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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.9 no.1 Porto Alegre jan./abr. 2019

 

ARTIGOS

 

O "singular" do projeto terapêutico: (im)possibilidades de construções no CAPSi

 

The singular of therapeutic project: (im)possibilities of constructions in CAPSi

 

El "singular" del proyecto terapéutico: (im) posibilidades de construcciones en CAPSi

 

 

Jordana Rodrigues da SilvaI; Félix Miguel Nascimento GuazinaII; Adolfo PizzinatoIII; Kátia Bones RochaIV

IUniversidade Franciscana (UFN), Santa Maria, RS, Brasil
IIUniversidade Franciscana (UFN), Santa Maria, RS, Brasil
IIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
IVPontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), Porto Alegre, RS, Brasil

 

 


RESUMO

O presente estudo tem como objetivo compreender como são consideradas as singularidades do usuário no processo da construção de seu Projeto Terapêutico Singular, a partir da percepção dos profissionais da equipe de um Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência, localizado no interior do Rio Grande do Sul. A pesquisa, de caráter exploratório e descritivo, e de natureza qualitativa utilizou, como método de obtenção de dados, a técnica do grupo focal, o qual ocorreu em um encontro, com seis profissionais de núcleos profissionais distintos do Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência em questão. Os dados foram submetidos à técnica de Análise de Conteúdo, resultando em três categorias: Considerações sobre o singular na construção do Projeto Terapêutico Singular; O desejo e seus (des)encontros no processo do Projeto Terapêutico Singular; O Projeto Terapêutico Singular como uma possibilidade de construção no Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência. Considera-se que o Projeto Terapêutico Singular é um instrumento de trabalho utilizado no campo da saúde mental, o qual possibilita o enlace entre instituição e sujeito, ao pensar sua totalidade e incluir nesse processo seu contexto sócio-histórico-cultural, família, sua singularidade e desejos. Evidencia-se como essencial considerar o usuário em um lugar de sujeito singular nesse processo, ao modo que esse caracteriza o Projeto Terapêutico Singular e possibilita um cuidado humanizado.

Palavras-chave: Saúde Mental, Projeto Terapêutico Singular, Humanização da Assistência, Infância e Adolescência.


ABSTRACT

The present study aims to comprehend how the singularities of the user are considered in the process of constructing of their Singular Therapeutic Project, based on the perception of the staff of a Center for Psychosocial Attention of Infancy and Adolescence, located in the interior of Rio Grande do Sul. The research of exploratory and descriptive character, of a qualitative nature was used as a method of obtaining data from the focal group technique, which occurred in one meeting, with six professionals of different professional areas from the Center for Psychosocial Attention of Infancy and Adolescence in question. The data were submitted to a content analysis technique, which resulted in three categories, being: Considerations about the singular in the construction of the Singular Therapeutic Project; Desire and its (dis) encounters in the Singular Therapeutic Project process; The singular therapeutic project as a building possibility in Center for Psychosocial Attention of Infancy and Adolescence. It is considered that the Singular Therapeutic Project is a working tool used in the field of mental health which allows the link between institution and subject, considering its totality and including in this process its socio-historical-cultural context, family, its singularity and desires. It is essential to consider the user in a place of singular subject in this process, as it characterizes the Singular Therapeutic Project and allows a humanized care.

Keywords: Mental Health, Singular Therapeutic Project, Humanized care, Childhood and Adolescence


RESUMEN

El presente estudio tiene como el objetivo de comprender cómo se consideran las singularidades del usuario en el proceso de la construcción de su Proyecto Terapéutico Singular, a partir de la percepción de los profesionales del equipo de un Centro de Atención a la Infancia y Adolescencia, ubicado en el interior de Rio Grande do Sul. La investigación, de carácter exploratorio y descriptivo, y de naturaleza cualitativa, ha utilizado como método de obtención de datos, la técnica de grupo focal, que ha ocurrido en un encuentro; con seis profesionales de núcleos profesionales distintos del Centro de Atención Psicosocial de la Infancia y Adolescencia en cuestión. Los datos fueron sometidos a la técnica de Análisis de Contenido, resultando en tres categorías: Consideraciones sobre lo singular en la construcción del Proyecto Terapéutico Singular; El deseo y sus (des)encuentros en el proceso del Proyecto Terapéutico Singular; El Proyecto Terapéutico Singular como una posibilidad de construcción en el un Centro de Atención a la Infancia y Adolescencia. Se considera que el Proyecto Terapéutico Singular es un instrumento de trabajo utilizado en el campo de la salud mental, el cual posibilita un enlace entre institución y sujeto, al pensar en su totalidad e incluir en ese proceso su contexto socio-histórico-cultural, familia, su singularidad y deseos. Se evidencia como esencial considerar al usuario en un sitio de sujeto singular en ese proceso, de modo que eso caracteriza al Proyecto Terapéutico Singular y posibilita un cuidado humanizado.

Palabras-clave: Salud Mental, Proyecto Terapéutico Singular, Humanización de la Asistencia, Infancia y Adolescencia.


