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Boletim de Psicologia
versão impressa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.62 no.136 São Paulo jun. 2012
ARTIGOS ORIGINAIS
Serviços de psicologia em clínicas-escola: revisão de literatura
Clinical psychology school services: literature review
Anna Elisa Villemor Amaral; Luana Luca*; Thalita de Cassia Rodrigues; Carla de Andrade Leite; Fernanda Luzia Lopes; Marlene Alves da Silva
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade São Francisco - SP - Brasil
RESUMO
Os serviços-escolas de Psicologia têm como finalidade atender à necessidade de formação nos cursos de Psicologia, aplicando na prática as técnicas psicológicas aprendidas em sala de aula e desempenham um papel social importante visto que possibilitam atendimento psicológico à população carente. O presente estudo objetivou descrever publicações científicas acerca das práticas desses serviços. Dá-se ênfase às práticas, dinâmicas e perfil de instituições, assim como à descrição da clientela, o trabalho com orientação profissional, o processo da triagem, plantão e também acolhimento como um possível objetivo das atividades nas clínicas-escola. Dessa forma, ressalta-se a importância de que estudos sejam elaborados a fim de caracterizar os serviços, disponibilizando informação que possa contribuir para que as instituições planejem ou reestruturem o atendimento à comunidade e o treinamento dos alunos.
Palavras-chave: Caracterização da clientela; acolhimento; atendimento psicológico.
ABSTRACT
The schools services of Psychology are intended to address the need for training courses in Psychology as they put into practice the psychological techniques learned in the classroom. They play also an important social role since they give access to psychological support to people who can not afford it. This study aims to describe published scientific studies about the common practices of these services. It is emphasized the practical and dynamic profile of each institution as well as a description of the clientele, the professional guidance work, the screening process, and also suggestions of a new possible goal to school services. Thus, it emphasizes the importance of conducting studies aimed to characterize the services in order to help institutions plan or restructure treatment to the community and student's training.
Key words: Clients characterization; holding; psychological services.
INTRODUÇÃO
A história dos serviços de clínica-escola no Brasil está naturalmente vinculada à história dos cursos de Psicologia e da regulamentação da profissão de psicólogo. Antes da década de 60, a disciplina de Psicologia era ensinada nos cursos de Filosofia, Pedagogia, Teologia, Direito e Medicina, o que demonstra um interesse e valorização desse campo de conhecimento em vários contextos profissionais e certamente contribuiu para a sua distinção como profissão independente. O primeiro curso de Psicologia surgiu em 1958, funcionando na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP-SP, embora os cursos para formação de psicólogo só viessem a ser regulamentados em 27 de Agosto de 1962 pela Lei n° 4.119 (Rubiano, 2005).
A profissão de psicólogo foi instituída em 1962 e junto com ela logo surgiram os serviços-escola, instalados com o objetivo principal de atender à necessidade de formação nos cursos de Psicologia. Os serviços-escola têm, desde então, o objetivo de aplicar, na prática, as técnicas psicológicas aprendidas em sala de aula. Ao mesmo tempo, adquiriram também um papel social importante, visto que possibilitam à população carente um atendimento psicológico que, de outro modo, poderia ser inacessível (Peres, Santos e Coelho, 2003).
Segundo Rubiano (2005) nessa fase inicial dos cursos de Psicologia inexistiam os cursos de pós-graduação, embora profissionais já graduados começassem a se reunir em algumas entidades, tais como a Associação Brasileira de Psicologia, que de certa forma visavam promover um desenvolvimento continuado da formação profissional. Nesse período, houve também a criação da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, que representou papel importante na criação do Conselho Federal de Psicologia e dos Conselhos Regionais, bem como nas organizações das diferentes áreas do saber dessa ciência. Foi nessa época que a Psicologia estava se firmando como profissão e produção científica, de modo que, dentre as várias propostas que surgiram a partir dos profissionais recém-formados e estudantes, os serviços das clínicas-escola representaram uma importante conquista para a área.
O termo clínica-escola veio a ser substituído por serviço-escola a partir do 12° Encontro de Clínicas-Escola do Estado de São Paulo em 2004 (Melo-Silva, Santos e Simon, 2005). O novo termo tinha como propósito incluir uma gama maior de modos de intervenção do psicólogo para além dos estritamente clínicos, acompanhando o desenvolvimento da profissão. Assim, tornou-se importante a realização de investigações e pesquisas que buscassem desenvolver meios que pudessem simultaneamente ampliar o atendimento a um maior número de pessoas na comunidade, mantendo a qualidade do serviço realizado por estudantes (Herzberg e Chammas, 2009) e, ao mesmo tempo, adequando-os às necessidades sociais pertinentes ao momento histórico e às características regionais nas quais estavam inseridos.
