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Vínculo
versão impressa ISSN 1806-2490
Vínculo vol.18 no.2 São Paulo maio/ 2021
https://doi.org/10.32467/issn.19982-1492v18nesp.p468-484
ARTIGO
Vínculo mãe-bebê: acolhimento e intervenções no âmbito institucional, combate aos desamparos da maternidade
Mother-baby bond: reception and interventions in the institutional sphere, combating maternity abandonment
Vínculo madre bebé: acogida e intervenciones en el ámbito institucional, combate a los desamparos de la maternidad
Miriam de Castro Aguiar BragaI; Neuzeli Antônia da SilvaII; Silvia Maria BonassiIII
IUniversidade Federal de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso do Sul, Brasil, Departamento de Psicologia. E-mail: miriam_aguiarbraga@hotmail.com
IIPsicologia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.E-mail: neuza2.antonia@gmail.com
IIIPsicóloga, Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. E-mail: silviabonassi@gmail.com
RESUMO
As transformações que a maternidade provoca na mulher, sejam elas psíquicas ou biológicas, pode ser uma vivência marcante e impactante para a gestação. Segundo Melanie Klein, o psiquismo é um funcionamento dinâmico o qual se inicia com o nascimento e finda-se com a morte do indivíduo. Na Psicologia Hospitalar a escuta e o apoio emocional a essas mães são fundamentais para abrandar os sofrimentos e as angústias do pré ou pós-parto. O presente trabalho faz parte das atividades desenvolvidas no estágio obrigatório de Psicologia e Saúde. Pretendeu-se caracterizar o desenvolvimento da afetividade entre mães e seus bebês nos primeiros momentos pós-parto, o pensar e o sentir dessas puérperas, suas perspectivas e possíveis prevenções contraceptivas. O trabalho foi desenvolvido na maternidade da Santa Casa de Misericórdia de Paranaíba-Mato Grosso do Sul. Utilizou-se como instrumentos observação clínica, escuta e roteiro de entrevista semidirigido. As participantes foram 23 mulheres entre puérperas e gestantes. O estudo buscou identificar os laços de afetividade e a qualidade vincular no período perinatal. Os resultados principais sugerem que o acolhimento familiar no período puerperal tem uma incidência de vínculo simbiótico alimentado pela influência da família nos cuidados com a mãe e o bebê. Constata-se ainda que a baixa escolaridade e a falta de acesso a informações sobre contraceptivos contribuem para uma prole numerosa, apontando a necessidade de promover maior acesso as informações dos serviços de saúde da mulher oferecidos pela política pública da cidade.
Palavras-chave: vínculo mãe-bebê; psicanálise institucional; acolhimento.
ABSTRACT
The changes that motherhood makes in women whatever they are psychic or biological, can be a remarkable and impacting experience for gestation. According to Melanie Klein, the psyche is a dynamic functioning that begins with the birth and ends with the death of the individual. In Hospital Psychology the listening and emotional support to these mothers are the key to slow the sufferings and the anxieties of the pre or postpartum. The present work is part of the activities developed in the obligatory stage of Psychology and Health. It was intended to characterize the development of the affectivity between mothers and their babies in the first moments postpartum, the thinking and the feelings of this puerperal, their perspectives and possible contraceptive preventions. The study was carried out in the maternity ward Santa Casa de Misericórdia of Paranaíba - Mato Grosso do Sul. Clinical observation, listening and semi-guided interviews were used as instruments. The participants were 23 women between puerperal and pregnant women. The study sought to identify the ties of affectivity and quality linked in the puerperal period. The main results suggest that family care in the puerperal period has an incidence of symbiotic relationship fueled by the influence of the family in the care of the mother and the baby. Low schooling and lack of access to information on contraception contribute to a larger number of offspring, pointing to the need to promote greater access to information on women's health services offered by the city's public policy.
Keywords: mother-baby bond; institutional psychoanalysis; hosting.
