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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol v.57 n.126 São Paulo jun. 2007

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Importância das sociedades/associações científicas: desenvolvimento da ciência e formação do profissional - pesquisador1

 

Scientific society / association importance: science development and professional - researcher formation

 

 

Geraldina Porto Witter*

UNICASTELO

 

 


RESUMO

O objetivo do artigo foi considerar a classificação das associações científicas, as contingências da relevância das associações, os papéis das associações científicas em relação à produção do conhecimento, às publicações e à formação dos pesquisadores. Também é apresentada a relação entre associações e outras organizações. O foco é a Sociedade de Psicologia de São Paulo. Foram incluídas no artigo sugestões sobre o desenvolvimento da Sociedade.

Palavras-Chave: História da ciência, Produção científica, Eventos científicos, Sociedade de Psicologia de São Paulo.


ABSTRACT

The aim of the paper was to reflect on the scientific associations’ classification, the contingencies of the society’s relevance, and the roles of the scientific associations in relation of the knowledge production, the publications and the researchers’ formation. The relationship between the association and others organization is also presented. The focus is the Sociedade de Psicologia de São Paulo. Suggestions about the Society development were enclosed in the paper.

Keywords: Sciences’ history, Scientific production, Scientific events, Sociedade de Psicologia de São Paulo.


 

 

A importância das sociedades ou associações científicas é de tal ordem que seus aniversários devem ser não apenas motivo de júbilo como também momentos para lembrar seus papéis e quanto representam não apenas na história e progresso das ciências.

Com o desenvolvimento das ciências surgiram necessidades que precisavam ser resolvidas para nortear e dar continuidade ao progresso científico e para que o mesmo se fizesse cada vez mais rapidamente. As sociedades científicas surgiram, em parte, em decorrência da necessidade de ampliar o contato e o conhecimento entre cientistas e como forma de se obter o aceite dos pares.

Aos poucos foram sendo agregados papéis e funções cada vez mais relevantes, as sociedades foram se diversificando, ampliando-se, tornando-se normativas, mais poderosas. São características que não se distribuem homogeneamente, mas essenciais ao desenvolvimento das instituições e da própria ciência.

Do processo social e histórico de desenvolvimento das sociedades resultou uma ampla diversificação que, hoje, permite organizar uma tipologia.

 

TIPOS DE ASSOCIAÇÕES CIENTÍFICAS

Tendo por critério a abrangência territorial, as entidades aqui enfocadas podem ser agrupadas em três grupos: Internacionais, Nacionais e Regionais, sendo que via de regra este aspecto já aparece nas atas de fundação e nos seus estatutos legais.

As Associações Internacionais objetivam a atuação em uma área abrangendo a ação de cientistas e profissionais de vários países, como é o caso da International Reading Association (IRA) que congrega pesquisadores e profissionais de todos os continentes.

As Associações Nacionais estão circunscritas ao território de um dado país. Elas podem ser Generalistas, Específicas ou Restritas de sub-área ou enfoque. As associações Nacionais Generalistas envolvem todas ou grupos de ciências e têm abrangência nacional. Um exemplo é a Sociedade Brasileira pra o Progresso da Ciência (SBPC).

As Associações Nacionais Específicas dizem respeito a uma dada ciência. Como exemplo podem ser lembradas a American Psychological Association (APA) e a Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP).

As Associações Nacionais Restritas enfocam parte de uma ciência/profissão ou dedicam-se a uma dada teoria ou enfoque. Exemplificando podem ser mencionadas a Sociedade de Psicanálise, que enfoca um modelo teórico, a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), cujo foco é um ramo da Psicologia, o mesmo ocorrendo com a Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE).

As Associações Regionais restringe-se a uma dada região, estado ou mesmo cidade e podem ser Delegadas ou Independentes. As Associações Delegadas constituem ramo setor, posto de outra associação, com área geográfica delimitada. Por exemplo, a SBPC mantém associações regionais que a representam e gozam de certa autonomia para promoções regionais de eventos diversos e mesmo publicações desde que aprovados pela diretoria nacional.

