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Boletim de Psicologia
versão impressa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.65 no.143 São Paulo jul. 2015
ARTIGOS ORIGINAIS
Avaliação psicológica no contexto do trânsito: revisão de literatura do período de 2006 a 2015
Psychological assessment in traffic context: literature review from 2006 to 2015
Marlene Alves da SilvaI,*; Irai Cristina Boccato AlvesII,*; Helena Rinaldi RosaII,*
IClínica Fênix e Orient Consultoria Ltda - BA - Brasil
IILITEP - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - SP - Brasil
RESUMO
As publicações científicas sobre as revisões de literatura oferecem um panorama sobre uma determinada área ou tema. Este trabalho teve como objetivo realizar uma revisão crítica de literatura brasileira relativa à avaliação psicológica no contexto do trânsito, no período de 2006 a 2015. A pesquisa bibliográfica foi feita nas bases de dados PEPSIC, SCIELO e LILACS, tendo sido encontrados 94 artigos, dos quais foram selecionados 18, com base nos critérios de exclusão e foram classificados em três categorias: Investigações das propriedades psicométricas dos testes usados na avaliação (11 artigos), Capacitação profissional (2 artigos) e Revisão de literatura (5 artigos). Assim foi constatado que o maior número de estudos se refere à investigação das propriedades psicométricas dos testes psicológicos. A análise dos resultados mostrou que, apesar dos progressos nesse período, ainda é evidente a carência de produção científica sobre o tema, sendo necessários novos estudos. Espera-se que este trabalho possa fomentar outras investigações sobre a avaliação psicológica no contexto do trânsito.
Palavras-chave: Avaliação psicológica, trânsito, condutor, revisão de literatura, CNH.
ABSTRACT
Scientific publications that include literature reviews provide an overview of a particular area or theme. This study intended to conduct a critical review of Brazilian literature about psychological evaluation in traffic context from 2006 to 2015. The literature review was conducted in the following data bases: PEPSIC, SCIELO e LILACS, localizing 94 articles, among which were selected 18 based on a exclusion criteria, that consisted in three categories: Investigation of psychometrics proprieties of psychological tests used in assessment (11 articles), Professional abilities (2 articles) and Literature review (5 articles). Therefore it was concluded that the higher number of studies was related to the psychometrics proprieties researches about psychological tests. Analysis of results showed that despite progress in the period surveyed, it is still evident the lack of scientific literature on the subject, requiring further studies. It is expected that this study will promote further researches related to psychological assessment in traffic context.
Key words: Psychological Assessment, traffic, driver, literature review, CNH.
A avaliação Psicológica no contexto do trânsito no Brasil surgiu antes da promulgação da profissão de psicólogo. Em São Paulo, o engenheiro Roberto Mange, em 1913, introduziu a seleção e orientação de funcionários da Estrada de Ferro Sorocabana e foi responsável pela criação de várias ins o Instituto de Organização Racional do Trabalho - IDORT, o Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional - CFESP e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial - SENAI. Porém, somente na década de 50, foi iniciada a área da Psicologia do trânsito no Rio de Janeiro, com a contratação de psicólogos pelo Departamento Estadual de Trânsito - DETRAN, cuja finalidade era estudar o comportamento dos condutores e as causas humanas envolvidas nas ocorrências de acidentes, realizando as primeiras avaliações por meio de provas de personalidade, de aptidão e de entrevistas (Rozestraten, 1988; Silva, 2010).
Em 1953 essas avaliações passaram a ser consideradas obrigatórias para os candidatos à profissão de motorista e, em 1962, ano da regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN estendeu a avaliação psicológica para todos os candidatos interessados na obtenção da Carteira Nacional de Habilitação. Desde essa época, os psicólogos seguem as regulamentações dos órgãos de trânsito e as orientações dos seus respectivos órgãos de classe. Dessa forma, essas instituições impõem e asseguram a legalidade do exercício profissional do psicólogo perito, sendo que em 2012 foi publicada a Resolução 425 do CONTRAN, que determinou, que após 2015, só poderá atuar na área o psicólogo que tenha o título de especialista (Alchieri, Silva & Gomes, 2006; CFP, 2008; CONTRAN, 2012; Hoffmann & Cruz, 2003; Rozestraten, 1988; Silva, 2010).
Nesse contexto, Rozestraten (1988) definiu a Psicologia do Trânsito como a área que estuda os comportamentos humanos no trânsito e os fatores e processos internos e externos, relacionados às próprias habilidades, às outras pessoas e aos eventos do meio que os provocam ou os alteram. Sendo assim, tem como objeto de estudo o comportamento dos seres humanos, que participam do sistema trânsito, procurando entendê-lo pela observação e experimentação. Também atua na interlocução da Psicologia com outras ciências, para ajudar na formação de comportamentos mais seguros e condizentes com o exercício da cidadania por meio de métodos científicos e didáticos (Rozestraten, 1983, 1988).
Nesse sentido, a avaliação psicológica tem preocupado muitos psicólogos e pesquisadores, pois em alguns contextos seu uso é compulsório, como por exemplo, para a concessão da Carteira Nacional de Habilitação - CNH. Ao mesmo tempo, as publicações na área têm apontado que a formação do profissional é deficitária, mesmo após os cursos de especialização na área. Algumas medidas foram tomadas pelo Conselho Federal de Psicologia e pelo Departamento Estadual de Trânsito, mas ainda assim são observadas dificuldades de comprovação da eficácia da obrigatoriedade e da qualidade dos serviços prestados aos usuários.
No tocante às revisões de literatura, em relação à avaliação psicológica no contexto do trânsito entre 1953 e 2006, foram encontrados apenas 15 trabalhos empíricos publicados (Silva & Alchieri, 2007). Nos últimos cinco anos, alguns autores se dedicaram à temática do trânsito realizando revisões sistemáticas da literatura. Tais estudos foram frutos de curso de especialização em Psicologia do trânsito e de pós-graduação stritu sensu. O período dos estudos vai de 1981 até 2014 e, dentre os autores, são encontrados psicólogos, médicos e pedagogos, o que denota que a preocupação pela temática perpassa várias ciências (Cardoso, Santos & Santos, 2011; Fiori & Caneda, 2014; Oliveira et al., 2015; Sampaio & Nakano, 2011)
Dessa forma, com o objetivo de realizar uma revisão da literatura internacional, para verificar os estudos empíricos que investigassem a possível ligação entre o envolvimento em infrações ou acidentes de trânsito e as características de personalidade em motoristas, Santos, Boff e Konflanz (2012) realizaram uma busca dos artigos na base de dados eletrônica Scopus com os seguintes descritores: personality AND traffic accidents OR automobile driving OR traffic violations. Foram selecionados 13 artigos, publicados entre 2000 e 2011.
