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Desidades

versão On-line ISSN 2318-9282

Desidades  no.22 Rio de Janeiro jan./mar. 2019

 

TEMAS EM DESTAQUE

 

Infância Mapuche: perspectivas do sofrimento psíquico perante a violência estrutural do neoliberalismo no Chile

 

Infancia Mapuche: perspectivas del sufrimiento psíquico ante la violencia estructural del neoliberalismo en Chile

 

 

José Ignacio Schilling RichaudI

I Aperturas Clínicas - centro de investigación y tratamiento de la infancia con problemas, Santiago, Chile.

 

 


RESUMO

O presente artigo pretende expor a violência a partir de diversas perspectivas ou dimensões e analisar sua influência no processo de identificação experimentado na infância Mapuche. Para isso, abordaremos a noção de aculturação e de transmissão entre as gerações, assim como proporemos um olhar reflexivo a respeito da concepção da realidade por parte das culturas em luta como um modo de compreensão do conflito, além dos aspectos evidentes relacionados ao território e aos recursos. Pretendemos fazer uma interpretação psicanalítica do conflito a partir da perspectiva do sujeito e comunidade Mapuche.

Palavras-chave: Mapuche, infância, violência, transmissão, identificação.


ABSTRACT

This article intends to showcase violence through its multiple perspectives or dimensions, and analyse its influence in the identification process experienced during Mapuche childhood. To do so, we will tackle the notion of acculturation and of generational transmission. We will also propose a reflexive outlook on the concept of reality by part of the struggling cultures as a means of understanding the conflict, besides the evident aspects related to territory and resources. We intend to formulate a psychoanalytic interpretation of the conflict from the perspective of the Mapuche subject and community.

Palavras-chave: Mapuche, childhood, violence, transmission, identification.


RESUMEN

El presente artículo pretende exponer acerca de la violencia desde diversas perspectivas o dimensiones y analizar su influencia en el proceso de identificación experimentado en la infancia Mapuche. Para ello, abordaremos la noción de aculturación y el de transmisión entre las generaciones, así como también plantear una mirada reflexiva respecto de la concepción de la realidad por parte de las culturas en pugna como un modo de comprensión del conflicto, más allá de los aspectos evidentes relacionados con el territorio y los recursos. Pretendemos hacer una interpretación psicoanalítica del conflicto desde la perspectiva del sujeto y comunidad Mapuche.

Palabras-clave: Mapuche, infancia, violencia, transmisión, identificación.


 

 

O texto analisa o fenômeno da violência na sociedade neoliberal e seus efeitos na infância Mapuche, particularmente nos processos de transmissão intergeracional e de identificação, os quais se transformam na constituição do psiquismo.

Para nos introduzir no território do infantil na cultura Mapuche, é preciso adentrar em certos aspectos da sua história e sua construção simbólica. No presente ensaio, o termo infância será desenvolvido a partir de duas dimensões: por uma parte, será utilizado para falar da criança propriamente dita e, por outra, será utilizado para nos referirmos aos primeiros tempos lógicos da constituição do psiquismo, no qual operam principalmente os fenômenos de identificação.

Por Mapuche, entenderemos aqueles sujeitos que racialmente pertencem ao dito povo originário, mas que preservam sua tradição e cultura ancestral, mantendo o modelo de vida tradicional nas comunidades do sul do Chile, entre as regiões do Biobío e de Los Lagos, com particular preponderância na região da Araucanía.

Por violência, não somente entenderemos a violência física direta, mas também formas mais sutis que impõem relações de dominação e de exploração, como é o caso da violência ideológica associada ao racismo, ódio e discriminação por invisibilizar o que ocorre à nossa frente. Prova disso é a escassíssima literatura referida à infância Mapuche e seu padecer na sociedade chilena atual, além dos confrontos diários com a força policial há anos, o que é muito importante, mas que não esgota em nada a temática em questão.