Portanto, pode-se entender a finalidade dos serviços-escolas em duas perspectivas fundamentais, a saber, a possibilidade de treinamento de alunos mediante a aplicação dos conhecimentos teóricos adquiridos em sala de aula e a oferta de atendimento à população menos favorecida. O treinamento deve contribuir para a formação de profissionais habilitados e capazes de desenvolver as práticas psicológicas de acordo com as novas realidades e demandas sociais, políticas e culturais atuais (Herzberg, 1999).
Ancona-Lopez (1995) considerou que estudos sobre a temática eram necessários para promover continuamente melhor adequação dos serviços, propiciando ampliação dos conhecimentos e das necessidades específicas da população, visando adequar à atuação profissional oferecida, orientar a implantação de novas atividades, acompanhar a evolução do funcionamento de serviços diversos e contribuir para maior inserção social da Psicologia. Essas características, para a autora, são inerentes à própria função dupla do serviço-escola, qual seja, oferecer condição de treinamento clínico para os alunos e prestar serviço psicológico à comunidade. Desta forma, os estudos relativos a essa prática devem verificar não apenas se o atendimento corresponde às expectativas dos pacientes, mas também se oferece oportunidade para a formação adequada dos profissionais (Gorayeb, Colares e Bessa, 1992).
A maneira como as instituições organizam os serviços prestados, ou seja, como se realiza a dinâmica da clínica, desde o atendimento inicial pela recepção até a triagem realizada, influencia no resultado do processo de atendimento (Calderoni, 1998). Desta maneira, as pesquisas apresentadas contribuem ao fazer um levantamento crítico dos pacientes atendidos e das demandas produzidas pelos mesmos, pois, por meio de suas conclusões, podem ser levantadas hipóteses que venham a oferecer sugestões positivas no processo de acolhimento dos pacientes.
Foi com base na prática e experiência nesse âmbito, que a partir da década de 80 surgiram os primeiros registros científicos, com as publicações de Carvalho e Terzis (1988), Ancona-Lopez (1993), Ferreira (1998), Levandowski (1998), Lhullier (2002), entre outros. Registros mais atuais são encontrados nas publicações de Romaro e Capitão (2003), Melo-Silva e cols. (2005), Ancona-Lopez (2005), Paparelli e Nogueira-Martins (2007), Herzberg e Chammas (2009), entre outros. Assim o presente trabalho visou levantar e analisar publicações científicas acerca das práticas em serviços-escola de Psicologia.
MÉTODO
A fim de atender ao objetivo proposto procedeu-se a um levantamento bibliográfico para a identificação e a análise das publicações relativas ao serviço-escola em Psicologia nos últimos 10 anos. As buscas foram realizadas entre agosto e novembro de 2010, por meio das bases de dados Biblioteca Virtual em Saúde - Psicologia (BVS-Psi), PEPsic, Lilacs eScientific Electronic Library Online (Scielo), utilizando-se as palavras chave clínica-escola e serviço-escola de Psicologia.
RESULTADOS
Nessa busca foram encontrados 45 trabalhos disponibilizados on line, que descreveram experiências em serviços-escola que serão apresentadas a seguir. Dentre as publicações ressaltam-se as referentes à representação social do psicólogo que trabalha nessas instituições, à descrição da clientela, às práticas com determinadas abordagens, aos tipos de serviços prestados, à caracterização da demanda e às descrições sobre os atendimentos. Foram encontrados também trabalhos que relataram a prática psicológica em diversos contextos, assim como orientação profissional, atendimento á queixa escolar e com população específica, conforme a Tabela 1.
As primeiras publicações datam de 2000, sendo a maior concentração de estudos elaborados no ano de 2008. Serão descritos a seguir os objetivos e resultados encontrados divididos por área de concentração, agrupados em seis categorias.
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DO PSICÓLOGO
O estudo de Lahm e Boeckel (2008) teve como objetivo identificar as representações sociais do profissional de Psicologia por pacientes do serviço-escola de um município no interior do Rio Grande do Sul. Os autores utilizaram uma abordagem de natureza qualitativa, com a aplicação de 22 questionários junto aos pacientes que realizaram triagem no serviço. O questionário usado na coleta de dados compreende questões abertas que indagam sobre a significação do papel do(a) psicólogo(a), com o objetivo de reunir informações acerca das concepções sobre esse profissional e seu trabalho. Os resultados evidenciaram aspectos relacionados à função de entender, ajudar, orientar, escutar e auxiliar na resolução de problemas/conflitos em diferentes âmbitos da vida dos indivíduos.
