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Desidades
versão On-line ISSN 2318-9282
Desidades vol.2 Rio de Janeiro 2014
TEMAS EM DESTAQUE
Conflitos e diferenças geracionais no uso das tecnologias digitais
Conflictos y diferencias generacionales en el uso de las tecnologías digitales
Rosalia WinocurI
IDepartamento de Educación y Comunicación de la Universidad Autónoma Metropolitana de México
A principal fonte de dificuldade dos adultos de mais de 40 anos não diz respeito só, nem principalmente, ao uso do computador, o qual finalmente conseguem dominar pelo menos para as suas necessidades laborais e para seus interesses sociais, mas sim às diferenças que eles observam entre a sua relação com as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e a dos jovens e adolescentes, o que provoca muitas vezes irritação e sentimento de inferioridade. Este último é particularmente evidente entre os pais de setores populares.
Os adultos precisam narrar e explicar o seu processo de incorporação e domesticação do computador, estabelecendo um antes e um depois na sua biografia; os jovens atuam prescindindo de toda referência temporal e biográfica em relação ao uso da tecnologia, exceto aquela que marca a passagem de um modelo para outro. Os adultos precisam ser compreendidos, apoiados e auxiliados pessoalmente nas suas dificuldades com o software; os jovens resolvem sozinhos ou consultando um amigo na rede social. Os adultos precisam separar, controlar e administrar os tempos e os espaços (pelo menos imaginariamente) online e offline; os jovens vivem na prática do presente contínuo, do espaço deslocalizado e da simultaneidade de operações e janelas. Os adultos precisam de tradução da linguagem icônica e frequentemente requerem instruções escritas indicando o que se deve fazer do “começo até o fim”, de “cima para baixo” e da “direita para a esquerda”, enquanto que os jovens usam a linguagem original, o que permite que eles transitem vertiginosamente entre as múltiplas dobras do intertexto, abrindo e fechando janelas simultaneamente. Os adultos se sentem culpados e temem perder privacidade e qualidade de vida ao estarem todo o tempo conectados, os jovens sentem que ganham autonomia e que melhoram a sua qualidade de vida quando dominam as ferramentas que permitem ampliar seus recursos, redes e contatos horizontais. Os adultos têm medo de errar, de por a perder o trabalho, de serem vítimas de um vírus, de um intruso ou de um hacker, os jovens não têm contas em bancos e, apesar de frequentemente sofrerem mais as consequências de vírus e intrusos, enfrentam elas, por assim dizer, com espírito esportivo. Não conheço nenhum jovem que comece a chorar desesperadamente diante da perda de um arquivo ou da invasão de um vírus com raiva e impotência como eu mesma já fiz em várias oportunidades. Por um lado, eles têm mais recursos para resolver o problema e, por outro, assumem o risco como uma condição natural de viver e navegar na Rede. Em resumo, enquanto os adultos gastam muita energia tentando controlar a incerteza, e minimizar os riscos, os jovens gastam essa mesma energia ampliando os seus horizontes e transcendendo as suas circunstâncias com uma abertura total à novidade e à contingência digital.
Os adultos tentam dominar a tecnologia enquanto os jovens se acoplam a elas
Os adultos têm uma grande necessidade de controlar o seu entorno mais imediato como uma forma de compensar a incerteza e a insegurança no âmbito laboral e no espaço público. Com respeito às TICs, esta necessidade se expressa subjetivamente em um esforço de domesticação em um duplo sentido: domesticar a “máquina selvagem” para que se torne algo simples de usar, e também domesticá-la para que se torne parte do lar e se incorpore às rotinas familiares e domésticas sem que essas sofram alterações essenciais. Os jovens não brigam com as TICs, eles as domesticam, mas em um sentido totalmente diferente ao dos adultos. Eles se acoplam naturalmente a elas porque elas não só são instrumentos para se comunicar como também constituem um pilar fundamental da natureza dos seus vínculos sociais. As TICs têm um sentido vital, e também lúdico, e o seu uso implica a construção de uma rede de pertencimento, um espaço de sociabilidade e um lugar de socialização. Daí que eles não tenham necessidade nem de fragmentar, nem de distinguir, nem de separar o tempo de uso do tempo do não uso (Winocur, 2009), e muito menos de elaborar um discurso acerca das suas dificuldades com um programa ou um novo aplicativo. Os adultos constroem um discurso de adesão ou de rechaço às novas tecnologias que os jovens não têm e nem necessitam. É como se, ao falarem dos seus temores e receios, eles pudessem controlar a insegurança que provoca a sua falta de domínio prático e simbólico do computador e da Rede.