RESUMEN
Las transformaciones que la maternidad provoca en la mujer ya sean psíquicas o biológicas, puede ser una vivencia marcante e impactante para la gestación. Según Melanie Klein, el psiquismo es un funcionamiento dinámico que se inicia con el nacimiento y se termina con la muerte del individuo. En la Psicología Hospitalaria la escucha y el apoyo emocional a esas madres son fundamentales para ralentizar los sufrimientos y las angustias del pre o post-parto. El presente trabajo forma parte de las actividades desarrolladas en el estadio obligatorio de Psicología y Salud. Se pretendió caracterizar el desarrollo de la afectividad entre madres y sus bebés en los primeros momentos posparto, el pensar y el sentir de esas puérperas, sus perspectivas y posibles prevenciones contraceptivas. El trabajo fue desarrollado en la maternidad de un hospital en la costa este de Mato Grosso del Sur. Se utilizó como instrumentos observación clínica, escucha y guión de entrevista semidirigido. Las participantes fueron 23 mujeres entre puérperas y gestantes. El estudio buscó identificar los lazos de afectividad y la calidad vinculante en el período perinatal. Los resultados principales sugieren que la acogida familiar en el período puerperal tiene una incidencia de vinculo simbiótico alimentado por la influencia de la família en los cuidados con la madre y el bebe. Se constata además que la baja escolaridad y la falta acceso a informaciones sobre contracepción y contribuye a una prole más numerosa, apuntando a la necesidad de promover un acceso mayor a las informaciones de los servicios de salud de la mujer ofrecidos por la política pública de la ciudad.
Palabras clave: vínculo madre-bebé, psicoanálisis institucional, acogida.
Introdução
A importância do estudo do vínculo mãe-bebê pode ser fundamentada diante das várias teorias e estudos que têm embasado diversas pesquisas sobre a sobre o tema. O desenvolvimento emocional, social e cognitivo saudável da criança ao longo de toda a sua vida depende da formação inicial desse vínculo. Conforme Borsa 2007, a formação do vínculo mãe-bebê é essencial na infância e sua importância é maior nessa idade do que nos períodos posteriores. Diversos autores atribuem à atitude emocional da mãe diante do bebê, como organizadora e qualificadora de sua vida psíquica, ou seja, possibilita as identificações que poderão influenciar o seu desenvolvimento posteriormente.
Winnicott (1990) discorre sobre o crescimento do bebê constantemente ligado à mãe, a qual é essencial para o bom desenvolvimento psíquico do bebê. Ao se entregar à relação com seu bebê desde a primeira mamada, o bebê percebe o seio como objeto de desejo. "As memórias do bebê são construídas a partir das inúmeras impressões sensoriais associadas a atividade de amamentação e ao encontro do objeto". Considerando a realidade atual, percebeu-se um número crescente de mulheres com mais de 35 anos vivendo sua primeira gestação, muitas delas adiaram a gravidez por questões contemporânea como carreira profissional e segurança financeira. Azzi e Kernenkrait (2017) ressaltam que essa vivência tardia, muitas vezes após várias tentativas e tratamentos sem sucesso, pode contribuir para uma experiência gestacional de risco com nascimentos prematuros. Diante disso, compreender e acompanhar esses momentos iniciais de formação do vínculo mãe e bebê pode ser fundamental, considerando as várias mudanças emocionais e físicas que essas mulheres estão vivenciando. Muitos são os fatores envolvidos nas transformações enfrentadas nesse período como: as mudanças na rotina familiar ou profissional, as preocupações e atenções com o bebê, tudo isso se relaciona diretamente a formação vincular entre a mãe e a criança e segundo Borsa, 2007, para que seja possível uma troca afetiva favorável entre eles, a mãe necessita estar apta a estabelecer este vínculo, o que só será possível a partir de uma boa vivência de suas experiências relacionadas à gestação e ao puerpério.