Esses autores encontraram, em investigações com motoristas noruegueses (Iversen & Rundmo, 2002); americanos (Zuckerman & Kuhlman, 2000) e chineses (Li et al., 2005), que a busca de sensações ao dirigir, a ausência de normas, a presença de raiva e de agressividade na direção levam a escores mais altos no comportamento de direção perigosa, sendo os maiores, o desconhecimento das regras do trânsito e o excesso de velocidade. Relataram ainda, que os motociclistas chineses mostraram traços de tolerância, rigor e autocontrole em relação ao comportamento responsável na condução, enquanto os motoristas envolvidos em acidentes apresentaram escores inferiores em autocontrole, rigor, serenidade e generosidade. O mesmo ocorreu com os motoristas com histórico de colisão, que tiveram baixos escores em relação aos domínios de otimismo, serenidade, generosidade e estado de alerta ao dirigir. Outras pesquisas realizadas na Turquia e no Chipre concluíram que a avaliação da personalidade é importante para o entendimento da condução agressiva e perigosa e necessita ser devidamente reconhecida no planejamento de políticas de prevenção de acidentes (Santos et al., 2012).
Os autores sustentam que existem estudos empíricos, que apresentaram evidências de motoristas com perfis de alto risco para o envolvimento em acidentes e infrações de trânsito e que podem ser avaliados por meio de traços de personalidade. Essa conclusão reafirma a necessidade de avaliar a personalidade, fato que já ocorre no Brasil.
Gouveia et al. (2002) investigaram as atitudes frente à avaliação psicológica para condutores na visão de três grupos: técnicos, estudantes de Psicologia e usuários. Aplicaram uma escala de atitudes em relação ao Serviço de Avaliação Psicológica em uma cidade da Paraíba a 196 pessoas, sendo 54 psicólogos que fazem essa avaliação, 73 estudantes do curso de Psicologia e 69 pessoas que estavam se submetendo ao processo de aquisição e/ou renovação da habilitação no DETRAN/PB. Os resultados apontaram ambiguidade em relação ao processo de avaliação e a sua eficácia, pois ao mesmo tempo que as pessoas acreditam que a avaliação psicológica é eficaz, consideram que poderia ser dispensável no processo de obtenção da CNH, alegando que a avaliação médica e psicológica torna o processo mais oneroso e dificultoso. Os autores descrevem as limitações da pesquisa, como o número reduzido de participantes, por ter sido desenvolvida em uma única cidade, sugerindo a realização de novas investigações sobre o tema e a replicação da pesquisa em outros estados.
Ainda que no levantamento da literatura brasileira para este estudo tenham sido localizados quatro artigos recentes de revisão (Sampaio e Nakano, 2011; Cardoso, Santos e Santos (2011); Fiori e Caneda, 2014; Oliveira et al., 2015), o presente artigo se diferencia em termos de palavras-chave usadas no levantamento bibliográfico, bases de dados consultadas, temas investigados, períodos abrangidos e aspectos discutidos. A maior parte das revisões bibliográficas apresenta uma análise de aspectos formais, tais como ano da publicação, quantidade de autores, filiação dos autores, periódicos em que foram publicados, tipos de pesquisas, amostras empregadas, etc. O foco deste artigo será uma apresentação resumida dos dados mais relevantes das pesquisas e uma análise sobre suas contribuições.
Observa-se que as pesquisas realizadas na área do trânsito, na sua maioria têm focalizados os testes psicológicos e as suas qualidades psicométricas, principalmente quanto à busca de evidências de validade para a construção de novos instrumentos. Já os estudos que abordaram o estado da arte nesse contexto são diversificados e abrangem desde a avaliação da personalidade até o que tem sido publicado nos congressos de avaliação psicológica. Nota-se carência de estudos que apresentem a prática da área de avaliação psicológica no contexto do trânsito e outras práxis desse perito. Questiona-se que essa falta de visibilidade de atuação profissional em equipes multiprofissionais pode ser devida ao pequeno número de atuantes ou, porque esses profissionais acreditam que as publicações científicas devem ficar sob a responsabilidade de pesquisadores e teóricos vinculados à academia. Vale lembrar, que somente a teoria não baliza o exercício profissional, são necessárias adequações e, quem já atua, poderá apresentar, por meio de relatos de experiências, em forma de publicação, esses acertos, erros e as reflexões para o aprimoramento profissional. Além disso, sugere-se aos teóricos instigarem a participação dos psicólogos, que atuam nessa área, para obter a sustentação para as suas teorias.
Na tentativa de abarcar o maior número possível de publicações foram utilizados vários descritores. A pergunta norteadora deste estudo foi verificar o que se sido publicado na última década (2006-2015), pois se supunha que a obrigatoriedade do título de especialização para a atuação na área do trânsito e a necessidade de realização de Trabalho de Conclusão de Curso - TCC, isto levariam a um aumento da produção científica com a publicação de seus trabalhos. Outra razão se refere à publicação da Nota Técnica n° 001/2011 (CFP, 2011) pelo Conselho Federal de Psicologia, que determina em seu artigo 11, que "As condições de uso dos instrumentos devem ser considerados apenas para os contextos e propósitos para os quais os estudos empíricos indicaram resultados favoráveis" e acrescido do parágrafo único: "A consideração da informação referida no caput deste artigo é parte fundamental do processo de avaliação psicológica, especialmente na escolha do teste mais adequado a cada propósito e será de responsabilidade do psicológico que utilizar o instrumento".
