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Boletim de Psicologia

versão impressa ISSN 0006-5943

Bol. psicol v.57 n.127 São Paulo dez. 2007

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

 

Pesquisa em psicologia analítica: reflexões sobre o inconsciente do pesquisador1

 

Researching into analytical psychology: reflections on the researcher's unconscious

 

 

Eloisa Marques Damasco Penna*

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica

 

 


RESUMO

O artigo situa, inicialmente, a pesquisa em Psicologia Analítica no contexto da metodologia qualitativa e articula as perspectivas metodológica e epistemológica do paradigma junguiano com o objetivo de discutir o papel e a atitude do pesquisador no processo de pesquisa, destacando a participação do inconsciente na produção de conhecimento científico. O artigo discute a relação pesquisador-pesquisado, sublinhando a interação entre conhecimento e autoconhecimento, observação e auto-observação, subjetividade e objetividade do pesquisador. Finalmente é ressaltada a importância de uma formação específica para o pesquisador junguiano com a meta de desenvolver neste uma atitude simbólica diante do processo de pesquisa que atende às demandas epistemológicas e metodológicas do paradigma junguiano.

Palavras-Chave: Processo de pesquisa, Inconsciente, Auto-observação, Subjetividade e objetividade.


ABSTRACT

At the start, the article locates researching in analytical Psychology in the frame of qualitative methodology and articulates the epistemological and methodological perspectives of the Jungian paradigm with the main goal of discussing the researcher’s role and attitude along the researching process, stressing the participation of unconscious aspects while producing scientific knowledge. The article also discusses the relationship researcher-participant, emphasizing the interaction between the researcher’s knowledge and self-knowledge, observation and self-observation, subjectivity and objectivity. Finally it is stressed the relevance of training for the Jungian researcher aiming the development of a symbolic attitude at the researching process in order to attend the Jungian paradigm’s epistemological and methodological requests.

Keywords: Researching process, Unconscious, Self-observation, Subjectivity and objectivity.


 

 

INTRODUÇÃO

A finalidade deste artigo é discutir a pesquisa em Psicologia Analítica a partir da perspectiva do pesquisador, seu papel e sua atitude diante do processo de pesquisa, destacando a participação do inconsciente do pesquisador no processo de pesquisa. Para alcançar tal objetivo é importante tecer algumas considerações sobre a metodologia qualitativa de pesquisa e destacar alguns aspectos do paradigma junguiano para em seguida focalizar a atitude do pesquisador junguiano.

A pesquisa qualitativa caracteriza-se como uma abordagem interpretativa e compreensiva dos fenômenos, que busca seus significados e finalidades. É importante que o pesquisador adote um paradigma científico a partir do qual seu projeto de pesquisa é construído.

Segundo Denzin e Lincoln (1998), a noção de paradigma envolve três elementos fundamentais: ontologia, epistemologia e metodologia, que devem estar entrelaçados de forma consistente e coerente. A perspectiva metodológica de um paradigma define-se em estreita conexão com as perspectivas ontológica e epistemológica adotadas pelo cientista. O método é um indicador do modo pelo qual o conhecimento será acessado e construído dentro de um paradigma.

O caráter compreensivo e interpretativo da pesquisa qualitativa e sua meta de buscar significados e finalidades na produção de conhecimento são os motivos principais da escolha desta abordagem para a pesquisa em Psicologia analítica.

O paradigma junguiano baseia-se em uma concepção ontológica de mundo e ser humano como uma totalidade que compreende consciente e inconsciente. Do ponto de vista epistemológico, o conhecimento e o autoconhecimento são considerados como indissociáveis e a proposta epistemológica básica da Psicologia Analítica é viabilizar o conhecimento do inconsciente. Dessa forma, a hipótese do inconsciente faz parte da concepção de psique e de ser humano, ocupa lugar central na epistemologia e, portanto, está necessariamente implicada no método. O método de investigação em Psicologia Analítica exige atenção e reflexão constantes sobre os aspectos inconscientes do pesquisador para assegurar que a pesquisa seja realizada de forma apropriada e eficiente.

