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Boletim de Psicologia
versão impressa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.62 no.137 São Paulo dez. 2012
RESENHA
Atualizações em avaliação da personalidade com o uso do Rorschach - a proposta do R-PAS
Rorschach performance assessment system
Resenhado por Carla Luciano Codani Hisatugo*
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - São Paulo - SP - Brasil
Meyer, G.J.; Viglione, D.J.; Mihura, J.L.; Erard, R. & Erdberg, P. (2011). Rorschach Performance Assessment System: Administration, coding, interpretation, and technical Manual. Toledo: Rorschach Performance Assessment System, LLC. 532 páginas.
O Rorschach é considerado universalmente como uma importante técnica de avaliação da personalidade. Foi primeiramente divulgado há quase um século atrás e seu princípio inicial de utilizar dez pranchas contendo borrões de tintas foi mantido desde então. Entretanto, as propostas de avaliação de dados psicológicos foram muitas vezes alteradas, influenciadas por diferentes vertentes e contextos históricos. Em 2011 foi divulgada a obra de cinco pesquisadores, os quais criaram um sistema integrado de uso deste instrumento: o R-PAS, Rorschach Performance Assessment System. A premissa é a de que por meio deste método pode-se avaliar a personalidade "em ação". Além disso, a principal vantagem do Rorschach, segundo os autores, é a de identificar no sujeito o processo cognitivo de elaboração das informações e a capacidade de verbalização de suas percepções, anseios, desejos e fantasias. O teste envolve a análise de aspectos conscientes e inconscientes, emocionais e racionais, além de recursos psicológicos para lidar com adversidades.
O manual do R-PAS foi elaborado de modo didático e detalhado, retomando conceitos presentes em diferentes graus de aprofundamento e beneficiando o estudo deste sistema por meio de tabelas explicativas, exemplos de respostas reais, quadros com tópicos sintetizados e demonstrações práticas com a descrição "passo a passo" dos procedimentos. Esta compilação de dados de mais de 200 pesquisas com o Rorschach, foi derivada de estudos com o Sistema Compreensivo (SC) além de de outros teóricos. Deste modo, a proposta do R-PAS pode ser utilizada com vertentes de interpretação de teorias diversas: cognitiva, behaviorista, psicodinâmica e humanista.
Os argumentos para o uso do R-PAS, abrangem como diferencial oito tópicos inter-relacionados. O sistema prioriza: (1) a comprovação empírica das variáveis; (2) a comparação estatística de protocolos interculturais; (3) terminologias usadas com parcimônia; (4) descrição de base empírica e função psicológica de cada variável; (5) ajuste estatístico do "grau de complexidade" dos registros da análise e codificação dos protocolos; (6) otimização estatística do número de respostas - R (guia otimizado-R); (7) abordagem contemporânea e computadorizada; e (8) elaboração de plataforma informatizada de análise de dados.
No que se refere ao procedimento de aplicação (abordado nos capítulos 2 e 5), o enfoque é dado à padronização e uniformidade. São muitos os informes sobre a fase de resposta e de inquérito. São providos um detalhamento e informações "passo a passo" referentes ao contexto de abordagem, postura, organização de material entre outras demandas. A novidade está na criação de um guia de aplicação direcionado ao controle mínimo de respostas por cartão (guia otimizado-R). No capítulo 5 os autores apresentam soluções para lidar com questões mais complexas do inquérito, de modo rápido e não diretivo, integrado ao contexto de aplicação.
A proposta do guia otimizado-R é de obter uma média de 18 a 27 respostas por protocolo. É retomada nos capítulos 12 e 16 com indicação mais técnica (metodológico-estatística) para este procedimento. O capítulo 12 abrange pesquisas antecessoras à criação deste guia. As evidências estatísticas comprovam o fato de que a variação do número de respostas no protocolo pode interferir no resultado de determinadas variáveis, como algumas localizações (detalhe comum - D, detalhe incomum Dd) e cálculos das respostas de sombreado (vista - V, textura - T, difuso - Y), entre outros. Os protocolos curtos (menos de 16 respostas) podem subestimar determinados sintomas psicopatológicos. Os muito longos (mais de 40 respostas) exacerbar e patologizar sintomas, apresentando baixa estabilidade para a interpretação dos resultados obtidos.
A codificação é abordada em mais de um momento O capítulo 3 trata dos princípios iniciais para a codificação concisa do protocolo. Além disso, compõe um guia para utilizar o programa computadorizado para codificação e análise estatística dos dados, R-PAS Computerized Scoring Program e este "passo a passo" é retomado no anexo. O capítulo 4 aprofunda a temática de codificação com exemplos práticos, palavras chaves para referências e padrões de análise de acordo com determinadas variáveis. O capítulo 7 apresenta exercícios para treinamento do leitor em relação à codificação com explicações sobre os critérios utilizados.