Ao realizar este estudo foi percebido que a prática do perito psicólogo tem figurado de forma tímida nas apresentações em congressos e pequena em periódicos científicos, e a atuação na interface com outras ciências é inexistente. Apesar da atuação na área de Psicologia do trânsito já existir bem antes da promulgação da profissão de psicólogo, pouco tem sido explorado sobre a atuação do profissional, seja na área da avaliação psicológica ou em sua interface com outras ciências. Esses dados reforçam a necessidade de pesquisas para melhor consolidação dessa práxis. Ademais, são necessários estudos de revisão de literatura para a verificação do que tem sido produzido na área e da possibilidade de replicação dessas pesquisas. Analisar o que se publica em uma década oferece a dimensão da visibilidade do tema, de suas carências e possibilidades de futuras investigações.
O presente artigo teve o objetivo de realizar um levantamento das publicações no período de 2006 a 2015 nas bases de dados BVS Psicologia Brasil sobre o tema da Avaliação Psicológica no contexto do trânsito.
MÉTODO
As publicações científicas, que contemplam as revisões de literatura, oferecem um panorama sobre uma determinada área ou tema. Por isso, uma revisão precisa ser específica, baseada em resultados de pesquisas e reproduzível. Portanto, define e esclarece o problema, resume as investigações anteriores e identifica as relações, contradições, inconsistências e lacunas e, ainda, sugere novos estudos para possível resolução do problema (APA, 2012). É pela análise das produções científicas que se pode estimar a profundidade e a amplitude do conhecimento disponível, ter uma perspectiva das tendências e do que precisa ser pesquisado (Witter, 1999). O periódico científico é o repositório de conhecimento de uma determinada área e permite que o pesquisador evite desnecessariamente repetir um trabalho que foi realizado antes que possa contribuir com algo novo (APA, 2012).
Com esse intuito, em setembro de 2015, foram pesquisadas as bases de dados da BVS-Psi (PEP-SIC, SCIELO E LILACS), utilizando como descritores: Avaliação Psicológica e Condutores; Avaliação Psicológica e Motoristas; Avaliação Psicológica e Trânsito e Avaliação Psicológica e CNH, na tentativa de abarcar o maior número possível de publicações. A seguir foi feita a triagem dos artigos que compreendiam o período estabelecido. Os critérios de inclusão foram artigos publicados no período de 2006 a 2015 e que enfocavam a avaliação psicológica e instrumentos psicológicos no contexto do trânsito. Assim, foram excluídos os artigos presentes em mais de uma base de dados, os anteriores a 2006, os que não eram brasileiros e os que tratavam de outros temas. Dos 104 artigos encontrados, foram selecionados apenas 18 que atendiam aos critérios. Foram identificados os objetivos, os instrumentos utilizados e os resultados encontrados nesses trabalhos. Os artigos foram agrupados em três categorias: Investigações sobre as propriedades psicométricas dos testes usados, Capacitação profissional e Revisão de literatura.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 1 informa o total de artigos encontrados nas bases de dados para cada descritor utilizado e os artigos que foram analisados por contemplarem o objetivo deste estudo.
Constatou-se que, apesar desse total, alguns artigos constavam em duas ou mais bases de dados e outros não se relacionavam ao tema deste estudo. Dessa forma, foram computados os artigos analisados, considerando a primeira base de dados em que foi encontrado e não computado nas demais devido à duplicação da publicação. Ao serem utilizadas as palavras chaves "Avaliação Psicológica e CNH" a base de dados forneceu artigos já indexados com outros termos. Vale ressaltar que a decisão de usar vários termos na busca teve a intenção de abranger o máximo de publicações. Entretanto, isto levou à dupla ou tripla indexação de um mesmo artigo.
Conforme descrito anteriormente, a exposição dos estudos será dividida nas seguintes categorias: Estudos psicométricos, que constituem relatos de pesquisas sobre testes psicológicos; Capacitação profissional, relativos à prática profissional, empregando dados documentais de laudos psicológicos e regulamentações, que habilitam a atuação do perito psicólogo do trânsito; e Revisão de literatura cuja finalidade é apresentar o estado da arte da área de trânsito. A Tabela 2 mostra a relação de autoria e data dos artigos selecionados por categoria.
ESTUDOS DE PROPRIEDADES PSICOMÉTRICAS DOS TESTES
Na categoria estudos de propriedades psicométricas dos testes, Rueda (2006) investigou a possível relação entre a memória e a inteligência em 51 candidatos à obtenção da CNH, com idade variando entre 18 e 33 anos. Foram usados o Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M) e o Teste Conciso de Raciocínio (TCR). Na aplicação do TEPIC é projetado um quadro com desenhos, que foram classificados em três categorias, típicos da água, do céu e da terra. Solicita-se ao examinando para olhar e memorizar a maior quantidade de desenhos e detalhes possíveis e posteriormente escrevê-los, durante um tempo determinado. Atribui-se um ponto para cada um dos itens, com pontuações parciais para cada categoria e uma pontuação total. Os resultados evidenciaram correlações positivas e significantes apenas entre o agrupamento Terra e a pontuação total do Teste de Memória e com o TCR (0,38 e 0,36, respectivamente). Apesar de o autor afirmar que o objetivo do estudo foi obter evidência de validade no contexto do trânsito para o teste de memória visual, a amostra estudada não foi constituída por motoristas, mas por candidatos a motoristas e as conclusões oferecidas pelo autor foram de que o teste de memória visual estava em processo de construção, na etapa de reconfiguração do instrumento e, que o tamanho da amostra não permitiu a realização de inferências conclusivas.
Nesse mesmo ano, Rueda e Lamounier (2006) verificaram as diferenças em relação ao sexo, escolaridade e idade no teste PMK (Psicodiagnóstico Miocinético), em 126 candidatos à obtenção da CNH, com idade entre 18 e 55 anos. Os resultados mostraram que os homens tendiam mais à intratensão controlada, enquanto as mulheres tendiam reacionalmente a dirigir suas energias para o ambiente. Além disso, pessoas com menor escolaridade apresentavam uma tendência momentânea à intratensão e, as com maior escolaridade, à extratensão, assim como apresentavam reacionalmente uma atitude de maior autoafirmação. A amostra desta pesquisa também foi de aspirantes à CNH, portanto, ainda não eram motoristas. Convém ressaltar que o PMK é um dos testes psicológicos mais utilizados na área do trânsito desde a implantação do serviço de Psicologia nesta área. Durante um período o Conselho Federal de Psicologia suspendeu a sua utilização, em função da falta de aprovação da atualização das suas pesquisas, segundo a Resolução 02/03 do CFP. Posteriormente foram apresentados novos estudos de atualização e seu uso voltou a ser autorizado. Na literatura brasileira, o PMK foi o teste mais estudado, com a divulgação das suas pesquisas em apresentações de congressos, artigos científicos, capítulo de livros e livros, como por exemplo, o editado por Passos e Câmara (2005), em que foram articulados o ensino, a pesquisa e o exercício profissional com esse teste.