Prebianchi e Cury (2005) tiveram por objetivo conhecer a percepção de supervisores e funcionários sobre a atenção psicológica à criança numa clínica-escola de Psicologia. Participaram desse estudo duas secretárias da clínica, uma psicóloga, uma aprimoranda e oito professores-supervisores. Os participantes definiram por meio das entrevistas que a grande demanda existente é constituída por pacientes encaminhados pelas escolas e Centros de Saúde. Os resultados apontaram que o atendimento psicológico clínico infantil tem importância social por capacitar as famílias nos cuidados com seus filhos, tendo em vista que as dificuldades das famílias no exercício de seu papel residem no meio social. Os autores enfatizaram a necessidade de avaliação dos resultados obtidos pelos pacientes, da revisão dos tipos de serviços oferecidos, da intervenção junto às fontes de encaminhamento e da mudança na organização e funcionamento da clínica.
No que se refere a pesquisas que tratam a mudança de terapeuta como um fator que possa influenciar no abandono de psicoterapia, encontra-se o artigo de Lhullier et al. (2000), que objetivaram avaliar a influência de um período de co-terapia como adaptação à mudança. Os pacientes foram subdivididos em dois grupos e comparados os índices de alta e de abandonos entre ambos. Os resultados demonstraram que o grupo que realizou adaptação apresentou índices significativamente menores de abandono (27%) do que o grupo que não o fez (49%). Os autores concluíram sobre a utilidade desta adaptação, bem como sobre a necessidade de outros estudos mais detalhados desta questão.
Em relação aos estudos que focalizaram a atenção nos supervisores de clínica-escola, encontra-se o de Silvares e Pereira (2005), que buscaram discutir questões relacionadas ao papel do supervisor em clínicas-escola de Psicologia. O ponto de partida deste trabalho foi o reconhecimento do quanto era importante, para a formação dos alunos, incluírem a experiência em projetos de pesquisa que aproximasse teoria e prática. A discussão central do texto referiu-se à distinção entre características delimitadoras da "avaliação de pesquisa" em contraposição às de "avaliação de tratamento". Para Silvares e Pereira cada uma dessas estratégias possuem suas limitações e abrangem algumas questões, cujas respostas específicas permitem ao supervisor e supervisionando delimitarem pesquisa e tratamento de modo a alcançarem os objetivos de cada uma delas. Ao fim do exposto, os autores evidenciaram que, com essas questões postas, o trabalho de um supervisor em clínica-escola entende-se por acompanhamento dos atendimentos realizados pelos alunos, criação de condições dentro da instituição para que os trabalhos clínicos sejam realizados de forma adequada e permitir ao aluno o desenvolvimento de suas habilidades, tanto para a prática clínica como para a produção de conhecimento científico.
DESCRIÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS EM DIFERENTES REGIÕES E DA CLIENTELA
Dentre os trabalhos que visaram caracterizar a clientela dos atendimentos, encontra-se o de Enéas, Faleiros e Sá (2000), que fizeram um levantamento dos atendimentos feitos entre 1997 e 1998 em psicoterapia breve de adultos na clínica-escola de uma universidade particular paulistana. Foram avaliados os prontuários de 448 pacientes, 215 de 1997 e 233 de 1998. Os resultados demonstraram que as mulheres predominaram (77,21% em 1997 e 78,97% em 1998), na maioria, jovens, solteiras e com curso superior incompleto. As queixas mais frequentes foram dificuldades diversas de relacionamento, lidar com perdas e ansiedade. A duração dos atendimentos foi entre 9 e 12 sessões. Os autores concluíram que a psicoterapia breve tem sido útil aos propósitos da clínica, sendo necessário aprofundar o conhecimento tanto da clientela quanto dos processos terapêuticos.
Outro estudo foi o de Romaro e Capitão (2003), que objetivou a caracterização sociodemográfica da população que procurou atendimento psicológico na clínica-escola de uma universidade paulista, entre 1995 e 2000. Os resultados indicaram que dos 590 pacientes atendidos, 341 foram mulheres, na sua maioria, jovens e solteiras. Apesar do predomínio de pacientes do gênero feminino, ocorreu uma variação do gênero em função da faixa etária, pois entre 0 e 14 anos foram atendidos 248 pacientes, sendo 65,3% do gênero masculino. As queixas mais frequentes foram de relacionamento, dificuldades escolares, lidar com perdas e ansiedade. Os autores relataram que o estudo de caracterização da clientela da clínica-escola pode auxiliar no planejamento de outros tipos de atendimento que responderiam a esta demanda, assim como enriqueceriam a formação do aluno-estagiário em outras atuações clínicas.
