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Revista Sul-Americana de Psicologia

 ISSN 2318-650X

Rev. Sul-Am. Psicol. vol.1 no.1 Americana jul. 2013

 

 

Influência da idade no teste de Memória Visual de Trânsito (MVT)

 

Influence of age on the Traffic Visual Memory test

 

Influencia de la edad en la memoria prueba de Tráfico Visual (MVT)

 

 

Nelimar Ribeiro de CastroI,1; Juliana Oliveira GomesiII ; Ivan Sant'Ana Rabelo III

IFaculdades de Ciências da Saúde- FACISA/UNIVIÇOSA
IIFaculdade de Minas - FAMINAS
IIIUniversidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Um dos processos psicológicos muito estudados no contexto do trânsito é a memória, sendo que diversos estudo já investigaram a relação entre o desempenho em sua avaliação e a idade. Este estudo teve como objetivo avaliar a influência da idade no desempenho no teste de Memória Visual de Trânsito, bem como verificar a presença de funcionamento diferencial dos itens em função da idade. Participaram 1003 pessoas com idade média de 27,97 anos (DP= 10,47), predominantemente mulheres. As magnitudes significativas de correlação indicaram ausência de interferência do sexo nas associações entre o desempenho no teste e a idade, enquanto as análises envolvendo esta variável indicaram melhor desempenho para os participantes mais jovens. No que diz respeito ao funcionamento diferencial, os grupos mais velhos foram favorecidos em cinco interações, enquanto os mais jovens, em nove interações, havendo, portanto, equilíbrio no que se referem aos vieses de resposta.

Palavras-chave: Psicologia do Trânsito, Testes psicológicos, Validade do teste


ABSTRACT

One of the most psychological processes studied in the traffic context is the memory, and several studies have investigated the relationship between its performance in an assessment and the age. This study aimed to evaluate the influence of age on the Traffic Visual Memory test performance, as well as verifying the presence of differential item functioning by age. The sample were 1003 people with a mean age of 27.97 years (SD = 10.47), predominantly women. The magnitudes of correlation indicated no significant interference of sex in the associations between test performance and age, while other analyzes involving this variable performed better for the younger participants. Regarding to the differential items functioning, the older groups were privileged in five interactions, while the youngest were favored in nine interactions, what therefore showed a balance concerning to response biases.

Keywords: Traffic Psychology, Psychological Testing, Test Validity


RESUMEN

Una gran cantidad de procesos psicológicos estudiados en el contexto del tráfico es la memoria, y varios estudios han investigado la relación entre el rendimiento y la edad en su evaluación. Este estudio tuvo como objetivo evaluar la influencia de la edad sobre el rendimiento de la prueba de Tránsito Memoria Visual, así como la verificación de la presencia de funcionamiento diferencial de items por edad. 1.003 personas participaron con una edad media de 27,97 años (SD = 10.47), en su mayoría mujeres. Las magnitudes de correlación indicaron ninguna interferencia significativa del sexo en las asociaciones entre el rendimiento de la prueba y de la edad, mientras que el análisis que incluyen esta variable se comportó mejor para los participantes más jóvenes. Con respecto a el funcionamiento diferencial, los grupos de mayor edad fueron favorecidos en cinco ítems, mientras que los más jóvenes, nueve ítems, y por lo tanto no hay equilibrio en lo que se refiere a sesgos de respuesta.

Palabras-clave: Psicología del Tráfico, pruebas psicológicas, validez.


 

Introdução

 

O trânsito pode ser concebido como o resultado da interação entre o homem, o veículo e o ambiente (DENATRAN, 2008). De fato, ele envolve o resultado da influência mútua entre diferentes tipos de estímulos e por essa razão, a Psicologia se apresenta como uma maneira de estudar não somente o comportamento do homem dentro deste ambiente, mas também os fatores que possivelmente interferem nas diferentes relações observadas (Rozestraten, 1983; Rueda, 2009).

