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Eureka (Asunción) en Línea

 ISSN 2220-9026

Eureka vol.10 no.1 Assuncion  2013

 

Artículos

 

"Modos de apropiacíon de la realidad a partir de una intervención psicosocial en psicología comunitária"

 

"Modos de apropriation of the reality from a psychosocial intervention in community psychology"

 

"Modos de apropiação da realidade a partir de uma intervenção psicossocial em psicologia comunitária"

 

 

Natália Isis Leite Soares1 , Nara Maria Forte Diogo Rocha2, James Ferreira Moura Jr 3

CDID Centro de Documentación, Investigación y Difusión de la Carrera de Psicología
4 Universidad Católica Ntra. Sra. De la Asunción

 

 


Resumen

La propuesta central de la investigación es analizar los modos de apropiación de la realidad en un grupo de participantes de una intervención psicosocial realizada en una ciudad de la región Nordeste de Brasil. Se entiende apropiación como el modo de participación social en la realidad. Es hecha una analogía y convergencia entre los diferentes modos de apropiación y los tipos de conciencia desarrollados por Paulo Freire. Así, este estudio tiene una perspectiva cualitativa con la utilización de observación participante y grupo focal en un grupo constituido por 4 personas participantes de esa intervención psicosocial realizada. Fue identificado que esa intervención puede haber desarrollado modos de apropiación más comprometidos relacionados con el surgimiento de una conciencia más crítica en los participantes, a pesar de que aún cuenten con formas de participación más acomodadas y pasivas.

Palabras clave: Intervención Psicosocial, Apropiación, Conciencia.


Abstracts

The main investigation proposal is to analyze the appropriation of reality modes in a group of persons who participated at a psychosocial intervention realized on a city at Northeast of Brazil. Appropriation is understood like a mode of participation of reality. It’s made an analogy and convergence between the different modes of appropriation and the types of conscience developed by Paulo Freire. This study has a qualitative perspective, with use of participant observation and of focal group in a group with four people that participated of this psychosocial intervention. It was identified that this intervention could have developed modes of appropriation more compromised related to the appearance of a more critical conscience in the participants, even if their still counting with modes of participation more accommodated and passives.

Keywords: Psychosocial Intervention, Appropriation, Consciousness.


Resumo

A proposta central da investigação é analisar os modos de apropriação da realidade em um grupo de participantes de uma intervenção psicossocial realizada em uma cidade da região Nordeste do Brasil. Entende-se apropriação como o modo de participação social na realidade. É feita uma analogia e convergência entre os diferentes modos de apropriação e os tipos de consciência desenvolvidos por Paulo Freire. Assim, este estudo tem uma perspectiva qualitativa com a utilização de observação participação e de grupo focal em um grupo constituído por 4 pessoas participantes dessa intervenção psicossocial realizada. Foi identificado que essa intervenção pode ter desenvolvido modos de apropriação mais comprometidos relacionados com o surgimento de uma consciência mais crítica nos participantes, apesar desses ainda contarem com formas de participação mais acomodadas e passivas.

Palavras Chave: Intervenção Psicossocial, Apropriação, Consciência.


 

 

A pesquisa apresentada neste artigo foi desenvolvida a partir da realização de uma intervenção psicossocial nos moldes da Psicologia Comunitária. Essa intervenção ocorreu em 2011 em parceria com um Projeto de Extensão de uma Instituição Pública de Ensino Superior junto com uma Organização Não- Governamental situada em uma comunidade com altos índices de vulnerabilidade no estado do Ceará-Brasil. O foco dessa atividade era fortalecimento econômico e a circulação de renda dentro da comunidade, assim como o desenvolvimento comunitário dos moradores.

Busca-se, nessa investigação, analisar os diferentes modos de apropriação da realidade apresentados pelos participantes dessa intervenção. É importante salientar que a apropriação é entendida como relacionados aos diferentes tipos de consciência desenvolvidos por Paulo Freire.

Góis (2005) afirma que é imprescindível o estudo dos processos de conscientização para entendimento dos impactos de uma intervenção, tendo realizado uma pesquisa sobre os diferentes tipos de consciência presentes em um trabalho comunitário.

Geralmente, os moradores que estão em movimentos de mobilização tem uma consciência mais crítica. Já Vieira e Ximenes (2012) investigaram os modos de participação social e sua relação com a conscientização, expondo que o caráter mais ativo na participação social é resultado de um processo de conscientização. No entanto, apesar desses estudos, não houve um maior aprofundamento sobre os diferentes modos de apropriação da realidade e os tipos de consciência no desenvolvimento de uma intervenção psicossocial.

