ARTIGOS ORIGINAIS

 

Saúde mental e fatores emocionais nas campanhas brasileiras da semana mundial de aleitamento materno¹

 

Mental health and emotional factors in brazilian campaigns of world breastfeeding week

 

 

Walter José Martins Migliorini^I,*; Pâmela Priole^II,*; Leonardo Dalla Valle^II,*

^IDepartamento de Psicologia Clínica da Univ. Estadual Paulista - UNESP - SP - BRASIL
^IIUniversidade Estadual Paulista - UNESP - SP - BRASIL

 

 

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RESUMO

Reduzir a mortalidade infantil tem sido o foco das campanhas da Semana Mundial de Aleitamento Materno. Por outro lado, a amamentação e o desmame são considerados pela psicanálise como momentos fundamentais na profilaxia em saúde mental. Nosso objetivo é investigar como os aspectos emocionais envolvidos no aleitamento são abordados no material de divulgação das campanhas brasileiras, de 1999 (ano de sua criação) a 2010. O método adotado foi a análise categorial de conteúdo e os resultados indicam que (1) os benefícios emocionais da amamentação são tratados de modo periférico, (2) o desmame é empobrecido em sua dimensão relacional (separação), sendo apresentado como um conceito pragmático, cronológico e baseado na introdução de novos alimentos, (3) o termo "saúde mental" é mencionado uma única vez e sem definição precisa. O vínculo entre amamentação e desenvolvimento emocional, assim como a perspectiva de profilaxia em saúde mental não foram plenamente exploradas nas campanhas analisadas.

palavras-chave: Aleitamento materno; desenvolvimento emocional; D. W. Winnicott; Semana Mundial de Aleitamento Materno; desmame.

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ABSTRACT

The reduction of child mortality has been the focus of World Breastfeeding Week campaigns. On the other hand, breastfeeding and weaning are considered by psychoanalysis as key moments in the prophylaxis in mental health. Our goal is to investigate how the emotional aspects involved in breastfeeding have been addressed on the promotional material of Brazilian campaigns from 1999 (year of its creation) to 2010. The method adopted was the categorical content analysis and the results indicate that (1) the emotional benefits of breastfeeding are treated superficially, (2) weaning is depleted of its relational dimension (separation), being presented as a chronological and pragmatic concept, based on the introduction of new foods, (3) the term "mental health" is mentioned only once, without a precise definition. The relationship between breastfeeding and emotional development, besides the prophylaxis of mental health, has not been fully exploited in the analyzed campaigns.

key words: Breastfeeding; emotional development; D. W. Winnicott; national campaigns of world breastfeeding week; weaning.

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A psicanálise tem uma contribuição significativa no que se refere à investigação dos aspectos emocionais envolvidos na amamentação, em especial à profilaxia em saúde mental, com trabalhos de intervenção precoce na interação mãe e bebê. A amamentação satisfatoriamente realizada e interiorizada facilita o processo de aquisição gradativa de independência do bebê em relação à sua mãe, o que é um indicador de saúde mental. Nesse sentido, o desmame é um momento particularmente importante, uma vez que envolve um processo de separação física e emocional. Por esse motivo, é fundamental que não ocorra de forma brusca ou precoce (Winnicott, 2006e, 2006d, 2006a, 2006b).

Entretanto, é comum que o desmame seja antecipado no mundo contemporâneo, principal-mente, pela volta da mãe ao trabalho. Outros motivos também podem se fazer presentes, tais como doenças, intolerância à lactose, preocupação com a aparência dos seios, tumultos durante a amamentação e até mesmo falta de informação.

A Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM), por sua visibilidade em todo o território brasileiro, é a principal divulgadora de informações voltadas aos cuidados maternos durante o período de aleitamento e desmame. As campanhas da SMAM têm incentivado a amamentação com o leite materno com a finalidade principal de reduzir o índice de mortalidade infantil, as doenças e os prejuízos para o desenvolvimento físico do bebê. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a mortalidade infantil no Brasil era de 22,47 óbitos para cada mil nascidos vivos em 2009. Apesar do recuo de 47% nessa taxa nos últimos dez anos, ela ainda é considerada alta, quando comparada aos demais países da América Latina (IBGE, 2010).