A reflexão sobre o inconsciente do pesquisador focaliza, principalmente, a relação sujeito-objeto – pesquisador-pesquisado – e a dinâmica subjetividade-objetividade, privilegiando o ponto de vista do pesquisador. A formação do pesquisador é fundamental para que este desenvolva uma atitude adequada na condução da pesquisa.

 

PROCESSO DE PESQUISA E PESQUISADOR PARTICIPATIVO

No tocante à pesquisa em Psicologia Analítica, devem ser considerados dois aspectos principais. Em primeiro lugar, a pesquisa é considerada um processo dinâmico de produção de conhecimento científico e, em segundo lugar, o pesquisador é parte integrante desse processo.

O processo de pesquisa guarda importante analogia com o processo de individuação proposto por Jung, mas também se distingue deste em alguns aspectos relevantes, os quais serão abordados ao longo deste artigo.

É importante ressaltar que realizar pesquisa em Psicologia analítica significa participar de um processo de produção de conhecimento científico no qual a meta principal é a aquisição de um conhecimento novo e relevante (Luna, 1996), tanto em relação ao conhecimento coletivo como no que se refere ao autoconhecimento do pesquisador.

A pesquisa, como um processo dinâmico, compreende diversas etapas, as quais se sucedem entrelaçadas e interligadas, formando um todo coeso em que os primeiros estágios preparam e determinam os seguintes. É necessário esclarecer que a dinâmica do processo de pesquisa é bastante complexa e seu desenvolvimento está sujeito a constantes revisões e reformulações em função das ponderações e descobertas feitas pelo pesquisador durante todo o processo.

O pesquisador participa ativamente do processo de pesquisa interagindo com os aspectos conscientes e inconscientes do fenômeno pesquisado. Assim, os elementos conscientes e inconscientes do próprio pesquisador têm papel importante durante todo o processo, uma vez que conhecimento e autoconhecimento são indissociáveis (Penna, 2003). Portanto, pode-se supor, como parte integrante da pesquisa, a participação da personalidade do pesquisador em todas as etapas do processo, o que, sem dúvida exige, por parte do pesquisador, uma atitude compatível com a proposta epistemológica e metodológica do paradigma junguiano, para que a pesquisa seja conduzida de modo apropriado e resulte na produção de conhecimento científico.

Do ponto de vista epistemológico, o conhecimento envolve o acesso a aspectos inconscientes relativos à psique coletiva e pessoal. O conhecimento do inconsciente é possível apenas por via indireta por meio de suas manifestações na consciência (símbolo). A ponte epistemológica é feita por intermédio dos símbolos. O fenômeno psíquico passível de ser investigado na Psicologia analítica é o símbolo (Penna, 2003), assim, o objeto da pesquisa é considerado um símbolo importante para o pesquisador e possivelmente para sua comunidade científica. Esta afirmação do paradigma junguiano exige uma atitude específica por parte do pesquisador em relação ao seu objeto de pesquisa.

Para Jung (1921/1991) o símbolo depende de uma atitude favorável da consciência para se manifestar. Dessa forma, pode-se dizer que a emergência de um símbolo depende do consentimento da consciência, uma vez que o ego ‘deseja e precisa’ capturar a mensagem contida no símbolo (Penna, 2004). O objeto de pesquisa como um símbolo constela a necessidade de conhecimento do pesquisador. As forças numinosas do símbolo instigam e capturam a consciência do pesquisador, mobilizando-o em direção ao desconhecido – esta é a motivação básica da investigação. Assim sendo, o pesquisador deve, sobretudo, estar disponível para a experiência numinosa que o símbolo propicia e fazer o processamento simbólico do material, a fim de que os conteúdos desconhecidos (inconsciente) se tornem conhecidos (consciente), alcançando assim a meta principal da pesquisa científica, ou seja, produção de conhecimento novo e relevante, pois o limite do conhecimento é dado pela capacidade da consciência de captar e integrar o significado dos símbolos que se lhe apresentam (Penna, 2003).

O caráter inédito e relevante do conhecimento científico a ser produzido no processo de pesquisa reside nos aspectos inconscientes contidos no símbolo a ser investigado. A atitude simbólica do pesquisador constitui uma especificidade da pesquisa em Psicologia Analítica. Esta atitude do pesquisador deve não apenas ser encorajada, mas também desenvolvida e treinada.