Para definir violência, é possível levar em conta o que expõe Zizek (2013), que estabelece uma distinção entre violência e agressão, apontando que se trata de uma “distinção terminológica entre a agressão, que pertence efetivamente à força vital, e a violência, que é uma força mortal: violência não é aqui a agressão como tal, mas seu excesso que perturba o curso normal das coisas, desejando sempre mais e mais” (p. 81). Em referência à abordagem de Zizek, podemos considerar que a palavra excesso, que perturba o curso normal das coisas, alude à violência com que o sistema neoliberal se apropria e explora sem medir consequências. Atualmente, a forma mais evidente que adota a violência, no plano social, é a convergência do discurso do capital com o propósito de estabelecer o absolutismo de um modelo definitivo de verdade, e que é a transformação de todo objeto em mercadoria e a transformação do sujeito em consumidor.

Toda a história da colonização do Chile trata de um povo estrangeiro que subjuga o povo originário, ocupa seu território pela força e destrói sua cultura para impor a própria. Nos últimos 50 anos, não tem sido muito diferente, embora não tenha se tratado do genocídio de outrora, o discurso contemporâneo, assim como em toda a sociedade neoliberal, somente admite a diferença na medida em que não comprometa nem confronte os interesses do mercado numa época em que o discurso neoliberal encontra cada vez menos obstáculos para transformar toda subjetividade em mercadoria.

No entanto, na atualidade, temos visto intensificada a violência explícita exercida pela força policial do Chile. A violência toma residência na vida cotidiana das crianças Mapuche na região do Biobío e Araucanía. Crianças muito pequenas frequentam creches e escolas onde são submetidas a protocolos de invasão constantemente, nos quais se lança gás lacrimogêneo, devendo ser trancadas em salas, acompanhadas por uma ou duas professoras que tentam conter o terror das crianças. Essa informação circula através da mídia alternativa, que difunde vídeos, áudios e fotografias nas quais podemos ver com muita frequência imagens de crianças com chumbos enterrados em diferentes partes do seu corpo, crianças em audições judiciais algemadas nos pés e nas mãos, de um menino deitado no chão de cabeça para baixo e um policial disparando 80 chumbos em suas costas, de crianças que, em um suposto controle de identidade, são obrigadas a tirar a roupa. A lista de abusos e violações aos direitos das crianças é interminável e avança dia a dia. A violência tem forma de chumbos entrando na pele e de palavras que tocam e marcam a história de uma criança e parece que a mídia, assim como o discurso social predominante, tende a desmentir tal realidade, pretendendo silenciar esses fatos.

Mas o que sustenta dita violência exercida contra o povo Mapuche? Podemos responder que os assentamentos Mapuche se encontram no meio de terras altamente cobiçadas para o negócio florestal nacional e internacional, mas essa resposta não dá conta de um conflito maior de ordem cultural, pois o discurso neoliberal parece pretender sustentar, no poder econômico e tecnológico, uma espécie de sobreposição à fragilidade da nossa existência, pois nos oferece uma convicção imaginária de quebrar os limites do princípio da realidade através da facilidade e instantaneidade com que se obtêm prazeres, totalmente coisificados e mercantilizados. O modelo econômico capitalista tem conseguido capturar em seu benefício os mecanismos da subjetividade, isto é, que o desejo não se contenta jamais com seu objeto. Essa condição de subjetivação justifica a voracidade sem limites do mercado, o que sustenta e alimenta toda a violência contra aquilo que obstaculize os interesses do mercado.

 

Infância Mapuche ameaçada: vicissitudes identificatórias face à violência social

Para uma criança, seus pais, depois a família e a comunidade em que habita, reúnem todos aqueles vínculos de amor e referências identificatórias fundamentais para a constituição do ego, pois é o espaço no qual se encontram aqueles objetos amados por excelência, enquanto aquele ego em constituição se enriquece com as propriedades do objeto, já que, nas palavras de Freud (1921), tem se colocado no lugar do ideal do eu, o que influencia o exercício do exame de realidade da criança. No caso desta difícil troca cultural, a infância se vê seriamente ameaçada quando o sujeito tem vergonha e oculta essa identidade que o representa e constitui ao perceber aquela outra dimensão da violência que marginaliza e despreza aqueles referentes que, ao sujeito Mapuche, o identificam como tal. Aquele universo de identificações entregue por seus pais e comunidade submetem a criança a uma tensão subjetiva difícil de resolver, pois, naqueles elementos que configuram o ser Mapuche, que o localizam numa linhagem que os faz parte de uma família e comunidade, é também o que o outro despreza e o torna objeto de diversos níveis de agressão em todo espaço pelo qual a criança circula por fora do seu entorno familiar e comunitário.