Já Raad, Cardoso, Nascimento e Alves (2008) verificaram o efeito que a ansiedade poderia ter sobre os candidatos à Carteira Nacional de Habilitação - CNH na realização da prova teórica-técnica e da prova de prática veicular. Para tanto, foi aplicada a Escala de Ansiedade do Inventário Beck (BAI) em 54 pessoas que pleiteavam a CNH, com idade variando entre 18 e 29 anos. Os resultados apontaram que a aprovação na prova teórica não estava associada à ansiedade, medida pelo BAI. Ressaltaram ainda que, do total, apenas duas pessoas foram reprovadas na prova teórica. Já em relação à prova de prática veicular, apenas 23 pessoas participaram. Os resultados apontaram uma relação direta entre o grau de ansiedade e o desempenho na prova prática veicular, já que os reprovados obtiveram média ponderada de ansiedade maior do que a dos aprovados. Neste estudo, os autores não especificaram em que cidade foi realizada a pesquisa, o que não permite uma comparação de dados, pois os resultados indicaram que a ansiedade não estava relacionada com a aprovação ou reprovação em uma prova teórica no âmbito do trânsito. Estudos, como este, são raros em nossa literatura e deveriam ser replicados em outras localidades.
Rueda e Gurgel (2008) pesquisaram possíveis diferenças no Teste de Atenção Concentrada (TEACO-FF) em função da escolaridade e da categoria (A, AB, B, C, D, E) pleiteada da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) em 698 pessoas da região nordeste do Brasil (Bahia e Sergipe) com idades entre 18 a 58 anos. Desse total, 347 passaram pelo processo de avaliação psicológica pericial para obtenção, renovação ou mudança de categoria da CNH e 228 eram estudantes universitários, e o artigo não especifica quem foram os outros 23 participantes. Os resultados mostraram a necessidade do estabelecimento de normas específicas em função da escolaridade, do tipo de avaliação procurada (obtenção, renovação ou mudança de categoria da CNH), da categoria de CNH pretendida e em função de exercer atividade remunerada. Foi constatado que as categorias C, E e D foram as que apresentaram as menores médias de pontos no TEACO-FF. Como essas categorias se referem ao transporte de passageiros, transporte de carga, inclusive de cargas inflamáveis e perigosas, este resultado traz uma preocupação, porque a falta de atenção pode ser causa de acidentes, com consequências sérias. Os autores concluíram que a realização de trabalhos, como este, são importantes, porque levam ao aprimoramento da qualidade dos testes utilizados nessa área no Brasil.
Rueda (2009) objetivou verificar evidências de validade para o Teste de Atenção Concentrada (TEACO-FF) em relação ao Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M), considerando a variável sexo, a condição de possuírem ou não a CNH e a amostra total. Aplicou os dois instrumentos em 207 pessoas da cidade de Aracajú, sendo 118 estudantes de uma universidade particular e 89 pessoas que passaram pelo processo de obtenção, renovação ou mudança de categoria da Carteira Nacional de Habilitação (CNH). As idades variaram dos 18 a 58 anos. Os resultados indicaram correlações de magnitudes nula, baixas e moderadas, entre as três categorias e o resultado total do TEPIC com o TEACO, sendo que das 20 correlações calculadas, 18 foram estatisticamente significantes e variaram de 0,22 a 0,56, Para as pontuações totais dos dois testes na amostra total, as magnitudes das correlações foram baixas e moderadas, variando de 0,26 a 0,53. As correlações do Agrupamento Terra do TEPIC com o TEACO não foram significantes para o sexo feminino e para os sujeitos que não possuíam CNH. O próprio autor aponta a amostra como fragilidade da pesquisa, pois o número de estudantes universitários era bem maior que o de pessoas que estavam se submetendo ao processo de avaliação para a CNH, o que não permitiu que a amostra fosse considerada homogênea. Sugeriu maior controle dessa variável em futuros estudos, assim como a ampliação da amostra. Tendo em vista que um dos testes avalia a atenção concentrada e o outro a memória, deve-se lembrar que os dois construtos são relacionados, pois a memória é importante para reter os estímulos percebidos e, para isso, é necessária a manutenção da atenção. Contudo não se espera correlações altas, uma vez que são duas funções diferentes e esse aspecto não foi muito discutido. Não fica muito clara também qual a importância das categorias Terra, Água e Céu para a avaliação da Memória.
Tawamoto e Capitão (2010) compararam os indicadores de agressividade e irritabilidade, avaliados no Teste das Pirâmides Coloridas de Pfister (TPC) em 100 motoristas, sendo 50 infratores e 50 não-infratores. Correlacionaram esses indicadores com os resultados obtidos no Inventário de Habilidade do Motorista (IHM), no Questionário do Comportamento do Motorista (QCM), que possui três resultados (Violações do Código de Trânsito, Violações de teor agressivo e Total) e na Escala de Irritabilidade do Motorista (EIM), com sete resultados (Direção lenta, Direção ilegal, Descortesia, Gestos hostis, Presença de policial, Obstrução do tráfego e Total). Os autores enfatizaram que investigações sobre as condutas comportamentais e suas relações devem ser conduzidas com cautela, pois é necessário considerar outras variáveis, tais como as condições do trânsito, a malha viária e as condições físicas e psicológicas do condutor e essa relação com a dinâmica da personalidade, ou seja, a reciprocidade do homem com o ambiente e as suas interdependências. Os resultados apontaram ausência de correlação significante entre o IHM com as variáveis do TPC. Quanto à relação entre o QCM e o TPC foram calculadas 40 correlações e apenas duas foram estatisticamente significantes: a Violação do Teor Agressivo e a Síndrome de Conflito (r=0,34) e o resultado do Total da média das Violações com a Síndrome de Conflito (0,22). Quanto à relação entre a EIM e o TPC, das 56 possibilidades de correlação entre os dois instrumentos, somente duas foram significativas, a relação entre Gestos Hostis e a Síndrome do Conflito (r=0,28) e os Gestos Hostis com uso reduzido da cor Amarela (-0,21). Segundo os autores, tais resultados indicaram a sensibilidade do Teste de Pfister para identificar a irritabilidade e a agressividade, no entanto apenas outros estudos poderão confirmar, se esses aspectos constituem fatores de riscos no trânsito, uma vez que não foram encontradas diferenças nas freqüências das variáveis do TPC, entre os motoristas infratores e não-infratores. Este estudo é fruto de uma especialização strictu sensu e aponta a necessidade de mais aprofundamento para a avaliação de traços de personalidade.