No Brasil, durante os procedimentos de aquisição da Carteira Nacional de Habilitação, a pessoa que pretende obter o documento deve passar previamente por uma avaliação pericial psicológica, na qual são verificadas características psicológicas que o futuro condutor deve apresentar de forma a poder dirigir de maneira segura e correta (DENATRAN, 2008; CFP, 2000). De acordo com a Resolução Nº 425 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN, 2012), baseada na Resolução n° 12/2000 do Conselho Federal de Psicologia (2000), o candidato deve apresentar características relacionadas a equilíbrio emocional, socialização, ausência de traços psicopatológicos não controlados, capacidade de tomada de decisão, orientação espacial, capacidade de identificação e discriminação de estímulos, além de habilidades intelectuais, como a inteligência, atenção e memória (CONTRAN, 2012).

Tal obrigatoriedade tem como suporte afirmativas de autores como Treat e cols. (1977) que estabeleceram a análise das habilidades cognitivas no contexto do trânsito como condições primordiais, uma vez que se trata de capacidades que se relacionam com todos os processos psicológicos presentes no ato de dirigir. Especificamente sobre a memória, concebida como um processo psicológico o qual envolve o armazenamento de informação codificada (Ballesteros, 1999), a avaliação se dá por meio de tarefas que incluam estratégias de identificação, arquivamento e recuperação de determinados estímulos dentro de uma ou mais tarefas.

Dentro deste contexto, diversos testes tem sido desenvolvidos ou adaptados no Brasil para atender à necessidade da avaliação pericial psicológica de futuros motoristas pelas clínicas especializadas do DETRAN. Dentre estes testes pode-se citar o Teste Pictórico de Memória - TEPIC-M (Rueda & Sisto, 2007) amplamente utilizado no Brasil e que avalia memória de curto prazo; o teste de Memória Visual de Rostos - MVR (Seisdedos, 2011) recentemente adaptado para o contexto nacional e com amostras específicas de motoristas e candidatos à CNH, e a Bateria de Funções Mentais para Motorista 2 - BFM-2 (Tonglet, 2003), além do teste de Memória Visual de Trânsito - MVT (Rabelo, 2012), objeto de estudo deste artigo.

Especificamente sobre o MVT, deve-se considerar que este teste encontra-se, atualmente, em processo de desenvolvimento. Por este motivo, em atenção aos critérios de qualidade psicométrica estabelecidos pela comunidade acadêmica internacional, e exigidos pelo CFP para a comercialização e utilização na prática do profissional de psicologia no Brasil (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2003; 2012), alguns estudos psicométricos encontram-se em desenvolvimento para avaliar as propriedades psicométricas deste teste. Dentre eles, destacou-se neste manuscrito, a relação entre a idade e a memória, conforme avaliada pelo MVT.

Alguns estudos tem investigado a relação entre idade e desempenho em tarefas envolvendo memória. De modo geral, os resultados sugerem relações negativas e significativas entre estas duas variáveis, mas com diferenças na força das correlações. Dentre estas pesquisas pode-se citar o trabalho de Alonso e Prieto (2004) no qual associaram o desempenho no subteste de memória da Weschler Adult Intelligence Scale (WAIS) em 111 pessoas entre 70 e 97 anos. Eles encontraram um índice negativo e significativo, embora baixo (r= -0,24; p=0,05). Resultado bastante próximo foi encontrado por Rueda, Castro e Raad (2011) ao associarem o Teste de Memória de Reconhecimento (TEM-R) à idade (r= -0,20; p<0,001).

Em estudo semelhante, Rueda e Sisto (2007) associou a memória de curto-prazo, avaliada pelo Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) em 642 pessoas entre 17 e 97 anos, à idade dos participantes. Nesse estudo, a correlação de Pearson também apresentou índices negativos e significativos, mas com magnitude moderada (r= -0,40; p<0,001), indicando que a variância na capacidade mnemônica é maior quando se amplia a faixa etária dos participantes. Resultado semelhante foi encontrado por Castro, Rosseti, Ambiel e Rabelo (2011) ao associarem o teste Memória Visual de Rosto à idade de 1310 pessoas entre 18 e 80 anos. Eles verificaram que a relação entre as variáveis foi negativa, significativa e baixa (r= -0,35; p<0,001). Por sua vez, Rodrigues e cols (2007), com participantes entre 19 e 90 anos, encontraram correlações negativas e, em sua maioria, significativas entre a idade e as tarefas de memória do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve (NEUPSILIN). Contudo, a magnitude da correlação apresentou diferenças para os diversos tipos de memória investigados variando de nula para memória visual de curto-prazo (r=-0, 19, p= 0,003), baixa para memória verbal imediata (r= -0, 28, p<0, 001), memória de trabalho (r= -0,35; p=0,001) e memória prospectiva (r= -0,31; p=0,001), à alta, embora não significativa, para memória semântica de longo prazo (r=-0, 80; p=0,189) e para o somatório das tarefas de memória (r= -0, 64; p= 0,024).