A Psicologia Comunitária baseiase em uma práxis libertadora dentro do marco da Psicologia Social da Libertação que se volta para a compreensão da atividade comunitária (Nepomuceno, Ximenes, Cidade, Mendonça & Soares, 2008). Tem seu foco nos aspectos positivos, que contribuam para o fortalecimento dos sujeitos, deixando de abordar o homem como sujeito passivo, mas como ator social, construtor da sua sociedade. Assim, a intervenção psicossocial em Psicologia Comunitária se orienta a serviço das populações em condições de pobreza, trabalhando processos de reivindicação das classes populares por melhores condições de vida (Ansara & Dantas, 2010; Montero, 2004).

Freitas (1998) afirma que o diferencial desse método está no estabelecimento de relações horizontais entre agente externo e atores locais. De acordo com Rodríguez (2012), a ética tem que ser concretizada na realidade cotidiana a partir do estabelecimento de uma postura de respeito e de valorização do outro. Tem-se como premissa ";a construção do sujeito da comunidade, mediante o aprofundamento da consciência (reflexivoafetiva) dos moradores com relação ao seu modo de vida" (Góis, 2005, p. 51).

Para Ximenes, Amaral, Rebouças Jr. e Barros (2008), é visado o desenvolvimento do sujeito comunitário, que é aquele que se sente responsável pela sua vida e pela comunidade, construindo mediante atividades práticas e coletivas movimentos de transformação da realidade. Esse sujeito comunitário pode ser entendido, então, como desenvolvendo a participação cidadã. Esta forma de participação, segundo Dowbor (2010), se refere ao sentimento e a atitude de apropriação criativa da dinâmica e do potencial de criação de novas atividades na comunidade, modificando-a, como sendo modificado pelo contexto comunitário em uma perspectiva dialética. Segundo Zanella, ";a apropriação da atividade envolve compreender e saber-fazer, onde as condições de execução somam-se à possibilidade tanto de ação independente quanto de criação" (2004, p. 132). Já Smolka (2000) concebe que essa apropriação está permeada por diferentes formas de participação em práticas sociais. Dessa maneira, a apropriação da realidade está intimamente relacionado com a apropriação da atividade, sendo esta entendida, segundo Marx (1975), não apenas como tarefas, operações ou procedimentos, mas também uma ação consciente, criativa e transformadora, que possibilita que o homem se aproprie da natureza, construa sua sociedade e a si mesmo.

Compreende-se, assim, que a apropriação poderia ser relacionada ao processo de conscientização desenvolvido por Paulo Freire (2001). Então, primeiramente, Vigostky (2004, p.71) coloca que o fato do ser humano estar consciente significa ele ter consciência de seus ";atos e estados próprios como um sistema de mecanismos transmissores de uns reflexos para outros [...] A consciência das próprias sensações nada mais significa do que sua posse na qualidade de objeto (excitante) para outras sensações".

A consciência tem o papel regulador do comportamento, funcionando como uma refração de múltiplos reflexos, pois ela pode ser considerada como interação, reflexão e excitação recíproca de diferentes sistemas. Nesse sentido, a consciência representa o reflexo da realidade social, tendo que, de acordo com Lane (1996), ser estudada como uma categoria de primeira ordem, como central nos estudos dos fenômenos psíquicos. Freire (2001), então, propôs três modos de relação dos indivíduos com a realidade, aos quais ele chamou de estágios da consciência, que são: semi-intransitivo ou mágico; transitivo ingênuo e transitivo crítico. Estes foram denominados por Góis (2005) como tipos de consciência. O indivíduo transita entre os tipos de consciência, sendo a transição do tipo semi-intransitivo para o transitivo ingênuo chamada de tomada de consciência e a transição do tipo transitivo ingênuo para o transitivo crítico chamada de conscientização, que constitui um objetivo da atuação em Psicologia Comunitária, de acordo com Vieira e Ximenes (2008). Assim, entende-se apropriação como algo que avança do somente tornar-se consciente de algo, mas que possibilita a transição entre os tipos de consciência, como exposto na figura I:

 

 

Na consciência semi-intransitiva, ou mágica, ";os únicos fatos que a consciência dominada capta são os que se encontram na órbita de sua própria experiência" (Freire, 2001, p. 78). Nela, os indivíduos atribuem a origem dos fatos ou situações a uma realidade superior, como Deus ou o destino, ou a causas interiores a si, situando a causa da problemática fora da realidade objetiva.

Este tipo de consciência pode ser abordado como o modo de apropriação quase inaparente, porque o indivíduo não exercer uma postura participativa na dinâmica comunitária, desenvolvendo comportamentos geralmente alienados. Assim, o indivíduo tende a responsabilizar forças superiores pela falta de mudanças em sua realidade, apresentando uma postura fatalista em que a realidade é predestinada e impassível a transformações. Martín-Baró (1998) afirma que o fatalismo como uma descrença nas mudanças, o que gera conformismo, resignação e passividade. Cidade, Moura Jr. e Ximenes (2012) concebem que o indivíduo em condições de pobreza, geralmente, tem o fatalismo como a única estratégia de enfrentamento de uma realidade de opressão.