 

 

Introdução

Historicamente, o modelo de atenção destinado ao atendimento do sofrimento psíquico foi marcado pela institucionalização do sujeito com sofrimento psíquico. De um modo hegemônico, até os anos 1970, os hospitais psiquiátricos, baseados numa lógica manicomial, eram marcados pela exclusão do sujeito, a partir de um olhar biomédico, com o foco na doença. Desta forma, o contexto histórico, social, familiar, cultural, bem como os processos de subjetivação e desejos, os fatores constituintes do sujeito, são expropriados do campo da saúde mental. Dessa forma, pode-se dizer que os manicômios "ocuparam-se das doenças e esqueceram-se dos sujeitos que ficaram apenas como pano de fundo das mesmas" (Amarante, 2011, p.66).

Em contrapartida, os movimentos reformistas no Brasil se constituem como forma de questionamento deste modelo manicomial. Deste modo, a Reforma Psiquiátrica Brasileira surge como proposta de ser um novo modelo de atenção e cuidado em saúde mental. No cerne do movimento, o deslocamento da doença como lugar central da atenção torna-se fundamental, dando espaço para considerar as singularidades e as potencialidades dos sujeitos com histórico de longa permanência em instituições manicomiais. Com isso, a Reforma Psiquiátrica propõe colocar a doença entre parênteses, passando a ocupar-se do sujeito em questão a ser cuidado (Amarante, 2007).

Entre as principais conquistas decorrentes desse movimento, encontram- se a criação de uma rede de cuidados em saúde mental, em que os serviços substitutivos, denominados como Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), apresentam papel estratégico. Esses são dispositivos que surgem com a finalidade de contrapor a forma de cuidado até então proposta pelos hospitais psiquiátricos, ofertando um olhar ampliado ao sujeito, e a ampliação de práticas de cuidado que ofereçam alternativas de vida aos usuários dos serviços. Para tal, os CAPS constituem- se em serviços de caráter aberto, os quais atuam em uma lógica de desinstitucionalizar pessoas com histórico de longas internações, promover autonomia e corresponsabilizar o cuidado entre gestores, trabalhadores e usuários, estimulando, assim, novos modos de cuidar, de maneira coletiva e compartilhada (Brasil, 2007, 2013).

Dentre estes serviços, o Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência (CAPSi) destina-se ao cuidado da infância e adolescência na rede de atenção psicossocial (Brasil, 2014). Propõe a promoção da autonomia, inclusão social da criança ou adolescente, garantindo direitos e promovendo novas possibilidades e modos de vida desse usuário e sua família.

Na finalidade de promover um cuidado diferenciado daquele ofertado pelo hospital psiquiátrico, vê-se como essencial a escuta desse sujeito, de modo que a construção e o processo da saída dos manicômios não seja apenas um deslocar de espaço, mas, uma amarra possível (Costa, 2014). Para possibilitar a articulação entre cuidado humanizado e saúde mental, o Projeto Terapêutico Singular (PTS) torna-se um recurso utilizado para proporcionar o enlace entre instituição e sujeito. Tal articulação só é possível a partir de um diálogo com a noção de sujeito e do desejo que o constitui (Costa, 2014).

Nesse sentido, o PTS vem a ser um dos principais instrumentos de trabalho nos CAPSs, visto que trazem, em sua premissa, a possibilidade de inclusão do usuário em seu tratamento e de considerar seu contexto sociocultural, familiar, sua singularidade e desejos, tornando-se um marcador diferencial no cuidado em saúde mental.

Ressalta-se que, não é apenas o deslocar do ambiente físico do manicômio para o CAPS a garantia de mudança no direcionamento do tratamento desse sujeito, visto o caráter ideológico da loucura na sociedade. A possibilidade de novos paradigmas de cuidado em saúde mental vem associada com uma escuta desse sujeito e sua singularidade. Deste modo, os processos de desinstitucionalização devem priorizar estratégias e experiências de "ativação da força-invenção da vida" (Romagnoli, Paulon, Amorin et al., 2009, p.205), que emergem como práticas de resistência nos diferentes dispositivos da rede.

Com isso, o PTS se constitui como uma possibilidade de construção de um modo de cuidado e de relação horizontal entre instituição e usuário, e não mais de forma vertical, como proposto pelo modelo psiquiátrico. É relevante, ainda, considerar nesta construção o recorte e a singularidade da infância e adolescência na saúde mental, e, consequentemente, a inclusão desses como sujeitos nesse processo, visto as peculiaridades e lugar social que esses sujeitos se encontram. Diversas são as amarras e enlaces que o PTS deve conter para que a criança e o adolescente tenham seu lugar de escuta garantido, e que assim, não hajam retrocessos nos caminhos percorridos pela Reforma Psiquiátrica.

Nesse sentido, o presente trabalho vem a ser um recorte do projeto de pesquisa intitulado "Projeto Terapêutico Singular e o CAPSi: olhares dos atores sociais envolvidos em sua (re)construção", o qual tem por objetivo compreender como são consideradas as singularidades do usuário no processo da construção de seu PTS, a partir da percepção dos profissionais da equipe de um CAPSi, localizado no interior do Rio Grande do Sul. A pesquisa é resultante das vivências e experiências decorrentes da inserção prática e teórica no campo de atuação do CAPS em questão, a qual foi possibilitada através do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Mental, da Universidade Franciscana.

