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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  n.32 Belo Horizonte nov. 2009

 

 

Final de análise: uma revisão sistemática da literatura1

 

End of analysis: a systematic revision of literature

 

 

Déborah PimentelI,II,III,IV2; Maria das Graças AraújoI,III3; Maria Jésia VieiraIV4

ICírculo Brasileiro de Psicanálise
IIAcademia Sergipana de Medicina
IIICírculo Psicanalítico de Sergipe
IVUniversidade Federal de Sergipe

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do estudo foi identificar as idéias dos psicanalistas do Círculo Brasileiro de Psicanálise – CBP sobre o tema final de análise. O método utilizado foi revisão sistemática de literatura, tendo como banco de dados a Revista Estudos de Psicanálise, publicação oficial do CBP, indexada no Indexpsi Periódicos, Biblioteca Virtual em Saúde –Psicologia (BVS- Psi). A seleção dos artigos foi feita através de doze palavras-chave: análise terminável/interminável, cura, destituição subjetiva, direção da cura, desenlace, efeitos terapêuticos, esperança de cura, fim de análise, final de análise, finalidade da psicanálise, saída e travessia da fantasia. Encontraram-se vinte e cinco artigos, dos quais sete se repetiam entre os descritores; um, após leitura do resumo, não tratava do assunto em questão; restaram, então, dezessete. Como resultados, encontrou-se que os autores questionam se há um final de análise, a eficácia da psicanálise, falam sobre os destinos da pulsão, sobre o rochedo da castração e a travessia do fantasma, a ética do desejo, o passe e as demandas de felicidade.

Palavras-chave: Final de análise, Cura, Psicanálise, Psicanalistas.


ABSTRACT

The goal of the study was to identify the ideas of psychoanalysts of Círculo Brasileiro de Psicanálise – CBP on the subject final analysis. The method used was systematic review of literature, having as database the Revista Estudos de Psicanálise, official publication of the CBP, indexed in Indexpsi Periódicos Biblioteca Virtual em Saúde –Psicologia (BVS- Psi). The articles selection was made through 12 keywords: analysis with end / endless analysis, curing, subjective destitution, direction of cure, upshot, therapeutic effects outcome, curing hope, end of analysis, the final analysis, the purpose of psychoanalysis, output and crossing the fantasy. That was found 25 articles, of which 07 was repeating the descriptors, and 1, which after reading a summary, was discarded because it wasn´t identified by the subject in question, remained only 17. As results authors found question if there is a final analysis, the effectiveness of psychoanalysis, they talk about drive targets, about the castration rock and crossing of fantasy, the desire ethics, and the demands of happiness.

Keywords: End of analysis, Curing, Psychoanalysis, Psychoanalysts.


 

 

Uma análise não deve ser forçada até muito longe. Quando o analisando pensa que está feliz na vida, é o bastante.
Lacan

 

INTRODUÇÃO

Freud, no final dos Estudos sobre a Histeria (1893-1895), diz que o objetivo da Psicanálise, promovendo a suspensão do sintoma, é transformar o sofrimento histérico em infelicidade comum. Sabe-se que a medida da eficácia terapêutica é o efeito da linguagem sobre o gozo sexual do sintoma e a constituição de um saber sobre o sujeito.

Lacan, citado por Nasio (1987), em contrapartida, nos disse que o sintoma significa essencialmente o retorno da verdade na falha do saber. Verdade de que o sujeito inquestionavelmente nada quer saber. Só quando o sintoma fracassa, o sujeito percebe, através do seu desamparo e desconhecimento, que nada lhe resta senão a possibilidade de dirigir-se ao saber, que equivale a procurar uma resposta ao enigma deste sintoma que aí é capturado pela transferência.

A Psicanálise serve, portanto, para quem deseja confrontar-se com a sua verdade, questionando o sintoma, trocando o gozo pelo saber, numa articulação entre o saber e a verdade, na medida mesmo em que o sintoma analítico, como enigma, se dirige ao sujeito suposto saber, de quem se espera receber significações.

Considera-se também que a psicanálise é uma práxis regida pela ética do inconsciente e pelo compromisso que se estabelece entre o sujeito e o seu desejo, permitindo o acesso a uma verdade sempre escondida no enigma do sintoma.

Perante essa riqueza e profundidade epistemológica das ideias de Freud e dos seus seguidores, como Lacan, em especial, propõe-se uma revisão sistemática da literatura com o objetivo de identificar as ideias dos psicanalistas do Círculo Brasileiro de Psicanálise sobre o tema final de análise.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, ou seja, um estudo descritivo, bibliográfico, documental. A metodologia de revisão sistemática pode ser encontrada nas publicações Cochrane Handbook e no CRD Report produzido pela NHS Centre for Reviews and Dissemination (KHAN et al., 2000; CLARKE; OXMAN, 2000).

A realização desta revisão iniciou-se com a formulação de uma pergunta que definiu qual material seria usado pelo presente artigo e onde localizá-lo. O levantamento de dados considerou apenas a publicação oficial do Círculo Brasileiro de Psicanálise, Revista Estudos de Psicanálise, indexada no IndexPsi Periódicos, Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia (BVS-Psi), único banco de dados relevante para nossos objetivos que consistiam em descobrir como pensavam os psicanalistas dessa instituição sobre o final de um processo psicanalítico.

A avaliação crítica permitiu determinar quais estudos iriam ser utilizados na revisão, utilizando, para tal, doze descritores: análise terminável/interminável; cura; destituição subjetiva; direção da cura, desenlace, efeitos terapêuticos, esperança de cura; fim de análise, final de análise; finalidade da psicanálise; saída e travessia da fantasia (Quadro 01).

 

 

Quadro 1 – Distribuição do total dos artigos identificados por descritores e por ano de publicação
Fonte: Revista Estudos de psicanálise (1971 / 2006)
* Artigos nos quais constava mais de um descritor, e que, portanto, foram considerados uma única vez para efeito da revisão.
** Dos 25 artigos anteriormente identificados, foram considerados dezessete para a revisão sistemática da literatura.

O periódico analisado teve seu primeiro número publicado em 1969 em Belo Horizonte, e o último número é este de outubro de 2009, que não traz, além deste trabalho, nenhum artigo sobre o tema. Foram localizados, portanto, 25 textos, quando considerado separadamente cada um dos descritores, entretanto, em sete deles havia mais de um dos descritores selecionados, tendo, portanto, sido considerados, para efeito da revisão, uma única vez. Encontramos em quarenta anos de publicação da revista, dezoito artigos que contemplam os descritores acima citados.