As Associações Regionais Independentes têm por ênfase uma dada região geográfica, mas surgem e são mantidas independentes de outras entidades similares. A Sociedade de Psicologia de São Paulo apresenta as características indicadas e abriga todas as áreas do conhecimento psicológico.

 

CONTINGÊNCIAS DA IMPORTÂNCIA

A importância das Sociedades Associações/Científicas decorre delas gerarem e preservarem a História da Ciência e das Profissões relacionadas, de criarem estímulos e condições de desenvolvimento, quer da ciência, quer da profissão. O trabalho de preservar a história começa com a própria evolução que deve ser devidamente registrada e pesquisada periodicamente em seus múltiplos aspectos, com muitas coletas, análises e leituras. Certamente as datas comemorativas são momentos ideais para tais retomadas.

A Sociedade de Psicologia de São Paulo (SPSP) tem comemorado suas datas de nascimento, as do Boletim de Psicologia e alguns registros de tais eventos aparecem até mesmo no periódico pelo qual responde. Mas há muito por fazer.

Outra linha de história é a que faz fronteira com a avaliação da produção científica, no caso da SPSP estão disponíveis em seu periódico algumas destas análises.

Em 1975, Witter fez uma avaliação da produção veiculada via Boletim de Psicologia. Em 1996 publicou, a pedido da SPSP, uma análise complementar cobrindo os anos de 1976 até 1994, evidenciando a preocupação com a busca de melhor qualidade e diversificação, consoante com os objetivos estatutários e científicos. A Sociedade de Psicologia de São Paulo tem procurado também estimular a pesquisa de sua história. Morais e Witter (1996) publicaram um trabalho enfocando como os diretores do Boletim viam o próprio periódico. São notáveis a preocupação e o empenho em progredir e a constante dificuldade de recursos financeiros para manter o periódico.

Outras análises poderiam ser feitas. Um exemplo de pesquisa de impacto de periódico é o trabalho de Zacks, Blanchard-Fields e Hally (2006), que estudaram a repercussão da Psychology and Aging, primeira e única revista acadêmica da American Psychological Association na área. Após um breve histórico do periódico recorrem aos índices de impacto nos seus 20 anos de publicação, concluindo que o mesmo tem sido forte, mas que há necessidade de esforços para tratar de alguns temas notadamente de metodologia.

Como é relativamente novo o cuidado dos periódicos nacionais com as questões de indexação e de inserção nas bases bibliográficas não há condições, no momento, de fazer com periódicos nacionais, como o Boletim de Psicologia, uma avaliação como a feita por Zacks, Balanchar-Fiells e Haley (2006). Em futuro próximo investir em empreitada similar poderá ser de grande utilidade.

Outra linha de pesquisa em história é a análise de correspondência entre estudiosos, entre eles e sociedades, etc. Parece que o arquivo de correspondência pessoal e institucional não é uma tradição devidamente cultivada no Brasil. É preciso tentar localizar documentação que viabilize tais estudos. Na literatura internacional encontram-se trabalhos de interesse e que esclarecem alguns aspectos da história e cujo suporte foram as cartas. Um exemplo é o trabalho de Silverman (2006), ao analisar a correspondência entre Gaddini e Winnicott, de 1964 a 1970, em que fica patente o esforço, o empenho do primeiro para introduzir na Itália o pensamento winnicottiano e a dificuldade para que fosse aceito.

Seria interessante tentar localizar e analisar a correspondência entre as Sociedades Brasileiras sobre o primeiro código de ética e do esforço pela luta da regularização e reconhecimento da profissão.

Como destaca Christensen (2006), olhar para traz, para a história é ao mesmo tempo estar olhando para o futuro, tendo uma base para projetar o amanhã. Pensamento semelhante encontra-se no trabalho de Lyons (2006) sobre a pesquisa humanística ao dizer que ao lembrar o passado e revê-lo criticamente, é possível criar o futuro. As sociedades científicas têm aí uma missão ímpar. Para alcançar tais objetivos as associações organizam e promovem eventos científicos, cursos, publicações (periódicos, livros, anais, boletins informativos).