 

RELAÇÃO PESQUISADOR – PESQUISADO

A metodologia de pesquisa qualitativa afirma que a relação estabelecida entre o pesquisador e o pesquisado decorre dos pressupostos epistemológicos que definem a relação entre o conhecedor e o conhecido (Denzin e Lincoln, 1998).

Do ponto de vista epistemológico, o fato de a psique ser tanto sujeito como objeto de conhecimento na Psicologia é o ponto crucial desta ciência. Jung considerava este o maior desafio na busca de métodos em Psicologia (Penna, 2004).

No paradigma da totalidade/diversidade, segundo Papadopoulos (2002), o outro está contido no todo do qual faz parte o eu e, nesse sentido, o outro é o restante do eu, que falta ou sobra ao eu e, portanto, lhe é desconhecido. A noção de inconsciente, embora não coincida exatamente com o desconhecido o inclui. Do ponto de vista egóico, o mundo externo e o inconsciente são experimentados pelo ego como ‘outro’, isto acarreta diversos tipos de conexões entre o eu e o outro, as quais podem enfatizar diferença e similaridade ou união e separação ou ainda, oposição e complementaridade.

No entanto, ainda que o outro esteja contido no mesmo todo do qual o ego faz parte, não se trata, em momento algum, de anular as diferenças entre o eu e o outro, uma vez que, segundo Jung (1921/1991) “a identidade sujeito-objeto torna impossível qualquer conhecimento” (p.231). Trata-se de perceber as características dessa relação dinâmica que se estabelece entre sujeito e objeto, suas especificidades e limites.

Do ponto de vista metodológico, é importante analisar as particularidades dessa relação para assegurar que um conhecimento científico seja produzido. No contexto da pesquisa, o pesquisador e o pesquisado formam um par de opostos complementares, sendo que a distinção entre as duas entidades é sempre indispensável. O outro é algo ou alguém (objeto do conhecimento) que não sou eu ou nós (pesquisador) sujeito do conhecimento (Papadopoulos, 2002).

A relação pesquisador-pesquisado envolve a articulação dinâmica de elementos conhecidos e desconhecidos, tanto no plano interno como no plano externo ao pesquisador. O processo de pesquisa compreende dois sistemas em interação: o sistema pesquisador com seus aspectos conscientes e inconscientes e o sistema pesquisado – fenômeno psíquico a ser conhecido – símbolo – com seus aspectos conhecidos e desconhecidos – manifestos e subjacentes. Ambos, pesquisador e pesquisado fazem parte e compartilham a dimensão coletiva consciente e inconsciente.

A interação entre esses dois sistemas produz, pelo menos, quatro conjuntos de conexões possíveis que se estabelecem entre o pesquisador e seu objeto/símbolo de pesquisa, as quais se articulam de modo dinâmico.

Como é possível observar (Figura1), a dinâmica estabelecida entre os dois sistemas &– pesquisador e pesquisado &– apresenta diversas formas de interpenetração as quais acontecem em vários níveis e devem ser observadas pelo pesquisador durante o processo de pesquisa:

 

 

Figura 1. Relação Pesquisador - Pesquisado

1. o ego do pesquisador com a face manifesta – reconhecível – do símbolo.
2. o ego do pesquisador com a face desconhecida – inconsciente – do símbolo.
3. o inconsciente do pesquisador com a face manifesta do símbolo que, geralmente se dá via projeção.
4. o inconsciente do pesquisador com os aspectos inconscientes – desconhecidos – do símbolo, da qual pouco, ou mesmo nada, se pode dizer, mas que ocorre.