Vilella (2008) analisou o funcionamento de nove serviços-escolas de Psicologia da Grande São Paulo, investigando a concepção vigente sobre o trabalho clínico com pessoas com deficiência. A coleta de dados foi feita por meio de entrevistas semidirigidas, com os representantes dos serviços-escolas de Psicologia e com diretores técnicos das instituições especializadas para deficientes visuais, com o objetivo de conhecer o funcionamento dos serviços-escola e das instituições especializadas para deficientes visuais quanto a suas diretrizes frente ao trabalho psicológico. Segundo essa autora, ainda é muito arraigada a idéia de que as pessoas com deficiência devam se valer de trabalho especializado em instituições exclusivas, o que mantém esta população afastada dos recursos disponíveis à população em geral, tal como os serviços-escolas de Psicologia.
Moura et al. (2008) realizaram a caracterização da população infantil de uma pré-escola que procurou a clínica-escola de Psicologia de uma universidade pública do Paraná, no período de agosto de 2004 a maio de 2006. Utilizaram para coleta de dados, a ficha de identificação da criança e o Child Behavior Checklist (CBCL), que fornece um perfil comportamental por meio de uma análise computadorizada. Participaram da pesquisa 103 mães com filhos em idade pré-escolar (2 a 6 anos), que foram entrevistadas individualmente e solicitadas a responder o CBCL. A maior parte das crianças foi indicada para atendimento clínico de acordo o resultado do CBCL. Os resultados corroboraram os de outros estudos que obtiveram resultados semelhantes, tais como, maior prevalência de crianças do sexo masculino e predomínio de comportamentos externalizantes.
O trabalho de Santos, Cardoso e Melo-Silva (2009) apresentou como objetivo caracterizar o perfil dos clientes inscritos em Orientação Profissional que foram encaminhados para psicoterapia em um serviço-escola de Psicologia. Foi realizado estudo retrospectivo baseado em levantamento de prontuários dos clientes atendidos no período de 2003 a 2006. Participaram 24 clientes, desses, 10 clientes aderiram até o final do contrato de um ano e tiveram melhora parcial dos sintomas. Os autores concluíram que a psicoterapia tem se mostrado um recurso eficiente para lidar com a demanda oriunda da orientação profissional, constituindo uma alternativa complementar para casos que necessitam de atendimento.
Um dos estudos encontrados que visou discutir a experiência de supervisão de estágio de triagem em clínica-escola por meio de plantão psicológico, foi o de Moreira (2003), que pretendeu destacar a formação dos profissionais de Psicologia e o processo ensino/aprendizagem durante o período de estágio, caracterizando o estágio em Psicologia como uma preparação para o cotidiano profissional. A autora apresentou as bases que sustentam a prática de estágio clínico, bem como os procedimentos que o definem. Segundo a autora, as transformações ocorridas durante o estágio e a implantação do plantão psicológico transformaram a dinâmica da formação de novos profissionais em Psicologia. Desta feita, Moreira assinala a possibilidade de estágio como uma via para que os alunos conquistem uma forma mais autônoma de alinhavar os conceitos de diversas disciplinas básicas e técnicas em sua prática.
Em relação à caracterização da clientela encontra-se o estudo de Cunha e Benetti (2009), cujo objetivo foi descrever a população infantil que procurou atendimento psicológico em uma clínica-escola da Região Metropolitana de Porto Alegre, RS. Participaram desse estudo 499 crianças inscritas no período de 1999 a 2006. Os resultados apontaram que a faixa etária de 6 a 9 anos correspondeu a 56,4% do total da amostra, sendo a maior parte meninos (67,3%). Em relação ao encaminhamento, 63,5% eram provenientes da escola. As queixas apresentadas eram referentes a problemas afetivos e de relacionamento. As autoras destacam a necessidade de que os estagiários em atendimento clínico psicológico recebam em seus treinamentos preparo quanto às técnicas de atendimento psicoterápico infantil, incluindo intervenções dirigidas à escola, à família e à comunidade.
ATENDIMENTO AO ALUNO
A pesquisa de Peres et al. (2003) expôs um Programa de Pronto-Atendimento Psicológico ao Aluno. O objetivo desse estudo foi descrever um serviço de atendimento psicológico oferecido junto à clínica-escola de uma faculdade, voltado exclusivamente à comunidade discente interna. Os resultados mostraram que a maioria dos usuários procura o serviço alegando problemas de convívio com companheiros de moradia, ansiedade e estresse em virtude das atividades acadêmicas e outras dificuldades aparentemente circunstanciais. Em contrapartida, existiram queixas acerca de tentativas de suicídio e uso excessivo de álcool e/ou drogas. Quanto à metodologia, o trabalho aborda a primeira sessão, a supervisão e a segunda sessão, na qual o estagiário responsável apresenta as diferentes modalidades de encaminhamento, sendo elas, psicoterapia individual, psicoterapia em grupo, grupos de convivência com temáticas específicas e oficinas de convivência. Os autores concluíram que a contínua reflexão acerca das modalidades de atendimento e das estratégias de intervenção colocadas em prática tem subsidiado a adequação do trabalho desenvolvido às reais necessidades da clientela e o planejamento de reestruturações na organização do serviço.