 

Método

A pesquisa caracteriza-se como de natureza qualitativa, de caráter exploratório e descritivo. Utilizou-se da proposta de grupo focal para coleta dos dados, com a finalidade de pautar trocas e diálogos entre os participantes. De acordo com Ressel et al. (2008) compreende-se pela técnica de grupo focal um grupo de discussão que dialogue a respeito de temas em particular, ao receber estímulos para o debate. Essa técnica caracteriza-se, entre outros, pelo processo de interação grupal, o que vem a ser uma resultante da procura de dados. Para a seleção dos participantes da pesquisa optou-se pelos critérios de inclusão: estar atuando no serviço através de concurso público; incluir núcleos profissionais variados; realizar atividades de cuidado e atenção aos usuários inseridos no serviço. Como critérios de exclusão, considerou-se: não estar há menos de seis meses no serviço; não estar no serviço através de contrato temporário.

Nesse sentido, realizou-se um único encontro de grupo focal, de, aproximadamente, uma hora e trinta minutos, com seis profissionais de um CAPSi, localizado em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, os quais enquadravam-se nos critérios de seleção e aceitaram participar do estudo. O grupo focal ocorreu em sala cedida pelo local da pesquisa e foi gravado através de aparelho MP3, mediante autorização dos participantes. Dentre esses, encontraram-se profissionais dos núcleos de arte terapia, educação física, enfermagem, psicologia, psicopedagogia, e técnico administrativo. Para fins de compreensão, os participantes serão identificados pela letra "P" (profissional), seguido do algarismo numérico (P-1, P-2, P-3, P-4, P-5, P-6). O encontro foi conduzido por quatro pesquisadoras, sendo uma responsável pela condução da discussão e as demais para observação do processo. O grupo foi norteado por temas previamente delimitados, tais como percepções sobre saúde metal, infância, singularidade, desejo, potencialidades e dificuldades da prática, e cotidiano do serviço e do usuário. Os participantes eram livres para responder e se posicionarem nos temas e questões que lhes fossem de interesse.

No encontro, inicialmente foi realizada apresentação da pesquisa, leitura e assinatura do Termo e Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), no qual ao considerar os preceitos éticos e legais que envolvem a pesquisa com seres humanos, conforme a resolução 466/12 (Brasil, 2012), os participantes realizaram a assinatura do TCLE em duas vias. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) local sob o número de parecer: 2.221.002.

Após o processo de coleta de dados, o encontro gravado foi transcrito e analisado através do método de análise de conteúdo, proposto por Bardin (2011). A autora propõe um conjunto de técnicas de análise das comunicações e conteúdo das mensagens dos pesquisados, sendo compreendida a partir de três fases fundamentais, as quais são: pré análise, exploração do material e tratamento e interpretação dos resultados. Dessa forma, o estudo, de modo a melhor apresentar os resultados, foi organizado em três categorias principais, as quais foram organizadas e relacionadas a posteriori da análise dos dados e serão apresentadas e exploradas a seguir.

 

Resultados e Discussão

Considerações sobre o singular na construção do PTS

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; Temos o direito de ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza (Boaventura de Sousa Santos).

O PTS constitui-se como um dos principais recursos de trabalho no campo da saúde mental. Isso, pois, inaugura-se como um marco nas novas formas de cuidado na atenção psicossocial, por possibilitar que o sujeito não esteja mais em um lugar passivo em seu cuidado, mas sim, atuante e ativo nessa nova proposta, considerando suas singularidades, subjetividades e potencialidades. De acordo com Costa (2014) a Reforma Psiquiátrica trouxe consigo a perspectiva de novas formas de atenção em saúde mental, ao propor a saída dos hospitais psiquiátricos. No entanto, para que essa não se torne apenas um deslocar de espaço, faz-se essencial a escuta desse sujeito e sua singularidade. Para a autora, "Se, por um lado, almeja-se tensionar a pólis a partir da presença do louco na cidade entende-se que isso não pode se dar sem que seja feita uma escuta singularizada, permitindo uma ampliação nas fronteiras entre o sujeito e o outro" (Costa, 2014, n.p.).

Nesse sentido, o PTS proporciona a construção e reconstrução do projeto de cuidado do sujeito, incluindo-o nessa participação, juntamente à sua família, ao seu contexto sócio-histórico-cultural e à equipe envolvida, de modo a construir uma corresponsabilização de seu cuidado. Para tal, a escuta do sujeito torna-se indispensável, pois "não há responsabilização possível sem que seja garantida a escuta daquele a quem se quer responsabilizar" (BRASIL, 2014, p. 23).

A respeito disso, os profissionais do CAPSi referem:

"O projeto terapêutico singular é um plano, um plano terapêutico pra cada usuário né, que a gente pensa dentro da subjetividade de cada sujeito, dentro do que é necessário pra cada um (...)" (P-1);

"Eu acho que uma coisa importante é que o usuário também tem que participar desse plano né, dizendo o que que ele gosta, então a gente procura sempre incluir essa pessoa nesse plano, que é singular, então é pra ele né, especialmente pra ele (...)" (P-6);

"A gente tem que construir junto o plano terapêutico e a família tem que se envolver nesse plano terapêutico de várias maneiras, né (...) essa família se envolver no plano terapêutico acho que é mais amplo, né, do que só o atendimento" (P-6).