Trata-se de instituições que têm um grau variado de desenvolvimento, de potencial de atuação e mesmo de poder sociocultural e financeiro. Muitas lutam para se manter, já que sua fonte de renda principal é constituída pelas anuidades pagas pelos associados e muitos não fazem seu pagamento em dia, outros só pagam quando há eventos, para usufruir da vantagem de ser sócio. Em países onde desde a alfabetização científica até a própria formação de pesquisadores é insatisfatória, em que os salários estão aquém do desejado, a cultura científica é pobre e as ciências não são devidamente valorizadas é, até compreensível a existência de tais ocorrências, embora não justificáveis.

Seguindo estratégias copiadas do próprio governo, as sociedades cedem, oferecem descontos especiais, perdoam dívidas, ou seja, beneficia-se o que não é bom pagador em detrimento daquele que realmente cumpre seus compromissos. Firma-se o não pagar como uma forma de “tirar vantagem” ou mesmo ser liberado da dívida ou grande parte dela no futuro. É uma cultura perversa, ilusória que não serve à ética. Tal estratégia precisa ser mudada. É muito forte na cultura brasileira, o que faz da mudança uma tarefa social imensa, que vai além das forças de qualquer sociedade científica. Lendo editoriais do Boletim de Psicologia, propagandas de eventos, este foi sempre um problema para a Sociedade de Psicologia de São Paulo como para outras entidades nacionais.

Apesar das dificuldades, de um modo geral as perspectivas futuras são otimistas quanto ao desenvolvimento das associações e sua participação no crescimento das ciências. Entretanto, para que isto ocorra, é necessário estimular o aluno, desde a graduação, a filiar-se a entidades científicas. Se isto não foi feito na graduação, espera-se que na pós isto venha a ocorrer. A atuação dos docentes universitários é crucial.

Um profissional-pesquisador deve estar filiado a alguma associação internacional, outra nacional generalista, outra específica da área e, no mínimo, a uma restritiva voltada para sua atuação e área de interesse específico.

As internacionais ensejam oportunidades amplas de estar em contato com a ciência produzida em vários países, contatos com outros cientistas e a possibilidade de criar redes de relações sociais para consultar, produzir e difundir a ciência.

Como as ciências estão interligadas e o desenvolvimento de umas afeta o desenvolvimento de outras, pertencer a uma associação generalista permite um acompanhamento panorâmico do que está ocorrendo nas várias ciências, o intercâmbio para uma interdisciplinaridade, bem como criar grupos de trabalho mistos, produção em colaboração. Quando ocorrem estes fatos, aprofunda-se o conhecimento.

As específicas da área facilitam aos seus membros estarem acompanhando o que ocorre no país na ciência pela qual optou. Em seus eventos viabilizam contatos que asseguram uma atualização geral na área como um todo.

Entretanto, é nas restritivas que mais o sócio vai encontrar base para seu trabalho, sua pesquisa, sua atualização em termos de linha de pesquisa e de ação profissional. Às vezes, precisa tornar-se sócio de mais de uma entidade restritiva para poder dar conta de sua motivação e das suas necessidades de informação. A despeito do custo financeiro vale o esforço, pois o pesquisador sempre ganha com sua inclusão como membro em mais de uma sociedade.

 

PAPÉIS DAS ASSOCIAÇÕES/ CIENTÍFICAS

Para atingir suas metas e cumprir os objetivos esperados, as Associações Científicas precisam cumprir vários papéis. O principal papel é de estímulo à produção científica para o qual usualmente recorre à promoção de eventos, concursos, constituição de grupos de pesquisa, organização de redes sociais entre seus sócios e colaboração com os sistemas de informação da área.

Outro papel é o da divulgação científica feita via eventos, manutenção de bancos de dados e publicações. Possivelmente a publicação é que tem efeito mais duradouro e potencial para estimular a produção.