As diretrizes normativas dos critérios de codificação envolvem tabelas de qualidade formal - FQ, as quais incorporam o capítulo 6, e os aspectos metodológicos referentes a estes resultados são descritos no capítulo 13. Constam estudos de precisão e normativos sobre a adequação do contorno de perceptos para as localizações de cada prancha. Foram realizadas pesquisas em diferentes países: China, Finlândia, Israel, Itália, Japão, Portugal, Romênia, Taiwan, Turquia, Argentina, Espanha, Estados norte-americanos e Brasil.
A interpretação do grau de complexidade e dos módulos do Rorschach é abordada nos capítulos 8 a 11. O capítulo 8 envolve dados mais técnicos e estatísticos sobre como se convertem as respostas codificadas no sumário estrutural. São explicados todos os percentuais derivados das variáveis de codificação e suas funções para a interpretação dos resultados. O conceito "grau de complexidade" permite identificar os recursos emocionais e abrangência do comprometimento cognitivo. No capítulo 16 constam os tratamentos estatísticos para a criação do grau de complexidade, por meio de regressão linear, regressão de Poisson, binomial negativa ou de zero-inflado, de acordo com a distribuição da variável.
O capítulo 10 apresenta as terminologias dos módulos de interpretação: (1) engajamento e processamento cognitivo envolvendo aspectos cognitivos para a solução de problemas, o comportamento perante a tarefa do Rorschach e a maneira de lidar com adversidades além de aspectos adaptativos; (2) problemas de percepção e pensamento como marcadores de sintomas psicóticos, distorção perceptiva da realidade e transtornos do pensamento; (3) estresse e angústia por meio do desconforto afetivo e dos recursos emocionais presentes; (4) representação/percepção de si e do outro, dadas nas relações interpessoais/objetais, autoimagem, experiências e aspectos envolvendo o relacionamento afetivo. O capítulo 11 apresenta um caso clínico para visualização do processo total de interpretação de um protocolo.
O percurso metodológico para a concepção de critérios de interpretação e os aspectos técnicos científicos é informado no capítulo 9. Explica os procedimentos estatísticos para os iniciais estudos normativos com o R-PAS e os métodos e as justificativas quanto aos procedimentos para a obtenção das tabelas normativas. São descritas três pesquisas principais realizadas pelos autores da obra com 123 sujeitos norte-americanos e com amostras de diferentes países. As tabelas normativas são expostas neste capítulo.
O capítulo 13 foi elaborado com o auxílio de colegas pesquisadores brasileiros e de outras partes do mundo. Explana sobre os aspectos metodológicos para a obtenção das tabelas de qualidade formal (FQ) para o R-PAS. O principal enfoque para a obtenção das tabelas está na preocupação apurada com o grau de adequação da figura ao seu formato e com a freqüência de uma determinada resposta para uma área específica.
O capítulo 14 trata de pesquisas sobre a confiabilidade. São mencionados diversos trabalhos de metanálises, envolvendo estudos de confiabilidade entre avaliadores e de estabilidade temporal. O capítulo 15 aborda o percurso para chegar à proposta das variáveis presentes do R-PAS e os critérios estabelecidos para a criação do sistema. O capítulo 16 apresenta um maior detalhamento sobre os procedimentos metodológicos das pesquisas consideradas: (1) na modelagem da amostra de protocolos do Sistema Compreensivo (SC) a fim de considerar a proporção aproximada de respostas, considerando o guia otimizado-R, (2) na análise de dados normativos segundo a aplicação com o guia otimizado-R; (3) nos cuidados metodológicos com os resultados de pesquisa de amostragem internacional; e (4) nos procedimentos de ajuste para a criação do critério de grau de complexidade.
A última parte também apresenta uma série de anexos com termos importantes para o uso das variáveis do R-PAS: comparações entre aspectos similares ao SC, uma tabela indicando a conversão do percentil de escores padrão (T-score, Z-score, curva normal), nomes dos colaboradores nacionais e internacionais com a produção deste manual, guia detalhado de uso do R-PAS no sistema online para análise de dados, referências dos trabalhos mencionados, além de índice temático.
A obra é de grande importância para a comunidade de pesquisa em avaliação psicológica e para os profissionais que utilizam este instrumento com consciência de sua abrangência e limitações. Com a leitura deste trabalho é possível conhecer o método em questão, suas propostas e coerência no seu uso, aprofundar-se em aspectos estatísticos e metodológicos de obtenção dos valores e variáveis apresentadas e utilizar a prática e a teoria como um recurso contemporâneo de avaliação da personalidade atual e coerente com princípios éticos científicos e universais.
Recebido em 22/12/12
Revisto em 27/12/12
Aceito em 28/12/12
* Endereço para correspondência: Praça Doutor Policarpo Magalhães Viotti, 51, Mandaqui. CEP: 02422-000. São Paulo - SP. E-mail: carlahisatugo@usp.br