No entanto, após um processo de tomada de consciência baseada no desvelamento das condições opressoras a que o indivíduo estava submetido, observa-se o desenvolvimento da consciência transitiva ingênua. Freire (2001) afirma que a ";consciência transitiva surge, enquanto consciência ingênua, tão dominada como a precedente.

Embora seja agora, indiscutivelmente, uma consciência melhor disposta para perceber a origem de sua existência" (p. 80). O indivíduo supera o nível mágico da consciência, sua visão abrange para além das necessidades biológicas, mas ainda não se apresenta como capaz para problematizar sua realidade, pois não consegue distanciar-se o suficiente da realidade.

Esse tipo de consciência é abordado, então, como o modo de apropriação distante em que o indivíduo compreende e reflete sobre sua realidade, porém não se apresenta como autor dessa realidade. Há uma maior inserção em atividades comunitárias, mas ainda se identifica uma compreensão limitada da forma como essa realidade está estruturada e do próprio papel do indivíduo nesse processo de transformação da dinâmica comunitária. Já a conscientização caracteriza-se através do desenvolvimento crítico da tomada de consciência, que, segundo Freire (2001), consiste no ato de desvelar a realidade acreditando no diálogo capaz de problematizar, gerar trocas de conhecimento em que diversos temas são aprofundados, havendo ampliação do olhar e da ação transformadora. É, para Vieira e Ximenes (2008), um ato cognoscitivo de compreender de maneira mais crítica a realidade, como também uma postura política de empreender uma ação voltada para transformação. A conscientização, então, não pode existir fora da práxis, sem o ato reflexão-ação. Essa consciência crítica é concebida como o modo de apropriação comprometido, porque se reflete criticamente sobre a realidade, como também o indivíduo percebe-se como autor de possíveis movimentos de transformação do seu contexto social. Dessa maneira, a apropriação comprometida constitui-se como uma relação semiótica originada na atividade, mas que permite que o sujeito a transcenda. Ao apropriar-se da realidade, o sujeito pode colocar-se também no papel de autor daquela realidade, agindo sobre ela com uma participação ativa nos processos de construção e execução das atividades, modificando-as e sendo modificado por elas.

De acordo com Diogo (2005), a ressignificação e a construção do sentido da realidade refletem na forma como o sujeito se coloca no mundo, nas relações e na forma de agir em relação a si mesmo. Portanto, a apropriação comprometida impacta igualmente no modo de colocar-se em relação com o outro e consigo mesmo, pois o indivíduo desenvolve uma participação que é, segundo Montero (2008), coletiva, inclusiva, organizada e compartilhada com fins comuns e comunitários.

Assim, entende-se que essa apropriação comprometida está intimamente relacionada a potencialização da participação, sendo um ";processo pelo qual os indivíduos transformam seus entendimentos sobre e a responsabilidade para com as atividades através de suas participações" (Rogoff, 1998, . 132). Vieira (2008) conclui que um modo mais ativo de participar colabora para a constituição do sujeito comunitário, sendo igualmente o desenvolvimento de uma intervenção psicossocial promotora de modos de apropriação comprometido. Assim, Góis (2005) concebe a intervenção como uma atividade comunitária conjunta de moradores, significativa, consciente, e que almeja o desenvolvimento da comunidade. Essas atividades consideram as demandas da comunidade, assim como estão de acordo com as motivações individuais de cada morador, ela supera as contradições entre os desejos individuais e as necessidades coletivas. A partir disso, o indivíduo passa a não somente estabelecer críticas a esta realidade, mas a colocar-se como sujeito ativo ao imprimir sua marca no mundo, através da reflexão-ação desempenhando de forma mais ativa o modo de apropriação comprometido ao invés dos quase inaparente e do distante.

No entanto, o movimento entre os tipos de consciência, assim como entre os modos de apropriação, não se dá de forma retilínea. O indivíduo pode apresentar uma consciência crítica ou modo de apropriação comprometido em determinado momento e imediatamente apresentar uma consciência mágica ou modo de apropriação quase inaparente relacionado a outro aspecto. Dessa forma, o indivíduo não se situa em um determinado tipo de consciência ou de modo de apropriação, mas transita entre eles.