Dos vários tipos de publicações científicas os de maior importância são, sem dúvida, os periódicos ou revistas científicas, que surgiram no século XVI junto aos institutos de pesquisa, mas ainda de forma primária, ligados a associações. Em 5 de Janeiro de 1665 surgiu o Journal dês Sçavans e logo em seguida (março) aparece o Philosophical Transactions da Royal Society of London. A primeira revista serviu de matriz para os periódicos de divulgação científica e a segunda como modelo para as revistas classificadas como científicas (Gonçalves, Costa Ramos e Figueiredo Costa, 2006; Bufrem, 2006).

Algumas sociedades novas levam alguns anos para ter condições de publicar um periódico, outras, publicam vários. Muitas começam com um produto mais simples e, com o decorrer do tempo, alcançam padrões cada vez mais elevados até alcançar o padrão ideal. A Sociedade de Psicologia de São Paulo, quando começou a investir em publicação recorreu à forma de Boletim, em impressão simples, com poucas páginas, até chegar ao atual padrão. O mesmo aconteceu com a publicação do periódico da Academia Paulista de Psicologia.

No que concerne a publicações, algumas Associações publicam vários periódicos gerais e especializados, como o fazem a APA e a IRA, que, além disso, publicam livros científicos e didáticos.

Há outras formas pelas quais as associações podem promover a divulgação da ciência, quer para seus membros, quer para profissionais e outros segmentos da sociedade. São muitas as possibilidades: ciclos de palestras, cursos regulares com duração variada, cursos ministrados precedendo, concomitante ou logo após congressos e eventos similares.

Muitas sociedades disponibilizam para sócios, e até mesmo para não sócios, bancos de dados diversos. Antigamente eram oferecidos tendo por suporte o texto impresso em papel. Hoje a informação ainda é oferecida, tendo por suporte o texto impresso em papel, mas também pode ser um CD-ROM, um disquete ou mesmo um endereço na Internet. Possivelmente o rol, endereço e características de seus membros, também chamado Diretorium é muito antigo como veículo na difusão da atuação de várias associações. Viabilizá-los aos sócios pode ser um estímulo para que interajam, formem grupos de estudo e de pesquisa, estabeleçam redes sociais de comunicação geral ou específica entre eles.

Outro papel importante, desempenhado pelas Associações e Sociedades Científicas, é a avaliação. Algumas credenciam especialistas após exame de curriculum vitae e provas, outras se restringem a avaliar a documentação. Há sociedades como a APA que credenciam, avaliam e classificam cursos tanto de graduação como de pós-graduação. Desta forma contribuem substancialmente para assegurar a boa formação do profissional, por um lado, ao mesmo tempo em que, por outro lado, dão segurança ao usuário dos serviços que eles prestam.

Face ao rápido avanço das ciências, notadamente a partir da 2ª metade do século passado, a necessidade de assegurar a atualização permanente ao profissional, em muitos países se passou a exigir periodicamente exames de revalidação do direito ao exercício da profissão. Em muitos casos esta importante tarefa de garantir a qualidade da prestação de serviços foi atribuída às sociedades científicas. No Brasil não há nada similar, é como se com o diploma se tivesse atestando que profissional já detivesse todo o conhecimento necessário e suficiente para toda a sua vida. Evidentemente isto é falso e, quanto mais é ativa e produtiva a área de atuação, maior é a defasagem com que o profissional sai da universidade.

Ainda que não contempladas pela legislação já se poderia começar, no âmbito das Associações, a usar alguma estratégia de avaliação periódica, fornecendo certificados periódicos de qualificação. Certamente isto é mais esperado de sociedades que tratam de áreas específicas do conhecimento.

As sociedades científicas têm ainda um papel importante fornecendo vários tipos de apoio e condições para intercâmbio. A Sociedade de Psicologia de São Paulo, desde seu nascimento sempre teve uma participação ativa neste aspecto.

Espera-se que colabore com as Instituições de Ensino Superior (IES), cooperando com a discussão de currículos acadêmicos, organização conjunta, participação ou se fazendo presente em eventos como as Semanas de Psicologia, Dia do Psicólogo, etc.