Tais resultados sugeriram, além de uma relação negativa entre a idade e memória, que a variância é dependente do tipo de tarefa avaliado. De fato, conclusão semelhante foi expressa por Erven e Janczura (2004) ao investigarem a diferença no desempenho de jovens entre 18 e 29 anos, e idosos entre 58 e 87 anos em tarefas complexas envolvendo habilidades mnemônicas que exigiam recuperação livre, sendo, recuperação com pista extra-lista e recuperação com pista intra-lista. Nesse estudo os resultados indicaram uma redução na evocação em razão do aumento da idade dos participantes, com melhores resultados para os mais jovens, mas também identificaram variações na magnitude em decorrência do tipo de teste de memória avaliado.

Por sua vez, Freire e cols. (2008) avaliaram a existência de níveis de habilidade em memória entre dois grupos um entre 20 e 25 anos, e o outro entre 60 e 75 anos. Eles utilizaram tarefas envolvendo memória de reconhecimento e contextual. A tarefa envolvia figura pertencentes a dois ambientes, uma sala de estar e um escritório. Na tarefa de memória de reconhecimento e contextual. Na tarefa envolvendo memória contextual metade dos participantes deveriam indicar em qual ambiente a figura apareceu anteriormente, enquanto a outra metade indicou se o objeto era ou não adequado ao ambiente no qual estava inserido. A idade e a instrução interferiram em ambas as tarefas, assim como a interação entre estas duas variáveis, favorecendo o grupo mais jovem e mais instruído. Porém, quando se estimulou o vínculo entre o item e o contexto houve benefício para os participantes mais velhos. Deste modo, os autores concluíram que os mais jovens conseguiram ativar espontaneamente os processos de integração entre o item e o contexto, enquanto que os idosos utilizaram de modo menos efetivo esta integração de modo espontâneo, mas que, quando instigados à tal procedimento isso beneficiou seu desempenho.

Essas diferenças no nível de habilidade em razão da idade tem indicado a formação de grupos etários distintos em amostras compostas por jovens, adultos e idosos. De fato, apesar de particularidades na divisão dos grupos indicando idades de corte distintas, pesquisas desta natureza tem apontado para diferenças significativas no desempenho em tarefas de memória associadas ao aumento da idade com a formação de grupos com níveis distintos de habilidade. Como exemplos, pode-se citar os trabalhos de Rueda e cols. (2011) que diferenciaram três grupos no Teste de Memória de Reconhecimento (TEM-R), sendo entre 17 e 23 anos, 24 e 35, e a partir dos 36 e Castro e cols (2011) que se depararam com três faixas etárias em razão do desempenho no teste Memória Visual de Rostos, a saber: entre 18 e 25 anos, 26 e 35 e a partir de 36. Ainda pode-se destacar a diferenciação no TEPIC-M de três grupos etários, embora com idades de cortes mais elevadas, sendo: entre 17 e 36 anos, 37 e 59 e a partir de 60 (Rueda & Sisto, 2007).