Problema

A intervenção psicossocial baseada nos moldes da Psicologia Comunitária pode desenvolver de forma mais efetiva o modo de apropriação comprometido, pois essa intervenção se constituiu uma atividade comunitária em que ";os grupos decorrentes das atividades comunitárias formam o terreno fértil para o plantio e o desabrochar de sujeitos comunitários" (Oliveira, 2010, p. 65). No entanto, não se tem investigado como esses modos de apropriação se apresentam em uma intervenção psicossocial realizada. Dessa maneira, tem-se a seguinte pergunta como orientadora da investigação: ";Como se apresentam os diferentes modos apropriação em um grupo de pessoas participantes de uma intervenção psicossocial?"

Objetivos

Descrever os modos de apropriação presentes em um grupo de pessoas participantes de uma intervenção psicossocial; e analisar o impacto da intervenção psicossocial no desenvolvimento do modo de apropriação comprometido nos participantes;

 

Método

Primeiramente, entende-se o ato de pesquisar como uma forma de efetivar uma produção acadêmica que contribui para a renovação do quefazer psicológico (Martin-Baró, 1998), tornando-o cada vez mais coerente com a realidade latinoamericana, brasileira e nordestina. Nas palavras de Montero (2006), este compromisso da pesquisa representa a validade ecológica em ";que se busca es verificar si la investigación o intervención realizada tiene sentido em el mundo, esto es, en el ámbito en la cual se produce" (Montero, 2006, p. 54), pois o conhecimento construído está embasado por um fim social. A legitimidade desta pesquisa é baseada na apresentação clara e rigorosa do processo de realização (Montero, 2006). Assim, a realização dessa pesquisa deu-se através do metodologia qualitativa, por constituir-se uma perspectiva de pesquisa que, segundo Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (1998) procura abranger com maior amplitude as situações vividas pelos sujeitos em diferentes contextos, assim como, para Günther (2006), por partir do pressuposto de que se pode obter conhecimento a partir da compreensão.

Segundo Minayo (1994) e Richardson (1985), a abordagem qualitativa abrange um nível de realidade que não se quantifica, focando nos significados, aspirações, motivos, atitudes e valores. Günther (2006) afirma que na pesquisa qualitativa há possibilidades de envolvimento do pesquisador no processo de pesquisa, característica fundamental para o andamento dessa pesquisa, pois houve a convivência cotidiana de uma das autoras com os atores locais envolvidos na intervenção, sendo ela uma das facilitadoras das atividades.

Participantes

A pesquisa foi desenvolvida com os integrantes de um projeto de intervenção psicossocial desenvolvido em um bairro pobre da cidade de Fortaleza. Os participantes estavam inseridos em um grupo de inclusão produtiva baseada no aprendizado de corte e de costura de roupas. Havia no grupo 11 mulheres e 02 homens, com idades entre 18 e 30 anos, em situação de desemprego. Os critérios de escolha para participação desse estudo foram: 1. Desejar participar da pesquisa; 2. Participar assiduamente do grupo em todo seu processo, do início em maio de 2011 até o final do Curso de Corte e Costura, que se encerrou em dezembro de 2011. A partir desses critérios, os participantes da pesquisa foram as quatro pessoas que tiveram frequência assídua durante o curso: 03 mulheres e 01 homem. As mulheres apresentavam idades entre 30 e 50 anos e ensino médio completo; o homem tinha 18 anos e encontrava-se no último ano do ensino médio.

Instrumentos

Assim, foi utilizada a técnica da Observação Participante, pois se preferiu pela escolha metodológica da menor distância e de inserção na realidade investigada (Haguette, 2005), facilitando a percepção do investigador sobre o fenômeno estudado devido ao acesso natural ao cotidiano do grupo. Montero (2006) afirma que o pesquisador apresenta atitudes de empatia, de compreensão, de horizontalidade e de curiosidade científica. Faz-se necessário, segundo Baztán (1995), o uso de uma ação direta, com inserção sensível, convivência real e objetiva. A observação participante corresponde à postura do pesquisador em tornar-se próximo e ser aceito pelo grupo pesquisado.

A sistematização das impressões das observações foi realizada a partir da elaboração de diários de campo, colaborando, segundo Montero (2006), para o aprimoramento da capacidade de observar e descrever o fenômeno, além de apresentar-se como uma fonte de informações ricas em detalhes sobre o ocorrido durante um processo de trabalho comunitário.

Outra técnica utilizada foi o Grupo Focal que envolve um grupo de pessoas selecionadas e reunidas por um pesquisador que media, segundo Dias (2000), a discussão dos participantes. Esses são motivados a discutirem um tema específico de acordo com Ressel. Beck, Gualda, Hoffmann, Silva e Sehnem (2008). O grupo focal é usado quando o pesquisador tem interesse na variedade e na contraposição de opiniões, sentimentos e experiências acerca do tema proposto. Esta técnica se mostra vantajosa pela riqueza possibilitada pelo confronto e permite a apreensão abrangente dos significados que demandariam uma elaboração mais operosa no caso de entrevistas individuais, permitindo o acúmulo de informações em curto tempo, devido à congregação de opiniões.