O puerpério abrange os dias de permanência no hospital: a chegada em casa, o primeiro mês do bebê, o reatamento da vida sexual, fases em que a mulher está sensível e confusa psicologicamente. Soifer (1980 p. 64) enfatiza que os primeiros seis meses após o parto são determinantes para uma boa relação entre mãe e o bebê. Para Winnicott (1983), após o nascimento do bebê, o prazer que a mãe sente ao cuidar do filho depende de não haver tensões nem preocupações causadas pela ignorância e medo, não só desta, mas também dos que estão ao seu entorno. De modo geral, os bebês precisam do carinho materno, de amor e compreensão. (Winnicott, 2012).
A intervenção do psicólogo na maternidade pode contribuir para que gestantes em processo de internação e impossibilitadas de exercerem suas funções profissionais ou domésticas possa encontrar segurança e tolerância para enfrentar esse período muitas vezes doloroso e limitador para a futura mãe. A possibilidade de riscos de parto prematuro e o possível processo de internação hospitalar podem requerer adaptações ou tolerâncias a situações com possibilidades de provocar angustias e inseguranças nas pacientes gestantes ou puérperas. A presença do psicólogo pode ser um suporte para passar essa fase de internação de maneira mais tranquila ao promover escuta, acolher angustias e os receios que a gestante ou a puérpera possa apresentar.
A demanda desse estudo deu-se através da possibilidade de realizar acolhimento como parte das atividades do estágio obrigatório em uma instituição externa a universidade. Nesse caso desenvolveu-se a prática na maternidade da Santa Casa de Misericórdia de Paranaíba MS. O estudo se mostra relevante, considerando que se percebe uma grande carência de informações sobre a saúde da mulher e os serviços oferecidos pelas políticas públicas da cidade, mas que não são totalmente acessíveis a essas mulheres.
Considerações clínicas
Foram atendidas 23 mulheres com idades entre 13 e 39 anos, realizou-se: entrevistas individuais e escuta psicanalítica entre 12 puérperas e 11 gestantes, sob o viés do referencial psicanalítico; entrevistas com equipe de enfermagem; consulta de prontuários; pesquisa intelectual sobre o assunto; entrevista de profissionais; pesquisa sobre patologias; consulta sobre medicamentos prescritos; orientação familiar e ainda encaminhamentos para o serviço de psicologia e serviço social com objetivo de suprir necessidades básicas imediatas como alimentação, medicação e religação dos serviços públicos: água e luz, garantindo o mínimo para o conforto e segurança da mãe e bebê.
Metodologia
Este estudo foi realizado em condições adequadas na maternidade da Santa Casa de Misericórdia de Paranaíba-MS, com o consentimento das pacientes que se dispuseram a participar da pesquisa. Foi assinado o termo de consentimento livre e esclarecido seguindo as normatizações da pesquisa com humanos, (Resolução CNS no 510, de 07 de abril de 2016). O campo de pesquisa ofereceu condições adequadas para o desenvolvimento do estudo.
Como instrumentos de coleta de dados, foi elaborada ficha de identificação de anamnese para entrevista semidirigida.
Os procedimentos resultaram em: acolhimento a puérpera, ao bebê e acompanhante; coleta de dados durante as entrevistas com pacientes e familiares; a partir dos dados coletados foram feitos encaminhamentos quando necessário e caracterização da clientela.
Resultados e discussão
A partir dos anos 2000 passou-se a pensar na inserção do psicólogo no âmbito hospitalar, especialmente nas instituições públicas. Para Almeida (2000) o psicólogo, ao integrar a equipe de saúde, deve favorecer o funcionamento interdisciplinar, facilitando quando necessário a comunicação entre seus membros. Seu trabalho com o paciente é bastante específico, atuando de forma situacional, no sentido não só da resolução de conflitos, mas também da promoção de saúde.
A atividade foi desenvolvida num período três meses e as entrevistas realizadas durante a atividade de acolhimento tiveram duração que variava entre 15 e 30 minutos, dentro do que a puérpera permitia, pois primou-se pela intimidade da mãe-bebê.