A perspectiva simbólica arquetípica configura uma relação sujeito-objeto dialética, transformadora, que diferencia o eu e o outro, mas não prioriza um em detrimento do outro. Embora a produção de conhecimento seja primordialmente conduzida pelo pesquisador, a este não é dado, em princípio, o controle egóico da situação, uma vez que o inconsciente – pessoal e coletivo – participa e interfere constantemente. Apenas a manutenção de uma atitude simbólica em relação ao pesquisado pode favorecer o andamento do processo, que busca integrar as polaridades em questão, sem menosprezar ou sobrevalorizar uma ou outra. Dessa forma a atitude do pesquisador, particularmente em relação à participação do inconsciente, deve ser alvo de constante atenção. Desde o início do processo de pesquisa, o pesquisador deve estar atento às demandas inconscientes que permeiam suas escolhas e decisões.

Cumpre salientar que a atitude simbólica do pesquisador consiste em recurso metodológico indispensável na condução de um processo de pesquisa coerente com as demandas ontológicas e epistemológicas do paradigma junguiano.

No processo de pesquisa destacam-se três etapas principais: a escolha do tema; a coleta de dados e a análise de material. O inconsciente do pesquisador é ativado e atua desde a primeira etapa do processo de pesquisa. Neste artigo pretende-se discutir a atitude do pesquisador, particularmente, nas duas etapas iniciais do processo – escolha do tema e coleta de dados – não será discutida a etapa de análise do material.

 

ESCOLHA DO TEMA

O processo de pesquisa é desencadeado por um interesse do pesquisador em algo, que o conduz a uma pergunta ou questões em torno de um problema. A abordagem teórica – ontologia e epistemologia – adotada pelo pesquisador condiciona a metodologia a ser utilizada na condução da pesquisa.

A partir da escolha do tema de pesquisa já está configurado um vínculo pesquisador-pesquisado, em que o tema escolhido vai se constelando como um símbolo importante para o pesquisador.

Na 1ª etapa – escolha do tema a ser pesquisado, formulação do problema e estabelecimento dos objetivos – a relação entre o pesquisador e seu objeto de investigação – o símbolo – já é permeada por fatores inconscientes, tais como expectativas e fantasias em relação ao objeto, assim como uma certa fascinação pela incógnita que o símbolo produz.

O símbolo é sempre algo intrigante e instigante para a consciência que o experimenta; seu caráter ambivalente e paradoxal produz uma sensação de conhecimento e desconhecimento.

Ao refletir sobre seu interesse pelo tema, sua motivação pessoal deve ser explicitada e sua relevância científica deve ser justificada no projeto de pesquisa. A relevância do tema é tão simbólica para o pesquisador como para a comunidade social e científica à qual ele pertence.

Nesta etapa, é importante que o pesquisador examine os motivos conscientes e inconscientes envolvidos no problema de pesquisa, explorando as fantasias e expectativas sobre seu projeto, e trate o objeto como um símbolo.

De acordo com Jung: “quase sempre dá bons resultados fazer uma meditação verdadeira e profunda sobre o sonho (símbolo), isto é, se o carregarmos dentro de nós por algum tempo” (Jung, 1929/1987, p.40).

Este procedimento permite explorar e tornar conscientes, na medida do possível, aspectos inconscientes que, do contrário, podem ser projetados no objeto de pesquisa, acarretando interferências sombrias no processo. Imaginar também as respostas às quais se pretende chegar para as perguntas apresentadas no objetivo da pesquisa ajuda a trazer à luz possíveis preconceitos do pesquisador em relação ao assunto pesquisado.

 

COLETA DE MATERIAL

A apreensão do fenômeno psíquico – símbolo – é alcançada pela observação; tanto pela ‘observação natural’ como pela ‘observação instrumental’ (Pieri, 2002). Em ambos os casos, a apreensão compreende um sistema observador e um sistema observado.

Observação e auto-observação, como procedimento integrado e indissociável, têm importante papel no processo de pesquisa, uma vez que consiste no meio pelo qual é possível acessar o fenômeno psíquico (símbolo) a ser investigado. Assim, o pesquisador deve ser capaz de conduzir a observação de modo adequado para a apreensão do material inconsciente contido no símbolo. Quanto à auto-observação, o pesquisador deve se manter atento e fiel a suas metas e objetivos de pesquisa, refletindo e avaliando constantemente suas decisões e ações.

Considerando que o sistema observado não é apenas perturbado pelo sistema observador, mas também é produto deste sistema (Pieri, 2002), a relação entre esses dois sistemas é bastante complexa e será discutida, sobretudo, no período de apreensão do fenômeno pesquisado.