Frente a esse cenário, a seguinte questão se destaca: como os aspectos emocionais envolvidos na amamentação e a profilaxia em saúde mental são abordados nas campanhas nacionais da SMAM?

 

MATERNAGEM E SAÚDE MENTAL

A psicanálise assinala a importância dos aspectos afetivos e de relacionamento humano implicados na amamentação. Ela reconhece que o primeiro contato do bebê com o mundo externo, realizado por meio da mãe ou da pessoa que exerce a função materna, pode facilitar o desenvolvimento emocional ou predispor a transtornos emocionais. Um momento significativo de interação mãe-bebê é justamente a amamentação. O contato físico, os olhares e a sintonia do bebê com sua cuidadora ampliam o significado emocional do ato, por meio de uma "comunicação silenciosa" (Winnicott, 2006b). Essa comunicação sem palavras (de natureza pré-verbal e não verbal) é fundamental para a saúde mental e para o desenvolvimento da personalidade. Nesse sentido, a amamentação não é so-mente uma questão nutricional, pois fornecer o leite materno é apenas uma das facetas do aleitamento, ou seja, "o não alimentar constitui a base do alimentar" (Winnicott, 2006d, p. 55). Tais considerações podem ser vislumbradas numa pesquisa de Carvalhais & Simões (1997) sobre o conhecimento das mães a respeito dos benefícios da maternagem. Todas as participantes consideraram que o amamentar "aumenta a interação com o filho" e que "os bebês sentiam mais amor a elas" (pp. 57-60).

Winnicott foi um pioneiro nas investigações sobre o papel do ambiente no desenvolvimento emocional e destacou que três importantes funções maternas são realizadas durante o primeiro ano de vida: sustentação, manejo e apresentação dos objetos (Winnicott, 1982, 2006e). O aleitamento materno é um momento em que essas funções são especialmente exercidas: ao segurar o bebê para alimentá-lo, a mãe fornece sustentação, manejo e apresenta o mundo externo por meio do seio ou da mamadeira.

Mas há um momento nesta relação que necessita de cuidados específicos: o desmame. Ele é fundamental por ser a primeira experiência de separação entre a mãe e o bebê, que passa a interagir de modo mais independente com o mundo. Do ponto de vista da psicanálise, o desmame deve ser compreendido não somente como uma separação física, mas também como uma separação emocional. É necessário que uma relação de confiabilidade inicial tenha se estabelecido para que essa experiência aconteça. Quando o desmame é realizado de modo brusco e/ou precoce, essa situação pode trazer sofrimento psíquico para o bebê e predispor a transtornos emocionais (Winnicott, 1983, 2000a, 200b, 2006e). O período de aleitamento, portanto, é crítico para a construção das bases da saúde mental.

A psicanálise tem feito contribuições significativas a respeito do papel do ambiente e das perturbações no vínculo afetivo inicial entre mãe e bebê, incluindo o desmame abrupto, na psicogênese de sintomas e quadros de natureza psicótica. Evidentemente, não se trata de uma relação causal, conforme assinalaram Massie e Szajnberg (2004) em seu estudo longitudinal sobre os efeitos a longo prazo das condições de maternagem e situações traumáticas na infância.

Outras investigações psicanalíticas têm resultado na prática da intervenção precoce e na profilaxia em saúde mental. Sorensen, Mortensen, Reinisch e Mednick (2005) concluíram, em pesquisa realizada com 6.841 bebês de Copenhague (Dinamarca), que a não amamentação ou o desmame com menos de duas semanas estão associados a um maior risco de esquizofrenia. Já a intimidade mãe-bebê como um fator positivo durante o adoecimento físico do bebê foi objeto de estudo de Alfaya e Shermann (2005). Os autores ressaltaram que bebês hospitalizados em tratamento intensivo tiveram uma melhora rápida, quando amamentados no seio materno em comparação aos que não foram amamentados por suas mães.

Almeida (2008) relata, ainda, o caso de um bebê com problemas alimentares advindos da dificuldade de interação com sua mãe doente. Já Feliciano (2009) propõe um modelo de intervenção precoce no qual a amamentação é considerada um elemento fundamental de comunicação do sofrimento psíquico e de conflitos latentes da dinâmica familiar.

Por fim, Böing e Crepaldi (2004) demonstraram a importância do contato afetivo para bebês deixados em casas de adoção a partir do caso de um bebê abandonado pela mãe que apresentava problemas alimentares. Sua melhora foi observada após os cuidados fornecidos pelos profissionais da instituição.