De posse dos dezoitos estudos identificados, procedeu-se à leitura dos títulos e, em seguida, à leitura dos resumos (quando havia) para que houvesse a garantia de que se tratava de textos objeto deste estudo. Excluiu-se o texto de 1969, localizado inicialmente com a palavra chave cura, mas cujo título revelava tratar-se de um artigo sobre psicoterapia de grupo, fugindo do escopo aqui proposto. Restaram, assim, dezessete artigos para serem analisados.

Por se tratar de revisão sistemática da literatura produzida no veículo e tempo explicitados, os autores das fontes originais são citados como fontes secundárias, uma vez que a base de construção do texto é o conjunto dos artigos selecionados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Se forem consideradas as datas de publicação como fio condutor na evolução do pensamento dos psicanalistas do Círculo Brasileiro de Psicanálise, percebe-se não haver essa configuração, pois usam como referências – 260, no total – quase sempre, os mesmos autores, quais sejam os principais responsáveis pelas obras viscerais fundantes da Psicanálise, a começar por Freud, citado 62 vezes, e os autores pós-freudianos como Ferenczi (cinco vezes), Melanie Klein (três vezes), Winnicott (quatro vezes), Bion (três vezes) e Lacan (27 vezes). Os autores também se aproximam dos pós-lacanianos como Colette Soller (quatro vezes), Juan David Nasio (três vezes), Jacques Alain Miller (sete vezes) e Gerard Pommier (quatro vezes). Também são citados com destaque Kemper (três vezes) e Joel Birman (seis vezes).

Entre os autores mais citados, as obras que mais vezes foram usadas como referência nos textos estudados constam do quadro 2.

 

 

Quadro 2 – Obras mais citadas como referência nos textos estudados.
Fonte: Revista Estudos de psicanálise (1971 / 2006).

Para analisar os dados obtidos através dos fichamentos dos dezessete artigos consultados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo na modalidade categorial (BARDIN, 2006) e elencaram-se algumas categorias que se repetiam entre os autores: o que é um final de análise e se há um final; o nó do sintoma e o destino pulsional; o rochedo da castração e a travessia do fantasma; a transferência, o amor de transferência e a ética do desejo; a criação, o cômico e a arte no final de uma análise; eficácia da psicanálise; pacientes graves; o passe e a demanda da felicidade.

 

Há um final de análise?

Araújo (1995) questiona se há um final de análise e como se dá isso, aventando a questão da análise pessoal do terapeuta como viés para uma aguçada percepção do final de análise do seu cliente. Lembra que a capacidade de amar, assim como a de trabalhar, são os critérios freudianos para o final de uma análise e traz a fala do fundador da Psicanálise, Freud, quando concluía a Conferência XXXI dizendo que a intenção da Psicanálise é “fortalecer o ego, ampliar seu campo de percepção e aumentar sua organização, de maneira que possa apropriar-se de novas partes do id. Onde era o id, ficará o ego” (p.99).

Questiona, ainda, qual o momento e quais os determinantes do término de uma análise. Busca Freud, de 1937, para responder, mostrando a questão da castração e a aceitação dos limites como terapeuta e analisandos.

Sobre a dificuldade de se escrever sobre o fim de análise, Siqueira (1997) remete a Freud em A Questão da Análise Leiga, de 1926. Ele acreditava, naquele momento, que o objetivo dessa deveria ser o fortalecimento do ego, destacando a importância do estabelecimento dos processos adaptativos, traduzidos na capacidade de trabalhar e amar.

Para Ferenczi (1932 citado por ARAÚJO, 1995), existe um final de análise desde que o analista tenha competência e paciência para finalizá-la; último privilegia a questão da fantasia e a sua necessária distinção da realidade e a importância de o analisando conseguir fazer associações realmente livres.

Em O Problema do Fim da Análise, Ferenczi, em 1932, argumenta que só é possível chegar ao final de uma análise quando os sintomas se esgotam, assim como todas as formações fantasmáticas (apud SIQUEIRA, 1997). Chagas (1992) também traz as ideias de Ferenczi de 1927 para discutir que o sucesso de uma análise acontece quando se vence a compulsão à repetição graças a uma postura mais ativa do terapeuta e com a possibilidade de se dar um fim absoluto à angústia de castração. Suas ideias se opõem às de Freud.

Chagas (1992) discute que Freud, em resposta a Ferenczi, retoma ao tema dez anos depois em Análise terminável e interminável (1937) e com base em seus escritos afirma que “toda análise termina ao esbarrar no impasse da castração, e esse impasse é uma questão de estrutura, o que leva a supor o final de análise como uma renúncia do analista frente a esta impossibilidade, pois ‘não se pode curar o incurável ou mudar o imutável’” (p. 55). Essa mesma questão também é discutida por Siqueira (1997).

Klein, citada por Siqueira (1997, p. 94), advoga que, no final de análise não há mais necessidade de idealização do analista por parte do analisando para “as suas boas relações com o objeto”.

Para os Kleinianos, diz Araújo (1995), as neuroses infantis são uma defesa contra as ansiedades paranoides e depressivas subjacentes. Através da transferência com o terapeuta, o analisando pode lidar melhor com perdas, trabalhando com elementos como reparação, sublimação e criatividade. O trabalho analítico pode ser encerrado quando se criam condições para a gratidão e se estabelece um objeto bom.

Winicott, em 1969 (apud SIQUEIRA, 1997, p. 95), compara o momento de fim de análise, denominado por ele de “estado de separação” ao estado de individuação – separação de Mahler, na qual verifica-se uma confrontação entre os sentimentos de luto, de perda, de separação “com a perda da onipotência e com os limites: do analisando, do analista, da análise”.

Para Winnicott, em 1975, o papel do analista é permitir que o analisando o use como objeto transicional sem se deixar mobilizar pela destrutividade do seu paciente (ARAÚJO, 1995). Para Bion, em 1995, citado por Siqueira (1997, p.94), “quanto mais profunda é a investigação, mais claro fica que uma análise, por mais prolongada que ela seja, só pode ser o começo de uma busca”.

Green, em 1990, escreve: ‘O resultado de uma análise não é concluir sobre a incoerência ou a inexistência da história, mas, antes, sobre a descoberta de uma outra coerência histórica que essa, na qual se acreditava antes da análise’ (apud SIQUEIRA, 1997, p.94-5).