Assim, as falas dos profissionais vão ao encontro ao preconizado pela Política Nacional de Humanização (PNH), a qual propõe uma construção compartilhada, considerando as características e especificidades do sujeito. Ao considerar o sujeito de forma ativa nesse processo, o cuidado torna-se transversal e horizontal, no sentido de que todos os envolvidos passam a ser atores ativos. Figueiredo (2004) referiu que a proposta do projeto terapêutico deve caminhar ao contrário de uma hierarquização de saberes e funções do que supõe-se melhor para o usuário, destinando- se a ir em busca de perguntas que direcionem o sujeito a ocupar lugar ativo em seu cuidado. Desse modo, "em vez de nos perguntarmos o que podemos fazer por ele, a pergunta deve ser feita de outro modo: o que ele pode fazer para sair de tal ou tal situação com nosso suporte?" (Figueiredo, 2004, p. 81).

Nessa perspectiva, é necessário um olhar que contemple o sujeito em sua complexidade. Para tal, é essencial considerar seu contexto social, sua história e cultura, ao passo que esses perpassam e constituem a singularidade de cada sujeito, tornando-se espaço potencial de trocas e de produção de subjetividade. Como referido pela profissional sobre a necessidade de, "Entrar dentro dessa realidade e pensar o que que é possível ali, não adianta pensar uma coisa que não faz parte da cultura, da realidade". (P-1)

Não é possível pensar em um lugar e espaço singular dentro desse projeto terapêutico, sem considerar o enlace desse sujeito em seus perpasses culturais e territoriais. Ao falar de território e do espaço cultural desse sujeito, é relevante considerar que esse se trata de um conceito que vai além de questões geográficas e regionais. Trata-se do espaço em que esse sujeito constitui-se, através de trocas, relações e afetos. Freud (1921) referiu que o Eu está constantemente em constituição, através de suas relações e trocas, o sujeito está continuamente se refazendo. Dessa forma, para considerar a singularidade do sujeito, torna-se indispensável conhecer, acessar e incluir seu contexto social, cultural e territorial nesse processo de cuidado. O território é "o lugar psicossocial do sujeito; é onde a vida acontece" (Brasil, 2005, p.13). Nesse sentido, o contexto social e cultural torna-se um potencializador de vivências e experiências para o sujeito, fazendo-se essencial na constituição subjetiva desse.

Ao considerar o que Goffman (2003) referiu a respeito da mortificação do Eu, causada pelas instituições totais, tais como os manicômios, situações em que os sujeitos viviam enclausurados de convívio social, restringidos da possibilidade de uma singularidade, do direito de ser e desejar. A nova perspectiva de cuidado nos CAPSs pressupõe um novo olhar para esse sujeito. De modo ampliado e destinado a garantir sua integralidade e totalidade, preconiza a reabilitação e reinserção psicossocial desse sujeito, de modo a promover autonomia, explorar potencialidades e expressar sua subjetividade (Brasil, 2010). Tal questão, é referida pelos profissionais do CAPSi:

"Explorar essas diferentes potencialidades (...) porque daqui a pouco não sabe ler e escrever, mas sabe desenhar muito bem, sabe tocar um instrumento, de conseguir enxergar isso também neles, né, no que que eles podem se sentir bem, se sentir importantes ali ( )". (P-1);

"Eu acho que somos apostadores aqui dentro, porque muitas vezes a família vem tão desprotegida e sem ter mais apostas nesse filho né, sem ter mais desejo, que nós entramos como uma força a mais pra essa criança, esse adolescente, de apostar que é possível, que ele pode conseguir". (P-2);

"Ele vai, desde criança até passar a ser e adolescente, depois ganha né, poder ter suas asas e poder ter a autonomia que a gente pensa, que eu acho que é importante". (P-3)

Os profissionais referiram a respeito da proposta dos CAPS, fazendo um elo específico para a infância e adolescência, alvo especial de atenção no serviço aqui discutido. Ao considerar a singularidade do sujeito e a questão da infância, os profissionais do CAPSi ressaltaram e questionaram-se a respeito da relação do projeto terapêutico, o qual deve ser singular, e a medicalização dos sujeitos, em que esses percebem, muitas vezes, como uma possível anulação de uma subjetividade e dessa singularidade a qual o cuidado em saúde mental se propõe na atualidade. Como se depreende das falas:

"Às vezes o usuário tá tão medicado que tu não sabe o que que tem dele ali". (P-1);

"Tanto a internação como a medicação são efeitos rápidos e eles tamponam o sintoma né, então o que que acontece: ah! O resultado pra família vai ser bom, a criança vai tá sonolenta, vai tá quieta, não vai tá mais agitada. Mas muitas vezes, quando a gente pega essa criança que ainda, ou adolescente, que ainda não foi internado ou que não toma medicação, como é melhor de trabalhar! Por mais que ele esteja agitado e às vezes é trabalhoso pra nós, mas é muito mais interessante, pra gente ir mais a fundo e ver o qu/e que tá provocando esse comportamento, o que que tá deixando ele assim adoecido, né" (P-2).

