da população adulta é fumante (Brasil, Ministério da Saúde, 2018). Estas taxas são ainda maiores em pacientes internados, variando de 15% a 22,6% (Corrêa, 2014; Tanni et al., 2009). As doenças relacionadas ao uso de produtos derivados do tabaco são um dos maiores motivos de internação hospitalar (Mohiuddin et al., 2007). Entre elas, estão as doenças cerebrovasculares, sendo o principal fator de risco independente para acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico (Markidan et al., 2018; Peters, Huxley, & Woodward, 2013; Wolf, D'Agostino, Kannel, Bonita, & Belanger, 1988). Por outro lado, estudos evidenciam a redução do risco de AVC com a cessação (Fan et al., 2019).

A hospitalização por AVC pode aumentar a motivação para a cessação, pois os pacientes vivenciam doença súbita, grave e potencialmente incapacitante associada ao uso de produtos derivados do tabaco, e podem experimentar os sintomas de abstinência e fissura dentro do ambiente hospitalar, com possibilidade de contato direto com as equipes especializadas na cessação.

Metanálise, abordando pacientes internados por todas as causas, concluiu que é efetivo oferecer para todos os usuários tratamento para cessação durante internamento com duração superior a 15 minutos, associado ao suporte ambulatorial com duração superior a 30 dias, alcançando taxas de cessação de 37% em 12 meses e, com acréscimo de Terapia de Reposição de Nicotina (TRN), um aumento para 54% (Rigotti, Clair, Munafo, & Stead, 2012). Em pacientes com doença cardiovascular, as taxas de cessação tendem a ser maiores (Lancaster & Stead, 2017), em torno de 43% a 48,7% em 12 meses após a alta hospitalar (Auer et al., 2016; Snaterse et al., 2015; Sverre et al., 2017). No entanto, em revisão sistemática sobre intervenções em pacientes pós-AVC, as taxas de cessação foram de 23,9% no grupo intervenção, sem diferença significativa (Edjoc, Reid, & Sharma, 2012).

Intervenções de mudança de comportamento habitualmente são complexas e desafiadoras para serem implementadas na prática diária. Fiore et al. (2008) propuseram uma ferramenta para estruturar estas intervenções, a qual vem sendo amplamente recomendada pelas diretrizes internacionais (Siu, 2015). Consiste em identificar e oferecer apoio aos usuários de produtos derivados do tabaco. O modelo é conhecido como dos 5As: Ask (Perguntar), Advise (Avaliar), Assess (Aconselhar), Assist (Preparar), Arrange follow-up (Acompanhar). Esta abordagem foi implementada em pacientes internados e aumentou em 11% a taxa de cessação em 6 meses após a alta hospitalar (Reid et al., 2010). Em pacientes com AVC, alguns estudos descrevem a utilização deste modelo (Ha et al., 2016; Papadakis et al., 2011). No entanto há escassez de estudos com detalhamento das intervenções e seu conteúdo em pacientes pós-AVC.

A pobre descrição do embasamento teórico das intervenções são barreiras para sua replicação. Muitos modelos teóricos são propostos para explicar a mudança de comportamentos em saúde, incluindo o uso de produtos derivados do tabaco. Um destes modelos é a Teoria Social Cognitiva (TSC), que postula que a mudança de comportamento é resultado de uma interação dinâmica entre o indivíduo, seus comportamentos e seu ambiente. Consiste nos seguintes construtos: (1) capacitação comportamental; (2) aprendizado por observação; (3) expectativas com os resultados; (4) autoeficácia e (5) reforço (Glanz, Rimer, & Viswanath, 2002). Embora o arcabouço teórico para o desenvolvimento e a implementação de uma intervenção possa ser baseado na TSC, as estratégias usadas para promover a cessação podem ser baseadas na Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), levando em consideração três estágios: (1) abordagem (motivar os participantes a parar); (2) manejo (desenvolver e promover a adesão ao plano de parar); e (3) acompanhamento (evitar recaídas e promover abstinência em longo prazo). Ou seja, a TSC fornece uma estrutura para adaptações no nível macro e o TCC aborda diretamente os componentes no nível micro (Borrelli, 2010). Estes modelos embasaram o desenvolvimento de uma intervenção para cessação do uso de derivados do tabaco em mulheres de baixa renda no Brasil (Kienen, Wiltenburg, Bittencourt, & Scarinci, 2019).