 

A SEMANA MUNDIAL DE ALEITAMENTO MATERNO

Desde a sua criação, em 1948, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem se voltado a encontrar soluções para a prevenção da mortalidade infantil. Essa preocupação resultou numa reunião com a The United Nations Children's Fund (UNICEF), em 1990, durante a qual foi formulada a "Declaração de Innocenti" com a finalidade de diminuir as taxas de mortalidade infantil. A "Declaração de Innocenti" foi posteriormente adotada por diversos países e apoiada por organizações governamentais e não governamentais de todo o mundo. Entre seus pontos principais estão as seguintes prerrogativas: (1) fundar um comitê nacional de coordenação da amamentação; (2) levar os "Dez passos para o sucesso da amamentação" para maternidades; (3) adotar legislações que protejam a mulher que amamenta no trabalho.

Para que esses objetivos fossem alcançados, formou-se em 1991, a Word Alliance for Breastfeeding Action (WABA) que, no ano seguinte criou a Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM). Esta é realizada anualmente, na primeira semana de agosto, em 120 países, a partir de um tema idealizado pela OMS e adaptado às características regionais de cada nação.

As informações eleitas como prioritárias para serem transmitidas às mães se baseiam nos "Dez Passos do Aleitamento Materno" da "Declaração de Innocenti". Esses consistem em: (1) ter uma norma escrita sobre aleitamento materno, a qual deve ser rotineiramente transmitida a toda a equipe do serviço [de profissionais de saúde]; (2) treinar toda a equipe, capacitando-a para implementar esta norma; (3) informar todas as gestantes atendidas sobre as vantagens e o manejo da amamentação; (4) ajudar as mães a iniciarem a amamentação na primeira meia hora após o parto; (5) mostrar às mães como amamentarem e como manterem a lactação, mesmo se vierem a ser separadas de seus filhos; (6) não dar ao recém-nascido nenhum outro alimento ou bebida além do leite materno, a não ser que tenha indicação clínica; (7) praticar o alojamento conjunto, permitindo que mães e bebês permaneçam em contato 24 horas por dia; (8) encorajar a amamentação sob livre demanda; (9) não dar bicos artificiais ou chupetas às crianças amamentadas; (10) encorajar o estabelecimento de grupos de apoio à amamentação, nos quais as mães possam ser encaminhadas após a alta hospitalar.

Essas recomendações têm servido de suporte para a elaboração do tema e do material de divulgação de todas as campanhas da Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM). Embora os passos 4, 7 e 8 estejam diretamente relacionados ao contato e à interação afetiva mãe e bebê, a tônica dos "Dez passos para o sucesso da amamentação" são os cuidados essenciais para a diminuição das taxas de mortalidade infantil.

No Brasil, a SMAM foi adotada em 1992 e, a partir de 1999, contou com a parceria do Ministério da Saúde, da Sociedade Brasileira de Pediatria, de Hospitais Amigos da Criança, Sociedades de Classes, Organizações Não Governamentais e da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano. Na Tabela 1 estão relacionados os temas das campanhas brasileiras da SMAM desde 1992. Observa-se que nenhum deles aborda especificamente o desenvolvimento emocional e a saúde mental.

 

 

Em busca realizada nos sites CAPES (Periódicos), JSTOR, Portal da Pesquisa, Project Muse e Scielo, referente ao período de 2001 a 2011, não foram encontrados estudos envolvendo fatores emocionais e/ou saúde mental nas campanhas nacionais da SMAM. Para essa busca, foram utilizados os seguintes descritores: "aleitamento materno", "desmame", "desmame precoce" e "Semana Mundial de Aleitamento Materno". No geral, os artigos encontrados sobre a SMAM no Brasil são referentes ao surgimento das campanhas, à importância do leite materno para a prevenção de doenças, aos fatores que levam as mães a não amamentarem ou desmamarem seu filho antes do tempo e também estudos epidemiológicos. O mesmo procedimento de busca foi utilizado para os bancos de tese do IBICT (Instituto Brasileiro de Informações em Ciência e Tecnologia). Com exceção de um capítulo da tese de Feliciano (2009), não foram encontrados trabalhos acadêmicos específicos sobre o tema.