Os resultados obtidos nos acolhimentos realizados demonstram que entre as participantes atendidas, 30% das mulheres eram mães solteiras e 41% tinham Ensino Fundamental incompleto sem profissionalização e se auto-afirmaram: cuidadoras do lar. Nos termos do Decreto 3.048/99, que regulamenta a Previdência Social, cuidadora é a pessoa que não possui renda própria, logo, não recebe quaisquer valores. Não se sabe se esta condição foi uma escolha que demonstra a vontade de exercer o papel de mãe em tempo integral ou encontra-se nessa circunstância devido às condições econômicas e sociais da cidade em que residem. Percebe-se ainda que em sua maioria, as mães com maior prole, não possuem ensino fundamental completo e menor acesso as informações e métodos contraceptivos enquanto mães com maior escolarização apresentam índice maior de partos normais e planejados.
Das 23 mães entrevistadas, 70% são economicamente dependentes de seus companheiros, quatro delas moram na zona rural. Considerando que a região é carente de trabalho, observa-se que muitas mães vivem de auxílios e subsídios sociais. Ressalta-se ainda que, uma das participantes teve quatro gestações sendo seu companheiro presidiário. Caso esse em que percebeu-se um processo de sofrimento físico e psicológico, causado pelo desamparo marital. Ao mesmo tempo sente-se amparada pela equipe médica, de enfermagem e psicológica, que faz a escuta de suas angústias e conflitos, buscando melhorias para enfrentar seu cotidiano ao sair do hospital. Nesse período recebia subsídio e ajuda social para manter a família, todavia enfrentava grande dificuldade financeira, chegando a ficar sem água e luz em casa. Esse caso foi encaminhado à psicóloga responsável pela instituição. Conforme os dados coletados, apenas 30% das entrevistadas possuíam renda própria. Destas, apenas três tinham emprego formal no comércio, uma possuía ensino superior com cargo técnico em empresa privada e as outras eram autônomas.
Os dados levantados demostraram ainda que as mães estavam cientes de sua condição clínica e das condições do bebê, no entanto apenas 52 %, tiveram sua gestação planejada, uma delas afirmou claramente que o bebê fora planejado apenas por ela, mas não pelo pai. O pré-natal e o acompanhamento médico funcionam como amparo à mãe e ao bebê, visto que muitas mães sofrem com a incompreensão por parte da família, o que lhe causa grande dor psíquica, a dor do não reconhecimento, a dor do desamparo. Segundo Brasil (2005), a assistência pré-natal torna-se um momento privilegiado para discutir e esclarecer questões que são únicas para cada mulher e seu parceiro, aparecendo de forma individualizada, até mesmo para quem já teve outros filhos. Ao serem questionadas sobre esse acompanhamento, cinco delas relataram ter feito acompanhamento parcial, duas mães do pré-parto relataram não terem feito nenhuma consulta, pois a gravidez era recém-descoberta.
Conforme Arrais (2005), na maternidade é mais trabalhoso construir a demanda e fazer com que as pessoas percebam que ela existe a partir de cada paciente, principalmente porque a maioria das pacientes atendidas neste setor "não está doente, apenas grávida". Logo as pessoas não costumam considerar que haja sofrimento no ciclo gravídico-puerperal, afinal este seria um processo natural e instintivo e "a chegada de um bebê só pode trazer alegrias.".
As participantes desta pesquisa estavam todas acompanhadas por membros familiares como: pai, avó materna ou paterna e irmã, apenas dois casos foram exceção, uma gestante que estava apenas tomando soro, pois seu bebê apresentou hidropsia1 e uma puérpera acompanhada da vizinha que considerava da família. Percebe-se que o amparo familiar, principalmente por parte dos parentes maternos é mais recorrente e presente no ambiente hospitalar tanto no período pré-parto quanto puerperal.