Na discussão trazida pelos profissionais, ressalta-se fator de extrema relevância ao tratar-se de infância, saúde mental e os processos de constituição em que esse sujeito se encontra, assim como as possíveis anulações desse momento. De acordo com Kamers (2014) a criança hoje é portadora de idealizações sociais do adulto, podendo-se pensar que o que está em jogo, muitas vezes, é justamente o apagamento do sintoma da criança, aquilo que é de ordem singular dela. Para a autora, o comportamento e a resposta advinda da criança, não esperada ou desejada pelo adulto e pelo contexto social, passa a ser considerada como expressão de uma patologia. Nesse sentido, a medicalização pode vir como uma tentativa de conduzir a criança à "normalidade", tornando-se uma possibilidade para o contexto social sustentar o mal-estar causado pela condição pulsional da infância (Kamers, 2014). Nas falas, observou-se um relato a respeito de uma anulação desses sujeitos, tornando difícil reconhecer suas singularidades e desejos.

Nessa perspectiva, é possível relacionar a medicalização com o singular, proposto pelo projeto terapêutico, onde os profissionais observaram que esse, muitas vezes, é "tamponado" pelo seu uso. Nesse sentido, alguns profissionais do CAPSi perceberam e trouxeram falas a respeito do uso de determinados medicamentos de forma generalizada, e até mesmo banalizada no serviço em questão, tais como:

"Parece até uma dupla sertaneja: Ritalina e Risperidona". (P-2);

"Que plano terapêutico singular esse, né? Todos Ritalina e Risperidona". (P-1)

As falas trazidas pelos profissionais são de extrema relevância, visto que as mesmas, referidas em um discurso curto, porém, carregado de reflexões críticas, questionam o modo observado como alguns processos ocorrem. Esses, por vezes, escapam do preconizado pela rede de atenção psicossocial e acabam por descaracterizar o singular do sujeito.

É relevante ressaltar que a noção de sujeito implica a uma noção de singularidade, ou seja, não é possível pensar em abordagens terapêuticas de forma homogênea e prescritiva, as quais acabam por criar uma padronização dos sujeitos e de suas demandas (Brasil, 2014). Os processos terapêuticos oferecidos, pensados e discutidos em conjunto com o usuário e sua família, devem considerar sua subjetividade, de modo que, para esse sujeito, seu cuidado seja único.

Os profissionais referiram, ainda, a respeito da medicalização, a qual também é construída através do PTS e, consequentemente, devendo ser singular ao sujeito:

"Porque isso da medicação, né (...) também é singular. Uma medicação que pra um pode ter um efeito, pra outro não, né. Então também tem que fazer parte desse Projeto Terapêutico ali, de pensar, de experimentar". (P-1)

Dessa forma, tem-se como indispensável colocar em discussão a questão da singularidade na construção deste processo. Ao ser incluso determinado processo terapêutico, seja esse medicamentoso ou de outra ordem, em diversos e diferentes PTS dos usuários, sem questionar-se a respeito de suas especificidades, esse acaba por acarretar em uma descaracterização do sujeito nessa construção, tornando-se um obstáculo para o singular do projeto terapêutico. Ressalta- se a relevância do envolvimento do médico psiquiatra no processo de construção do PTS do sujeito, de modo que as intervenções com uso medicamentoso, possam ser discutidos em sua complexidade e com uma ampliação de olhares, de modo a não fragmentar os processos de trabalho. No entanto, essa participação da equipe médica ainda encontra-se fragilizada nesse processo, como referido na fala da profissional

"Eu acho que um outro desafio tem a ver com a questão do plano terapêutico ser pensado de forma multidisciplinar, mas os médicos acabam ficando afastados disso (...) Então daqui a pouco um médico tem uma ideia de plano terapêutico, faz um encaminhamento, e a equipe tem outra ideia né, e acaba... o usuário no meio disso." (P-1)

Nesse sentido, ao considerar a proposta do PTS de proporcionar o enlace entre sujeito, instituição e os novos modos de cuidado em saúde mental e o desenlace com o modelo manicomial, preconizados através da reforma psiquiátrica, faz-se necessário, assim como evidenciaram as falas dos participantes, realizar o constante questionamento a respeito do projeto terapêutico a ser (re)construído: Que singular é esse?

O desejo e seus (des)encontros no processo do PTS

Portanto, a pergunta sempre será: Para qual direção seu desejo aponta? (Ana Costa)

Ao ponto em que se discorre sobre singularidades e subjetividades, torna-se inevitável trazer para a discussão o lugar de desejo na construção deste processo. Esse, o qual é elemento essencial e constituinte de um sujeito, deve ser considerado em seu cuidado na atenção psicossocial. Como discutido anteriormente, o modelo psiquiátrico, ao enclausurar o sujeito entre os muros do manicômio e limitar esse do convívio social, impossibilitava-o de ser e desejar. Freud (2013), em Psicologia das Massas e Análise do Eu, referiu que o sujeito é, antes de tudo, um ser social. Tal afirmação refere sobre o sujeito constituir- se em suas trocas com o outro e possibilidades de relações sociais. Dessa forma, é possível considerar que a reforma psiquiátrica trouxe consigo a possibilidade do sujeito reconhecer-se enquanto sujeito de seu tratamento, incluindo em sua proposta a inserção do desejo e as trocas sociais, elementos constituintes do sujeito e, preconizados pela rede de atenção psicossocial.