Novas rivalidades, novos conflitos de poder
A Internet se “naturalizou” na vida cotidiana porque se instaurou como uma necessidade, mas esta necessidade se vive subjetivamente de maneira diferente. Enquanto os jovens incorporaram as TICs como parte da experiência vital de serem crianças, adolescentes e jovens nesta sociedade, os adultos viveram esta experiência, na maioria dos casos, como uma dramática imposição que violava a forma conhecida e instituída de fazer as coisas. Trata-se de uma experiência que se incorporou como produto do temor à exclusão: ser deslocado de certo lugar afetivo, laboral, cultural ou intelectual. Em uma investigação realizada no ano de 2007 com famílias de distintas condições socioculturais que tinham um computador em casa e acesso à Internet no lar ou no trabalho, todos os entrevistados de mais de 40 anos relataram os seus processos de incorporação e socialização de tais tecnologias a partir das demandas surgidas no trabalho, da pressão dos filhos ou das mudanças na vida cotidiana. Todos estes adultos viveram a iniciação como uma espécie de duelo de vontades, no qual geralmente a máquina ganhava. A perda de um arquivo, a invasão de um vírus ou a dificuldade de usar um programa implicavam – e ainda implicam – uma considerável carga de angústia e um atentado à autoestima.
Na maioria dos casos, a iniciação dos adultos maiores de 40 anos na Internet foi propiciada ou apoiada pelos filhos, a quem eles recorriam permanentemente para solicitar ajuda e “paciência”. Este fenômeno de inversão da autoridade, que também é comum nas escolas (Gros Salvat, 2000)1, gera conflitos inéditos nas relações filiais e uma reorganização simbólica do poder dentro do lar, que afeta não só o lugar do conhecimento, mas também os códigos morais e normativos que regulam a comunicação doméstica. No caso dos profesores as dificuldades para usar as novas tecnologias costumam provocar sentimentos ainda mais profundos de ansiedade e insegurança porque questionam diretamente a sua autoridade diante dos alunos.
“(…) eu via que os meninos da minha escola falavam que encontravam textos muito bons de algumas matérias na Internet e eu na verdade me traumatizava porque nem utilizar estes processadores de palavras eu sabia, então me senti de pés e mãos atados, de repente me sentia como um dinossauro revivendo na época moderna. (Guadalupe, 51 anos, psicóloga, diretora de escola secundária técnica) (tradução nossa)
“Os alunos te procuram acreditando que você sabe mais do que eles, mas nestas coisas acaba que você está aprendendo com eles. Sempre é uma situação incômoda e complicada. Quando instalaram a sala de informática, os alunos se queixavam do professor, porque, segundo eles, ele não sabia o suficiente e portanto não explicava, então eles chegavam a me contar as aulas e eu não entendía qual era o problema. Isso era muito angustiante, porque os alunos fizeram toda uma revolução e eu era incapaz de entender os seus argumentos e também os do professor (Juan, 48 anos, vice-diretor de escola secundária, Estado de México)
Os filhos, que, em geral, mostram no começo uma boa disposição para iniciar ou auxiliar os pais a usarem as TICs, com a demanda constante acabam se aborrecendo. Este aborrecimento se explica não só pela falta de perícia dos pais e dos professores em aprender algo que para eles é tão óbvio, mas também porque coloca os adultos em um lugar de extrema dependência na relação, o que emocionalmente acaba sendo difícil de processar. De repente, os pais se infantilizam: se convertem em demandantes, dependentes, e têm muito pouca capacidade de frustração. E isso se traduz – segundo manifestam os jovens – em que não fazem nenhum esforço para aprender ou resolver as coisas por si mesmos.
Por outro lado, a autoridade tradicional dos pais se assentava na inquestionabilidade do que sabiam e valorizavam, que provinha das tradições familiares e comunitárias, ou da cultura oral e livresca. Mas a incorporação das novas tecnologias de comunicação ao lar contribui para corroer subjetivamente as fontes de legitimação destes saberes. Este poder tradicional de administração do saber se exercia na seleção dos relatos e se reforçava simbolicamente com a compra de dicionários, enciclopédias, livros de arte, de cozinha, de profissões, de literatura para os filhos – mesmo que os pais nunca os lessem – e, também, na designação de espaços e tempos para fazer as tarefas, ver televisão ou brincar. Neste esquema de poder, a escola era uma aliada incondicional, porque muito deste capital simbólico estava vinculado à educação como reprodução do status quo ou como estratégia de mobilidade social.