A família tem extrema importância nesse momento da vida da puérpera, conforme Romagnolo e al, 2017 a relação familiar se constitui desde antes do momento da gestação e pode influenciar diretamente no ciclo gravídico-puerperal. Considera-se que os fatores de risco e os fatores de proteção vivenciados durante a gestação se perpetuam durante o período do puerpério, porém acrescidos das demandas da maternidade. As autoras comprovam que as questões familiares como a participação ativa do cônjuge ou de outro membro familiar que pôde ser entendida como fator principal de proteção. No entanto deve-se considerar os fatores de risco envolvidos, que podem se perpetuar durante o puerpério, acrescidos das demandas da maternidade. Dentre as pacientes atendidas na maternidade, destaca-se ainda uma jovem de 22 anos, acompanhada da mãe, que interferiu em todas as respostas da filha, anulando sua autonomia e ilustrando esses fatores de risco que podem se perpetuar durante o puerpério. Esse acolhimento nos proporcionou uma sensação de desamparo diante dessa relação mãe-filha, cuja influência materna interfere na independência e espontaneidade da filha.
Os atendimentos foram realizados em uma perspectiva breve, nos próprios quartos da maternidade. Para Simonetti (2004), embora não seja uma sala específica para atendimento, o psicólogo hospitalar deve estar onde os acontecimentos estão, deve circular pelo hospital e atender o paciente em seu quarto ou andar. Um caso que nos chamou a atenção foi o de uma mãe de 38 anos na 17ª semana de sua segunda gestação, em que o bebê foi diagnosticado com hidropisia fetal1, ela trazia consigo exames de ultrassonografia que que atestava o estado do bebê e relatou ser aquela a quinta internação por conta de constantes hemorragias desencadeadas pelas condições fetais. Estava em um procedimento de transfusão de sangue, sem acompanhante, em situação de desamparo emocional e familiar. Consciente de suas condições clínicas e do bebê, seus relatos deixaram claro que segundo orientações médicas aguardava um aborto natural, visto que o seu bebê se encontrava em sofrimento com hidropsia fetal, apresentando mal desenvolvimento dos órgãos e sistemas.
Identificou-se ainda, casos em que a mãe ao fazer uso de medicamento controlado, confundiu os sintomas da gravidez com possíveis reações ao medicamento. Uma delas relatou só ter percebido a gravidez aos 3 meses de gestação, a mãe em questão fazia uso de Rivotril e outra gestante com 35 semanas separada que engravidou e fazia uso diário de Aerolin acompanhada pelo médico, nota-se ainda que três das pacientes entrevistadas engravidaram fazendo uso de pílula anticoncepcional ciclo 21. Destaca-se aqui o caso de uma jovem de treze anos, grávida de um homem mais velho, a garota alegou que a gravidez foi resultado da interferência do antibiótico no efeito do anticoncepcional.
No Brasil, segundo estudos realizados por Tavares, Leite e Telles (2007), apesar da prevalência do uso de contraceptivo ainda existe um percentual significativo de gravidezes indesejadas, o estudo evidenciou a vulnerabilidade das mulheres mais pobres que devem se constituir na população-alvo dos programas de atenção à saúde da mulher.
As práticas de planejamento familiar devem garantir às mulheres um ambiente humanizado que facilite a reflexão sobre as preferências reprodutivas, com disponibilidade de informações e acesso facilitado aos diversos métodos contraceptivos. Nesse contexto, as políticas públicas voltadas para o planejamento familiar devem ter como meta os princípios estabelecidos na Conferência do Cairo de 1994, com vista a ajudar os casais e os indivíduos a satisfazer os seus objetivos reprodutivos, evitando assim a gravidez não desejada. (Tavares, Leite & Telles, 2007 p. 147)
Para Schor (2000 p. 383) mesmo que à primeira vista, pode-se dizer que a mulher brasileira está muito bem servida quanto à oportunidade da contracepção, uma observação mais cuidadosa dos dados observados mostra que a situação não é tão favorável assim, pois elas se concentram em dois métodos: a pílula e a esterilização. O peso desses dois métodos nas alternativas contraceptivas denota a precariedade de opção para a mulher brasileira. Os programas de atenção à saúde da mulher não estão cumprindo a assistência que as mulheres necessitam, principalmente a orientação e o acompanhamento das questões relacionadas às práticas contraceptivas e à escolha do método a ser utilizado. Os resultados apresentados do estudo apresentado por Schor reforçavam a convicção de que a sociedade e seus dirigentes devem efetivamente voltar seus esforços para garantir a consolidação dos programas de atenção à saúde da mulher, enfatizando a informação, a orientação e o acesso à anticoncepção, tomando em conta os princípios dos direitos reprodutivos.