Lebovici, em 1980, acredita que a conclusão de uma análise se dá quando a neurose de transferência é suficientemente analisada e a neurose infantil reconstituída. (LEBOVICI, apud SIQUEIRA, 1997).

O tema de final de análise continua, principalmente nas discussões que se estabelecem sobre morte e luto, conforme visto nos trabalhos de Hausson e Didier-Weill, de 1993, uma vez que a morte simbólica é vivenciada no final de análise (SIQUEIRA, 1997).

Para os autores, “Se a transferência é a repetição, a derradeira repetição é justamente a separação. Isso faz parte das vicissitudes do término da análise” (SIQUEIRA, 1997, p.94).

Calligaris (citado por SIQUEIRA, 1997) entende que o final de análise diz mais respeito ao analisando do que ao analista, na medida em que o primeiro, ao achar que resolveu seus sintomas, pode decidir sobre o momento do término, cabendo ao analista intervir, quando, de algum modo, esse término é considerado prematuro por ser desencadeado pela situação transferencial.

Nasio, ainda conforme Siqueira (1997), entende a transferência como neurose de transferência. Assim, acredita que o final da análise pode ser compreendido ao ser comparado com o término de uma neurose, quando o analista deixa de ocupar para o analisando o lugar do Outro. Nesse momento, que não coincide com o da última sessão, a transferência, deixando de ser vivenciada como uma neurose, passa para outro registro necessário ao término da análise, constituindo-se em transferência simbólica. Nessa perspectiva, Nasio conclui que a análise é interminável, porém o tratamento tem um término. Assim, Nasio destaca dois modos de separação: o objetivo, que corresponde ao último dia do tratamento, e outro, que se dá no espaço intrapsíquico do analisando, de modo lento e gradual, muito após a última sessão. E mais: “O fim da análise ocorrerá quando a demanda de amor não mais se dirigir ao analista, mas para fora da análise” (p.94).

Já para Corrêa (1989), o caminho da clínica em direção à cura, sugere uma experiência do real. A clínica revela um difícil processo em que a prevalência dos dados inconscientes estabelecem a forma sui generis de tratamento, no qual ficam alheios às queixas imediatas e à própria formulação do desejo de cura.

Uma vez iniciado o tratamento, a questão clínica objetiva será deslocada para o estabelecimento da relação entre o psicanalista e analisando. Em seguida, o sintoma, razão inicial do encontro, será deixado de lado, por ficar reduzido à sua condição simbólica. A cura pretendida, razão maior do encontro entre aqueles sujeitos, ficará dissolvida no subjetivismo da relação que emerge e se estreita (CORRÊA, 1989).

 

O nó do sintoma e o destino pulsional

No sintoma, o Eu está sempre contendo uma possibilidade de gozo, recalcando, controlando a pulsão, ou ainda o sintoma é a defesa do EU com o qual se identifica, contra uma invasão pulsional (DAYRELL, 2003).

A partir do texto Inibição, sintoma e angústia (FREUD, 1926 apud DAYRELL, 2003), percebe-se que o Eu é invadido, na inibição, pela pulsão, e isso é o gozo. A inibição, portanto, é um efeito da erotização de uma função do Eu ao responder à falta dos pais, erotização narcísica de poder ser o falo materno ou o eu ideal.

A inibição é uma defesa dessa situação erótica. Lacan (citado por DAYRELL, 2003) completa dizendo que a problemática analítica é a mesma da solução da alienação; que se espera que a análise produza a separação da falta materna e da positivação do objeto, ou ainda, a separação do narcisismo primário, da miragem fetichista, isto é, separação entre a falta imaginária no outro e a possibilidade de o sujeito se propor como fetiche que poderia vir a satisfazer e preencher essa falta. Isso é nada mais nada menos que a travessia do fantasma.

A análise devolve o paciente à sua história, “reinserindo-o lá onde ele deveria desejar, no lugar ao qual ele pertence, a sua estrutura inconsciente” (DAYRELL,2003, p. 83).

“O fim da análise aparece como uma ruptura desse encadeamento fantasmático que desnuda o não subjetivável e isso é uma descoberta que é equivalente a uma destituição do sujeito”, ou seja, a travessia do fantasma (MILLER, 1996, apud DAYRELL, 2003, p. 84).

O sujeito, no final da análise, constrói o seu fantasma e pode experimentar o encontro com o real da pulsão e o desamparo em face das exigências pulsionais promovendo uma redistribuição do gozo (DAYRELL, 2003).

Lacan, em 1992, a respeito dos destinos do gozo, diz que a elaboração é o trabalho simbólico sobre o real do gozo que não impede

... a repetição que é a mesma e ao mesmo tempo distinta daquela antes do encontro com o real pulsional. Essa repetição diferenciada sobre o fundo de uma antiga repetição perde virulência visto que, fundamentalmente, é uma repetição que não sustenta uma demanda. A demanda do Outro cessa (apud DAYRELL, 2003, p. 84).

O inconsciente detém o sonho do gozo narcísico, sendo a travessia do fantasma fundamental – ser o falo imaginário materno, ou seja, ser o objeto que pode responder adequadamente à castração materna – uma característica do fim de análise (DAYRELL, 2003, p. 84).

Vale a pena lembrar, ainda que pareça óbvio, que o sintoma em Psicanálise é mais do que um distúrbio, mas um mal-estar que se impõe, cobra e interpela em um ato involuntário que se repete sem que nenhum controle se tenha sobre ele, informando sobre fatos ignorados de uma história, dizendo o que não se sabia antes e o que muitas vezes não se quer saber (CORDEIRO, 2006).

O paciente movido pelo sofrimento gerado pelo sintoma procura, na fala, uma explicação para isso e encontra um destinatário para o mesmo: o analista (CORDEIRO, 2006). Para que a díade funcione, o psicanalista precisa ocupar esse lugar do Outro do saber e

... quanto mais o paciente fala do seu sofrimento, mais aquele que escuta torna-se o Outro do seu sintoma, e o sintoma passa a incluir a presença do analista, sujeito suposto saber. De início, o analista é destinatário do sintoma, passando a ser posteriormente sua causa (CORDEIRO, 2006, p.68).