 

MÉTODO

Para responder à questão de como os aspectos emocionais envolvidos na amamentação são abordados nas Campanhas Nacionais da SMAM, o procedimento adotado foi a análise de conteúdo sugerida por Bardin (2000). Segundo a autora, a análise de conteúdo permite investigar "o escondido, o latente, o não-aparente, o potencial de inédito (o não dito) retido por qualquer mensagem" (p. 9). Entre as diversas análises sugeridas por Bardin (2000), optou-se pela análise categorial a partir da associação de palavras, devido a sua aplicabilidade em reportagens e campanhas educativas. Ela consiste em determinar objetos e agrupar as palavras presentes no texto associadas a eles.

O objeto escolhido foi amamentação, incluindo palavras com o mesmo sentido semântico, tais como aleitamento materno, mamada e sucção no peito. As palavras encontradas associadas a ele foram categorizadas a partir das suas referências a: (1) benefícios físicos, (2) benefícios emocionais, (3) saúde mental, (4) aspectos afetivos, (5) aspectos sociais e (6) orientações de como amamentar.

O corpus escolhido consiste nos textos presentes nos folders e cartazes das campanhas da SMAM. Eles foram coletados junto à Sociedade Brasileira de Pediatria (2010), que disponibiliza em seu site o material veiculado nas Campanhas Nacionais desde 1999. As campanhas anteriores a essa data não foram realizadas em parceria com órgãos governamentais e/ou não governamentais brasileiros, o que impossibilitou o acesso a elas. Sendo assim, a abrangência da análise se limitou ao período entre 1999 e 2010.

Outros materiais foram encontrados nesse mesmo site, tais como o texto de idealização da campanha, campanhas televisivas, campanhas radiofônicas, palestras, entrevistas e artigos oriundos de reuniões científicas regionais. Entretanto, esse material não foi utilizado no estudo. A escolha apenas dos folders e cartazes como objetos de análise se deu: (1) por sua ampla divulgação em território nacional; (2) por serem direcionados a mães e a gestantes de diferentes camadas sociais e regiões do país e (3) pela regularidade com que foram encontrados ao longo do período abrangido pela pesquisa. Spots de rádios e propagandas televisivas também não foram selecionados, uma vez que só passaram a ser utilizados nas campanhas da SMAM a partir de 2005 e 2009, respectivamente. Além disso, rádio e televisão são mídias que fazem uso de recursos extratextuais, o que impossibilitaria a homogeneidade do corpus.

Já as fotos e figuras presentes no material selecionado não foram submetidas à análise de conteúdo, uma vez que o método não abarca recursos visuais. Entretanto, suas descrições foram incorporadas às inferências por serem importantes fontes de informação, especialmente entre as mães não alfabetizadas.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Apesar da variação anual dos temas das campanhas, há uma repetição de determinadas informações, sendo que algumas frases se mantiveram inalteradas ao longo dos anos. Um exemplo foi a seguinte sentença, preservada nas campanhas de 2005 a 2007: "Afeto e saúde. O ato de amamentar é o primeiro momento de carinho entre mãe e filho. Além disso, quando amamentado, o bebê recebe proteção contra infecções, alergias e outras doenças" (folders da SMAM 2005, 2006 e 2007).

Outro aspecto significativo é que o tamanho do texto dos folders diminuiu ao longo dos anos. Ao contrapor a campanha de 1999 com a de 2010, observa-se que, na primeira, o folder e o cartaz eram compostos por duas páginas com tópicos diversificados. Já a segunda contou somente com uma página e um único parágrafo. Apesar do decréscimo do volume de informações dirigidas às mães, os seguintes elementos foram preservados em todas as campanhas: (1) a necessidade de amamentar o bebê até os seis meses exclusivamente com leite materno; (2) o direito da mãe de amamentar garantido por leis e (3) a informação de que o leite materno é o melhor alimento e deve ser oferecido sempre que o bebê solicitar.

referência aos benefícios emocionais

Os resultados da categorização das palavras referentes ao objeto amamentação são apresentados na Figura 1.

 

 

Os benefícios do aleitamento materno apontados pelas campanhas são, em sua maioria, referentes a aspectos físicos do desenvolvimento (N=116), entre eles a proteção contra infecções, asmas e doenças respiratórias. Os benefícios emocionais (N=14) aparecem como uma vantagem adicional da amamentação e, em nenhum momento, como destaque de campanha. Em algumas delas, como as de 1999, 2000 (cartaz) e 2010, esses benefícios nem mesmo são mencionados ou há referências a aspectos afetivos.