A gravidez na adolescência é um problema de saúde pública tanto no Brasil como em muitos outros países do mundo. Para Belo e Silva, (2004 p.480), sua importância transcendeu a prática assistencial, dado seu aumento no final do século passado. Para entender os possíveis fatores etiológicos ligados ao incremento das gestações nessa faixa etária, é preciso perceber a complexidade e a multicasualidade desses fatores, que tornam os adolescentes especialmente vulneráveis a essa situação e expostos as antecipações nas etapas de seu desenvolvimento como a maturidade biológica, que precipita implicações como a constituição precoce de família e organização social.
Em relação ao serviço de Psicologia, concluiu-se que apesar do mesmo existir e estar instalado na instituição identificou-se certa defasagem devido ao não conhecimento de algumas pacientes sobre o serviço ofertado. Considerando que existe ainda um alto índice de mães jovens e sem profissionalização, constatou-se dificuldades quanto às questões de assistência ao parto humanizado nas políticas públicas do sistema de saúde e o descaso médico pelo parto natural devido a cesárea facilitar sua rotina. Acredita-se que as mulheres se submetem a tal situação devido ao sentimento de desamparo experimentado diante do medo e da angústia pelo que possa ocorrer com ela e com o bebê. Sendo assim, pode-se citar a baixa qualidade do pré-natal, os altos índices de mortalidade materna e como consequência, uma expressiva taxa de cesáreas realizadas.
Em contrapartida, compreendeu-se que a psicóloga da instituição tem realizou um trabalho de conscientização, incentivo e busca de promover amparo as mães atendidas na instituição. Primeiramente com sua equipe e posteriormente com as gestantes e família sobre a utilização de métodos não farmacológicos para o alívio da dor e realização do parto natural, visto que, a maternidade possui um quarto climatizado e devidamente equipado para que o parto mais humanizado aconteça.
O primeiro parto natural foi realizado em 14.01.2019, em virtude do empenho da psicóloga e equipe pensar no melhor para a saúde da mulher.
Pode-se destacar também que nas observações clínicas coletadas, houve um número crescente de mulheres aderiram ao uso do método contraceptivo DIU - Dispositivo Intrauterino, e a ocorrência de algumas implantações logo após o parto. Percebeu-se que esse aumento devia-se as orientações e esclarecimentos realizados no local, visto que, muitas ainda não tinham conhecimento do método, nem sabiam da disponibilidade deste pelo Sistema Único de Saúde - SUS e de seus direitos de terem acesso ao método contraceptivo.
Mediante informações coletadas nas entrevistas com as equipes de profissionais ficou evidente que tanto o médico quanto a psicóloga se empenharam em esclarecer dúvidas sobre o método contraceptivo, seu funcionamento, vantagens e desvantagens de sua implantação. Segundo a Portaria Nº 3.265, DE 1º de dezembro de 2017, fica estabelecido que após o parto ou pós-abortamento, preservando as primeiras horas de amamentação, pode-se inserir o DIU, ainda maternidade.
Das puérperas entrevistadas, 28% colocaram o DIU por sugestão do médico. Três delas vieram de outras cidades: Aparecida do Taboado e Inocência, onde a equipe médica não estava preparada para o parto, a primeira faltava obstetra e a segunda não havia anestesista na instituição.
Durante o acolhimento notou-se a influência dos meios de comunicação virtuais nos primeiros momentos da relação mãe-bebê. Entendeu-se que mesmo diante das emoções experimentadas pelos primeiros contatos com o recém-nascido, algumas mães ainda priorizaram o desejo de interagir e demostrar sua felicidade através das mídias sociais. Compreendeu-se que o domínio digital das redes sociais ainda se sobrepõe ao sentimento novo e desconhecido da maternidade.