Walters (2007) destaca que a principal causa do sofrimento indígena é a dor do trauma histórico e, em particular, o trauma da colonização, o qual se experimenta tanto a nível individual como coletivo. Entenderemos o anterior como aquele da história traumática dos povos originários, que não pôde ser metabolizado e se tornou um elemento de transmissão psíquica entre as gerações. Ampliamos o conceito de trauma histórico para incluir a noção de dano ambiental, devido à relação especial que os povos indígenas experimentam com seu território. Neste ponto, observamos a violência da usurpação do território e o deslocamento forçado como aspecto principal por meio do qual tem se exercido violência durante séculos e que, na atualidade, persiste, o que, em tantos danos repetidos, impede ser elaborado, pois nunca se constitui como um a posteriori.

Neste contexto, e a modo de ilustração, cabe assinalar o deslocamento forçado das comunidades Mapuche-pehuenche do setor do Alto Biobío para a construção de duas barragens hidroelétricas durante a década de 1990 e 2000. Esse deslocamento teve por efeito a inundação do território ancestral, incluindo seus cemitérios, bem como o deslocamento forçado de comunidades Mapuche que habitaram o território durante séculos. Junto ao anterior, se incorporaram ao território trabalhadores Huinca (chilenos) e a posterior construção de novas cidades e instalação de escolas para crianças do setor, o que intensificou o processo de aculturação, ao qual as comunidades se viram expostas.

Entenderemos por aculturação o fenômeno descrito como “o conjunto de fenômenos que resultam de um contato contínuo e direto entre grupos de indivíduos pertencentes a culturas diferentes e que conduzem a transformações que afetam os modelos culturais originários de um ou dos dois grupos” (Devereux, 1972, p. 204). A modo de ilustração, a respeito do impacto que esse processo originou nas comunidades Mapuche, cabe assinalar que, na década seguinte (2000), se registrou um aumento de 150% da taxa de suicídios de crianças e adolescentes na região.

É de importância fundamental considerar as resistências que as comunidades Mapuche têm manifestado a respeito desse processo de aculturação que, do ponto de vista de Devereux (1972), estaria associado à alta valoração do povo Mapuche em relação às práticas dos seus antepassados, a venerar suas práticas e sua relação com o território, já que são ancestrais. Por conseguinte, a partir de tal perspectiva, qualquer mudança, sejam quais foram suas vantagens ou desvantagens, é sempre considerada como negativa, como uma imposição por parte da cultura, devido ao fato de que o ato de impor envolve uma relação de domínio e submissão, o que em si mesmo é significado como um exercício de violência.

As resistências descritas, baseadas no desejo de singularidade étnica e de autonomia cultural, se sustentam principalmente nos vínculos libidinais entendidos como aqueles vínculos de amor que sustentam os sujeitos da comunidade e que os mobilizam a rejeitar tudo aquilo que represente uma ameaça à coesão, mesmo quando fazer parte daquela coletividade pudesse significar uma perda de privilégios para quem a compõe, quer dizer: evidentemente um grupo se mantém unido em virtude de algum poder. E a qual poder poderia essa façanha ser mais bem atribuída do que a Eros, que mantém unido tudo o que existe no mundo? Em segundo lugar, se o indivíduo abandona a sua particularidade num grupo e permite que seus outros membros o influenciem, recebemos a impressão de que o faz porque sente a necessidade de estar em harmonia com eles, e não de estar em oposição a eles; talvez, por amor a eles (Freud, 1921, p. 88).