No que diz respeito à observação e à auto-observação, para que se possa compreender os diversos níveis de inter-relação que se estabelecem na dinâmica sujeito – objeto, três aspectos importantes devem ser considerados durante a coleta de material.

Primeiro, deve-se atentar para as particularidades do objeto/símbolo de investigação que inclui aspectos conscientes e inconscientes. A natureza da expressão simbólica alvo de investigação deve ser analisada para que o melhor modo de apreensão seja escolhido. Ou seja, esse objeto/símbolo em particular pode ser melhor observado por meio de quais instrumentos de apreensão? Aqui estão envolvidos escolha de instrumentos e modos de observação adequados ao objeto/símbolo em questão.

Em segundo lugar, é necessário considerar a equação pessoal do sistema observador, que contém aspectos conscientes e inconscientes compreendidos no âmbito coletivo e pessoal. Neste caso, devem ser analisadas as possibilidades e limites do pesquisador (sistema observador) e a viabilidade de sua realização no contexto coletivo em que está inserida a pesquisa.

Por último, é importante estar ciente de que a dinâmica entre esses dois sistemas envolve um inter-jogo entre todos esses aspectos do processo – consciente e inconsciente no plano coletivo e pessoal. As implicações deste inter-jogo devem ser avaliadas e consideradas na etapa de análise e interpretação do material, quando os vieses, as lacunas e também as surpresas em relação ao material coletado podem se evidenciar.

Apesar de Jung afirmar que “no caso da Psicologia é a psique que se observa a si mesma, diretamente no sujeito e indiretamente em outra pessoa” (Jung, 1935/1981, p.92), do que se pode deduzir que o observador seja o observado e que a psique seja, não apenas o objeto, mas também o sujeito, na verdade deve-se entender que há um vínculo estreito e uma dinâmica complexa entre sujeito e objeto, mas não propriamente uma identidade entre eles. Epistemologicamente, pode-se observar que conhecimento e autoconhecimento são inseparáveis, e metodologicamente verifica-se, como resultante, que observação e auto-observação são indispensáveis.

No processo de pesquisa, à semelhança do processo de individuação, a forma e o grau de interação entre elementos conscientes e inconscientes dependem, em última instância, do ego do pesquisador. A esse respeito cumpre salientar a posição do ego na totalidade do sistema psíquico, lembrando que: “A consciência do eu parece depender de dois fatores: primeiramente, das condições do consciente coletivo, isto é, consciência social; e por outro lado, dos arquétipos, ou dominantes, do inconsciente coletivo” (Jung, 1928/1984, p.154).

Portanto a consciência do pesquisador, por um lado, está inserida no contexto sociocultural em que a pesquisa se desenvolve e, por outro lado, é influenciada pelo âmbito arquetípico da mesma forma que seu objeto de pesquisa.

É importante destacar também a dinâmica do sistema psíquico, considerando a função compensatória, cujo produto é o símbolo que representa a síntese necessária ao equilíbrio do sistema todo. Entretanto, somente o processamento desse símbolo, realizado pelo ego, efetiva a integração dos conteúdos inconscientes na consciência, resultando em ampliação da consciência. No processo de pesquisa, a tarefa do ego do pesquisador é manejar o processamento dos símbolos investigados desde sua apreensão (coleta) até a compreensão (análise), a fim de que seja produzido um conhecimento novo e significativo tanto do ponto de vista individual como do ponto de vista coletivo.

Algumas considerações sobre a objetividade e a subjetividade do pesquisador devem ser feitas ainda. Na medida em que subjetividade e objetividade são qualidades humanas, elas estarão, inevitavelmente presentes em toda atividade humana. Se, no entanto, os conteúdos subjetivos do pesquisador não forem considerados, eles serão mantidos inconscientes no processo de aquisição de conhecimento e, como sabemos, uma polaridade inconsciente em geral, tende a emergir de forma primitiva (Penna, 2004) e por esse motivo pode adquirir uma intensidade indesejável, emergindo com feições de universalidade e generalidade (Maroni, 1998).