Na Tabela 2, as palavras referentes às categorias "benefícios físicos", "benefícios emocionais" e "saúde mental" são apresentadas detalhadamente.

 

 

Há um descompasso não apenas na incidência de palavras referentes a essas três categorias, mas também quanto à veiculação do conteúdo informativo. Embora algumas frases contenham informações importantes sobre a interação afetiva entre a mãe e seu bebê, geralmente, estas são (1) descritivas e (2) não assinalam de modo claro a relação entre o papel dos aspectos afetivos envolvidos na amamentação e o desenvolvimento emocional. Isso fica evidente, por exemplo, nos textos de campanha de 2005 a 2009: "O ato de amamentar é o 1° momento de carinho entre mãe e filho" (folders da SMAM, 2005, 2006, 2007); "é importante o contato íntimo com a mãe, pele com pele, logo após o nascimento. Esse contato mantém o bebê aquecido e fortalece os laços afetivos entre a mãe e o bebê" (folder da SMAM de 2007); "Ao amamentar, a mãe alimenta o bebê e transmite amor e carinho" (folder da SMAM, 2008).

Em contrapartida, como pode ser verificado adiante, quando se trata dos benefícios à saúde física, como a prevenção de doenças respiratórias e de infecções, as informações sobre o papel do aleitamento materno são objetivas e pragmáticas.

 

REFERÊNCIA À SAÚDE MENTAL

O termo "saúde mental" aparece uma única vez, mais precisamente em 2004. Ele é um elemento periférico nessa campanha, que tem como tema a manutenção do leite materno como alimento exclusivo até os seis meses: "Ao ser amamentada, a criança aprende muito cedo a se comunicar com afeto e confiança, o que pode contribuir para a sua saúde mental no futuro" (folder da SMAM, 2004).

Embora vinculado à profilaxia e aos cuidados maternos durante o aleitamento, o termo "saúde mental" também não é definido ou apresentado de forma clara às mães. Nesse caso, as interpretações idiossincráticas a respeito do que significaria a expressão "saúde mental" possivelmente limitam o seu impacto profilático.

 

PRESENÇA DE PALAVRAS REFERENTES A AFETOS

Em ordem decrescente de incidência, as seguintes palavras que remetem a aspectos afetivos foram encontradas nos textos analisados: "proteção" (N=9), "carinho" (N=8), "afeto" (N=4), "forma especial de comunicação" (N=4), "primeiro momento de carinho" (N=3), "contato íntimo" (N=1), "contato pele a pele" (N=1), "saúde em forma de amor" (N=1), "segurança" (N=1), "transmissão de amor e carinho" (N=1) e "paz" (N=1).

Há ainda expressões no texto que poderiam ser abordadas também pelo viés da afetividade, mas este não foi explorado. Um exemplo é a seguinte orientação sobre o respeito ao "ritmo do bebê", presente na metade das campanhas analisadas:

Dê o peito ao seu filho sempre que ele pedir. Bebê não tem horário para mamar. Deixe o neném mamar no peito até que fique satisfeito. Cada criança tem o seu ritmo, e numa mesma criança esse ritmo pode ser diferente dependendo do momento. O ritmo do bebê deve ser respeitado. Sempre que a criança quiser, ofereça os 2 peitos em cada mamada (folder da SMAM de 2004).

Nota-se que a interação rítmica está vinculada principalmente ao apetite. Entretanto, o bebê pode procurar com regularidade o seio não somente por estar faminto/sedento, mas também pela necessidade de contato com a mãe ou obtenção de prazer oral. Essa ligação estabelecida com o seio materno não é assinalada nas campanhas.

 

DEFINIÇÃO DE DESMAME E REFERÊNCIAS AO DESMAME PRECOCE

A expressão "desmame precoce" não é mencionada nas campanhas da SMAM. Já a palavra "desmame" é citada uma única vez, como sinônimo para a perda de interesse do bebê pelo seio materno: "evite a distribuição, de modo indiscriminado, de leites artificiais e mamadeiras para os filhos de mulheres que estão amamentando, pois, se utilizados podem provocar o desmame, doenças como diarreia, infecções respiratórias e maior risco de morte" (folder da SMAM, 2009).