Em relação ao tempo livre, os pais exerciam um controle muito maior das atividades e tempos dedicados ao lazer, nos quais os momentos de solidão eram pouco admitidos. Também podiam fazer valer a sua autoridade sobre os conteúdos do rádio, do cinema e da televisão, censurando programas e horários, hierarquizando ou catalogando o que era bom e mau. Quando o computador e a Internet são incorporados ao lar, os pais, ao mesmo tempo que reconhecem as suas vantagens, se sentem inseguros e ameaçados, porque, a seu ver, estes recursos aparecem como mundos autorreferentes, que não necessitam da sua intervenção para adquirir significados para os jovens. Ali estão todas as perguntas e as respostas, também estão todos os pontos de vista e as opções de aprendizagem. Não só eles já não podem calibrar nem controlar a qualidade e a quantidade do que os seus filhos veem, como, fundamentalmente, não podem inculcar nem dominar o sentido da experiência. A Internet e o celular também produzem reticências porque introduzem “estranhos” no lar, que escapam do seu controle. Estes estranhos (conhecidos ou desconhecidos), que estão na Rede com seus filhos em espaços e tempos inacessíveis, provocam medos e fantasias de exclusão. Os pais têm que tolerá-los na sua própria casa, sem poder controlar a sua entrada e a sua saída e, muito menos, estabelecer se são boas ou más companhias para os seus filhos.
Experiências geracionais que contrapõem a representação do tempo e do espaço
Os jovens e adultos das famílias de classe média e alta costumam dedicar a mesma quantidade de tempo à Internet, mas a organização e o significado deste tempo é diferente, e a chave está na resistência dos adultos à lógica da simultaneidade. Por exemplo, os jovens definem o chat (gmail, yahoo, facebook) como uma ferramenta que permite ganhar tempo enquanto que, para os seus pais, é algo que os faz perder. Na percepção dos jovens, se ganha tempo porque é possível fazer várias coisas simultaneamente, eles não mantêm uma conversa com uma pessoa só, mas sim com cinco ou seis ao mesmo tempo. Não se espera a resposta para uma pergunta, e se intercalam novas perguntas e respostas antes de ver a resposta da primeira pergunta, sem que isso represente algum conflito de sentido, porque o sentido não surge do intercâmbio pontual mas sim do contexto mais geral onde se inscreve a relação com os pares. É preciso lembrar que o diálogo começou na escola pela manhã, continua depois no quarto do jovem pelo Facebook, mais tarde se dá na rua com o celular e no dia seguinte outra vez na escola sem que isso represente, do ponto de vista prático e simbólico, alguma ruptura de sentido entre o mundo offline e o online.
Os adultos precisam impor à relação com a Internet a mesma ordem da vida cotidiana, primeiro uma coisa, depois a outra e, em seguida, uma terceira que só pode ser feita se a segunda foi resolvida em função da primeira. Se você escreve um texto, espera uma resposta para poder organizar a seguinte pergunta ou comentário. Daí o desespero ou o cansaço de estar esperando muito tempo por uma resposta no Chat, ou a resistência a trabalhar com várias janelas ao mesmo tempo. Pelo contrário, nas rotinas dos jovens, se admite e se sente prazer na posibilidade de andar à deriva, e eles estão dispostos a mudar os protocolos e os caminhos de acesso todas as vezes que forem necessárias. Mesmo que tenham as suas preferências, não criam dependências a um determinado tipo de máquina, nem a um determinado espaço físico, podem se conectar na universidade, em um cibercafé ou em casa, sem que estes espaços constituam ataduras de sentido, como são para os adultos. As máquinas e os espaços são funcionais na medida em que podem garantir o acesso às suas redes. Desse modo, o maior confronto de sentido que sofrem os pais e mentores é o da exclusão: não se trata somente de não dominar a linguagem icônica, a navegação ou o hipertexto, se trata de algo mais radical como ficar de fora do sentido da experiência, de fazer do continuum offline-online um universo existencialmente coerente, afetivamente significativo, cognitivamente lúdico.
Os adultos reconhecem a necessidade das TICs e como estas modificaram positivamente as suas vidas, apesar dos tropeços iniciais e da falta de perícia em muitas aplicações, mas sentem a necessidade de marcar uma distância com respeito ao papel que elas ocupam nas suas vidas. Somente na medida em que podem marcar a sua independência, se sentem tranquilos frente ao estranhamento que experimentam subjetivamente em relação aos jovens.