Devido à carência de descrição de intervenções específicas para pacientes com AVC, o objetivo deste estudo foi desenvolver e testar uma intervenção baseada em evidência para promover a cessação do uso de derivados do tabaco em pacientes internados com AVC.

 

Material e Método

Tipo de Estudo

Trata-se de um estudo de pesquisa exploratória, visando à elaboração e viabilidade de uma intervenção para promover a cessação do uso de derivados do tabaco para pacientes internados por suspeita de AVC agudo. A primeira fase do estudo foi qualitativa. Para avaliar o impacto preliminar da intervenção, foi realizado um piloto, longitudinal, prospectivo, não controlado.

Participantes

1) Fase Formativa: Entre julho e outubro de 2015, foram entrevistados seis pacientes usuários de produtos derivados do tabaco, internados por suspeita de AVC agudo na Unidade de AVC do Complexo Hospital de Clínicas - Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR), e dois profissionais de saúde que cuidam destes pacientes.

2) Teste da Intervenção e Piloto: Entre novembro de 2017 e maio de 2018, foram incluídos 15 pacientes usuários de produtos derivados do tabaco, internados por suspeita de AVC agudo na Unidade de AVC do CHC-UFPR.

Os critérios de inclusão foram: idade superior a 18 anos, ausência de deficit cognitivo que interferisse na abordagem cognitivo-comportamental, ausência de afasia/disfasia que interferisse na comunicação, ausência de deficit motor incapacitante que interferisse no hábito de fumar, intenção em cessar o uso de produtos derivados do tabaco nos próximos 30 dias. Pacientes elegíveis eram identificados pelos neurologistas, conforme eram internados, e os médicos avisavam, então, à pesquisadora principal.

Após a assinatura do termo de consentimento, foi aplicado um questionário demográfico para a obtenção das seguintes informações: idade, sexo, renda mensal familiar, ocupação laborativa, escolaridade, AVC recorrente, presença de comorbidades (hipertensão arterial sistêmica, diabetes, dislipidemia, doença aterosclerótica coronariana), número de dias de internamento para início da intervenção, tipo de derivado do tabaco, idade de início, média de cigarros fumados por dia, tempo para fumar o primeiro cigarro, tentativas prévias e presença de outras pessoas que fumam em casa. Foi aplicada a Escala de Dependência de Fagerström (Fagerström, 1978), que mede o grau de dependência da nicotina em muito baixo (0-2); baixo (3-4); médio (5); elevado (6-7) e muito elevado (8-10).

Este projeto foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) - CAAE: 45473515.6.0000.0100; e do CHC-UFPR (Coparticipante) - CAAE: 45473515.6.3001.0096.

Desenho do Estudo

O estudo foi dividido em seis fases:

1) Fase formativa: Foram realizadas perguntas abertas para conhecer as necessidades dos pacientes. Profissionais de saúde que cuidam destes pacientes também foram abordados;

2) Definição do modelo teórico, dos objetivos e das estratégias da intervenção;

3) Definição do plano de abordagem e dos temas das visitas;

4) Definição do conteúdo das cartilhas e da ilustração, pelos designers;

5) Teste da intervenção;

6) Piloto.

Procedimento

A fase formativa consistiu em abordar pacientes com questões abertas, com o uso de uma linguagem apropriada para o conhecimento do comportamento e das práticas culturais e uma compreensão sobre o uso de produtos derivados do tabaco. Foram incluídas perguntas como: "Quais são as desvantagens relacionadas a fumar?"; "Você pensa em parar de fumar quando voltar para casa?"; "Como poderíamos ajudar pessoas como você a pararem de fumar enquanto estão internadas?". Para facilitar a análise dos dados, os pacientes (P) foram codificados de 1 a 6, seguindo a ordem: sexo, idade, número de cigarros fumados/dia, Escala de Dependência de Fagerström. Os dados foram analisados por duas pesquisadoras, em quatro etapas: (1) realizada a leitura das transcrições para identificar temas emergentes, sem levar em conta o modelo teórico; (2) discutiram-se os temas identificados e foram definidas as categorias; (3) nova leitura das transcrições; (4) definição das categorias, levando em consideração o modelo teórico.

O desenvolvimento da intervenção previu a compreensão de diferentes perspectivas. Foram entrevistados dois profissionais de saúde sobre aconselhamento e farmacoterapia. Entre as perguntas, citamos: "Você aconselha os seus pacientes a pararem de fumar?'; "Como você aborda estes pacientes?"; "Quais os aspectos mais importantes que devemos considerar em um programa de cessação para pacientes com AVC agudo hospitalizados?". A avaliação destas entrevistas seguiu o mesmo processo descrito para os pacientes.