Assim como no individual, também no social ocorre que, por efeito de identificação à comunidade, aquele coletivo cria um sentimento de unicidade de si mesmo, como aquele desejo de preservar sua integridade, “se expressa normalmente na forma de um desejo de singularidade étnica de autonomia cultural” (Devereux, p. 211. 1972). No entanto, o fenômeno da resistência também deve se vincular à identificação como mecanismo dominante de adaptação social, no qual, tudo integrado na mais tenra idade é considerado da ordem do bom e do justo, quer dizer, parafraseando Devereux (1972), a criança constrói seu próprio papel e seu próprio status a partir desse modelo de comportamento do grupo interno.

Nesse sentido, seguimos Freud (1913), quando coloca dois conteúdos de transmissão que se opõem; por um lado, o constituído pelos objetos simbólicos e, pelo outro, as aquisições culturais que organizam o narcisismo. Por um lado, aquelas proibições que constituem tabu e organizam a vida psíquica das gerações, e a segunda, cujo suporte é o aparelho cultural e social que garante a continuidade da tradição de geração em geração. A hipótese principal de Freud é que “essas duas vias se encontram para formar a extensão psíquica da cultura e a inclusão do social na psique” (Kaës et al., 1996, p. 56). Uma criança Mapuche, como qualquer outra, nasce dentro de uma família, junto a receber cuidados básicos para sobreviver, recebe um nome que a insere numa linhagem particular que, aliás, guarda relação com a história de seus pais. Adquirem uma língua e lhes é transmitido como se percebem, se pensam e se fazem as coisas, isto é, um modo de ser no mundo e, desta maneira, localiza-se num espaço social, que é a promessa de todo contrato social, e assim vai se constituindo uma identidade que se mantém ao longo da vida. Mas é necessário que aquilo com o que a criança se identifica tenha também valor na sociedade como um todo. A respeito disso, Freud (1914) dá conta dos fundamentos narcisistas implicados na transmissão psíquica e a coloca como um suporte mútuo do narcisismo da criança e do narcisismo parental. Isso dá conta da noção de um sujeito dividido entre a exigência de viver para si mesmo e, ao mesmo tempo, se constituir como sujeito do conjunto. O que Aulagnier (1975) vai definir como contrato narcísico entre a criança e o conjunto do qual é membro. A infância, entendida como a dimensão original do homem, nos remete a uma origem constitucional que, ao mesmo tempo, é porvir como suporte das projeções narcísicas de gerações anteriores. Precisamente, a apropriação daquilo que se transmite entre gerações serão aqueles elementos com os quais o sujeito contará para se identificar em um grupo e uma linhagem particular, isto é, essa apropriação é efeito do desejo do outro, pelo objeto do outro. A vertente da pressão por transmitir, que pertence ao coletivo e da qual o grupo é intermediário, tem como correlato a vertente do desejo individual de se apropriar de algo do outro, constituindo correlativamente o outro e o sujeito (Kaës et al., 1996, p. 64).

 

O que se transmite entre as gerações e se oferece como referência identificatória

Em “Introdução ao narcisismo” (1914), Freud explica a ideia de uma formação do inconsciente na transmissão do próprio recalque. Quer dizer, aquilo que se transmite é sempre da ordem do reprimido quando falamos de transmissão simbólica.

Então, de qual recalque falamos quando se trata da cultura Mapuche? Que universo identificatório é aquele que o bebê captura e se lhe oferece como constitutivo do psiquismo?

Talvez voltar à linguagem possa nos oferecer pistas para seguir um caminho próprio de interpretação a respeito.

De acordo com Mora (2001), em Mapudungun (língua Mapuche), a palavra Küpal alude ao conceito de Família e tribo. Küpal é um substantivo cujo significado etimológico se define como o desejo encarnado que ordena trazer algo de trás ou de antes, ou como o atualizar o ir e vir do mandato do sangue que vem e traz algo de trás.

Seguindo a linha de definição da palavra Küpal, trazer algo de trás implica um ato de apropriação ou metabolização que, nas palavras de Aulagnier (1975), é entendido como o ato que permite fazer homogêneo aquilo que é heterogêneo ao psiquismo, trabalho psíquico que explica o fenômeno da identificação primária.