Essas diferenças em tarefas de memória em razão da idade poderiam ser explicadas pelo fato de que as pessoas não apresentam estratégias específicas de codificação e devolução da informação em tarefas fáceis, enquanto em tarefas difíceis, estratégias deliberadas passam a ser requeridas. Como os adultos jovens apresentam-se mais capacitados a utilizarem deliberadamente diferentes estratégias mnemônicas, em comparação acrianças, adultos mais velhos e idosos, eles apresentam melhores resultados na codificação e devolução da informação processada (Tulving & Craik, 2000). Ao lado disso, deve-se considerar que os idosos são mais perturbados no processo de codificação e devolução da informação do que os adultos jovens. Este efeito facilitador da estratégia tem sido relatado por outros autores (Erven & Janczura, 2004; Balardin, 2007; Freire & cols. 2007)

Contudo, apesar de evidências indicando o declínio da memória em decorrência do envelhecimento (Castro & cols, 2011; Ryan, 1992; Erven & Janczura, 2004; Balardin, 2007; Freire & cols. 2007; Rueda & Sisto, 2007; Rueda & cols., 2011, dentre outros), também observa-se que essa influência depende do tipo de memória envolvida e que alguns seriam mais prejudicados do que outros (Balota & Duchek, 1988; Schacter, Shimamura, 1989, dentre outros). Nesta perspectiva, as falhas de memória em pessoas mais velhas teriam origens distintas para cada tipo de memória avaliado.

Tais proposições, associadas que os testes psicológicos por si só apresentam características distintas, mesmo quando avaliam o mesmo construto, explicam as diferenças na magnitude das correlações encontradas nos vários estudos que associaram idade e memória (Alonso & Prieto, 2004; Rueda & cols., 2011; Rueda & Sisto, 2007; Castro & cols., 2011; Rodrigues & cols. 2007), bem como nas diferenças nas idades de corte para as faixas etárias em decorrência do tipo de memória avaliada e do teste utilizado (Rueda & cols., 2011; Rueda & Sisto, 2007; Castro & cols., 2011). De qualquer modo, independentemente do nível de interferência da idade na capacidade mnemônica observa-se um declínio com o avançar da idade, o que se mostra como uma das razões para que as pessoas em idade avançada necessitem renovar a licença para dirigir em curtos períodos de tempo, por exemplo.

Assim, percebe-se que o estudo da capacidade mnemônica é não somente obrigatória, mas crucial para o contexto do trânsito. Ainda, em relação ao método de avaliação, é também de extrema relevância que ele esteja devidamente associado às qualidades psicométricas, como a validade, inclusive no que diz respeito a compreender qual a real interferência da diferença na idade em relação aos níveis do teste. Em decorrência disso, este estudo teve como objetivo geral avaliar a influência da idade no desempenho no teste de Memória Visual de Trânsito (MVT) verificando a relação entre estas variáveis, a existência de diferenças significativas entre faixas etárias em razão da idade, e a presença de funcionamento diferencial nos itens do MVT em função da idade.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo 1003 pessoas entre 18 e 67 anos (M= 27,97; DP= 10,47), sendo que 148 (14,90&#37;) pessoas tinham 18 anos, 439 (43,90&#37;) tinham entre 19 e 26 anos, 212 (21,20&#37;) entre 27 e 35, 114 (11,50&#37;) entre 36 e 45 e, por fim, 90 (8,50&#37;) a partir de 46 anos. Como pode ser observado houve predominância de pessoas mais jovens. Quanto ao sexo, houve maior equilíbrio na participação, com 528 (52,60&#37;) mulheres.

Instrumento

Memória Visual de Trânsito - MVT (Rabelo, 2012).

O teste Memória Visual de Trânsito foi desenvolvido especialmente para a utilização no contexto do trânsito, podendo ser aplicado em pessoas com idade entre 16 e 67 anos, de ambos os sexos. Ele é composto por uma ficha de memorização e um Caderno de Respostas. Na Ficha de Memorização, que pode ser apresentado no formato de uma folha individual ou em banner encontram-se 28 placas de trânsito utilizadas no Sistema de Trânsito Brasileiro. Solicita-se ao participante que memorize as placas apresentadas por 4 minutos. Após a memorização o participante é instruído à preencher os dados cadastrais da Folha de Resposta, tarefa utilizada como distrator, e logo após, é instruído à responder às 20 questões constantes do Caderno de Memorização com tempo cronometrado de 6 minutos. As questões são objetivas oferecendo-se quatro opções, sendo apenas uma correta. Para cada acerto atribui-se um ponto, e para cada erro zero pontos. Para as perguntas não respondidas dentro do tempo oferecido atribui-se zero pontos. O desempenho do participante é expresso pela Pontuação Direta (PD) a qual se obtém subtraindo-se dos acertos a soma dos erros mais as omissões dividido por três [PD = A – ( E + O ) / 3].