Ao analista, segundo Cordeiro (2006) cabe aceitar esse lugar de amado que o paciente lhe atribui para que uma análise possa se desenvolver, sem, no entanto, esquecer da origem desse amor, que nada mais é do que uma expressão do sintoma ligado a fantasias inconscientes e renuncie ao gozo do amor que o analisando lhe oferece.

Para Cordeiro (2006), o efeito terapêutico de uma análise está ligado diretamente à transferência que utiliza a linguagem como instrumento, reinstalando a capacidade de o sujeito se questionar e sair da sua certeza. Cabe assim, ao analista, reendereçar ao analisando os questionamentos dirigidos a ele, ao suposto saber, para que o sujeito possa confrontar-se com aquilo que o pôs em análise e encontre as suas próprias respostas e saídas para seus conflitos, uma vez que há uma impossibilidade de o Eu sustentar certezas inquestionáveis em uma abertura do Eu para além das certezas narcísicas.

Na teoria freudiana, a pulsão é a energia e força fundamental do sujeito, e as suas características são a fonte, a pressão, o objeto e a finalidade, que irão determinar a sua natureza de ser essencialmente parcial, assim como as suas transformações e diferentes destinos (DAYRELL, 2003).

Freud, em 1914, no artigo Sobre o narcisismo: uma introdução, tinha apresentado dois outros destinos da pulsão em relação à psicose: a introversão e as regressões libidinais narcísicas. Já Lacan, em 1985, ao destacar o caráter parcial da pulsão, seu fracasso e o inacabamento, realça que o objeto pulsional nunca está à altura da expectativa (referidos por DAYRELL, 2003).

Freud (apud DAYRELL, 2003), em texto de 1915, Pulsões e suas vicissitudes, diz que esses destinos não são felizes e que são apenas cinco as formas com que a pulsão organiza o fracasso da satisfação, quais sejam: o recalcamento, a sublimação, a inversão em seu conteúdo, o retorno sobre a própria pessoa e a passagem da atividade para a passividade.

Dayrell (2003) lança mão de um sonho de uma paciente para lembrar que a repetição denuncia o que há de mais radical na pulsão. O analista escuta os tropeços do discurso porque ali está um sujeito. O analisando não se reconhece nos seus tropeços, que aparentam ser um saber sem sujeito, mas, à medida que ele fala, vai surgindo um sujeito para essa formação.

Féres (2003) faz uma análise do texto de Dayrell (2003) Pulsões, seus destinos e final de análise e grifa a diferença entre escrever e ouvir, a respeito de um fragmento clínico, fazendo sua inscrição no simbólico, inserido no texto da última autora. Propõe-se analisar a frase ética freudiana “Wo es War, soll Ich Werden” (Lá onde o Isso estava, Eu devo advir), presente nos matemas de final de análise e que foi traduzida, trabalhada e repetida exaustivamente por Lacan e que teve novas leituras ao longo de sua obra (FÉRES, 2003). Resgata os três momentos lógicos no conceito de pulsão em Freud (p.92):

1. Dualismo entre pulsões do eu ou de autopreservação e pulsões sexuais, até 1914.
2. Com o texto Sobre o narcisismo: uma introdução postula uma única energia, a Libido, circulando entre o EU e o objeto.
3. Volta ao dualismo entre pulsão de vida e pulsão de morte, a partir do texto Além do princípio do prazer. A unificação das duas pulsões é o que Lacan chama o gozo, que é a satisfação também com o desprazer, a dor e que corresponderia ao que Freud chamou de contradição interna da vida pulsional.

Freud coloca que o que há de mais variável na pulsão é seu objeto; já Lacan, em contrapartida, diz que a verdadeira finalidade da pulsão é a satisfação, sendo a insatisfação seu objeto. A isso Lacan deu o nome de objeto “a”, que é a satisfação da pulsão concebida como objeto. Objeto que é um dejeto, um resto, o que sobrou da operação simbólica e que, para Lacan, estará sempre conectado com a castração (FÉRES, 2003).

A proposta da Psicanálise chega como uma possibilidade de remanejar o destino pulsional dando a essa pulsão chances de escoamentos mais livres até ali impedidas pelo nó do sintoma (CORDEIRO, 2006).

Lacan dizia que o texto de 1937, Análise terminável e interminável, era o testamento de Freud e que foi ali que o fundador da Psicanálise expôs suas ideias sobre o desenlace do tratamento, destino da pulsão e suas vicissitudes. Para Freud, o destino da cura depende do destino da pulsão. Cordeiro (2006) lembra que é no eixo entre o eu e a pulsão que se articula a duração de uma análise e reafirma que no final há um resto que resiste, um pouco de sofrimento que insiste.

 

Rochedo da castração e travessia do fantasma

Cordeiro (2006) aborda a impossibilidade de sustentar a ilusão de uma cura total em Psicanálise e apresenta a perspectiva de que a análise não está necessariamente voltada para a cura, mas para uma abordagem do inconsciente através da transferência. Reforça a ideia de que a elaboração desses restos transferenciais entre analisando e psicanalista é responsável pela criatividade, saída possível da análise, apontando para o relançamento infinito da pulsão diante do rochedo da castração aliado ao conceito freudiano de 1937 de feminilidade.

Freud, em 1937, quando traz o conceito de feminilidade no texto Análise terminável e interminável, o faz associado ao impasse do rochedo da castração com que se esbarra o sujeito no final da análise. Para Cordeiro (2006), à medida que o analisando elabora a rivalidade fálica com o seu analista, estaria postulando a feminilidade como constructo que sustenta essa incessante busca, uma obra sempre passível de aperfeiçoamento diante da elaboração dos restos de uma análise em uma eterna abertura com o novo e para aceitação das diferenças.

Considerando a necessidade advogada por Freud de o analista retomar seu processo analítico com intervalos de cinco anos, a tarefa de analisar-se torna-se interminável para um terapeuta. Um processo de análise não se esgota, na medida em que há um ponto estrutural, sem retorno de onde a análise prossegue. Tanto o homem como a mulher mantêm a referência fálica, e o repúdio à feminilidade se constitui no obstáculo intransponível universal. Lacan se opõe a essa lógica e remete a um outro saber, onde o elemento que falta é justamente aquele que permite dizer algo sobre um elemento não mais universal, mas particular: “só se pode saber um a um, pois falta o elemento, em relação ao qual se pode fazer referência” (CHAGAS, 1992, p. 56).