Procedimentos

Sobre o contexto de realização da pesquisa, ela foi desenvolvida em uma comunidade da cidade de Fortaleza na região nordeste do Brasil a partir da parceria com uma ONG atuante junto com um projeto de extensão de uma Instituição Pública de Ensino Superior. A atividade analisada é uma intervenção psicossocial realizada em um curso de Corte e Costura no ano de 2011.

Este grupo seguiu as premissas de uma intervenção psicossocial orientada a partir da Psicologia Comunitária. Dessa maneira, foi um processo participativo, cooperativo, dialógico, horizontal e crítico com atividades de fortalecimento da vinculação comunitária e da problematização da realidade, além da capacitação técnica em confecção.

A pesquisa, então, foi idealizada e iniciada após o término do Curso de Corte e Costura, em janeiro de 2012, possibilitando o acompanhamento dos resultados da intervenção psicossocial a partir da realização das observações participantes e da elaboração de diários de campo. Foi desenvolvido também o planejamento do primeiro grupo focal, que teve como objetivo levantar algumas informações tidas como relevantes para a pesquisa e construir em conjunto com os sujeitos da pesquisa os temas a serem discutidos no segundo encontro. Para a construção conjunta do segundo grupo focal, os temas a serem discutidos foram acordados em grupo, como: a falta de vínculo entre os moradores; a relação dos moradores com o que é realizado por pessoas de fora da comunidade e por pessoas do próprio bairro; e avaliação do Curso de Corte e Costura. A videogravação permitiu um registro mais fidedigno para a análise de dados dos grupos focais realizados, pode-se analisar o material da pesquisa e manter a neutralidade dos dados. Dessa forma, o uso do vídeo possibilitou uma maior exatidão no processo de produção de sentidos na pesquisa (Kenski, 2003).

Segundo Belei, Gimeniz-Paschoal, Nascimento & Matsumoto (2008), é necessário o pesquisador analisar a imagem representando o todo em diálogo constante com o referencial teórico.

Segundo Bauer e Gaskell (2008), o vídeo tem uma função de registro de dados quando um conjunto de ações humanas é complexo para ser descrito por um só observador em seu desenrolar, fornecendo registros das ações temporais e dos acontecimentos reais. As videogravações, realizadas nos grupos focais, foram transcritas de forma fidedigna. A partir das informações coletadas na videogravação dos grupos focais e nos diários de campo da observação participante, foi feita uma Análise de Conteúdo (Bardin, 1977). A análise de conteúdo se estabelece como um conjunto de técnicas de análise com procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo da mensagem. Busca a correspondência entre as estruturas semânticas dos textos e as estruturas psicológicas ou sociológicas existentes nas entrelinhas ou para além do que é comunicado.

Foi realizada a codificação dos grupos focais, na qual foram enumeradas as perguntas e as linhas de cada resposta, imediatamente antecedidas pela primeira letra do nome de quem realizou a fala, a fim de facilitar possíveis consultas ao material. Os códigos utilizados para a identificação das perguntas e das repostas são os números 1 ou 2, para identificar se a fala encontra-se no primeiro ou no segundo grupo focal, a letra ‘P’ seguida de um número para identificar a fala da pesquisadora e uma letra seguida de um número para indicar quem fez a fala e em que linha da resposta se encontra. Por exemplo, ao utilizar o código 1.P4.E11 indica que a fala encontra-se no primeiro grupo focal, na quarta intervenção da pesquisadora, na linha 11 da resposta e foi uma fala da participante Ednuzia. Todos os nomes utilizados na pesquisa foram decididos pelos próprios participantes.

Desta forma, a letra ‘L’ refere-se à Lucijane, a letra ‘E’ refere-se à Ednuzia, a letra ‘F’ refere-se à Francileuda e a letra ‘N’ refere-se ao Nirlanysson.

As referências aos diários de campo serão compostas pela sigla DC seguida pelo número do diário de campo em que se encontra a referida informação no arquivo específico de elaboração dos diários, pela data de realização daquela observação e pela numeração da linha citada. Por exemplo, ao utilizar DC 1, 14/02/12, L7-11 será referente ao primeiro diário de campo, realizado no dia 14 de fevereiro de 2012, nas linhas 7 a 11 do arquivo. Por fim, assegura-se que os compromissos éticos e sociais da pesquisa foram resguardados, sendo solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos participantes, assim como a submissão do projeto de pesquisa no Comitê de Ética da Instituição de Ensino Pública.