Os objetivos da intervenção foram baseados nos construtos teóricos da TSC. Para implementar as estratégias, foram utilizados os três estágios da TCC: abordagem, manejo e acompanhamento (Tabela 1).

O plano de abordagem foi dividido em duas fases: (1) Aconselhamento durante internamento: realizadas três visitas ao paciente, apenas, e uma visita ao paciente junto dos familiares, com duração de 20 a 30 minutos; (2) Acompanhamento: realizado com o paciente, 15 dias após alta hospitalar. Durante esta fase, foi realizada medida do monóxido de Carbono (CO) exalado (Micro Co, Care Fusion, Galway, Alemanha), tendo como critério de abstenção valores inferiores a 7 ppm (Middleton & Morice, 2000). Os pacientes que perderam o acompanhamento foram considerados tabagistas. Nesta fase, os pacientes responderam a um questionário de satisfação. Após esta visita, os pacientes foram seguidos pela equipe de tratamento de tabagismo.

Os temas das visitas estão na Tabela 2.

Foram desenvolvidas cinco cartilhas para os pacientes e uma para os familiares, conforme as estratégias da TCC: (1) abordagem (motivar os participantes a parar) - Cartilhas Introdução e Visita 1; (2) manejo (desenvolver e promover a adesão ao plano de parar) - Cartilhas Visita 2 e Visita 3; (3) acompanhamento (evitar recaídas e promover abstinência em longo prazo) - Cartilhas Visita 4 e Visita 5. O conteúdo das cartilhas está detalhado na Tabela 3. As cartilhas foram ilustradas por designers, bem visuais e coloridas, para estimular a participação do paciente no processo de reestruturação cognitiva, com opções para assinalar e linhas para preenchimento livre. Foram desenvolvidos dois protagonistas, um homem com sequelas de AVC bem evidentes e uma mulher sem deficits.

Também, foi elaborada uma cartilha de guia para o profissional de saúde, para orientar a aplicação das cartilhas do paciente.

No teste da intervenção, as cartilhas foram aplicadas para verificar as reações ao formato e conteúdo da intervenção, de maneira interativa e com feedback da abordagem. No piloto, a versão final das cartilhas foi aplicada.

Quanto ao apoio farmacológico, seguiram-se as indicações das diretrizes do Ministério da Saúde (Brasil, 2001): (1) Fagerström de cinco ou mais; (2) Fumar mais de 20 cigarros por dia; (3) Fumar mais de 10 cigarros por dia e primeiro cigarro em menos de 30 minutos; (4) Não obtenção de sucesso em tentativas prévias somente com abordagem cognitivo-comportamental, devido a sintomas de abstinência. Utilizado TRN de liberação longa (21 mg, 14 mg ou 7 mg), associada à goma de 2 mg, conforme necessário.

Como variáveis de desfecho, foram analisadas as taxas de abstinência 15 dias após a alta hospitalar e, depois, ao se completarem 12 meses, sendo esta última realizada por contato telefônico.

Os dados foram tabulados em planilha do software Microsoft Excel. As variáveis quantitativas foram descritas como média e desvio-padrão ou mediana com primeiro e terceiro quartil. As variáveis categóricas foram apresentadas como frequência e porcentagem.

 

Resultados

Na fase formativa com pacientes e profissionais de saúde, observou-se que pacientes tabagistas com AVC internados possuem susceptibilidade e severidade percebida ("Ou eu paro ou eu morro, porque desse AVC eu escapei, quem garante que eu vou escapar de outro?" [P2]), com baixa autoeficácia para mudança do comportamento de uso de derivados do tabaco ("Metade de mim quer parar, outra metade não quer parar de fumar." [P2]). No entanto estão motivados a parar de fumar ao saírem do hospital ("Foi um susto positivo na minha vida. Eu não pretendo voltar a fumar, não." [P1]). O suporte familiar, o uso de material de apoio, farmacoterapia e acompanhamento após a alta foram considerados fundamentais, tanto para pacientes quanto para profissionais de saúde, como estratégias para cessação do uso de derivados do tabaco em pacientes com AVC internados.

Conhecendo estas necessidades e sugestões de estratégias e baseados em construtos teóricos, foram elaborados os objetivos e as estratégias da intervenção. Assim, foi delineado um plano de abordagem, definidos os temas das visitas e elaborado o conteúdo das cartilhas, de acordo com os estágios do processo de cessação.