Por outra parte, a palavra Domo, que em Mapudungun quer dizer mulher, representa também o feminino, que é entendido como o meio do qual dispõe a natureza para se acrescentar e melhorar a si mesma, um tipo de instrumento personalizador da abundância e da fecundidade. Domo é aquela que oferece terra ao céu. É uma palavra ligada à mulher, terra e natureza e ao investimento libidinal que aquela categoria possui na ideologia Mapuche.

Para nos referir à Terra, a palavra correspondente em Mapudungun é Ñuke Mapu, que literalmente significa Mãe Terra, Terra Mãe, Terreno da Mãe. Ñuke Mapu é a terra, mas não se refere ao solo, é o mundo Mapuche que, através dos espíritos da natureza, entrega a vida ao seu povo. Ñuke Mapu é o Tudo, com o que se estabelece uma relação imediata e cotidiana, num espaço onde tudo está interconectado.

Seguindo a concepção Mapuche, então, o entorno, a natureza é o território do feminino e também da totalidade, a qual se encontra em relação de instantaneidade, onde não parece existir o um e o dois, não há diferenciação nem distinções que localizem sujeito e objeto. O sujeito e o outro materno, representado na natureza, se encontram num estado de fusão total e permanente. Como exemplo disso, de acordo com o Dicionário Mapuche (Minsal, 2018), toda doença, de qualquer classe, é entendida como um desequilíbrio nesse encontro, que costuma ser produzido pela interrupção que produzem as empresas florestais, barragens, etc., que colocam o Huinca (chileno) no lugar de terceiro que produz um corte irrepresentável, que se instala no psiquismo do sujeito indígena como uma ameaça de fragmentação, na medida em que vem rasgar o que, por definição, é inseparável.

A terra, longe de ser um objeto da realidade que nos provê recursos para a subsistência, no universo simbólico Mapuche, parece ocupar o lugar de um objeto no psíquico, lugar onde cabem as representações mais arcaicas associadas a fantasias de fusão, totalidade e completude. No entanto, a possibilidade de quebra, significada como desequilíbrio, alerta para a concepção de uma falta e consequente separação como algo não próprio do sujeito, mas, antes, algo que deve ser restaurado para recuperar o equilíbrio que significa a totalidade indivisível e fusionada do sujeito Mapuche e a mãe natureza.

Voltando então à noção de violência, nessa ordem cultural, parece se tratar de uma questão mais radical, já que, por um lado, está instalada uma cultura patriarcal que, sob o funcionamento do sistema neoliberal, se sustenta mediante a apropriação e exploração desmedida do recurso para conseguir um desenvolvimento econômico e tecnológico que se apodere e instrumentalize seu entorno com o fim de extrair utilidades. Dessa maneira, se impõe sobre uma cultura que situa o feminino e o materno em um lugar de preponderância particular, que organiza seu universo de referências simbólicas e subjetivantes muito longe daquela pretensão de modificar a realidade de seu entorno ou de se servir deste, mas que busca manter o que concebe como equilíbrio sustentado em um estado de fusão e completude com a terra-mãe, sem intervir, mas ser um com ela. Similar ao que Lacan situa no primeiro tempo do Édipo.

A partir desse olhar, podemos pensar a resistência e a desconfiança à cultura Huinca porque representa uma ameaça de assassinato do sujeito Mapuche, como um operador de corte traumático de seu vínculo com o materno. É assim que o universo de significações identificatórias transmitidas entre as gerações torna o Huinca (chileno) e sua cultura neoliberal sujeito da desconfiança, pois representa, a partir do seu comportamento e de sua construção cultural, uma ameaça à existência da cultura Mapuche, devido ao lugar que dá ao poder e ao consumo.

 

 

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Data de recebimento: 16/11/2018
Data de aceite: 10/02/2019

 

 

I José Ignacio Schilling Richaud: Mestre em Psicologia Clínica pela Universidad Adolfo Ibáñez (UAI), Chile. Psicanalista em formação pela Sociedad Chilena de Psicoanálisis (ICHPA). Diretor Clínico e sócio-fundador do Aperturas Clínicas - centro de investigación y tratamiento de la infancia con problemas. E-mail: joseignacio.schilling@gmail.com

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