TRIAGEM
A pesquisa realizada por Herzberg e Chammas (2009) apresentou uma experiência de atendimento na modalidade de triagem psicológica na clínica-escola de Psicologia da uma universidade paulista. Foi avaliada a evolução de dez atendimentos, que não haviam conseguido vaga para atendimento regular da clínica e que foram convidados pela pesquisadora para participarem dessa modalidade de atendimento a ser pesquisada. Os participantes foram cinco mulheres e cinco homens, com idades entre 8 e 76 anos. Sobre a origem do encaminhamento, quatro foram espontâneos, ou seja, demanda pessoal, quatro foram por indicação médica e os outros dois por indicação da escola e do trabalho. As autoras concluíram que a avaliação da satisfação dos participantes a médio e longo prazo parecem ser essenciais para conferir maior solidez ao desenvolvimento desta modalidade de atendimento.
O estudo de Carvalho e Telles (2001) veio trazer considerações sobre queixas de pacientes em triagem de clínica-escola. Participaram 100 pacientes provenientes de uma amostra aleatória, triados entre 1996 e 1998, de ambos os sexos, adolescentes e adultos, nível sócio-econômico com predominância de baixa renda. Os resultados demonstraram que 50% dos pacientes eram do sexo feminino e as idades variaram entre 23 e 40 anos. Em relação a tipo/frequência da queixa, a categorização levou a três divisões, quais sejam: dificuldades de relacionamento interpessoal e quadro depressivo, sentimentos relacionados à autoestima rebaixada, insegurança e desconfiança e uma baixa explicitação de dificuldades na esfera sexual.
SERVIÇOS DIFERENCIADOS E ABORDAGENS
Melo-Silva (2005) objetivou descrever uma experiência na formação do psicólogo/orientador profissional em uma universidade pública. Os atendimentos foram realizados por estagiários do 9° e 10° semestre do curso de Psicologia e destinado aos participantes a partir de 14 anos, sendo que os menores de 18 anos tiveram a autorização dos pais ou responsáveis. O processo de Orientação Profissional foi realizado em grupos de 10 a 15 integrantes ou de forma individual. Foram realizadas em média 12 sessões, centrando-se em seis eixos temáticos, a saber, autoconhecimento, escolha, estudos, vestibular, mundo do trabalho e informação sobre as carreiras e as formas de acesso à universidade. A autora concluiu que são diversas as possibilidades de intervenção em orientação profissional, além disso, enfatizou a necessidade de investimento na formação e capacitação do psicólogo/orientador profissional.
O estudo de Arruda e Melo-Silva (2010) teve por objetivo avaliar a intervenção de carreira, que é um método em orientação profissional de avaliação da intervenção baseado no modelo de French, Hiebert e Bezanzon, que contem três dimensões de análise (input, processos e output). A intervenção foi realizada no serviço-escola de uma universidade pública. Participaram do estudo 77 ex-clientes jovens entre 17 e 24 anos, com predomínio de mulheres, e atendidos em grupo. As autoras enviaram um questionário pelo correio, contendo questões objetivas e dissertativas. Os ex-clientes avaliaram positivamente as condições oferecidas pelo serviço, valorizando as atividades e os temas trabalhados na intervenção. A incorporação de mais atividades informativas e a expansão do serviço foram sugeridas.
Scortegagna e Levandowski (2004) analisaram os encaminhamentos de crianças com queixa escolar, referentes à lista de espera de 2002 e 2003, de um serviço-escola. Foi feita uma classificação das queixas em quatro categorias, a saber, problemas de aprendizagem, de comportamento, emocionais e outros relacionados a questões escolares. Os resultados mostraram um grande número de queixas por encaminhamento, havendo maior incidência entre os meninos. As autoras perceberam uma falta de reflexão dos professores acerca do contexto escolar do aluno encaminhado. O estudo indicou a necessidade de um trabalho de intervenção junto às escolas para o esclarecimento do trabalho do psicólogo e para a reflexão sobre as condições do processo de ensino-aprendizagem.
O estudo de Sassi e Maggi (2007) caracterizou e buscou compreender as demandas das instituições escolares de um serviço de Psicologia Aplicada. Os referenciais teóricos usados foram da Psicologia Escolar e da Psicanálise. O método utilizado foi o qualitativo, baseado na análise de conteúdo das 22 entrevistas semidirigidas realizadas com diretores, professores e estagiárias supervisionadas do Curso de Psicologia na Área Escolar. Foram constatadas distorções entre o que a escola entende como função do Psicólogo Escolar e o que, teórica e tecnicamente, se oferece como intervenção possível na comunidade escolar.