 

Resultados e Discussão

Cumprindo os objetivos estipulados, serão apresentados os modos de apropriação da realidade: quase inaparente, distante e comprometido. Os dois primeiros foram aglutinados em um mesmo tópico. Os diferentes modos de apropriação igualmente foram explicitados a partir das possíveis relações com a intervenção psicossocial desenvolvida.

Modos de apropriação quase inaparente e distante

Primeiramente, é evidenciado que modo de apropriação quase inaparente esteve pouco presente nas falas dos participantes, denunciando um possível impacto positivo da intervenção psicossocial desenvolvida.

A falta de comportamentos ou de discursos que se encaixam nesse modo de apropriação pode ter sido causada pela participação nas atividades desenvolvidas na intervenção, pois essas ações, segundo Góis (2005), são baseadas em perspectivas críticas de problematização da realidade. Assim, observa-se o modo de apropriação quase inaparente somente no início do grupo, em que a causa para se estar presente era motivada por questões externas. Falas como ";eu acho que eu só continuei até aqui foi por causa das pessoas mesmo" (1.P5.N17) e ";quis até desistir, mas minhas colegas começaram a me dar força" (1.P15.E4) demonstram que a estrutura do grupo proporcionou um espaço de fortalecimento e identificação entre os participantes a apesar deles não se sentirem autores dessa atividade.

Sobre o modo de apropriação distante, identifica-se que um dos participantes nota que os moradores da comunidade não convivem, não se conhecem, refletindo criticamente sobre a dinâmica comunitária realidade. Apesar desse apontamento, não se coloca como inserido nessa dinâmica:

Eu não sei quanto a vocês, mas eu tenho reparado muito nas pessoas aqui e, pelo menos na área onde eu moro, né. Não... Se não tem nada pra fazer, elas ficam ociosas, ficam em casa assistindo novela a tarde toda, não sei o quê. Não tem mais aquele diálogo, até porque os tempos mudaram. Os melhores tempos já passaram não vão voltar mais. É porque a tecnologia tem um avanço e tudo mais e tá levando pra um lado das pessoas se isolarem mais em casa, pelo menos é isso que eu tô percebendo. (1.P51.N4)

É interessante atinar para o fato de que, ao falar que os moradores não convivem, eles mesmos estão inseridos nesta percepção, refletindo criticamente, mas não se percebendo como responsáveis também por esse fenômeno. Os participantes da pesquisa também percebem a limitação das relações comunitárias. Eles falavam de um passado vivenciado de forma diferente e ";melhor", que esperam mudanças, mas em poucos momentos apresentaram-se ativos na busca por essas modificações. Embora em muitos momentos os participantes valorizam unicamente a ações de agentes externos, apresentando uma ";relação de dependência para com os que falsamente chamamos de seres autônomos" (Freire, 2001, P. 86), foram feitas críticas à postura do próprio morador da comunidade como alguém que ";só quer usufruir" (2.P13.F5). Eles demonstraram atribuir aos trabalhos realizados por agentes externos à comunidade, mesmo quando indicaram novas ações, o pensamento de que as coisas apresentam mais créditos quando são realizadas por alguém de fora, que estas pessoas são mais aptas para intervir na comunidade, muitas vezes assumindo um papel de salvação daquela situação de carência em que vivem e da qual não conseguiriam emergir por conta própria.

Caracteriza-se, assim, o modo de apropriação distante. De acordo com Freire (2001), há o início da criticidade na consciência transitiva ingênua, mas ainda em uma perspectiva limitada e sem poder de ação. Os participantes do grupo fizeram igualmente algumas proposições de ações para possibilitar o fortalecimento dos vínculos comunitários, considerando os espaços voltados para geração de trabalho como potencializantes para a vinculação afetiva entre os moradores.

As propostas pareceram não indicar um comprometimento deles, mas algo que dependeria da ONG ou de agentes externos, como fica evidenciado em algumas falas: ";mais cursos, mais coisas que as pessoas procurem interesse de aprender e queiram" (2.P38.L1), ";só esperar e se acontecer o projeto nós vamos tá dispostos a contribuir" (2.P26.L1). Mesmo tecendo críticas, os participantes da pesquisa não se referiam a si como sujeitos ativos capazes de mudar aquela realidade, assumindo uma postura passiva de espera nas ações dos atores externos. Assim, se falarmos de uma apropriação que tem como base a participação, pode-se dizer que, embora haja o distanciamento e a percepção sobre o contexto sóciohistórico em que se inserem, não apontando ações das quais eles se coloquem à frente, como atores diretos das mudanças em seu entorno social.