Entretanto, há um conceito implícito do que é o desmame baseado em dois aspectos: o cronológico e a introdução de novos alimentos. De acordo com as Normas Alimentares para Crianças Brasileiras Menores de Dois Anos (Giugliani & Victoria, 1997), a OMS entende que o desmame ocorre, quando há inserção de outros alimentos na dieta do bebê. Já o desmame precoce é a inserção de qualquer alimento antes dos seis meses de idade.

Foram encontradas 14 orientações diretas para que o aleitamento materno seja exclusivo até os seis meses de idade, período em que se deve iniciar a introdução de alimentos complementares na dieta do lactante. A informação de que o leite materno via seio ou mamadeira pode ser fornecido até os dois anos de idade também apareceu em todas as campanhas.

O desmame do ponto de vista emocional não é mencionado, ou seja, não são variáveis emocionais ou afetivas que definem o termo. Ao contrário: as campanhas reforçam que a amamentação pode ocorrer mesmo na ausência da mãe, por meio da coleta e congelamento do leite materno.

Você pode trabalhar fora de casa e continuar amamentando. Durante as horas de trabalho ou em casa você deve tirar (ordenhar) o seu leite e guardá-lo em frasco limpo, fervido, numa geladeira por até 24 horas ou no congelador ou freezer por até 15 dias. Este leite pode ser oferecido para a criança, quando a mãe estiver fora de casa, com um copinho, para que o neném não se confunda com diferentes maneiras de sugar (folder da SMAM, 2004).

Para a definição da OMS, essa forma de amamentação é aceitável, uma vez que o leite mater-no estará sendo ingerido pelo bebê com exclusividade. Essa informação, evidentemente, é bastante útil para a mãe que precisa retornar ao mercado de trabalho. Em contrapartida, para a psicanálise, a presença materna é fundamental para o desenvolvimento emocional da criança, sendo o desmame definido como o momento em que o bebê alcança a experiência de se separar de sua mãe e de interagir de modo mais independente com o mundo. Nesse sentido, o conceito psicanalítico de desmame reforça a importância de leis trabalhistas que garantam a licença-maternidade obrigatória por um período de, no mínimo, seis meses.

De acordo com Winnicott (1957/1982), não há um princípio que oriente a escolha do momento de desmamar a não ser a maturidade emocional. Esta é adquirida em momentos diferentes por cada bebê, sendo alcançada de modo único por cada par. É necessário que o bebê seja capaz de simbolizar a ausência materna e de interagir com o mundo para que a separação de sua mãe ocorra (Winnicott, 2000c).

 

ORIENTAÇÕES DE COMO AMAMENTAR

Nas campanhas de 2001 a 2004, há um box intitulado "como amamentar" com instruções precisas para que o bebê possa "mamar corretamente". Ele abarca informações sobre o modo e o momento de oferecer o seio, bem como frases descritivas, tais como: "A mãe só deve colocar o bebê para sugar, quando ele estiver com a boca bem aberta, pois ele deve abocanhar o bico do peito e também a aureola" (folder de 2004).

Essas informações sobre a técnica da amamentação, que desapareceram dos textos das campanhas a partir de 2005, são potencialmente interferentes na pessoalidade da interação entre mãe e bebê. Winnicott (1957/1982) desaconselhava orientações e interferências externas, afirmando que, sendo a interação afetiva satisfatória, o bebê ingere a medida certa de leite e todo processo físico funciona corretamente. Ao fornecerem um modelo a ser seguido, as campanhas podem transformar um ato natural de encontro em um momento de seguir regras.

Com exceção do folder de 2002, um box intitulado "como amamentar" vem acompanhado de ilustrações ou fotos que enfocam, principalmente, a posição correta do bebê para ser amamentado. Apesar de não terem sido analisadas metodologicamente, é importante destacar algumas informações sobre essas fotos, dado que elas comunicam diretamente uma qualidade de interação entre a mãe e o bebê e são fonte de orientação para mães não alfabetizadas.

As imagens dos folders e cartazes geralmente destacam uma "madrinha" da campanha, que incentiva o aleitamento materno, à medida que representa um modelo a ser seguido. A "madrinha" posa com o seu bebê, e ocasionalmente com seus familiares, para as imagens gráficas e também grava as propagandas televisivas. Com exceção de 2010, todas as mães escolhidas para o posto foram celebridades do meio artístico.