Procedimento

Inicialmente o projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanas da Universidade São Francisco, e, posteriormente, coletados os dados (Protocolo CAAE 0058.1.142.186-11). O MVT foi aplicado coletivamente e individualmente em candidatos à aquisição de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) brasileira, ou em processo de renovação de sua CNH em clínicas especializadas em avaliação pericial do trânsito devidamente cadastradas nos Departamentos de Trânsito (DETRAN), bem como em pessoas que já possuíam a CNH e que foram abordadas em outros locais, como cursos universitários ou de pós-graduação. O procedimento seguiu o padrão descrito no manual do teste.

Resultados

Em atenção aos objetivos propostos, no primeiro estudo investigou-se a correlação, por meio do coeficiente de Pearson, entre a idade e o desempenho no MVT. A correlação obtida foi baixa, negativa e significativa, tanto para a amostra total (r= -0,35; p<0,001), quanto separadamente para homens (r= -0,34; p<0,001), e mulheres (r= -0,36; p<0,001). Nota-se que as diferenças na magnitude das correlações obtidas separadamente por sexo foram irrelevantes, não indicando, deste modo, interferência desta variável na associação entre o desempenho no MVT e a idade.

Na sequência foram realizadas Análises de Variância (ANOVA) para melhor avaliar a relação entre o desempenho no MVT e a idade. O melhor resultado sugeriu três grupos etários: entre 16 e 25 (N= 548) anos, entre 26 e 45 (N= 365) e entre 46 e 67 (N= 90) anos. A ANOVA indicou diferenças desses três grupos em razão de seu desempenho no MVT tanto ao se avaliar a amostra total [F(2, 1000)=61,78; p<0,001], separadamente para homens [F(2, 525)=30,94; p<0,001] e mulheres [F(2, 472)=32,24; p<0,001]. Além disso, a prova pos-hoc de Tukey sugeriu para os três casos a diferenciação de três grupos (Tabela 1) com melhor desempenho para os participante mais jovens.

 

 

Na sequência foram efetuadas análises para verificar se os itens do MVT apresentavam funcionamento diferencial (DIF) em razão da faixa etária dos participantes. Para isso, inicialmente, foram avaliados os parâmetros de ajuste do teste ao Modelo Rasch. Na Tabela 2 encontra-se um quadro resumo com os índices de ajuste para os itens e pessoas.

 

 

Observa-se que, no caso dos itens, o nível de dificuldade foi zero (DP= 1,04) variando de 1,83 a -2,01,enquanto que o Theta (índice de habilidade) foi de 1,54 (DP= 1,69) com intervalo entre 4,73 e -3,53. Tais resultados sugeriram que os itens foram relativamente fáceis para a amostra. Os infits, tanto dos itens como das pessoas, indicaram um ajuste ao modelo com apenas 22 pessoas com índices superiores aos indicados pela literatura, ao passo nenhum dos itens apresentaram infits em desajuste. Os outfits, todavia, indicaram dois itens em desajuste, enquanto que 135 (13,46&#37;) das pessoas apresentaram valores em desajuste, o que representou uma porcentagem pequena de participantes. Por fim, deve-se destacar que as médias dos infits e outfits para itens e pessoas estiveram próximas a 1,00, que é o padrão esperado. Deste modo, pode-se afirmar que o MVT apresentou bom ajuste ao Modelo Rasch, sendo adequado prosseguir com as análises de DIF segundo este modelo.

A literatura indica vários critérios para definir se um item apresenta ou não funcionamento diferencial, neste estudo foram adotados três critérios, quais sejam: Critério 1 - Contraste entre os valores de DIF dos grupos analisados igual ou superior a 0,50 (Draba, 1977); Critério 2 - Este contraste deve ser significativo segundo índice de probabilidade de MantelHanzl (Linacre & Wright, 2009); e. Critério 3 - valor de t igual ou superior a 2,40 (Linacre & Wright, 2009; Tennant & Pallant, 2007).