Com isso, continua sendo demonstrado um modo de apropriação distante em que há a reflexão e a proposição, mas ainda não se apresenta atividades concretas desenvolvidas pelos próprios indivíduos. Surgiram as propostas, embora não pareça haver o envolvimento e comprometimento direto com elas. Percebe-se, em suas afirmações, a cultura de assistencialismo presente em sua realidade, cultura que não promove espaços para o desenvolvimento da autonomia e do compromisso social dos sujeitos, justamente o que se almeja nas atuações em Psicologia Comunitária através da construção do sujeito comunitário e do aprofundamento da consciência dos moradores (Vieira & Ximenes, 2008, 2012).

Modo de apropriação comprometido

Pode-se considerar com o fim da intervenção psicossocial, algumas mudanças foram-se tornando perceptíveis, como aconteceu na primeira aula do novo curso de costura, que teve sua turma aberta em abril de 2012, pela qual os moradores envolvidos na pesquisa colocaram-se como responsáveis. Neste dia, a professora faltou e uma integrante do grupo, moradora da comunidade, assumiu a aula. ";Ela se dizia uma pessoa impaciente, especialmente para ensinar, e conseguiu lidar com o primeiro dia do curso sozinha" (DC 8, 17/04/12, L218), apresentando a contradição entre a ação que realizou e seu sentimento de incapacidade para ensinar. Ela pareceu apresentar uma percepção de si viciada na falta de habilidades promovida pelo assistencialismo, que alimenta o posicionamento do sujeito como alguém-que-precisa-de-algo e não como alguém-que-pode-oferecer-algo. Porém, emergiu dessa situação ao assumir uma postura ativa, comprometida e apropriada.

Outro momento em que se pode perceber um modo de apropriação comprometido foi quando um dos integrantes estava facilitando o que ele chamou de ";momento terapêutico" (DC 10, 08/09/12), que antes era facilitado por uma agente externa. Esta ação surgiu da iniciativa de um morador. Ele não esperou pela ida de mais um agente externo para aquele espaço para que o ";momento terapêutico" acontecesse. Ele julgou como importante, como um espaço onde os participantes se apoiam, e fez.

Dessa forma, esteve apropriado de modo comprometido dessa ação, pois compreendeu sua importância, ela passou a ter sentido em sua vida e ele passou a realizá-la com autonomia. Nepomuceno, Ximenes, Cidade, Mendonça e Soares (2008) concebem que essas ações voltadas para o âmbito coletivo de forma crítica estão permeadas por movimentos de conscientização.

Assim, eles assumiram a nova turma do grupo de costura de forma ativa, rompendo com as posturas fatalistas que podem ser percebidas em suas falas sobre os moradores da comunidade, nos quais eles estão inclusos, como: ";As coisas daqui eram feitas da comunidade, era só como uma espécie de fogo de palha, mas logo esmorecia. E vindo de fora não" (1.P52.N3) , o morador ";só quer usufruir" (2.P13.F5) ou ao se afirmarem como pessoas incapazes de ensinar algo a alguém. Pode-se perceber a construção de uma nova turma do Curso de Corte e Costura como resultado da movimentação da consciência e do fortalecimento de modos de apropriação comprometidos com a realidade pelos integrantes do grupo. Pareceram, então, assumir o papel de sujeitos comunitários, ao levarem à frente uma atividade comunitária com possibilidade de gerar mudanças na vida das pessoas a partir do desenvolvimento do modo de participação comprometido.

Também aparece em suas falas a preocupação com a comunidade, quando consideram a cooperativa como um possível exemplo para a comunidade, podendo agregar mais gente. A participação no grupo, portanto, pode ter proporcionado um processo de conscientização desses moradores, pois percebem possibilidade de ações suas que possam gerar mudanças em sua realidade. Ximenes, Amaral, Rebouças, Barros (2008) que essa perspectiva de envolvimento com questões comunitárias é próprio do fortalecimento da criticidade e de mobilização popular cerne de uma participação social reivindicatória. Essa forma de participação está no âmago do modo de apropriação comprometido.

Dessa maneira, os modos de apropriação da realidade parecem apresentar relações diretas com o modo de apropriação do futuro. Pode-se afirmar que ao apresentar um modo de apropriação comprometido, o indivíduo pode estabelecer metas e portar-se como ator do seu presente para alcançar seus objetivos. De outra forma, o indivíduo que apresenta, em relação ao futuro, modo de apropriação quase inaparente ou mesmo modo de apropriação distante, posicionando-se com posturas fatalistas características do tipo de consciência mágica ou ingênua, pode apresentar resignação, desmotivação ou descrédito em relação ao seu projeto de vida.