Nas reflexões de Birman (2005), ao referir Freud, esse abordou a relevância da constituição de desejo para que, assim, seja possível uma constituição de sujeito. Para o autor, não apenas o desejo está no cerne do sujeito, mas também, é o que o move e possibilita condições para o sujeito existir. Assim, ao construir e reconstruir esse projeto terapêutico, o qual tem como foco o

sujeito e seu tratamento, tem-se que tomar como elemento incondicional o desejo do sujeito para que esse tenha efetividade. Desse modo, o cuidado em saúde mental e o projeto terapêutico devem propor-se, não apenas a acolher o desejo já existente desse sujeito, mas, a ser um suporte para potencializar e possibilitar esse encontro, o qual, por vezes, pode estar despercebido por esse. As falas a seguir contemplam estes posicionamentos:

"A gente auxilia, né, ao sujeito a encontrar isso (...) que as vezes não ta conseguindo perceber, não ta conseguindo sabe o que ele gosta, o que ele quer (...) fazer o plano terapêutico já ajuda ele se enxergar enquanto sujeito, enquanto sujeito desejante". (P-1);

(...) Entra naquele detalhe (...) se há desejo, eu acho que aí a gente empresta esse desejo pro usuário, a gente se empresta por um tempo (...). (P-2)

Na fala do profissional, é possível fazer a reflexão e retomar a proposta sobre a qual a atenção psicossocial, junto ao projeto terapêutico, se propõe a dar um lugar a esse sujeito, possibilitando (re)encontros desse consigo e com o outro, de modo a ser um suporte para esse quando esta for sua demanda. Além disto, ao passo que o profissional refere a respeito de "emprestar o desejo ao usuário", possibilita associar com o constituir desejo, quando esse for faltante, de modo que o profissional, ou o CAPSi, ocupe um lugar de suporte para esse sujeito, participando e oferecendo elementos, quando necessário, para a construção de sua percepção de mundo, de possibilidades e desejos. Campos (2014), ao discutir a respeito da instituição e do sujeito, remeteu a Winnicott e ao conceito de "holding", para associar o lugar da instituição na vida desse. A autora referiu que a instituição, no caso o CAPSi, deve trabalhar enquanto lugar de holding para esse sujeito, ou seja, um lugar de suporte em seu processo de constituição subjetiva, aquilo que o sustenta.

No entanto, é relevante que tal suporte e investimento ocorra de modo que, o desejo do profissional por esse usuário não se sobreponha ao que esse deseja ou almeja para si, como refere o profissional a seguir:

"São bem diferentes as ideias do que que a gente tá pensando (...) é difícil ver o que que é demanda nossa e o que realmente é necessário pro usuário". (P-1)

Como referido anteriormente, é essencial que o CAPSi ocupe um lugar de investimento e suporte para esse sujeito, emprestando-se para ele quando necessário, no entanto, sempre de modo cauteloso para que o mesmo não perpasse os desejos, possibilidades e recursos que o sujeito possui naquele momento. Tais perpasses podem acarretar em frustrações nos profissionais que o acompanham, pois o usuário acaba por não realizar movimento de encontro com suas expectativas e projeções. Tal situação é referida pelo profissional:

"Às vezes a gente deseja pelo paciente e o paciente não deseja, então a gente vai, traça todo um plano terapêutico pra ele, o que que seria adequado, e ele não quer aquilo, não quer. Né, e isso bate nas nossas frustrações (...)". (P-1);

"Alguns a gente pensa assim, poxa precisa consulta psiquiátrica, por exemplo, e a pessoa não quer tomar medicação (...) por mais que a gente tenta pensar no desejo do sujeito e não no nosso pra ele, é. isso ocorre meio que naturalmente né, a gente tem que desconstruir um pouco isso. Então acho que sim, que as vezes a gente deseja por eles né". (P-1)

Assim, compreende-se que é necessário o investimento, idealizações e projeções da equipe nesse usuário e família, com a finalidade de tornar possível um cuidado. Aqui se compreende como indispensável o limite do desejo do profissional e do usuário, os quais, por vezes, podem ou não, realizar o mesmo caminho. Campos (2014) evidenciou a ideia do sujeito em deslocamento, o qual transita, se constrói e reconstrói em suas diversas trocas, espaços e movimentos. Desse modo, é necessário apostar nesses (des)encontros dos desejos do sujeito profissional e usuário, como potencialidade para o cuidado em saúde mental.

O Projeto Terapêutico Singular como uma possibilidade de construção no CAPSi

(. ) e foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: - Me ajuda a olhar! (Eduardo Galeado)

No decorrer da discussão a respeito de PTS e suas possibilidades e não possibilidades, torna-se relevante realizar um recorte a respeito da infância e adolescência, campo onde se situam os sujeitos os quais o CAPSi se propõe a construir projetos terapêuticos e ofertar cuidado. Esse sujeito, por vezes ainda em constituição psíquica e subjetiva, deve ter sua singularidade e desejo considerados nesse processo. No entanto, alguns perpasses ocorrem no decorrer dessa (re) construção do PTS desses sujeitos, devido o lugar que esses ocupam no campo social, histórico e cultural. Entre esses, os profissionais referiram algumas dificuldades em conciliar o desejo desse sujeito, que ainda se encontra em lugar social, de direitos e deveres, destoante do adulto, o qual é responsável por esse. É possível observar tal questão nas falas trazidas pelos profissionais do CAPSi, a seguir:

"E tem uma peculiaridade que eu acho que a gente trabalha com criança e adolescente, né, então tem autonomia... mas também tem a questão assim ó: já teve pacientes, por exemplo, que queriam estar e tal... e os pais não queriam e não... não traziam". (P-1);