Para avaliar o impacto da intervenção, as cartilhas foram aplicadas em 15 pacientes. A idade média foi de 57,7±9,3 anos, oito (53,3%) eram do sexo feminino, com renda mensal familiar média de R$ 2.300,00±R$ 1.485,16. Somente quatro (26,6%) pacientes não tinham trabalhado no último ano. A maioria dos pacientes, nove (60%), apresentava escolaridade até o fundamental completo. Em relação ao evento, doze (80%) pacientes tiveram seu primeiro AVC, sendo a hipertensão arterial sistêmica o fator de risco mais frequente, presente em nove (60%) pacientes, seguida por dislipidemia, em quatro (26,6%); diabetes mellitus, em três (20%); e doença aterosclerótica coronariana, em três (20%).

A equipe de tratamento de tabagismo foi acionada, em média, após 7,7±4,9 dias da admissão. Apenas um paciente utilizava cigarros de palha, os demais fumavam cigarro com filtro, com idade de início média de 14,1±3,5 anos. A média de cigarros fumados ao dia foi de 24,7±10,5, com oito (53,3%) pacientes fumando mais de 20 cigarros/dia, e onze (73,3%) fumando em menos de 30 minutos após acordar. Apenas um paciente tinha feito alguma tentativa no último ano. Cinco (33,3%) pacientes tinham algum familiar que fumava em casa. Em relação à Escala de Dependência de Fagerström, 11 (73,3%) pacientes pontuavam valores acima de 4, com mediana de 6 (4,5-6,5). Todos os pacientes utilizaram TRN durante o estudo.

Estavam abstinentes sete pacientes 15 dias após a alta hospitalar, confirmados com CO exalado, representando uma taxa de cessação de 46,7%.

Após 12 meses, seis (40%) pacientes continuavam abstinentes e quatro dos nove (44,4%) que continuavam fumando reduziram mais da metade o número de cigarros fumados por dia.

Todos os pacientes consideraram as visitas educativas e esclarecedoras, sendo a última delas considerada muito importante, assim como aquela com os familiares. Todos se sentiram motivados a parar de fumar, estavam satisfeitos com o programa, e os abstinentes, confiantes em manterem abstinência.

 

Discussão

A concepção deste estudo foi para desenvolver uma intervenção personalizada, com elaboração de cartilhas ativas, para abordagem de pacientes usuários de derivados do tabaco internados por suspeita de AVC, visto que existem poucos estudos na literatura com detalhamento do embasamento teórico, do conteúdo das intervenções e do material de apoio utilizado para esta população. Utilizando o resultado de entrevistas da fase formativa, foi possível conhecer as necessidades desses pacientes, associadas a sugestões de estratégias para cessação. Baseada nos construtos da TSC e da TCC, foi desenvolvida uma intervenção utilizando objetivos e estratégias personalizados; foram elaboradas cinco cartilhas ativas para os pacientes, uma para os familiares e uma para os profissionais de saúde; e foi feito um relato de todos os passos seguidos para desenvolver uma intervenção baseada em teoria e culturalmente relevante. Estudo recente utilizou os mesmos construtos teóricos, demonstrando ser promissor para o desenvolvimento de intervenções em saúde (Kienen et al., 2019).

Optou-se por fazer uma visita ao paciente junto dos familiares, uma vez que o modelo teórico valoriza a interação do indivíduo com o meio em que vive e pelo fato de estudos demonstrarem a importância do apoio familiar e de amigos, impactando a aderência ao tratamento (Kruithof, Van Mierlo, Visser-Meily, Van Heugten, & Post, 2013; Oikarinen, Engblom, Kääriäinen, & Kyngäs, 2017).

A intervenção desenvolvida está de acordo com os critérios comprovadamente eficazes para pacientes internados, em que intervenções intensivas (>10 minutos de duração), com maior número de sessões (4 ou mais), utilização de material de apoio, acréscimo de TRN e acompanhamento, são mais efetivas (Fiore et al., 2008; Rigotti et al., 2012). Em revisão sobre intervenções para cessação do tabagismo em pacientes por doença cardíaca, a maior parte dos estudos incluía infarto agudo do miocárdio, doença que motiva internamentos, súbita e grave como o AVC. Não houve diferença entre as intervenções, no entanto houve dificuldades para classificar os estudos, devido à falta de detalhamento da duração, do número de sessões, do número de páginas dos folhetos e do modelo teórico que guiou as abordagens (Barth, Jacob, Daha, & Critchley, 2015). A guia espanhola (Jiménez et al., 2017) para tratamento do tabagismo em pacientes internados orienta que a abordagem deve ser acompanhada da entrega de material de apoio e não define nenhum modelo teórico específico. Nas diretrizes brasileiras para cessação do tabagismo (Reichert et al., 2008), as recomendações para pacientes hospitalizados são adaptadas a partir das diretrizes para pacientes ambulatoriais.