Silva e Alchieri (2010) verificaram a possibilidade de prever infrações de trânsito cometidas por motoristas profissionais a partir dos resultados dos testes psicológicos aplicados no processo de habilitação. Para tal intento, utilizaram os dados documentais de 68 condutores do sexo masculino, que exerciam atividade remunerada em dois momentos, o primeiro em 2002, na aquisição da habilitação e o segundo, cinco anos depois, na renovação. No primeiro momento, apenas 49 candidatos foram considerados aptos e, em 2007, 62 foram aptos. As análises não mostraram diferenças significantes nos escores médios dos testes entre os grupos de motoristas com e sem registro de infração. Também não foram evidenciadas correlações significantes entre os escores dos testes e as pontuações das infrações. Concluíram que os escores altos ou baixos nos diversos instrumentos não são critérios preditivos para atos infracionais ao conduzir um veículo, porém não é possível garantir que todas as infrações tenham sido constatadas, sendo possível supor, que apenas uma parte delas tenha sido.
Nessa investigação foram observadas algumas inconsistências, pois em suas próprias palavras "A população-alvo do estudo foi de motoristas que exerciam atividade remunerada de transporte de bens ou pessoas (motoristas profissionais) de qualquer categoria de habilitação" (Silva & Alchieri, 2010, p. 698), sendo que a primeira avaliação foi na época da aquisição da permissão para dirigir, em 2002. Ressalta-se que o Código de Trânsito Brasileiro (Brasil, 1997) em seu artigo 148, estabelece que o candidato aprovado receberá uma permissão para dirigir com validade de um ano e somente será conferido ao condutor a Carteira Nacional de Habilitação, se o mesmo não tiver cometido nenhuma infração de natureza grave ou gravíssima ou que não seja reincidente em infração média.
Os autores ainda apontaram na amostra 68 condutores que exerciam atividade remunerada, entretanto, informam que desse montante 28%, ou seja, 17 pessoas foram consideradas inaptas ou inaptas temporárias e para duas, o parecer final não constava nos laudos. Assim, a amostra que deveria ser estudada era apenas a de 49 condutores. Na tabela em que descrevem a correlação entre os testes psicológicos e a pontuação de infrações dos condutores, o número de condutores variou de 20 a 57. Essa variação do tamanho da amostra não foi esclarecida pelos autores, o que torna difícil a compreensão dos resultados.
Nakano, Sampaio e Silva (2011) investigaram a atenção e inteligência de candidatos à primeira habilitação em relação à influência das variáveis sexo e escolaridade em uma amostra de 169 pessoas, com idades entre 18 e 70 anos (77 mulheres e 92 homens), dos três níveis escolaridade que participavam do processo de avaliação psicológica em clínica credenciada ao DETRAN de uma cidade do interior do Estado de São Paulo. Foram utilizados o Teste de Atenção Concentrada - AC e o Teste R-1. Os resultados mostraram as médias e desvios padrão, erros, acertos e omissões no AC e a pontuação total no R-1, em relação às variáveis sexo, escolaridade e amostra total. Os dados indicaram que no AC o sexo feminino apresentou mais erros que o masculino, enquanto o masculino apresentou média maior na pontuação total, no número de acertos e de omissões. Entretanto, a análise univariada da variância foi empregada e indicou que a variável sexo, não exerceu influência significativa no desempenho em atenção, em nenhuma das suas medidas.
Em relação à escolaridade, as pessoas com ensino superior apresentaram média maior na atenção tanto em relação à pontuação total quanto no total de acertos. Participantes com Ensino Médio apresentaram média mais alta nos erros e os com Ensino Fundamental tiveram mais omissões que os demais. A análise univariada da variância indicou que esta variável exerceu influência significativa sobre a pontuação total no instrumento (F=9,897, p<0,001) e sobre o total de acertos (F=6,314, p<0,002), não sendo significativa em relação ao número de erros ou omissões. A análise do percentil de classificação em função das faixas apresentadas nas tabelas do manual referentes à amostra geral e ao nível educacional, mostrou que 14,2% da amostra obtiveram percentil abaixo de 50; 34,3% obteve percentil entre 51 e 75 e 51,5% dos participantes apresentaram percentil acima de 76. A partir desses dados, as autoras afirmaram que a maior parte dos candidatos mostrou um bom desempenho em atenção, acima do obtido pela amostra normativa para os três níveis de escolaridade (fundamental, médio e superior), indicativo de que o aumento da escolaridade corresponde a um aumento na atenção concentrada avaliada pelo instrumento.
No que se refere ao R-1, os resultados revelaram que a pontuação variou entre 13 e 39 pontos, (M=29,24) para a amostra total. As autoras apontaram que os itens do teste apresentam dificuldade baixa e levantam questionamentos acerca da real necessidade de sua aplicação durante o processo de obtenção da CNH. Ainda, constataram a existência de correlação (r=0,451, p<0,01) entre as duas medidas. Ao final recomendaram investigações de validade de critério e estudos que contemplem maior diversidade amostral.