Romaro e Oliveira (2008) investigaram as queixas de adultos separados ou divorciados atendidos em uma clínica-escola da cidade de São Paulo, entre 1996 e 2000, em função do sexo, faixa etária, escolaridade, tipos de queixas, encaminhamento e adesão ao tratamento. Empregaram uma metodologia descritiva retrospectiva documental, de consulta aos prontuários clínicos. Foram listadas 86 queixas, predominando as de ansiedade, insegurança, medo (42,8%) e depressão (32,1%). A separação foi citada como parte da história clínica em 60,7% dos casos; o encaminhamento para psicoterapia breve ocorreu em 75% dos processos, e esta foi concluída em 63% dos casos. As autoras salientaram a falta de pesquisas relacionadas que especificassem as queixas das pessoas separadas ou divorciadas.
O artigo de Boeckel et al. (2010) discutiu o papel de um centro de serviços em Psicologia. Foram apresentados estudos sobre a prática dos serviços-escola, assim como as estratégias adotadas para promover a formação do corpo discente. Os autores concluíram que esse tipo de serviço deve estar atento às necessidades da comunidade, defendendo ainda que o campo acadêmico possa ser inserido nas principais problemáticas do futuro campo de exercício profissional, propiciando o desenvolvimento de competências alicerçadas nos objetivos do curso.
Campezatto e Nunes (2007a) realizaram levantamentos em clínicas-escola de cursos de Psicologia na região metropolitana de Porto Alegre. O objetivo deste estudo foi conhecer as modalidades terapêuticas e as abordagens teóricas empregadas nas clínicas-escola da região, a partir dos atendimentos realizados no ano de 2004. Constataram que nem todas as clínicas-escola realizavam suas atividades na própria sede, mas também o faziam nas comunidades, além de existir uma variedade tanto das abordagens teóricas utilizadas como das modalidades terapêuticas oferecidas à clientela. Em seis clínicas-escola era necessário que os pacientes agendassem a entrevista antecipadamente, enquanto que em duas ocorria atendimento imediato, conforme esquemas de plantão das equipes. Dessa forma, as autoras concluíram que essa diversidade de intervenções e abordagens teóricas pode possibilitar diversas alternativas para os estagiários vivenciarem o conteúdo aprendido nas disciplinas, favorecendo a integração entre a teoria e a prática.
Dentre os estudos que enfocam as abordagens teóricas que fundamentam os serviços encontram-se os de Silvares (2000), Camargo (2002), Vieira Filho e Moraes (2003), Leal et al. (2005), Santos e Silvares (2006), Coutinho e Rocha (2007), Guirado (2007), Teixeira (2007), Santos et al. (2008) e Rodrigues (2009) que discorrem sobre a abordagem psicanalítica em atendimento a psicóticos, em intervenção clínica e atendimento escolar. Quanto à utilização da avaliação psicológica, Freitas e Noronha (2005) tiveram por objetivo fazer um levantamento da freqüência e da categoria dos testes psicológicos utilizados durante o psicodiagnóstico em uma clínica-escola.
Dentre os achados que contemplam os pacientes de clínica-escola como uma amostra para pesquisas, encontra-se o de Noronha e Mattos (2006) que teve como objetivo comparar os sistemas de correção para o Bender o de Koppitz e o Sistema de Pontuação Gradual, usando uma amostra de 85 protocolos de crianças de seis a dez anos que foram encaminhadas à Clínica-Escola de Psicologia de um centro universitário do sul de Minas Gerais.
O estudo de Melo e Moreira (2008) teve o intuito de compreender o fenômeno da queixa depressiva da clientela adolescente numa clínica escola, na abordagem fenomenológica, e estabelecer a relação entre essa queixa e o mundo cultural dos adolescentes que buscavam tratamento na instituição. Por outro lado, Santeiro (2008) focalizou as Psicoterapias Breves Psicodinâmicas (PBPs) conduzidas por estudantes em contexto de clínica-escola no que se referiu à avaliação dos graus de depressão e ansiedade e o neuroticismo em voluntários, estudantes de curso de Psicologia.
O trabalho de Souza e Silvares (2002) contemplou dois objetivos, primeiro foi verificado qual o perfil das queixas que levavam as mulheres a se inscreverem para atendimento psicológico numa clínica-escola e, em segundo lugar, foi analisado se o silêncio a respeito da menopausa, mencionado na literatura, estaria acontecendo também entre essas pacientes. Os resultados mostraram que as queixas das mulheres se dividiam em cinco categorias: dificuldades afetivas; dificuldades de relacionamento interpessoal (a mais freqüente); sintomas físicos relatados, com maior incidência a partir dos 36 anos; dificuldades sexuais e outros. Segundo as autoras, a simples quantificação das queixas não permitiu estabelecer diferenças entre as faixas etárias, mostrando, ao contrário, que mulheres adultas, independentemente da idade, basicamente procuravam a clínica com o mesmo tipo de queixa (dificuldades afetivas e de relacionamento).