Quando uma moradora da comunidade afirma ";Acho que só com um milagre de Deus pra melhorar aqui" (DC 10, 08/05/12, L315), apresenta um modo de apropriação quase inaparente em relação ao futuro, sendo desenvolvido em situações de constante opressão e deslegitimação das potencialidades das pessoas. Dessa forma, o indivíduo pode apresentar comportamentos ditos como acomodados, devido à falta de perspectiva de futuro. Ao abrir terreno para o desenvolvimento de modos de apropriação comprometidos em relação ao futuro, possibilita-se o surgimento de novas perspectivas de vida, da possibilidade de vislumbrar um futuro, de forma a contribuir para o movimento da consciência e de posturas resignadas à ativas, como pode ser observado na mudança de comportamento de integrantes do grupo de costura.

Eles se afirmavam como antissociais ou impacientes e passaram a assumir o papel de líderes de um novo grupo.

A participação no grupo de costura resultou em mudanças significativas em suas formas de portar-se no mundo. Um dos participantes estava conversando com as mulheres sobre o fato de elas não se conhecerem, mesmo morando na mesma comunidade e como o grupo é um espaço que os uniu (DC 10, 08/09/12). Mais do que somente o aprendizado da costura, a nova turma do curso proporciona um espaço de fortalecimento de vínculo através do diálogo. Lane (1996) afirma que o grupo em suas premissas de cooperação e de suporte emocional pode ser um espaço de fortalecimento de vinculação efetiva entre os participantes. Essas posturas eventualmente contraditórias tornam claro que os indivíduos transitam constantemente entre os tipos de consciência (Góis, 2005). Há momentos em que os indivíduos apresentam modos de apropriação mais comprometidos e outros em que se posicionam passivamente em sua realidade. No entanto, portam-se no mundo como sujeitos comunitários ao apresentarem uma consciência transitiva crítica.

 

Considerações Finais

Averiguando os sentidos que os participantes atribuíam à intervenção psicossocial realizada na comunidade a partir do curso de costura, surgiram informações intimidantes e contraditórias para o desenvolvimento de ações em busca da autonomia dos sujeitos. Os trabalhos realizados por pessoas de fora da comunidade foram reconhecidos como atividades que dão certo, atribuindo a estas pessoas um reconhecimento e agradecimento. Pode-se questionar, então, o quanto essas ações podem ser igualmente permeadas pela teia do assistencialismo no dia a dia das comunidades.

Atrelado aos sentidos que atribuíram às ações dos atores externos, surgiu também o sentido designado à participação dos próprios moradores, vistos pelos participantes do grupo (também moradores) como pessoas que querem tudo pronto, que não se interessam, não participam. Vinculado a esta percepção, está o pensamento de que as ações realizadas por moradores são ";só fogo de palha", por vezes desmerecendo-as antes mesmo de serem realizadas. Ao proporem novas possibilidades de atuação, pareceram não se dirigir aos moradores (e a si mesmos) como quem fosse realizá-las, mas a atores externos.

Assim, foi identificado também a existência de diferentes modos de apropriação e tipos de consciência nos participantes, sendo prioritário os modos de apropriação distante apesar de haver sido apresentado também significativos exemplos do modo de apropriação comprometido. Isso significa que os níveis de consciência transitivo ingênuo e crítico foram igualmente desenvolvidos por meio de processos de tomada de consciência e de conscientização. Estas considerações estão comprovadas nas novas atitudes que os participantes desempenharam na organização e na realização do novo curso de costura em que se apresentaram como facilitadores dessa atividade. É interessante perceber que o processo de apropriação não se dá individualmente, é preciso que haja uma ou mais relações para que ele aconteça, pois a apropriação é uma categoria essencialmente relacional. Portanto, identifica-se o grupo realizado a partir da intervenção psicossocial como condição fundamental para fortalecer os sujeitos comunitários, desenvolvendo habilidades para transformar seu ambiente e a si mesmo. Portanto, os resultados da pesquisa mostraram que quando ocorre participação ativa em uma intervenção, há possibilidade de acontecer modos de apropriação mais comprometidos.

Ao gerar espaços em que se promova o diálogo e a participação de forma afetiva, potencializa-se a criação de vínculos e o fortalecimento do sujeito comunitário a partir do processo de conscientização.

 

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Recibido: 15 de Marzo de 2013.
Aceptado: 17 de Mayo de 2013.

 

1Graduada em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará. E-mail: nathyisis@gmail.com
2Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará, Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Ceará e Professora Titular da Universidade Federal do Ceará. E-mail: narafdiogo@gmail.com
3
Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará e Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: jamesferreirajr@gmail.com
4Correspondencia remitir a: revistacientificaeureka@gmail.com, norma@tigo.com.py"Centro de Documentación, Investigación y Difusión de la Carrera de Psicología", FFCH-Universidad Católica de Asunción-Paraguay