A colaboração das Sociedades Científicas &– Órgãos de Classe (Sindicatos, Conselhos, Ordens) deve ser intensa. Aliás, via de regra, elas precedem, se empenham e criam contingências científicas, sociais, legais para que eles sejam instituídos. A Sociedade da Psicologia de São Paulo teve um papel muito importante na criação do sistema de Conselhos de Psicologia e no 1º Sindicato de Psicólogos instalado no Brasil, em São Paulo. Liderou o esforço nacional organizando e participando de reuniões e eventos para discussão da matéria, mantendo contato com órgãos de outras áreas, com políticos e formadores de opinião. Agregou forças que viabilizaram alcançar o pretendido. Os primeiros órgãos tiveram suas lideranças compostas por profissionais ligados às sociedades que tanto batalharam por eles. Assim o presidente do 1º CFP foi o Dr. Arrigo Leonardo Angelini, que sempre participou ativamente, sendo inclusive presidente, da Sociedade de Psicologia de São Paulo. Liderou com êxito o movimento.

As sociedades científicas brasileiras vivenciam uma relação limitada com as Agências Financeiras e que poderia ser mais ampla e diversificada como ocorre em outros países. Via de regra, elas recorrem às agências para obter auxílios para a realização de eventos ou para publicar seus periódicos. Muitas vias não são exploradas. Fazer projetos de resgate da história da ciência e, em particular, das próprias sociedades é imprescindível. Elas podem não ter verbas, mas certamente dispõem de recursos humanos para tanto.

A Sociedade de Psicologia de Psicologia de São Paulo, por sua antiguidade, por seu pioneirismo na América Latina, por sua abrangência e influência na própria história da Psicologia e da profissão merece uma atenção especial na direção aqui indicada. Um grupo de pesquisadores vinculados à Sociedade poderia propor a realização de um projeto de pesquisa enfocando sua história, gerando como produtos livros, artigos, vídeos, etc. Como exemplo, pode-se citar o trabalho de Wolf (2006) sobre os 35 anos da Society for Computers in Psychology. Também a Academia Paulista de Psicologia realizou, com o apoio do Ministério da Cultura, um trabalho sobre Psicologia e Cultura a partir da ação de alguns de seus integrantes (Angelini, 2006). Estratégia similar poderia ser feita pela Sociedade de Psicologia, formando um grupo, buscando apoio nas agências financeiras.

As Sociedades poderiam ter uma participação de colaboração na emissão de pareceres técnicos para as agências, definição de critérios de qualidade específicos de cada área, usar e validar instrumentos de avaliação, de projetos, relatórios, publicações, etc.

As sociedades específicas poderiam obter verbas, via grupos de pesquisa para estudos instrumentais e classificatórios dos mais variados tipos. Por exemplo, trabalhos, como o de Chan e Wong (2006), validando os Critérios da Classificação Internacional dos Distúrbios da Dor de Cabeça para uso na China, podem ser realizados por sociedades específicas. Os órgãos de classe ocasionalmente solicitam o apoio ou se organizam com as sociedades para realização de eventos, fornecer consultoria, etc. No Brasil, isto também ocorre, mas de forma mais esporádica. Seria necessário intensificar estas relações.

Certamente a interação entre as Sociedades Científicas é uma necessidade para abrir espaço para a interdisciplinaridade, quando se trata de associações de outras áreas; para a intradisciplinaridade, quando são da mesma área. No último caso, um trabalho bem conduzido pode superar crises, diferenças e mesmo facilitar a desejável unificação (Steats, 1983; Root, 2006).

A Sociedade de Psicologia de São Paulo tem uma longa história de esforço integrado com outras sociedades. Vale lembrar que no início e posteriormente, por muitos anos, somou esforços com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ajudando na organização e participando ativamente das suas reuniões anuais. Depois, a SBPC restringiu esta forma de intercâmbio às sociedades nacionais das várias áreas do saber. Entretanto, talvez fosse o caso da SPSP buscar uma integração para os eventos regionais, estaduais ou temáticos que as SBPC regionais promovem.