Guerrelhas, Bueno e Silvares (2000) buscaram distinguir dois tipos de grupos infantis atendidos numa clínica-escola: ludoterapêutico e recreativo. Segundo as autoras, nos dois grupos as crianças brincavam com estagiários de Psicologia, mas somente no grupo recreativo é que as crianças eram treinadas por meio de brincadeiras a alterarem seus comportamentos inadequados. Nesse estudo as autoras concluíram que, a despeito da similaridade de estrutura entre os dois grupos, seus objetivos eram distintos e determinavam diferentes resultados. No primeiro grupo houve diminuição da evasão do atendimento psicológico na instituição, enquanto no segundo, diminuição das taxas de comportamentos inadequados.
Em outro estudo, Guerrelhas e Silvares (2000) testaram a hipótese de que com a criação de um grupo de espera recreativo diminuiria a evasão da lista de espera dos clientes infantis numa clínica-escola de Psicologia de São Paulo. Participaram da pesquisa crianças de 6 a 13 anos divididas em dois grupos, o experimental, que recebeu o novo atendimento proposto, que foi recreativo e não terapêutico, e o grupo controle, que aguardou os serviços tradicionais da clínica-escola. Os resultados permitiram afirmar que as crianças do grupo experimental evadiram significativamente menos que o grupo controle. Desta forma, a participação das crianças em um grupo de recreação permitiu o acolhimento destes clientes infantis durante o período de espera e os resultados possibilitaram a afirmação de que os grupos formados fossem chamados de grupo de espera. As autoras salientaram a importância deste tipo de atendimento ser introduzido entre os serviços oferecidos pela instituição.
Gomes (2006) objetivou um aprofundamento sobre as questões que envolvem a prática do psicodiagnóstico infantil, enfatizando o entendimento dos mecanismos do casal parental, os sintomas nos filhos para desta forma tentar garantir uma melhor intervenção terapêutica para o caso, deslocando o olhar para o casal. Os resultados indicaram que em algumas famílias atendidas ocorreu um tipo específico de dinâmica conjugal, que foi definida como situações de violência psicológica, tendo como conseqüência o surgimento de sintomas nos filhos, tais como, doença psicossomática, mau desempenho escolar, dificuldade de socialização e comportamento agressivo. A autora relatou ter obtido êxito no atendimento aos casais, não somente pela melhora dos sintomas das crianças, mas também promovendo uma mudança na forma de relacionamento dos pais.
No que se refere a estudos que trazem experiências em relação ao estágio em Plantão Psicológico, encontra-se o de Chaves e Henriques (2008), que relatam o crescimento gradativo desse tipo de atendimento nas clínicas-escola. Em função da divulgação na mídia, houve esclarecimento sobre o mesmo para a população e o número de atendimentos duplicou nas clínicas-escola, o que levou à necessidade de reflexões e reconfigurações acerca das práticas psicológicas desenvolvidas em clínicas-escola e nas instituições. Na perspectiva de atendimento à demanda, impõe-se a necessidade de abandonar certas concepções tradicionais da clínica, abrindo propostas como a do Plantão Psicológico para contemplar as emergências trazidas aos serviços de Psicologia.
ATENDIMENTO INFANTIL
O estudo de Melo e Perfeito (2006) teve como objetivo identificar as características da população infantil atendida em triagem numa clínica-escola no período de 2000 a 2002. Foram avaliados 139 pacientes em idade infantil. Os resultados mostraram que a procura por atendimento é maior em crianças com idade de 9 anos (19,4%), seguidas pelas demais idades, sendo 62,6% referentes ao sexo masculino. A maior parte das crianças (60,4%) apresentou queixa comportamental e 51,0% queixas que puderam ser classificadas como emocionais ou afetivas. Os autores apontam como conclusão, a importância do profissional estar atento aos diversos fatores envolvidos no atendimento infantil.
Em relação aos atendimentos oferecidos para população infantil encontra-se o de Cavalini et al. (2002), que analisaram quantitativa e qualitativamente o aumento dos encaminhamentos de crianças de 3 a 5 anos para atendimento em psicodiagnóstico numa clínica escola no período 1999-2001 a partir da queixa dos pais. O número de crianças encaminhadas em 1999 representou 7,7% do total, sendo que em 2000 foram 13,3%, e 20% do total em 2001. As queixas trazidas pelos pais se concentravam em dificuldades com regras e limites, agressividade, agitação, ansiedade e irritabilidade o que comprometia sensivelmente a socialização. Os resultados mostraram que os pais vêm privilegiando os aspectos emocionais cada vez mais cedo e reconheceram a sua influência no desenvolvimento e crescimento da criança. No entanto, estes pais se apresentavam, na maioria das vezes, confusos em relação à colocação de limites e regras, fazendo com que as crianças se sentissem confusas, sozinhas e sem parâmetros de como agir.