Considerações finais
O nascimento do bebê é um período emocionalmente vulnerável para a mulher, devido às profundas mudanças intra e interpessoais desencadeadas pelo parto. Para Borba (2007), esse momento desencadeia uma quebra da imagem idealizada do bebê ao mesmo tempo em que ele passa a se tornar um ser independente da mãe, recebendo todo o carinho e atenção que antes era desprendido à gestante. O vínculo entre a mãe e o bebê é de suma importância, sendo a amamentação um momento particular através do qual se reproduz o vínculo de dependência. Essa vivência do aleitamento requer o contato visual constante da mãe com seu bebê, que deve dedicar toda a sua atenção ao ato de nutrir seu filho.
A formação do vínculo mãe-bebê é essencial na infância e sua importância é maior nessa idade do que nos períodos posteriores. A atitude emocional da mãe orienta o bebê, conferindo qualidade de vida à sua experiência e servindo como organizador da sua vida psíquica, por possibilitar identificações que poderão influenciar seu desenvolvimento a posteriori. (Borsa, 2007)
Essa experiência de acolhimento no ambiente hospitalar foi de suma importância para nosso desenvolvimento profissional e compreensão de que é fundamental observar e entender os momentos iniciais da formação desse vínculo, considerando as inúmeras mudanças físicas e emocionais com as quais a mulher se depara nesse período, bem como os amparos e desamparos que norteiam esse momento cheio de desafios e vivências algumas vezes desconhecidas para jovens mães.
A troca de papéis, as mudanças na rotina diária, as abdicações e preocupações, as atenções dedicadas ao bebê são algumas das características deste período, que estão diretamente relacionadas à qualidade do vínculo que será formado entre a mãe e seu bebê. Para que seja possível uma troca afetiva favorável entre a díade, a mãe necessita estar apta a estabelecer este vínculo, o que só será possível a partir de uma boa vivência de suas experiências relacionadas à gestação e ao puerpério (Borsa e Dias, 2004).
Conforme, Andrade, Baccelli, & Benincasa (2017 p.11) o vínculo é o componente básico desse do processo interativo entre a mãe e o bebê e é também a mola propulsora de todo o afeto. A mãe se apropria de seu papel materno e das necessidades do filho quando lhe é apresentada a tarefa do cuidar, o que ocorre mediante interação constante e recíproca, logo uma relação vincular sadia representa um instrumento célere na construção da parentalidade.
No papel de psicóloga estagiária, ofereceu-se escuta para acolher qualquer enunciado, respeitando as particularidades e subjetividades e apontando no discurso o que vai possibilitar a abertura de questões que o remetem à própria história fazendo com que aquela vivência seja única, resgatando a sua implicação e responsabilidade. Onde for possível falar e escutar, ali está o inconsciente, com seu movimento à mostra, pronto para ser capturado em seu discurso. Nessa experiência ímpar, foi possível perceber que o ambiente hospitalar é um lugar possível e original para a clínica psicanalítica.
Permanece o sentimento de que iniciou-se uma possibilidade de escuta hospitalar com viés psicanalítico, o qual ainda poderá ser explorado. Diante dessa sensação, pode-se dizer que é de grande relevância que novos acolhimentos sejam feitos para que haja uma maior consideração em relação aos dados aferidos e sua fidedignidade.
Agradecimentos
Agradecemos à Instituição Hospitalar Santa Casa de Misericórdia de Paranaíba-MS, pela oportunidade de estágio, especialmente à psicóloga local e sua equipe por tornarem nosso caminho mais próspero ao conhecimento e experiência, além de terem nos ensinado por meio das relações, muito mais do que buscamos aprender em uma Universidade, nas atividades práticas de Estágio obrigatório em Psicologia e Saúde. Por fim, agradecemos todas as pacientes que nos proporcionaram essa experiência ímpar como psicoterapeuta, que tanto nos ensinaram e sem as quais este trabalho não seria possível.
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