Santos, Cardoso & Santos (2012) pesquisaram a validade e a precisão da Escala de Estressores do Trânsito (ESET) em uma amostra de 472 condutores. Os resultados apontaram quatro fatores, assim nomeados pelos autores: Veículo, Condutor, Vias e Ambiente. Dos 72 itens iniciais, após análise fatorial permaneceram 37, explicando 62,17% da variância, com cargas fatoriais acima de 0,40 e confiabilidade de 0,96. Os autores apontaram que este estudo se refere a dados preliminares da construção desse teste, uma vez que a construção de um novo teste exige a realização de várias etapas, cujos resultados devem ser divulgados, para que os estudos exploratórios sejam melhorados e a versão final possa oferecer dados confiáveis.
Mognon e Santos (2014) verificaram possíveis diferenças nos escores dos instrumentos que avaliam a autoeficácia para dirigir, o desengajamento moral e a impulsividade, em função de variáveis como sexo, faixa etária, tempo de habilitação e frequência com que dirige. Analisaram também a predição destes construtos para envolvimento em multas e acidentes de trânsito. Aplicaram a Escala de Autoeficácia para Dirigir (EADir) elaborada pelos autores, a Escala de Justificativas de Motoristas (EJM) de Inglesias (2002) e a Escala de Avaliação da Impulsividade (EsAvI-A), de Rueda e Ávila Batista (2013), em 500 motoristas em processo de renovação da CNH, com idades entre 23 e 78 anos, sendo 302 homens e 198 mulheres. Os resultados apontaram diferenças significantes para as variáveis sexo e faixa etária e que os construtos predisseram as multas e os acidentes de trânsito. Este estudo foi realizado para uma tese de doutorado, cujo objetivo era a construção de um novo instrumento direcionado a área do trânsito e assim, como o estudo anterior, também é considerado como exploratório para a construção de teste psicológico.
Silva (2014) investigou a unidimensionalidade do R-1: Teste Não Verbal de Inteligência em uma amostra de 409 candidatos à obtenção, renovação e mudança de categoria da CNH. Desses, 306 eram do sexo masculino e 103 do feminino e a idade variou entre 18 e 65 anos. O objetivo da pesquisa foi buscar evidência de validade, pela confirmação da unidimensionalidade, para um teste psicológico que foi construído para o uso na área do trânsito, e é o mais utilizado para esse fim em todo o Brasil. Além disso, é um dos testes de inteligência utilizado na área com maior número de publicações no Brasil. Os resultados confirmaram a unidimensionalidade do Teste R-1. A autora sugeriu ainda que novos estudos fossem realizados com amostras diferentes para confirmar esses dados. Como o R-1 foi desenvolvido especificamente para o contexto do trânsito, ele é o teste de inteligência mais utilizado nesse contexto.
Nesta categoria de pesquisas empíricas sobre testes foi observado que o Teste de Atenção Concentrada TEACO-FF foi o mais estudado em três investigações (de 2008, 2009 e 2011) cujos objetivos foram, a busca de evidências de validade para um teste novo e a relação entre atenção e inteligência. O mesmo ocorreu em relação ao TEPIC-M, para o qual foram realizadas duas pesquisas de validade para a sua construção de um Teste de memória - TEPIC-M (2006, 2009), quanto à sua relação com a atenção (TEACO-FF) e com a inteligência (TCR). O Teste de Inteligência Não Verbal R-1 (2011, 2014) foi objeto de dois estudos, um de correlação com o teste de atenção - AC e outro, em que foi verificada a sua unidimensionalidade. Quanto aos testes de personalidade foram encontrados artigos sobre o PMK, o Teste de Pfister, duas escalas de ansiedade a BAI e o ESET e algumas escalas para avaliação do comportamento do motorista como a EJM, a EADir, A EJM e a ESAvI-A, mostrando tanto a preocupação com testes já conhecidos, como com a construção de novos testes objetivos para avaliação do comportamento do motorista.
ESTUDOS SOBRE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL
Na categoria capacitação profissional, Silva e Alchieri (2011) avaliaram a guarda, a estrutura e o preenchimento dos documentos produzidos por sete psicólogos peritos em trânsito. Foram selecionados os laudos dos motoristas profissionais que se submeteram à avaliação psicológica em dois momentos, na aquisição da permissão (2002) e após cinco anos (2007) na renovação/mudança de habilitação. Foram analisados 67 laudos, produzidos nas duas avaliações em 2002 e em 2007. Os resultados apontaram problemas com a guarda do material. Na estrutura do laudo, constataram falhas como: a falta de identificação do psicólogo, o parecer final em vez da conclusão, a falta de registro do local de realização dos exames. No preenchimento dos laudos houve uso excessivo de abreviações na escrita, incorreções na denominação dos instrumentos, ausência dos resultados e não integração dos dados obtidos. A partir de tais achados, os autores sugeriram que sejam feitas avaliações sistemáticas da elaboração e da guarda dos laudos psicológicos pelos órgãos responsáveis. Os autores esclareceram que este estudo foi parte da dissertação de mestrado do primeiro autor defendida em 2008 e, que tomaram como base a Resolução do Conselho Federal de Psicologia, que disciplina essa matéria ainda hoje, pois a maior parte dos processos éticos contra psicólogos se refere à elaboração de documentos (CFP, 2015). Um questionamento que pode ser feito é, se essa é a realidade brasileira, uma vez que a amostra foi de apenas sete psicólogos? Sugere-se que novos estudos sejam realizados em outras cidades de várias regiões do Brasil e comparados a este coletado no Estado do Rio Grande do Norte (nordeste do Brasil).
Barros Júnior (2014) abordou as normatizações sobre a habilitação do psicólogo perito para atuar na área da avaliação psicológica de candidatos à CNH e motoristas que exercem atividade remunerada. Tais determinações são de competência do Conselho Nacional de Trânsito avalizado pelo Conselho Federal de Psicologia. Dentre as exigências para atuação, encontra-se o título de especialista em Psicologia de trânsito, conforme a Resolução 425/2012 do CONTRAN, que determina a exigência de tal título a partir de 14 de fevereiro de 2015. A esse respeito, o autor apresenta uma discussão da relação entre o Direito e a Psicologia e a competência dos órgãos de trânsito sobre a atividade do psicólogo. Concluiu que o CONTRAN, bem como qualquer outro órgão da área do trânsito, apesar de legislar administrativamente sobre a atuação do psicólogo, tem limites para tal exigência aos profissionais que já atuavam anteriormente a essa publicação. Este estudo constitui em uma reflexão teórica e aponta de forma clara a interface necessária da Psicologia com outras áreas, principalmente com o Direito. Na área do trânsito em relação à avaliação psicológica, a Medicina é a ciência que está mais próxima dessa atuação, entretanto, conhecimentos de outras áreas permeiam essa relação.