Segundo o mesmo autor, enquanto Freud diz que o fantasma subsiste à parte do resto do conteúdo de uma neurose, para Lacan, o final de análise é a travessia desse fantasma e Jacques Alain Miller afirma que isso não significa que o sujeito não o tenha mais, pois o fantasma é inacessível na sua dimensão real, com significação de verdade, pois é nele que o sujeito tem, ao fazer uma articulação simbólica, uma resposta ao desejo do Outro, por uma falta no campo do significante do Outro, e que leva a uma estrutura do inconsciente. Daí os axiomas centrais do pensamento lacaniano: não existe metalinguagem, nada é todo, nenhuma linguagem esgota a totalidade do ser. “A satisfação buscada não coincide com a satisfação obtida, a representação consciente não coincide com a representação inconsciente, a palavra não coincide com a coisa” (p. 57).

É com essa estrutura de inadequação e falta que o analista tem que lidar. O saber que o fantasma garante é o saber fálico, no qual o sujeito também se garante a partir de referentes (CHAGAS, 1992).

No fim de uma análise, o sujeito terá que se haver com o real, com o impossível de dizer, ou seja, confrontar-se com a impossibilidade que o recalque primário instaura, que é aquilo que nunca teve ou terá acesso ao simbólico (DAYRELL,2003).

Porto (1994) descreve o processo de análise de uma criança de nove anos. De início, esclarece que a Psicanálise é uma só, estando interessada no sujeito dividido estruturalmente, de modo que o analista deve dirigir a cura nesse sentido, isto é, o da estrutura. No discorrer do seu relato, mostra como esse objetivo é perseguido durante a experiência analítica. Sobre o final da análise, apresenta o momento em que aparece o furo no suposto saber do analista, o momento em que este cai e como o pequeno paciente se dispõe a caminhar sozinho. Mostra como ele suporta a castração, a sua dor, o seu buraco, valendo-se de algo da ordem do pai. A autora finaliza dizendo que “trabalha-se com os restos. Não se pode jogar fora. Algumas coisas podem se enterrar, recalcar mesmo, mas justamente por isso algo sobra e retorna e repete de ‘novo’, ‘ainda’”( p.62).

A travessia do fantasma não é a cura, mas o momento especial do se haver com o gozo. Para que haja sintoma, é necessário um conflito prévio e uma erotização desse sintoma ligada a uma posição masoquista do Eu, ou seja, há um gozo relacionado a esse sintoma. O que fixa esse sintoma tem a ver com a função do supereu, numa dimensão do pai, por um lado e por outro, um supereu materno que empurra o sujeito para o gozo, numa dimensão narcísica de entrega como objeto à falta materna (DAYRELL,2003).

Dayrell (2003) conclui que o fim de uma análise é a liquidação de ambos os supereus e com a consequente deserotização do sintoma, pois só quando o sintoma é deserotizado é que se pode fazer algo por ele. A autora lembra que a proposição não é dissolver o sintoma, mas fazer a passagem do sintoma para sinthoma – aquilo que não cai, mas modifica-se, transforma-se para que continue sendo possível o gozo e o desejo.

A teoria lacaniana acerca de final de análise vai além do rochedo da castração proposto por Freud. Féres (2003, p. 92-93) aponta as três posições postuladas por Lacan sobre o final de análise, seguindo o movimento dos três registros, imaginário, simbólico e real (ISR):

1. Tudo é significante e o final de análise dissolve o sintoma. Nesse momento privilegia o aspecto significante do sintoma, reduzindo-o ao simbólico, dizendo que seria toda significação, verdade. O final da análise seria o desaparecimento do sintoma, surgindo a fala verdadeira.
2. Nem tudo é significante, algo fica fora do sintoma, o indizível. Construção do objeto “a”. Há um deslocamento do simbólico para o real, nem tudo é significante, em toda operação fica um resto que jamais será dito. O ponto de partida seria o sintoma, há a travessia da fantasia e o sujeito não tem mais vontade, no seu final, de confirmar a opção, isto é, o resto que como determinante de sua divisão, o faz decair de sua fantasia e o destitui como sujeito. Travessia do fantasma e destituição subjetiva.
3. Saber haver-se com seu Sinthoma.

No final de análise, após o atravessamento do fantasma, haverá uma mudança da posição do sujeito perante o gozo e sua redistribuição com um trabalho que vai além do fantasma, e o cliente já não mais demanda principalmente porque também já não existe mais esse Outro que foi destituído (FÉRES, 2003).

A tarefa do analista tem um fim, mas o que não tem um fim é o desejo. Para comprovar sua tese, Moreira (1992, p.93) discorre sobre as articulações entre desejo e fantasia, a formação da estruturação do desejo inicial que precisa de um outro desejante, desejo narcísico, fundado na falta. A esse desejo a autora nomeia de desejo caroneiro. O outro desejo, que denomina desejo pós-edípico, fundado no Édipo, se mostra como a porta “[...] pela qual o sujeito caminha ao encontro da cultura, do seu destino como homem, baseado na identificação estruturante com a imagem do pai, portador da lei e agente da castração”.

Para a autora, é a conquista do desejo pós-edípico que irá apontar para o final da tarefa do analista (MOREIRA, 1992).

Permanecer no desejo caroneiro “é cair no Pântano da Tristeza, é deixar o nada tomar conta, é destruir o Reino da Fantasia, é entrar no espelho, ser engolido por ele e desaparecer...”(MOREIRA, 1992, p. 94).

Acrescenta que é preciso acreditar na estória de cada cliente e na magia, para que esses “encontrem um lugar, onde desejar é possível... e a história de cada um será uma História sem Fim...” (MOREIRA, 1992, p.94-5).

 

Transferência, amor de transferência e ética do desejo

Se, para Lacan, em dado momento, o término da análise remete ao passe, em outro, remete-o à idéia de felicidade, esclarecendo que essa é da ordem do desejo e, portanto, da ética da Psicanálise (LACAN, 1960, apud GORENDER, 1999).

Furtado (1994) traz o filme inglês de 1986, do diretor Stephen Frears, Prick up your ears, aqui traduzido como O amor não tem sexo, no qual se revela a evolução do encontro amoroso ao ódio até o clímax do sexo na sua violência de assassinato e suicídio final. Dentro desse contexto, a autora trabalha, entre outros aspectos, a questão do amor de transferência na direção da cura e os impasses de sua operação naquilo que ela resiste à interpretação.