"Ah é, porque depende do adulto... ainda". (P-2);

"Então a gente sabe disso, que muitas vezes eles querem algumas coisas, mas a família não quer aquilo ou a família não acredita naquilo, né". (P-1)

Desse modo, tem-se como necessário articular essa família e contexto social do usuário nessa construção, no sentido de ir ao encontro de possibilidades de tornar esse sujeito ativo nesse processo, sem que haja retrocessos no PTS, em deixar seu desejo e singularidade de lado, em razão de sua condição infanto-juvenil. Os conceitos preconizados pela rede de atenção psicossocial devem promover a construção desse cuidado, considerando as peculiaridades de cada caso, e o momento que cada sujeito se encontra, em seu processo de desenvolvimento. Promover a autonomia, o estabelecimento de vínculos, estimular as relações interpessoais e fortalecimento de redes, são fundamentais para a produção de saúde da criança e do adolescente (Brasil, 2014). Torna-se essencial a escuta singularizada desses sujeitos, desde sua chegada ao serviço, através do acolhimento, como no decorrer de seu processo de cuidado no CAPSi, de modo a salientar e retomar o protagonismo da criança ou adolescente em seu tratamento. Ainda que esse, por vezes, esteja submetido a um consentimento do adulto cuidador, sua escuta deve ser constante, com a finalidade de colocá-lo em uma posição de sujeito desejante e ativo nesse processo, articulando, mediando e conciliando essa relação.

Os profissionais do CAPSi referiram a respeito da inclusão deste familiar nos processos de trabalho, envolvendo-o e destinando um cuidado também a esse, como uma facilidade de diálogo e trocas para articulação:

"(...) a gente conversa com o adolescente e com a criança e vê o interesse, depois conversa com a família. E quando essa família está nos grupos a facilidade com o que tu consegue, né, fazer esses encaminhamentos é muito maior do que quando não estão". (P-4);

"Mas também né, como aqui é criança, a família as vezes não entende muito, as vezes ela procura, tem a demanda, ansiedade né, do cuidador". (P-3)

Assim, percebe-se a relevância de ofertar um lugar ativo para a família, ao longo do processo de (re) construção do PTS desse usuário. Nesse processo, o CAPSi ocupa o lugar de mediador dos laços sociais desse sujeito, ao acolher as demandas desse e de sua família, possibilitando articulações e manejos nesses modos de cuidado. Aqui, é possível retomar a ideia de Campos (2014), ao referir a instituição enquanto suporte na inscrição desse sujeito no laço social, respeitando seu modo particular de o fazer. Nesse contexto, ao considerar as singularidades de cada sujeito, o CAPSi propõe um olhar multiprofissional em seu cuidado, de modo a olhar para esse em sua totalidade, de acordo com modelo proposto pela rede de atenção psicossocial, direcionando-se a um desencontro do modelo biomédico de cuidado, com foco central e uma especificidade. No entanto, aqui, os profissionais do serviço referiram alguns empecilhos quanto à compreensão e à aceitação da família nesse processo de construção interdisciplinar do cuidado. É possível observar nas falas que, essas famílias, por vezes, ainda trazem em seu discurso elementos de uma construção sócio-histórica-cultural derivada de um modelo biomédico, onde o cuidado em saúde mental estava vinculado diretamente com o olhar médico:

"Ele (o familiar) não entende muito, às vezes porque que participa do grupo, porque que não é individual, ou porque que não é só com o médico né". (P-3);

"Eu acho que essa coisa da família tem muito a ver com uma construção social, uma cultura né... médica, onde a família vem com esse vício de que só o médico ou só o psicólogo vão dar resultados". (P-2);

"Então no momento que a gente propõe uma atenção multiprofissional, interdisciplinar, onde tem profissionais como arte, educação física, terapia ocupacional, que às vezes são muito diferentes do que se vê né, na saúde (...) então a família fica um pouco... '' não, mas como?'', né". (P-2)

O referido nas falas, remete ao questionamento a respeito do contexto ideológico ao qual o processo da reforma psiquiátrica está vinculada. A desinstitucionalização do sujeito e seu rompimento com o modelo manicomial e biomédico vai além do processo de fechamento dos hospitais psiquiátricos, pois os muros dos manicômios não são apenas físicos, mas, culturais e ideológicos (Figueirêdo, Delevati & Tavares, 2014). Nesse sentido, o CAPS deve possibilitar novos modos de cuidado, não apenas destinados ao sujeito em questão, mas sim, tecendo articulações/ com sua família, envolvendo seu contexto social, de modo a proporcionar reflexões a respeito do que se entende por saúde mental e cuidado a esse sujeito. Sobre isso, um dos profissionais do CAPSi trouxe algumas reflexões:

"Mas eu às vezes até acho que a coisa é maior, que tem essa ideia ah, contra os manicômios, contra estar fechado, mas parece que se impede toda a tentativa de inclusão". (P-1);

"Então é como se deixasse, a ta lá no CAPS, né, é louco fica lá no CAPS, então, todas essas tentativas, né apresentam dificuldades assim, né de inserir" (P-1).