A composição da imagem, entretanto, sofre variações. A madrinha geralmente é fotografada sorrindo e olhando em direção à lente da câmera fotográfica. Apesar de parecer contente ao amamentar, o envolvimento com o aleitamento ou com o bebê não é captado nessas imagens. Assim, na maioria das fotos, o olhar das madrinhas está voltado para o público e não para o filho. O contato e as trocas de olhares são aspectos fundamentais da interação mãe-bebê e sua quebra é um indicador clínico de risco para o desenvolvimento emocional (Lebovici, 1987; Kupfer et al., 2009).

A campanha de 2008 trouxe ainda uma novidade: a presença da avó materna. Na foto, a madrinha troca olhares com sua mãe, em consonância com o texto de campanha que incentiva a participação de todos os familiares na amamentação. Nesse caso, temos uma imagem de interação entre a mãe e a avô e, novamente, não entre a mãe e o bebê.

Exceções a essa regra foram encontradas nas campanhas de 2002, 2007 e 2010, nas quais as madrinhas foram fotografadas mantendo contato visual com seus filhos ou olhando para os seus rostos. Em todos esses casos, a fotografia revela não apenas a mãe amamentando, mas também envolvida com o bebê no ato de amamentar. Dessas três campanhas, somente a de 2007 traz a imagem da mãe olhando para seu bebê na capa do folder e, portanto, como a imagem principal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O propósito de combater a mortalidade infantil é fundamental para a promoção da saúde ou mesmo sobrevivência de muitos bebês. Essa preocupação é de grande importância humanitária e se faz evidente em todas as campanhas da SMAM, cujo material de divulgação vem alertando as mães sobre os benefícios físicos e nutricionais decorrentes do aleitamento. A instrução de que o leite materno pode ser fornecido ao bebê até mesmo sem a presença da mãe é um dos indícios dessa preocupação.

Em contrapartida, os benefícios emocionais do aleitamento têm sido tratados de modo periférico em relação aos benefícios físicos. A amamentação é apresentada como um ato alimentar (de nutrir) e não como um momento em que também estão sendo exercidas funções maternas fundamentais para a constituição psíquica do bebê. As próprias palavras referentes à afetividade, tais como proteção, confiança, intimidade, calor e carinho, não são vinculadas de modo elucidativo ao desenvolvimento emocional. Nessa direção, também o desmame é empobrecido em sua dimensão relacional (separação mãe e bebê) e apresentado como um conceito cronológico e baseado na introdução de novos alimentos. Trata-se, portanto, de um conceito pragmático, cujo foco é o desenvolvimento físico e a prevenção da mortalidade infantil.

As descobertas da psicanálise sobre o papel da ambiência emocional e dos cuidados maternos na etiologia da psicose não foram veiculadas nas campanhas analisadas. Por exemplo: (1) o esclarecimento de que a qualidade da interação afetiva, que ocorre durante a amamentação, pode evitar sofrimento psíquico e prevenir transtornos mentais; (2) que o desmame precoce pode ser uma experiência traumática de quebra da continuidade dos cuidados maternos. Embora as campanhas tenham, por sua visibilidade, o potencial de informar as mães tanto sobre as necessidades físicas quanto as emocionais de seus bebês, essa perspectiva de profilaxia em saúde mental não tem sido explorada ao longo dos últimos dez anos.

A finalidade do presente estudo é essencialmente descritiva, o que mantém praticamente intacta a tarefa de incorporar informações complexas oriundas da psicanálise às campanhas de aleitamento materno sem deslindar em prescrições e orientações técnicas. Essa tarefa é um desafio e um campo de investigação a ser explorado. Entre os autores que podem inspirá-la, certamente encontra-se Winnicott que, por meio de conferências radiofônicas à BBC (British Broadcasting Corporation) de Londres, foi também um pioneiro na divulgação entre o público leigo das investigações psicanalíticas sobre o papel dos cuidados maternos iniciais para a saúde mental e o desenvolvimento emocional do bebê.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 14/08/13
Revisto em 18/03/14
Aceito em 22/03/14

 

 

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1 Trabalho realizado com apoio da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.