A direção da cura exige precisão acerca do amor e seu objeto, que não pode confundir-se com a dimensão do objeto da pulsão, nem com o objeto em relação ao desejo, se se considera que a cura pelo amor foi sempre, para Freud, uma via fechada à psicanálise (FURTADO, 1994, p.7).

Freud (apud FURTADO, 1994) observa que quando o analisando silencia é porque ele pensa no analista que lhe obstrui o inconsciente, e isso é amor de transferência, que aparece como resistência à cura. Resistência, segundo Furtado (1994), é entendida como aquilo que é impossível dizer, núcleo esvaziado de representações que o designem e que, se não há palavras, pode-se dizer que é justamente aí onde está a pulsão.

Quando Furtado (1994, p.8) toma emprestado do filme a frase “O amor não tem sexo” e com Lacan diz ‘quando se ama, não se trata de sexo’ pretende apontar dois campos distintos, o amor e o sexo, e dizer que no conceito de objeto, que ele é assexuado e que não há representação possível, no inconsciente, da relação sexual.

Furtado (1994) conclui que o amor sempre diz não à sexualidade, enquanto determinada pelo sentido sexual inconsciente e seguindo Freud, que supondo a resolução e liquidação da resistência, tenta reduzir o amor de transferência, pela interpretação, à sua expressão do desejo sexual recalcado e com ele sintetiza que o amor não é redutível à interpretação.

Lacan, em 1985, diz que a zona da experiência da análise, em um trocadilho que remete ao amor e à ação, é da enamoração e que o gozo é um limite, pois ele só se evoca a partir de um semblante e ainda que, mesmo o amor se dirige à aparência de ser, agarrada ao objeto “a” que causa o desejo, pela interposição da fantasia (apud FURTADO, 1994).

“O analista não é de modo algum o semblante. Pode ser o que ocasionalmente ocupa o lugar do semblante e vem fazer reinar o objeto ‘a’”(LACAN, 1985, apud FURTADO, 1994, p.11).

A análise se constitui interminável se o analista se imbui do papel daquele que ocupa o lugar da verdade e a questão da análise só se resolve se se considerar, em um mais além do amor e das identificações, a face real do objeto, no fracasso de “a” como sustentação dessa aparência de ser, quando, desse lugar, o analista está melhor posicionado para interrogar a verdade sem distanciar-se de que sempre se estará privados do todo da verdade (FURTADO, 1994).

Freud jamais negou, nem subtraiu à crítica, o fenômeno da sugestão, os obstáculos oferecidos à psicanálise pelo amor de transferência, o risco do brilho narcísico da idealização e de mágica das palavras, nem a tentação da ambição terapêutica como o desejo de curar (FURTADO, 1993, p. 39).

Pommier, apud Furtado (1993, p.41), em O desenlace de uma análise, em 1990, diz:

Uma psicanálise leva aquele que se entrega a ela até um ponto em que pode reconhecer um impasse essencial de seu desejo. Este impasse permanece irredutível; é ele que condicionava a captura do sintoma e é ainda dele que se trata no momento de concluir, quando nada mais no passado, do presente ou do futuro pode servir de álibi e quando o analisando reconhece em suas desordens o que sempre o assegurou de sua existência. Discernir este impasse por outras vias que as do sintoma, defrontar-se com o paradoxo do desejo, depende de uma ética particular, porque todos os atos que ela comanda permanecem pela contradição que a revela.

Rodrigues (1990), em Amor de Transferência, escreve que Freud explicitou um fundamento ético, quando diz que o trabalho, mais do que o amor, deve ser estimado pelo analista. Ao não responder às demandas de amor do paciente, permite que as portas do seu desejo se abram. Isso só é possível por meio da abstinência, que, não sendo absoluta, exige um manejo na transferência. Para o autor, “o trabalho analítico propicia o advir do sujeito, lá onde o isso era. Wo es war, soll ich werden” (RODRIGUES, 1990, p. 44).

Lacan, em 1989, afirmou que o suicídio é o único ato bem sucedido uma vez que ele vem adequar o vazio do Outro ao seu ser, ou seja, no instante em que aquele que age se iguala à falta, ele tem sucesso. Furtado (1993) vai além e diz que há outros atos bem sucedidos, e em que as suas consequências transcenderiam o sujeito e permaneceriam nos efeitos de sua obra, quais sejam: a sublimação, a arte e o ato analítico.

É comum comparar o final de análise e a sua finalidade com a sublimação, que é um dos destinos que Freud confere à pulsão. O final de análise diz respeito à construção da fantasia fundamental. Pode-se dizer também que um final de análise conduz à renúncia do gozo (FURTADO, 1993).

Por outro lado, também, implica uma operação ética em que, ao término de uma análise, um analista não poderá desejar imortalizar-se pelas vias da idealização, da identificação, ou do reconhecimento. Ter sucesso como analista é oferecer-se ao sacrifício de desaparecer na e da sua obra, a incapacidade de assiná-la, diferentemente do que ainda seria possível aos artistas, com relação à sua criação (FURTADO, 1993).

“O psicanalista não pode ter a pretensão da cura ou de ser eternamente o Outro do analisando” (ARAÚJO, 1995, p.104) e tem como propósito ajudar seu paciente a aceitar a castração, eliminar a neurose de transferência e trazer o apaziguamento das pulsões. A autora resgata Freud, de 1937, para lembrar que o analista retoma a sua análise a cada novo processo terapêutico que venha a testemunhar, única possibilidade de levar seus clientes a um final de análise (ARAÚJO, 1995).

Para Chagas (1992) final de análise não é nem identificação com o analista, nem resolução de sintomas, nem tampouco resolução de conflitos através de referentes garantidores de uma posterior normalidade psíquica.

No final de uma análise, o analisando se sabe pura falta (CARDOSO, 2004).

Através da transferência, o analista será descoberto como ilusão, por não corresponder aos anseios reais do analisando. “Escuta e resposta do analista possibilitarão ao paciente instituir um fantasma, construído segundo suas necessidades” (CORRÊA, 1989, p. 41).

Corrêa (1989) retoma Caruso, que por muitas vezes denunciou a formulação de uma ideologia psicanalítica e a tentativa de criar uma utopia como meta para o processo psicanalítico e revelou que o trabalho de depuração do homem resultava em uma nova alienação ainda mais perigosa que a própria neurose.