D'Avila-Bacarji et al. (2005) estudaram crianças que tinham em seu histórico problemas escolares. O objetivo foi investigar o suporte parental recebido por crianças encaminhadas para atendimento psicológico em razão do baixo desempenho escolar, em comparação com crianças não encaminhadas. Participaram desse estudo 60 crianças de 7 a 11 anos e suas mães, provenientes de uma clínica de Psicologia e de uma escola, ambas públicas. Os resultados demonstraram que o grupo encaminhado obteve desempenho cognitivo e acadêmico mais baixo e apresentou mais problemas de comportamento, mas o suporte parental não diferiu entre os grupos. As mães de crianças encaminhadas relataram menos suporte desenvolvimental e emocional, com problemas nas práticas educativas bem como relacionamento conflituoso entre pais e criança. Deste modo, os autores concluíram que os resultados apontavam a necessidade de cuidados de saúde mental para crianças vulneráveis que vivem em ambientes pouco apoiadores.
O estudo de Bernardes-da-Rosa et al. (2000) teve o objetivo de caracterizar o atendimento psicológico fornecido a crianças que apresentaram queixas quanto a dificuldades escolares, encaminhadas ao Serviço de Psicologia de um Hospital-Escola do interior de São Paulo no período de 1996 a 1997. Participaram 25 crianças, sendo 15 do sexo masculino, com idade variando entre 7 e 12 anos, das quais 14 crianças foram encaminhadas por profissionais da saúde. Em relação às queixas, 22 crianças apresentaram queixas quanto aos distúrbios específicos de desenvolvimento e às habilidades escolares e 19 a distúrbios de comportamento explícito. Em 21 casos foi recomendado tratamento e orientação dos pais.
DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
As atividades executadas em uma clínica-escola de Psicologia estão relacionadas a um conjunto de fatores. Em universidades, essa clínica desempenha diversos trabalhos que devem contribuir para que a instituição cumpra seu papel social, devendo estar em constante comunicação com os diversos setores da sociedade, buscando identificar e caracterizar necessidades sociais, ao gerar e transmitir aos alunos conhecimentos que lhes permitam atuar de maneira mais eficaz frente a elas (Salinas e Santos, 2002).
Outro fator importante é a participação do estudante nos processos, com o intuito de contribuir para a formação como psicólogo, devendo, portanto, a prática estar articulada a um currículo e a todos os procedimentos que regulam a vida acadêmica. Desta feita, pode-se dizer que as clínicas-escola atendem a duas clientelas, a de alunos, com suas demandas específicas em termos de objetivos educacionais, desenvolvimento de competências, habilidades e atitudes, e aos setores da sociedade em que se insere, também com suas necessidades e demandas específicas que precisam de atendimento e que contam apenas com o serviço que as universidades podem proporcionar. Assim, esse serviço enfrenta um desafio, o da articulação entre as necessidades da formação acadêmica e as necessidades sociais, entre ensino e extensão.
Com base no exposto, pode-se pensar que os serviços de clínicas-escola se caracterizam como um espaço no qual o estudante de Psicologia entra em contato direto com a atuação profissional do psicólogo. Desta forma, são realizadas atividades de atendimento clínico que são postas em prática sob a supervisão de um profissional com a devida formação e experiência na área.
Como limitação para o presente estudo, deve-se ressaltar que relativamente poucas publicações foram encontradas, dificultando uma visão completa e abrangente do panorama de atendimentos desses serviços em nosso país. Entretanto, foi possível perceber uma grande variedade de formas de atendimento, abordagens e clientelas, o que revela a importância dessa prática, apesar da complexidade de estruturar programas, nos cursos de Psicologia, que visem conciliar necessidades de formação do aluno com o interesse social de atender à comunidade.
Devido à grande quantidade de cursos de Psicologia no país, a escassez de publicações sobre a prática nas clínicas-escola pode dificultar o aperfeiçoamento das propostas, bem como o avanço na área. Em face ao que foi pesquisado, constatou-se a carência de estudos a respeito da alta rotatividade de estagiários/terapeutas e pacientes, o que contribuiria para uma discussão mais aprofundada sobre a eficácia dos atendimentos nesse contexto.
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Recebido em 13/07/11
Revisto em 16/12/11
Aceito em 20/12/11
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