Os estudos de Capacitação profissional se caracterizaram pela análise de documentos da e sobre a atuação profissional. No primeiro estudo foi investigada a qualidade de elaboração de laudos psicológicos na área do trânsito e a guarda desse material sob a luz das exigências do Conselho Federal de Psicologia e às deliberações sobre essa temática. Já o outro, abordou as legislações relativas à atuação profissional do perito psicólogo, ressaltando a obrigatoriedade da titulação como especialista em Psicologia de Trânsito.
ESTUDOS DE REVISÃO DA LITERATURA
Na categoria revisão da literatura, Silva e Alchieri (2007) analisaram os estudos empíricos brasileiros, entre 1956 a 2006, sobre a avaliação psicológica de características da personalidade dos condutores. Foram usadas bases de dados eletrônicas e referências bibliográficas de trabalhos de outras pesquisas de revisão de literatura para realizar o levantamento bibliográfico. Os resultados apontaram 15 artigos empíricos, cujos objetivos abrangeram: estudos de validade e padronização de instrumentos; verificar diferenças de personalidade em relação ao sexo, idade e/ou nível educacional; construção de tabelas de padronização, comparação de medidas das tabelas de normas de diferentes estados; relação entre acidentes, infrações e variáveis de personalidade e características dos sujeitos nos testes de aptidão e de personalidade. Em função da escassez de publicações, os autores destacaram a necessidade de investigar a relação entre acidentes, infrações e variáveis de personalidade, aspecto fundamental para atribuição de causalidade dos acidentes à personalidade, pois sem muitas evidências ou sem comprovação empírica consistente, tal causalidade não passa de conjectura.
Os autores não apontaram em seu artigo o fato que, segundo a literatura, as causas de acidentes de trânsito são multifatoriais e, pesquisadores como Elander, West e French (1993), Jessor (1987) e Wilde (2005) concluíram que as causas de acidentes de trânsitos são determinadas por uma combinação complexa entre os traços de personalidade, o ambiente e a conduta. Nesse sentido, as investigações envolvem a interlocução entre várias ciências, como a Medicina, a Engenharia, a Pedagogia, entre outras (ABRAMET, 2015; Paixão, Abreu, Faria, Oliveira & Jomar, 2015; Rozestraten, 1983, 1988). Em relação a esse aspecto, o Departamento Nacional de Trânsito (2015) especifica que os três grandes fatores de causas de acidentes de trânsito são: a falta de atenção, o excesso de velocidade e o uso de álcool, todos relacionados ao comportamento do condutor.
No que diz respeito à avaliação psicológica no contexto do trânsito, o uso dos testes psicológicos é obrigatório por força de lei, pois se trata de uma forma objetiva de avaliar os candidatos. Entretanto, para a complementação desses dados objetivos devem ser incluídas observações e entrevistas individuais, que compõem os procedimentos adotados. Também é necessária uma apreciação do contexto em que os motoristas estão inseridos.
Em outra revisão, Sampaio e Nakano (2011) buscaram nas bases de dados PePSIC e SciELO e nos trabalhos científicos apresentados nas quatro edições do Congresso Brasileiro de Avaliação Psicológica, artigos e resumos de apresentações de trabalho que continham as palavras-chave motorista, avaliação psicológica, trânsito e condutores. Localizaram 22 artigos de periódicos e 38 resumos de apresentações em congressos entre 2000 e 2009. As autoras concluíram que nesse período houve aumento no interesse pela área. Salientaram que foi encontrado um número maior de trabalhos em congressos e constataram que a maior parte dos resultados das pesquisas não chega efetivamente a ser publicado. Prevaleceram os estudos empíricos direcionados principalmente à investigação da personalidade e da atenção. Ademais, em sua maioria as amostras foram constituídas por candidatos à CNH. As autoras ressaltaram a necessidade de pesquisas com outras amostras. Também advertiram sobre a importância de investimentos em outros focos como a estruturação de programas de intervenção, que envolvam as oficinas psicoeducativas direcionadas à conscientização e sensibilização para a condução segura, entre outras. Sugeriram que novos estudos sistemáticos sejam realizados com novas estratégias de busca.
Nesse mesmo ano, Cardoso, Santos e Santos (2011) pesquisaram nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO); Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal (Redalyc); e Periódicos Eletrônicos em Psicologia (PePSIC), com as palavras-chave: avaliação e motorista; avaliação e trânsito; perito e trânsito; Psicologia e motorista; Psicologia e trânsito. Encontraram 46 artigos no período de 1981 a 2009. Os autores analisaram as seguintes variáveis: autoria, tipo de estudo, idioma, ano de publicação, periódicos e instrumentos utilizados para coleta de dados. A pesquisa de campo foi predominante com 56,5% em relação aos demais tipos de investigações. O instrumento mais utilizado foi o questionário, elaborado pelos autores para a verificação de acidentes de trânsito, seguido pelos testes de atenção e de personalidade. Ademais, ressaltaram a importância dos conhecimentos necessários sobre os testes psicológicos, apontaram a existência de lacunas nas investigações e que sejam promovidas pesquisas na área de avaliação psicológica, principalmente na construção de instrumentos padronizados e com diversos tipos de amostras.
Já Fiori e Caneda (2014) utilizaram as bases de dados PePSIC, Scielo e LILACS e o descritor avaliação psicológica no trânsito. Selecionaram 14 artigos no período de 2002 a 2012 e tinham como objetivo descrever os indexadores, os instrumentos utilizados nas investigações e a filiação dos autores. Os resultados apontaram o predomínio das pesquisas empíricas e que os testes mais usados foram os de atenção, seguidos pelos de personalidade. Elas enfatizaram a importância de repensar a avaliação psicológica do trânsito e os desafios para criar novas formas de avaliação dos futuros condutores, bem como a necessidade de discussões por parte dos pesquisadores dessa área e da realização de mais pesquisas sobre o tema com o intuito de responder de forma mais efetiva às questões pertinentes.