Quanto aos resultados preliminares do impacto das cartilhas desenvolvidas, em pacientes pós-AVC, são superiores aos da revisão sistemática de intervenção em pacientes com AVC (Edjoc et al., 2012). No entanto as taxas de sucesso variam amplamente na literatura, desde 11% em 12 meses (Mouradian, Majumdar, Senthilselvan, Khan, & Shuaib, 2002) até 69,2% em 3 meses (Ha et al., 2016), com grande heterogeneidade das intervenções e com falta de detalhamento da abordagem comportamental, para que possam ser replicadas.

Quase a metade dos pacientes que persistiam fumando reduziu substancialmente o número de cigarros fumados por dia, sendo que, em estudos recentes, houve correlação entre número de cigarros fumados por dia e redução do risco de recorrência de AVC (Chen et al., 2019; Markidan et al., 2018).

Com relação a sexo, idade e fatores de risco, o perfil dos pacientes é semelhante ao da literatura (Epstein et al., 2017). A baixa escolaridade foi encontrada também no estudo brasileiro, e a renda mensal familiar foi um pouco maior nos pacientes com AVC (Garcia, Aline, & Biral, 2018). Comparativamente com o estudo de Papadakis et al. (2011), o número de cigarros fumados por dia foi maior, com tempo para o primeiro cigarro semelhante, tendo sido prescrito apoio farmacológico para todos os pacientes, sugerindo maior grau de dependência. A maioria não tinha exposição domiciliar ao tabaco, que é um preditor independente para cessação (Hornnes, Larsen, Brink-Kjær, & Boysen, 2014).

O AVC é uma janela de oportunidade para abordar a cessação de tabagismo e, com uma intervenção personalizada, cartilhas ativas e uma equipe treinada, espera-se aumentar as taxas de cessação em um ensaio clínico randomizado. Adequar as ações de saúde às necessidades particulares é uma estratégia importante para obter melhores resultados. Por esse motivo, a escolha da intervenção é decisão fundamental, e a pesquisa nesta área auxilia, em última análise, na definição das políticas e terapêuticas para o enfrentamento.

A principal limitação do estudo foi o número de pacientes e a falta de um grupo controle, no entanto o estudo focou no desenvolvimento da intervenção e no piloto. Outras limitações foram que a intervenção foi direcionada para população usuária do Sistema Único de Saúde, que nem sempre poderá ser extrapolada para outras realidades, e que apenas um profissional de saúde aplicou as cartilhas, podendo-se futuramente envolver equipe multidisciplinar, inclusive com a utilização do guia do profissional de saúde desenvolvido para capacitação.

Este estudo demonstrou todos os passos para o desenvolvimento de uma intervenção baseada em teoria e personalizada para cessação do uso de derivados do tabaco em pacientes internados com suspeita de AVC, a qual pode impactar favoravelmente na taxa de cessação após a alta hospitalar.

 

Referências

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Endereço de contato:
Daniella Porfírio Nunes
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Recebido em: 15/08/2019
Última revisão: 14/11/2019
Aceite final: 05/12/2019

 

 

Daniella Porfírio Nunes: Mestranda em Medicina Interna e Ciências da Saúde na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Médica pneumologista.
E-mail: daniporfy@hotmail.com
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-9239-4259
Marcos Christiano Lange: Doutor em Medicina Interna pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Médico neurologista.
E-mail: langeneuro@gmail.com
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-0405-7157
Luiza Moschetta Zimmermann: Acadêmica de Medicina da Universidade Federal do Paraná.
E-mail: luizazimm@gmail.com
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-1700-4457
Élcio Juliato Piovesan: Doutor em Medicina Interna pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Médico neurologista.
E-mail: piovesan1@hotmail.com
Orcid: http://orcid.org/0000-0002-0915-0430
Isabel Cristina Scarinci: Doutora em Psicologia Clínica pela Louisiana State University (LSU). Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde Pública e controle do câncer em populações de risco.
E-mail: scarinci@uab.edu
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-2337-3021

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