“Desmitificada a pureza absoluta do inconsciente analisado ou da neutralidade ética desejável, o analista, além de suas questões inconscientes, traz para o seu trabalho os vícios determinados por um conhecimento teórico que é sempre parcial” e mais, “ a parcialização do conhecimento psicanalítico está expressa nas divergências teóricas, que por sua vez se tornam responsáveis pelo desejo do psicanalista” (CORRÊA, 1989, p. 44).

Uma análise termina para um psicanalista quando a sua capacidade de escutar aquele cliente esgotou-se e quando o cliente, desmitificando o saber do outro sobre si mesmo, entende que não tem mais o que ouvir tampouco, ou ainda, que ele aprendeu a ouvir seu interior sem precisar de um retransmissor (CORRÊA, 1989).

“O ato analítico deve implicar o cliente nas próprias coisas de suas queixas” (MILLER apud CORRÊA, 1989, p.45). O ato analítico precisa ser o reintegrador do sujeito. Lacan ensina que é um equívoco pensar, em análise, que o inconsciente é responsável por aquilo que faz sofrer, pois, assim sendo, haveria destruição da responsabilidade do sujeito por si mesmo e pelo que lhe acontece. Outrossim, a autorresponsabilidade implica uma recusa de compromissos e ideologias aceitas ou alienações praticadas com a constatação da impossibilidade final de abarcar a totalidade do existir (apud CORRÊA, 1989).

No final de uma análise, espera-se que o sujeito do desejo advenha, incurável e destituído, onde não é a posse do objeto o que conta, mas a própria realidade do desejo (CHAGAS, 1992).

É pela via do discurso que o desejo advém e é, no dizer de Lacan, que a experiência analítica é uma experiência de discurso, lembrando que, quando se fala em discurso, não se pode ignorar o papel das relações e posições dos elementos que o compõem, em função dos quais um sentido se produz (SIQUEIRA; FONTE, 1993).

Uma leitura comporta infinitas possibilidades de interpretação, e a clínica lacaniana privilegia unicamente o texto produzido pelo sujeito pelo viés da insistência do significante (SIQUEIRA; FONTE, 1993).

Lacan, em um texto de 1954, As relações de objeto e estruturas freudianas, apontava desvios na direção da cura e em texto de 1958, A direção da cura e os princípios do seu poder, traz a afirmação de que sob o nome da psicanálise muita coisa é feita em uma mera reeducação emocional do paciente (SIQUEIRA; FONTE, 1993).

Ainda conforme as autoras, Lacan em Os escritos, de 1985, comunica os princípios que definem a direção da cura e a questão da ética, que integra as conquistas freudianas tendo como ápice o estatuto do desejo: “não se põe nenhum obstáculo à confissão do desejo, é para isso, para onde o sujeito é dirigido e inclusive canalizado” (p.21). E Lacan continua dizendo, conforme citam as mesmas autoras que “o desejo, se Freud disse a verdade do inconsciente, não se capta senão na interpretação”, pois ele é a “metonímia da falta a ser” (SIQUEIRA; FONTE, 1993, p.21-22).

O desejo é o âmago do empreendimento analítico, perpassando-o ao longo do seu trajeto, uma vez que o trajeto é o espaço que se tem a percorrer para se passar de um lugar a outro. Passagem da impotência/onipotência imaginária ao impossível do Real, condição de sujeito barrado (SIQUEIRA; FONTE, 1993, p.22).

As autoras questionam qual é o discurso que possibilita o advento do desejo senão o discurso do analista que permite a colocação em cena do desejo e do sujeito do inconsciente distanciando a psicanálise das práticas de reeducação emocional que se apresentam em nome da psicanálise (SIQUEIRA; FONTE, 1993).

“O discurso do analista tem como agente não um objeto capaz de preencher a demanda, mas um objeto causa do desejo, objeto “a”, por que o desejo é sempre desejo de outra coisa”. Para Lacan, em 1985, o desejo, por mais transparente que seja diante da demanda, estará sempre mais além dela e mais aquém de uma nova demanda, uma vez que ele nada mais é senão a impossibilidade de uma palavra, que, ao tentar responder a uma demanda, revela mais uma vez a divisão do sujeito, que só tem este estatuto de sujeito enquanto fala (SIQUEIRA; FONTE, 1993, p.22).

É a posição de semblante do analista no discurso que assegura a primazia do desejo na clínica. O analista, fazendo-se causa do desejo para o analisando, desencadeia o movimento de investimento do sujeito suposto saber, causa estrutural da transferência, o que eleva seu dizer à condição de interpretação, posição do saber no lugar da verdade (SIQUEIRA; FONTE, 1993).

O saber que aparece do lado do analista no lugar da verdade aparece como barrado. Isso significa que não há saber totalizante ou pré-concebido do qual possa fazer uso. O único saber pré-adquirido, localizável, que pode levar para o espaço da análise é um savoir-faire produto de uma análise anterior, onde experimentou que se há algum elemento que pode ocupar o lugar da verdade, na análise é o significante. O saber analítico é um saber que se produz exclusivamente no ato, a partir da escuta de seu analisante. O analista semblante do objeto “a” produz em ato o relançamento do discurso (...). Seu saber é um saber executante, porque é incapaz de prever todos os efeitos possíveis de produzir, mas mesmo assim é responsável pelos efeitos que produz (SIQUEIRA; FONTE, 1993, p.22-23).

Se a estrutura da verdade é o semidito e ela é perseguida na análise, eis aí a estrutura da palavra do analista, que é palavra enigmática que reenvia o analisante à citação colhida do seu dito como um dizer enigmático que intriga e o instiga a produzir significantes (SIQUEIRA; FONTE, 1993).

O analista é um trabalhador que trabalha sem pretender ter a verdade do saber e nem tampouco o saber da verdade. Ele não se toma como medida do Outro. O analista, produto de sua própria análise, se sabe um sujeito advertido de sua cisão e que está radicalmente distante da ilusão de completude por estar implicado no Real (SIQUEIRA; FONTE, 1993).

A direção da cura, a qual conduz sustentada pelo matema do Discurso do Analista, não é direção enquanto ato de dirigir exercendo autoridade, mas uma direção equivalente à rota apontada pelo dedo de São João Batista, de Leonardo da Vinci: o horizonte desabitado do ser – impossível do Real (SIQUEIRA; FONTE, 1993).

 

Final de análise: a criação, o cômico e a arte

Para Conrad Stein (apud CORDEIRO, 2006), no seu texto Fim de uma análise, finalidade da psicanálise, o sujeito, para chegar a bom termo em sua análise, talvez precise ser criativo, lançando mão da sublimação, um dos destinos da pulsão e fazer algo qualitativamente novo em sua vida, tornando-se artista e construtor do seu destino, aceitando a condição de desamparo fundamental.