Considerando estes três critérios foi identificado que 10 itens (3, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15, 17 e 18) não apresentaram DIF, sendo que dos 12, representando 55,50&#37; dos itens, indicaram a presença de DIF em pelo menos um critério. Destes, 11 (1, 2, 4, 5, 6, 7, 16,19, 20, 21 e 22) apresentaram DIF pelo critério de Draba (1977), mas apenas 5 (4, 6, 19, 20, 21 e 22) também foram significativos pelo índice de MantelHanzl, enquanto que o critério de Linacre e Wright (2009) e Tennant e Pallant (2007) sugeriu DIF em 9 (1, 4, 5, 6, 14, 19, 20, 21 e 22) itens diferentes. Na Tabela 3 encontram-se os itens e interações que apresentaram DIF.

 

 

Se for considerado o número total de interações entre os três grupos etários, o qual foi 66, nota-se a ocorrência de DIF pelo critério de Draba (1977) em apenas 16 (24,24&#37;) delas, com 7 (10,61&#37;) sendo estatisticamente significante pelo índice de probabilidade de MantelHanzl, ao passo que 13 interações indicaram valor de t a partir de 2,40, sugerindo DIF pelo método de Linacre e Wright (2009) e Tennant e Pallant (2007). Os grupos mais velhos, especificamente entre 26 e 45 anos, e com 46 anos ou mais foram favorecidos em 5 interações cada, ao passo que o mais jovem, entre 18 e 25 anos foi favorecido em 9.

Discussão

Como objetivo principal deste estudo estabeleceu-se a investigação da influência da idade no desempenho no teste Memória Visual de Trânsito - MVT (Rabelo, 2013) com o fim de estabelecer evidências de validade para o referido teste. A partir deste escopo geral determinou-se três objetivos secundários, quais sejam, verificar a correlação entre a idade e o desempenho no MVT, avaliar diferenças no nível de habilidade no MVT entre faixas etárias, resultados que poderiam indicar evidências de validade desenvolvimental para o teste, e a existência de funcionamento diferencial dos itens, que representaria evidências de validade baseada na estrutura interna para o MVT. Os resultados encontrados representariam evidências de validade à medida que corroborassem os dados já abundantemente relatados na literatura sobre a relação entre idade e memória, os quais indicam, de modo geral, decréscimo na capacidade mnemônica em decorrência do avançar da idade, e a diferença no nível de habilidade entre faixas etárias, além de distintos processos de codificação e devolução entre adultos jovens e idosos.

Para o primeiro objetivo secundário estabeleceu-se o índice de correlação entre as variáveis em estudo obtendo-se um valor negativo, baixo e significativo, e na sequência, estabeleceu-se três faixas etárias por meio da ANOVA indicando três níveis de habilidade com melhor desempenho para o grupo mais velho, as quais ocorreram tanto na amostra geral, quanto separadamente para homens e mulheres.

Outros relatos de pesquisa que abordaram a relação entre a idade e a memória obtiveram resultados semelhantes. Assim, Rueda e Sisto (2007), Rodrigues e cols (2007) e Castro e cols. (2011) encontraram correlações com magnitudes muito próximas da verifica para o MVT para o grupo geral e para homens e mulheres separadamente, e, embora magnitudes mais baixas e elevadas também tenham sido identificadas na literatura (Alonso e Prieto, 2004; Rodrigues e cols., 2007; Rueda e cols., 2011), tais resultados demonstraram que o MVT comportou-se adequadamente em relação à variável idade, haja vista que, conforme indicado por Erven e Janczura (2004), existem diferenças na variância da magnitude observada em decorrência do tipo de memória avaliada.