Com outras entidades da Psicologia, a Sociedade de Psicologia de São Paulo sempre interagiu. Um exemplo é sua participação nos eventos internacionais promovidos no Brasil em apoio à Sociedade Interamericana de Psicologia e, mais recentemente, associando-se a outras de cunho nacional para eventos diversos. Entretanto, pelo seu impacto, pela articulação e resultados sucedidos vale lembrar sua atuação com outras sociedades para elaboração de um código de ética para a área e posteriormente para a criação da lei que viabilizou os conselhos de classe e o sindicato. Como a mais antiga sociedade conseguiu

congregar as que estavam emergindo para que se avançasse profissionalmente no Brasil. Conseguida a base legal, foram necessários muitos trabalhos, muitos anos para que se chegasse à concretização desejada. Novamente a Sociedade de Psicologia se destacou no empenho para que a lei não fosse uma letra morta. Juntou-se às sociedades existentes nesta batalha.

Sociedades científicas também podem associar-se a empresas privadas para atingir metas diversas como publicações, prestação de serviços específicos, assessoria, pesquisas em cooperação. Esta é também uma forma de intercâmbio pouco utilizada no Brasil e que poderia inclusive ser fonte de verba para as Sociedades, sempre carentes de recursos financeiros.

 

CONCLUSÕES E SUGESTÕES

Ao longo da história das ciências as Sociedades Científicas foram e continuam sendo organismos essenciais, gerando as próprias ciências, as profissões que nelas se alicerçam, preservando a história tanto das ciências como das profissões, criando condições para o desenvolvimento científico e profissional e divulgando o próprio saber-poder-fazer da ciência.

A Sociedade de Psicologia de São Paulo desde sua constituição vem atuando em todas as frentes de trabalho referidas. Está a merecer um alentado tratado sobre sua rica história e de seu papel na história da Psicologia no Brasil.

Sua atuação em reuniões formais e informais, os cursos que ministrou, a publicação do Boletim de Psicologia são por si só testemunhos desta trajetória, mas ainda se pode fazer uma análise mais profunda e ampla destes elementos. Uma pesquisa de sua história precisaria ir aos personagens que a construíram e que ainda estão vivos. Fica a sugestão de se compor um grupo de pessoas que se responsabilizem por este trabalho, como parte da própria Sociedade de Psicologia de São Paulo.

Não é fácil manter sociedades científicas em países carentes, nos quais o desenvolvimento científico ainda não satisfaz o necessário, em que as verbas são limitadas e há problema até para receber anuidades e manter os sócios. São necessários persistência, esforço, determinação, cooperação. Pessoas com estas características criaram, desenvolveram e mantiveram a Sociedade de Psicologia de São Paulo.

É necessário ampliar e diversificar os papéis, funções e relações mantidas pelas sociedades científicas, não apenas para que continuem a cumprir o que já fazem, mas para melhorar o que realizam e possam continuar a crescer. Com a Sociedade de Psicologia de São Paulo o mesmo precisa ocorrer. Como ela é regional a tarefa é, por um lado mais difícil, mas por outro mais plausível.

Obter verbas de fomento e para eventos em agências nacionais fica mais difícil. Todavia, a tendência mundial de privilegiar pequenos eventos, de temas específicos e que privilegiem resultados, que começou no exterior já nos anos 60, pode começar a ser estimulada aqui. Em forma mais exclusiva, há décadas vem ocorrendo nas associações de pós-graduação. É chegada a hora de outras sociedades constituírem grupos de pesquisa, que com seu apoio, congreguem membros competentes de seus quadros, que busquem apoio financeiro, realizem pesquisas integradas, em cooperação, etc. e participem de microeventos para apresentação de resultados. Tais grupos devem ir além do compromisso com a ciência, da publicação para os cientistas. (Fouad e Arredondo, 2007). Devem preocuparse com a divulgação para a comunidade, em geral via palestras, publicações e outros recursos, que permitam à população, que no fundo subsidia a pesquisa, ter um retorno compatível com o potencial de assimilação dos vários segmentos sociais. Isto quer dizer que deve haver de fato um compromisso social que vá além do discurso e das justificativas dos projetos. É difícil, mas a Sociedade de Psicologia de São Paulo tem quadro para tanto.