Jung foi um dos pioneiros na defesa da subjetividade na ciência, numa época em que a objetividade era um requisito básico para o cientista. O método junguiano baseiase na inevitabilidade da subjetividade do pesquisador, assim como na impossibilidade de neutralidade do analista. Atualmente, porém, a ciência pós-moderna não só aceita, mas também incentiva a subjetividade do pesquisador. Assim sendo, devemos prestar ainda mais atenção à díade subjetividade-objetividade seja na clínica como na pesquisa científica.

Pode-se observar a preocupação de Jung (1921/1991, p.26) a esse respeito, quando ele diz:

“Em parte alguma, como no campo da Psicologia, é exigência absolutamente básica que o observador e o pesquisador sejam adequados ao seu objeto, no sentido de serem capazes de ver uma e outra coisa. Exigir que só se olhe objetivamente está fora de cogitação, pois isso é impossível. Já deveria bastar que não se olhasse subjetivamente demais”.

A busca de um equilíbrio entre subjetividade e objetividade foi e continua sendo o maior desafio metodológico na pesquisa em Psicologia Junguiana. A preocupação com este equilíbrio tem por finalidade evitar que se caia em posições unilaterais nos prevenindo tanto contra o subjetivismo quanto contra o objetivismo excessivos. Tais excessos, em ambos os casos, acarretam uma tensão entre as polaridades – objetividade e subjetividade – que resultam inevitavelmente em uma tendência à compensação dos opostos, neste caso, preferencialmente por meio de projeções.

Se o ego mantém um sistema de trocas com o inconsciente, este não impõe pressão excessiva sobre a consciência, conseqüentemente a relação entre o ego e o mundo externo fica mais livre das misturas fantásticas (Jung, 1921/1991), reduzindo assim o risco de contaminação e confusão na relação eu-outro.

O máximo que se pode almejar em termos de equilíbrio ou adequação em relação à objetividade e à subjetividade é o treinamento e o desenvolvimento da objetividade e a consideração séria e respeitosa da própria individualidade. Nesse sentido a prática da autoobservação, aliada à observação baseada no pressuposto de que conhecimento e autoconhecimento são indissociáveis auxilia o pesquisador a desenvolver e manter uma atitude responsável e ética dentro do paradigma junguiano – atitude simbólica.

 

CONCLUSÃO

Dada a complexidade da relação que se estabelece entre o pesquisador e o pesquisado ao longo do processo de pesquisa, desde a escolha do tema até a análise do material coletado, o pesquisador deve desenvolver uma atitude simbólica, considerando o conhecimento científico e o autoconhecimento como indissociáveis. É importante também a habilidade para observação e auto-observação, considerando as esferas coletivas e pessoais do fenômeno e de si-mesmo, assim como os aspectos conscientes e inconscientes desses elementos.

Assim como o analista junguiano deve ser preparado para desenvolver as habilidades necessárias ao exercício da psicoterapia, o pesquisador junguiano também deveria ser preparado para lidar com todas as vicissitudes do processo de pesquisa na abordagem junguiana.

A formação do pesquisador junguiano deve buscar desenvolver a atitude simbólica, considerando o fenômeno a ser investigado como um símbolo importante tanto para o pesquisador como para a comunidade científica em questão. O pesquisador junguiano dever ser capaz de proceder à observação e à auto-observação a fim de produzir conhecimento e autoconhecimento plenos de significado e sentido.

É importante para o pesquisador ter sempre em mente que “vemos aquilo que melhor podemos ver em nós mesmos” (Jung, 1921/1991, p.26).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Recebido em 22/05/06
Revisto em 12/06/07
Aceito em 20/06/07

 

 

1 Este artigo foi baseado em trabalho apresentado na 2nd International Academic Conference of Analytical Psychology &
Jungian Studies no Texas, em julho de 2005, e no Encontro de Psicologia Junguiana em São Paulo, em outubro de 2005..
* Endereço para correspondência: R. Cel. Artur de Paula Ferreira, 59, conj. 104. S.Paulo - S.P. CEP: 04511-060. Fone/fax: 38480612; E-mail: elopenna@uol.com.br.

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