Uma reflexão final
A incorporação das tecnologias de comunicação e informação ao lar encerra como condição de existência prévia universos geracionais muito distintos de experiência em relação ao tempo, ao espaço, à sociabilidade, à afetividade, ao conhecimento e às formas de inclusão social, que entram em constante tensão com a necessidade dos membros das famílias de estarem comunicados, localizáveis e disponíveis uns para os outros. Como bem expressa Flichy, nos cenários do uso cotidiano das TICs, “a família é um lugar de tensão entre práticas individuais e coletivas, entre construção de si mesmo e construção do grupo” (Flichy, 2000, p.34).(tradução nossa)
Tais tensões se revelam não só na família como também em todos os espaços institucionais onde jovens e adultos convivem, alguns, como a escola ou o trabalho, onde a estrutura da autoridade e a classificação hierárquica própria das diferenças geracionais se mantêm vigentes; outros, “como o tempo livre, as associações juvenis ou o mercado, nos quais as estruturas de autoridade estão distribuídas e a hierarquia de idade se esfuma, mas o assujeitamento geracional continua sendo um referente de classificação social” (Feixa, 2005, p.4) (tradução nossa); e por último, nos espaços onipresentes dos meios de comunicação de massas, das novas tecnologias da informação do mundo dos videogames, “em que as estruturas de autoridade colapsam e as idades se convertem em referentes simbólicos mutáveis e sujeitos a constantes retroalimentações” (Feixa, 2005, p.4) (tradução nossa).
Nos termos em que se coloca a relação (ou a não-relação), “a cultura digital” não se opõe a uma “cultura não digital”, e nesse sentido chama a atenção como os adolescentes e os jovens descrevem as dificuldades dos adultos, ou de seus pais, explicando que as pessoas mais velhas têm uma relação muito mais insegura, limitada e “sofrida” com as TICs do que eles, porque eles nasceram em outra época, sem a necessidade de opor ambas experiências como os seus pais e mentores fazem.
A multiplicação dos lugares e das estratégias de capacitação por si só, e tal como estão concebidos atualmente, não são suficientes para conseguir a inclusão digital dos adultos, particularmente os dos setores sociais de menores recursos, que apesar de serem pais de crianças que aprendem rapidamente, não conseguem aprender do mesmo modo que elas. Dentro desta perspectiva, o desafio mais importante para os programas de inclusão digital é compreender as dificuldades dos pais, não a partir da sua maior ou menor facilidade para seguir os protocolos de alfabetização digital, e sim a partir do lugar onde a concepção do programa se constitui em um obstáculo para ser apreendido. Isto é, em vez de avaliar quanta facilidade ou dificuldade têm os adultos para compreender o protocolo de capacitação nos seus distintos níveis, seria necessário tratar de entender e revisar de que modo a própria concepção da direção da alfabetização introduz dificuldades para a compreensão, porque não leva em conta a experiência prévia com outros artefatos tecnológicos e as representações sociais que organizam nos sujeitos a apreciação das suas capacidades e limitações2.
Referências
FEIXA, C. “La habitación de los adolescentes”. Em Papeles del CEIC, 2009. Disponível em: www.ehu.es/CEIC/papeles/16.pdf
FLICHY, P. “El individualismo conectado. Entre la técnica digital y la sociedad”. Revista TELOS 68, Julio-sep, 2006. [ Links ]
GROS SALVAT, B. El ordenador invisible: hacia la apropiación del ordenador en la enseñanza. Barcelona: Gedisa, 2000. [ Links ]
PRENSKY, M. “Digital Natives, Digital Immigrants”. Em “On the Horizon”, NCB University Press, 5 (9), Octubre 2001. Disponível em: www.marcprensky.com [ Links ]
WINOCUR, R. Robinson Crusoe ya tiene celular. La conexión como espacio de control de la incertidumbre. México: Siglo XXI Editores/UAM I, 2009. [ Links ]
1 Segundo Gros Salvat as causas geradoras das atitudes negativas dos professores são as deficiências no conhecimento das ferramentas, a falta de tempo e meios para incorporá-las, o medo de evidenciar carencias frente aos alunos, e a ideia de que o computador pode substituí-los.
2 Ver: Winocur Rosalía y Sánchez Vilela, Rosario(2013) Evaluación cualitativa de las experiencias de apropiación de las computadoras portátiles XO en las familias y comunidades beneficiarias del Plan Ceibal. BID, FOMIN, PROYECTO RAYUELA Y CENTRO CEIBAL, radicado na UAM Xochimilco e na Universidad Católica de Uruguay. http://www.ceibal.org.uy/index.php?option=com_content&id=909&Itemid=58
I Professora e pesquisadora do Departamento de Educación y Comunicación de la Universidad Autónoma Metropolitana de México. É antropóloga, especializada nos usos cotidianos das tecnologías de informação e comunicação em diferentes segmentos socio culturais. Seu último livro,” Robinson Crusoe ya tiene celular” foi publicado por “Siglo XXI México”. E-mail: rosaliawinocur@yahoo.com.mx