É preciso fazer os órgãos de classe compreenderem e atuarem melhor nos seus próprios limites viabilizando que as Sociedades cresçam de forma independente, apoiandose mutuamente, mas sabendo delegar o que pode ser melhor cada um fazer, abrindo espaço para um fluxo constante de interação e intercâmbio científico-profissional e com um compromisso social que seja de resultados.

Para crescerem, as sociedades científicas podem prestar serviços a órgãos de classe de outras profissões, empresas, escolas e mesmo ao público em geral. Isto pode ter uma grande variedade de opções, podem contar com a boa vontade de seus sócios cooperando com, por exemplo, plantões gratuitos para atendimento ao público. É preciso criar novas opções e ao mesmo tempo atender a variabilidade e as necessidades culturais (Fouad e Arredondo, 2007).

Sociedades gerais, como a SPSP, ou específicas de área, como a Psicologia Jurídica e Psicologia Forense, poderiam se credenciar junto aos fóruns, delegacias e mesmo instituições criminais para prestação de serviços comunitários, emitindo laudos, pareceres e outras atividades. Para tanto precisam se organizar adequadamente e contar com a preciosa colaboração e motivação de seus sócios para o trabalho social. Isto poderia ajudar na redução da demora com que os problemas são resolvidos no âmbito da justiça no Brasil. Aqui também, grupos de pesquisa poderiam recuperar a história ou realizar pesquisa para atender, por exemplo, necessidades das cortes que cuidam dos problemas associados a drogas e tráfico das mesmas (Marlowe, Festinger, Lee, Dugosh e Benasutti, 2006),

Esta sugestão parece pertinente face às condições de violência e crime com que convivem os habitantes de São Paulo, onde está a sede da Sociedade de Psicologia de São Paulo.

As sociedades científicas precisam abrir espaço para receber estagiários que aí poderão aprender muito sobre a administração deste tipo de entidade, produção científica, editoração científica, organização e administração de eventos e atendimentos de vários tipos. Certamente, bem planejados tais estágios podem ser um diferencial na capacitação de recursos humanos para as várias áreas.

Se organizarem e oferecerem espaço e condições para atuação de grupos de pesquisa, as sociedades irão além de propiciar estímulos e divulgação do conhecimento, elas próprias podem gerar, podem ser produtoras. Assim sendo, poderiam organizar e credenciar comitês de ética em pesquisa, colaborando para agilizar os processos já que há necessidade de mais destes organismos no país. Poderiam ter condições de difundir melhor a relevância de tais comitês e orientar melhor os pesquisadores quanto aos cuidados éticos da seleção do tema à publicação e divulgação dos resultados da pesquisa.

Foram aqui arroladas algumas sugestões de caminhos. Na busca da inovação e do crescimento, com criticidade, criatividade e resiliência, muitos outros podem ser encontrados. O principal são os recursos humanos, eles existem entre os sócios. É preciso organizá-los para que as mudanças que já ocorreram no mundo também cheguem aqui.

Que a Sociedade de Psicologia de São Paulo continue a prestar os serviços que ao longo da história vem realizando em benefício da Psicologia como Ciência e Profissão. Mais ainda, que ela cresça e se diversifique para um futuro promissor.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 06/03/07
Aceito em 15/03/07

 

 

1 Palestra proferida na Comemoração dos 60 anos da Sociedade de Psicologia de São Paulo, realizada em 11/11/2005.
* Endereço para correspondência: Av. Pedroso de Morais, 144, apto. 302, Pinheiros. São Paulo &– SP. CEP: 05420-000. Fone (11) 3032-1968. E-mail:gwitter@uol.com.br.

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