Por fim, Oliveira et al. (2015) pesquisaram as publicações nas bases de dados Scielo, BVS e Pub-Med, utilizando as palavras-chave: Psicologia do trânsito, violência no trânsito, condutores, direção perigosa, motoristas, motociclistas, volante. Localizaram 23 artigos entre 2004 e 2013. Classificaram os artigos em: avaliação psicológica, violência no trânsito, políticas públicas e comportamento do condutor. Assim como outros autores, afirmaram que, no Brasil, os estudos nessa área ainda são incipientes e indicaram a necessidade do fortalecimento de políticas públicas de trânsito e a promoção de maior visibilidade dos trabalhos desenvolvidos pelo psicólogo do trânsito, pelo compartilhamento de suas experiências em periódicos científicos. Sugeriram, ainda, mais investigações sobre a validade preditiva dos testes psicológicos empregados nessa área, para que sejam estabelecidas relações entre resultados nos testes e comportamentos no trânsito.
No presente artigo foram localizadas 11 pesquisas sobre os testes psicológicos utilizados no contexto do trânsito, dentre os quais prevaleceram os relativos à atenção e inteligência, conforme já relatado em outras revisões. Também apontou estudos empíricos com a finalidade de construir instrumentos para avaliar a memória, a atenção, o estresse no trânsito e a auto-eficácia para dirigir.
Quanto ao tamanho das amostras, ocorreu uma variação entre 51 e 500 participantes sendo que apenas duas pesquisas empregaram amostra com menos de 100 participantes, o que foi indicado por Rueda (2006) e Raad et al. (2008) como uma das limitações dos seus estudos. Um deles usou critérios externos, isto é, a relação entre a ansiedade e as provas teórico-técnicas e práticas veiculares (Raad et al., 2008) e o outro verificou a unidimensionalidade de do Teste de Inteligência R-1 (Silva, 2014).
Apenas dois artigos trataram da categoria capacitação profissional, sendo o primeiro, um estudo documental sobre laudos psicológicos, que relatou falhas nos documentos psicológicos resultantes de avaliação psicológica dos candidatos e condutores de um Estado brasileiro (Silva & Alchieri, 2011). Os autores apontaram questões que abrangiam desde a guarda do material até a maneira como eram elaborados os documentos, fazendo um contraponto com as recomendações do órgão, que orienta e fiscaliza a atuação profissional, ou seja, o Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais. Convém lembrar que existem Resoluções que orientam e oferecem modelos de como redigir um documento psicológico. No Jornal do Federal do Conselho Federal de Psicologia, em sua edição de agosto de 2015, na seção orientação e ética - processos éticos, dos 18 processos, 13 eram referentes à avaliação psicológica e/ou elaboração de laudos (CFP, 2015).
O segundo artigo relata as regulamentações referentes ao psicólogo perito em sua atuação profissional, desde os primórdios da avaliação psicológica no contexto do trânsito até o momento atual (Barros Júnior, 2014). O autor se apoia na interface com o Direito para discorrer sobre as legislações atuais que regem a práxis profissional e sugere aos profissionais que se sentirem prejudicados com as exigências legais, que recorram à justiça.
Finalmente, na categoria de revisão de literatura foram constatadas poucas publicações na década investigada (5), entretanto, apesar de ter havido um avanço, principalmente nos estudos das propriedades psicométricas e na construção de testes psicológicos, os dados não permitem uma comparação com outros estudos, pois se observa uma diversidade nos períodos abrangidos e o nos descritores usados. Assim, verificou-se que a pesquisa atual se encontra em consonância com os achados anteriores em relação aos construtos mais pesquisados e também que as revisões de literaturas na área aumentaram, em função da criação de cursos de especialização na área ou como resultado de mestrados ou doutorados (Cardoso, Santos & Santos, 2011, Sampaio & Nakano 2011, Silva & Alchieri, 2007).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este levantamento do tema avaliação psicológica no contexto do trânsito contemplou o período dos últimos dez anos e englobou pesquisas empíricas e teóricas, que abordaram essa temática. Tal cenário confirmou a constatação de outros autores (Sampaio & Nakano, 201l e Silva & Alchieri, 2007), o que denota que, apesar dos esforços de alguns autores, são escassas as pesquisas na área e ainda são necessárias outras, como o levantamento realizado por Santos, Boff e Konflanz (2012), que mostrem a justificativa e a importância da realização da avaliação psicológica.
Ademais, este estudo reafirma a necessidade da conscientização dos peritos atuarem com ética e qualidade, pois a qualificação profissional já é uma exigência do Conselho Federal de Psicologia e o Conselho Nacional de Trânsito. Os autores Silva e Alchieri (2007) constataram falhas, consideradas inaceitáveis, nos laudos psicológicos das avaliações na concessão da Carteira Nacional de Habilitação e na renovação para os condutores. Tais dados são confirmados pelo CFP em 2015, ao apresentar que, de um total de 18 processos éticos, 10 foram referentes a laudos em todas as áreas de atuação, sendo que vão desde laudos mal elaborados, passando por quebra de sigilo até laudo psicológico parcial e tendencioso.
Nesse sentido, os levantamentos de literatura proporcionam uma visão do estado da arte da avaliação psicológica e as suas repercussões. Além disso, apontam as lacunas e as limitações de alguns estudos, segundo os próprios autores ou observados por outros. Portanto, reforçam a importância de pesquisas com amostras representativas e com testes psicológicos utilizados para tal fim. Também, reafirmam a necessidade de publicações que tratem da avaliação psicológica e da atuação profissional na área do trânsito com interface com outras ciências, pois atuar no trânsito é conhecer este fenômeno como parte de um complexo sistema de transporte e, assim, compreender que os estudos preditivos em relação às causas de acidentes de trânsito vão além da avaliação psicológica.
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Recebido em: 13/10/15
Revisto em: 08/01/16
Aceito em : 10/01/16
* Endereço para correspondência: Av. Prof. Mello Moraes, 1721. Cidade Universitária. CEP: 05508-030. Fone: (11) 2648-0214. E-mail: iraicba@usp.br; alvesmarlene2002@yahoo.com.br; hrinaldi@usp.br.