No que concerne à capacidade do MVT em diferenciar grupos etários em razão de seu nível mnemônico, os resultados também corroboraram os achados da literatura ao diferenciarem três grupos, a saber, entre 18 e 25 anos, entre 26 e 45 e a partir de 46 anos. Diversos estudos mostraram que adultos jovens apresentam melhor desempenho em tarefas de memória quando comparados à adultos mais velhos ou idosos e que este desempenho indica níveis de habilidade significativamente diferentes (Freire e cols., 2008; Rueda e cols., 2011; Rueda e Sisto, 2007; Castro e cols., 2011). De fato, a faixa etária mais jovem encontrada para o MVT foi bastante semelhante às observadas para o TEM-R (Rueda e cols, 2011) e para o MVR (Castro e cols., 2011), mas a faixa etária intermediária apresentou-se mais ampla incluindo pessoas mais velhas. Essas diferenças no intervalo de idade observado entre os estudos podem ser explicados pelas já apresentadas e discutidas diferenças na força da correlação entre os tipos de memória e a idade (Erven e Janczura, 2004) às quais sugeririam um decréscimo mais ou menos acentuado da memória em razão do tipo de memória avaliado. De qualquer modo, estes resultados representaram evidências de validade desenvolvimental para o MVT ao comprovarem uma relação negativa com a idade, e a capacidade do teste de diferenciar faixas etárias em razão de seu desempenho no MVT.

Contudo, à titulo de melhor compreender a influência da idade no desempenho no MVT foi efetuada uma análise do funcionamento diferencial de seus itens em função dessa variável. Por meio desta análise foram detectados 12 itens com funcionamento diferencial, os quais favoreceram igualmente os dois grupos mais jovens, mas que também favoreceram o grupo mais velho em frequência bastante próxima. À primeira vista dever-se-ia supor que todos os itens com DIF indicassem viés de resposta benéficos ao grupo mais jovem devido ao fato de que são estes os que apresentam, sistematicamente, melhor desempenho em tarefas desta natureza, e também no MVT como já explicitado.

Sobre isso, pode-se fazer algumas inferências. Inicialmente deve-se lembrar que a relação entre memória e idade sofre interferência pelo tipo memória avaliado (Balota & Duchek, 1988; Burke & Light, 1981; Craik, 1983; Schacter, Kihlstrom, Kaszniak & Valdiserri, 1993; Shimamura, 1989, dentre outros), e assim, os itens do MVT podem ter associações distintas com a idade. Contudo, principalmente, a existência de DIF beneficiando grupos mais velhos pode ser associada ao estudo de Freire e cols. (2008), o qual identificou que os participantes idosos foram favorecidos em uma tarefa de memória contextual, quando instigados à associarem o item ao contexto. Embora não se tenha solicitado explicitamente os participantes mais velhos que realizassem esta associação a maioria deles possuem à mais tempo a CNH, estando, portanto, mais familiarizados com os estímulos utilizados pelo MVT. Deste modo, sugerimos que esta familiaridade possa ter favorecido os participante mais velhos justificando, por isso, o comportamento diferencial destes itens. Isso contudo, necessita ser investigado com grupos com experiência distinta na condução de veículos automotivos, mas com igual idade.

Com base no exposto, pode-se estabelecer algumas considerações. Inicialmente, ressalta-se que a relação entre o MVT e a idade encontrou-se dentro do indicado pela literatura, estabelecendo-se, deste modo, evidências de validade desenvolvimental, bem como evidências de validade baseada na estrutura interna do teste, por meio da análise de DIF. Além disso, embora uma frequência bastante próxima de DIF para cada faixa etária, o que sugeriu equilíbrio entre o viés apresentado entre os grupos e que as diferenças no nível de habilidade dos grupos em razão da idade refere-se à diferenças reais. Deste modo, para atender ao princípio da equidade na avaliação psicológica, propõem-se a construção de normas específicas para cada grupo, uma vez que eles se distinguem em termos de nível de habilidade, e que foi encontrado funcionamento diferencial em alguns itens. Contudo, para melhor avaliar a relação entre idade e o desempenho no MVT alguns estudos podem ser efetuados, tais como, a correção do DIF, a influência da interação entre experiência na condução de veículos e idade no desempenho no MVT, controles estes que não foram realizados neste estudo.

 

Referências

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Submissão: 25/02/2013
Última revisão: 15/03/2013
Aceite final: 29/04/2013

 

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