A proposta do CAPSi, deve caminhar ao encontro da desinstitucionalização desse sujeito, direcionando-o em busca de seu lugar desejante nesse processo. Se antes, seu processo de subjetividade, singularidade e lugar de desejo permaneciam sob as amarras de uma instituição, na atualidade, esta nova instituição, deve proporcionar possibilidades de encontro desse sujeito consigo e com o outro. Como articulador dessa proposta, o PTS proporciona o enlace desses novos modelos de cuidado e o sujeito em questão.

Ao possibilitar essa (re)construção, o projeto terapêutico vislumbra a possibilidade de um lugar de sujeito ativo de sua história para esse usuário, carregado de desejos e singularidades. Esse deve ser um recurso para possibilitar o caminhar do usuário em seu trajeto, de modo a ser um suporte quando necessário. Tal fato foi trazido pelos profissionais, de modo a refletir as possibilidades que o PTS traça para o sujeito:

"É o resgate do que ele tem de valor, né, no indivíduo, na pessoa mesmo, né. E também, assim fazendo uma analogia muito, sei lá... como um plano de voo, tu precisa sair de um determinado ponto pra tentar chegar naquele, então tu traça, é norteador isso, tanto pra equipe, como para o indivíduo (...) Ela se transforma, o indivíduo se transforma". (P-3);

"O projeto não é só o que tá escrito ali, é um projeto de vida". (P-1);

"É valorizar o sujeito, (...) se ocupando daquele sujeito que naquele momento precisa, né de apoio. Ah, pra pensar também, levando em conta o que ele deseja, pra pensa assim um projeto de vida" (P-1).

Nesse sentido, o CAPSi, junto ao recurso do PTS, deve dirigir seu cuidado para um suporte desse sujeito, direcionando-o a um protagonismo de sua vida. Ao ocupar um lugar onde é possível falar de si e de sua história, a criança e o adolescente encontram possibilidades de novos significados e modos de inserção social (Brasil, 2014). Para tal, é essencial que esse ocupe um lugar singular e desejante em seu cuidado, tornando-se ativo e atuante nesse processo.

Assim, torna-se indispensável a escuta do caso a caso, a fim de construir direções de tratamento e projetos terapêuticos realmente singulares. Pois, ao permitir e dar um lugar a esse sujeito, torna- se possível singularizar e humanizar esse cuidado.

 

Considerações finais

As vivências, proporcionadas através da Residência Multiprofissional em Saúde Mental, do Universidade Franciscana, no campo de atuação do CAPSi, tornaram possíveis reflexões e indagações a respeito do processo do PTS no serviço. Os dados obtidos nesse estudo, permitiram compreender o que os profissionais do CAPSi referiram a respeito do singular nesse processo, de modo a ressaltar e refletir a respeito de sua relevância nessa construção. Foi possível observar a relação entre os elementos trazidos nas discussões do grupo focal, com o processo de cuidado, de inserção do usuário e suas singularidades. Tem-se aqui, como essencial o elemento da escuta desse sujeito, de modo a possibilitar um lugar ativo e protagonista desse em seu cuidado. O PTS é o elemento que permite o enlace entre sujeito e instituição, oportunizando a articulação de um cuidado humanizado. Para tal, considerar o desejo, a singularidade, e o direito de ser e escolher desse sujeito, tornam-se essenciais para sua efetivação.

No entanto, observou-se algumas peculiaridades nesse processo, encontradas no serviço em questão. O recorte da infância e adolescência, alvo e atenção especial no CAPSi, traz consigo algumas dificuldades nessa construção. Os profissionais referiram, a respeito da questão da medicalização nesse processo, a qual, muitas vezes, vem a ser um atravessamento na construção do singular, visto que essa, em momentos, resulta em uma descaracterização dos sujeitos. Nesse processo, a ausência dos médicos psiquiatras na participação da construção do PTS encontra-se como fator marcante, dificultando a discussão e o enlace e articulação da equipe nesse cuidado. Outro fator trazido pela equipe foi a questão familiar, a qual, por vezes, resulta em desencontros com o desejo do usuário, sendo a equipe um articulador indispensável na mediação desta relação, para possibilitar a construção de um PTS e um cuidado humanizado destinado ao sujeito em questão.

Nesse sentido, o lugar do singular no projeto terapêutico é diverso, visto que o sujeito transita e se reconstrói constantemente. Assim, o CAPSi vem de encontro a oportunizar e dar lugar de escuta e protagonismo a esse sujeito, de modo que, através do PTS, seja possível para o sujeito a (re)construção de sua história, ocupando um lugar ativo nessa.

 

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Enviado em: 21/05/18
Aceito em: 14/01/19

 

 

Jordana Rodrigues da Silva é psicóloga, especialista em Saúde Mental pela Universidade Franciscana (UFN), Santa Maria - RS.
E-mail: jordanarodrigues.s@gmail.com
Félix Miguel Nascimento Guazina é psicólogo e Mestre em Psicologia. Atualmente é docente do departamento de Psicologia, Universidade Franciscana (UFN), Santa Maria - RS.
E-mail: guazina@gmail.com
Adolfo Pizzinato é doutor em psicologia. Atualmente é docente do curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
E-mail: adolfopizzinato@hotmail.com
Kátia Bones Rocha é doutora em psicologia. Atualmente atua como docente do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS)
E-mail: katia.rocha@pucrs.br

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