Essas ideias são ratificadas por Maria Rita Kehl (apud CORDEIRO, 2006, p. 70) em Sobre Ética e psicanálise: “o artista não se torna pleno de ser ao afirmar-se como autor de suas obras. Mas a função autor, como uma das funções do sujeito, segundo a definição de Foucault, intensifica a relação do artista com o Nome do Pai, que ele transforma em nome seu ao imprimi-lo junto à obra que nomeia seu desejo”.

A dimensão trágica tem a ver com o fracasso da relação do desejo com a ação diante da impossibilidade de se dizer tudo, em uma recusa de síntese e cuja saída, para Lacan, é a dimensão cômica: “o herói cômico tropeça, cai no melaço, mas o sujeitinho continua vivo “ (LACAN, 1960, apud GORENDER, 1999, p. 53).

Corrêa (1999) aponta os diferentes caminhos da criação estudando artistas como Van Gogh, Bosch, Dali, Picasso, Kafka e ainda recorre a Lacan, que fala sobre suplência na obra literária de Joyce, com o objetivo de confrontar questões importantes entre criação artística e a saúde mental e de trazer a questão do final de análise e a direção da cura como outra forma de criação.

Tomemos o músico instrumentista que tem, na posição de intérprete, uma relação com um duplo Outro. De um lado, necessita atender ao compositor e, de outro, ao ouvinte. Basculando entre as duas posições deve fazer uma escolha de fidelidade. Ou se rende ao espírito da partitura ou ao prazer da plateia. A sujeição é insustentável. Sabemos que este sujeito pode ser tomado como metonímia do desejo e, como tal, reviver na sua criação os paradoxos dos encontros com o desejo do Outro. Mas como intermediário não pode abdicar de si, do ser sujeito da recriação interpretativa. É por esta via que surge a improvisação, na qual o intérprete se liberta em parte de um outro (autor) que apenas fornece um tema para sua recriação espontânea. Esta experiência vai levá-lo ao desejo de libertar-se do olho de seu ouvinte. Neste caso rompe-se a suplência e abre-se um espaço para um desempenho supostamente autônomo (CORRÊA, 1999, p.108-109).

 

Freud e a eficácia da psicanálise

Na Conferência XXXIV (1933-1932), Freud se revela mais pessimista acerca da eficácia da Psicanálise e do poder de cura do método por ele criado, recomendando o retorno à análise, alguns anos depois (ARAÚJO, 1995).

Alguns anos depois, no texto Análise terminável e interminável, de 1937, segundo James Strachey, seu editor, Freud novamente se mantém pessimista quanto à eficácia da Psicanálise, por tratar das limitações do processo. Soller, em 1995, citada por Gorender (1999), lembra que, quando Freud o escreveu, estava velho, doente e sabia que ia morrer; e ali, naquele texto testamento, ele alertou aos seus discípulos, para as expectativas e verdadeiras perspectivas dos resultados de um tratamento psicanalítico.

No início, os analistas tinham perspectivas apenas da supressão dos sintomas e, portanto, estavam mais próximos do ideal de cura e à medida que se elasteceu a compreensão sobre o inconsciente, a cura não mais se viabiliza como algo possível. O final de análise saiu de um modelo romântico e, portanto, é pensado em termos de aptidão do sujeito de levar uma vida mais satisfatória depois de alguns anos de análise sem garantias quanto ao reaparecimento de novos sintomas (GORENDER, 1999).

Para Corrêa (1996 apud GORENDER, 1999), desde a colocação de Freud, terminável ou interminável, passando pela de Lacan, finita ou infinita, as análises, por mais que se estendam, jamais levarão à morte um dos participantes da trama, que é a transferência.

Corrêa escreve que Freud, ao romper com o modelo médico e com a norma, impede que se fale de cura. Não se pode dar nenhuma garantia de que o sintoma desapareceu por completo ou que novos apareçam. O término admissível se faz pela via da autoavaliação do cliente quanto ao reconhecimento de seu inconsciente e do valor da análise, e isso implica em “algum tipo de solução para a relação transferencial: nem o idealizado nem o rebotalho (CORRÊA, 1996, apud GORENDER, 1999).

Para Freud, existem três variáveis importantes para levar uma análise a bom termo, quais sejam: a influência dos traumas; as alterações do ego e, como elemento principal, a força constitucional das pulsões, sabendo que a pulsão de morte e a luta com Eros é o que sustenta uma análise como interminável. Para Freud, “a missão da análise é garantir as melhores condições psicológicas possíveis para as funções do ego; com isso ela se desincumbiu de sua tarefa” (FREUD,1937 apud ARAÚJO, 1995, p.101).

Freud, em 1937, ao falar de término de análise, talvez estivesse se referindo a que a análise didática, mais do que as análises ditas terapêuticas, era inacabada, advogando ao analista a necessidade de sucessivas reanálises (GORENDER, 1999).

Gorender (1999), a despeito da evolução teórica da Psicanálise e de algumas idealizações feitas com a proposição do passe, interroga se seria possível fazer desaparecer a “expectativa de cura pela análise” e mais: “o que quer o analista do seu cliente? A essa pergunta responde com Leguil: “se a psicanálise “não propusesse um alívio, não haveria interesse algum em se fazer psicanálise” (LEGUIL, 1993, apud GORENDER, 1999).

 

Pacientes graves e a psicanálise

Gallego (1971) propõe algumas orientações quanto ao trabalho psicanalítico com pacientes gravemente enfermos. Considera que suas dificuldades de estabelecer relações com a realidade, de ter insights e fazer elaborações, exigem ações terapêuticas que vão além do trabalho meramente interpretativo. Para tanto, sustenta a necessidade de o paciente desenvolver uma “esperança de cura”, que o fará permanecer no tratamento, a despeito da frustração da situação atual.

Ao entender a Psicanálise como método de tratamento, aponta a necessidade de avaliação correta dos fatores curativos implícitos na situação terapêutica (GALLEGO, 1971). Em seguida, desenvolve aspectos teóricos referentes ao narcisismo com base em Kohut (1969) e Grumberger (1957) para mostrar como esses pacientes se encontram aprisionados numa relação narcísica e de como, na clínica, sua relação com a realidade é precária e deformada, como resultado de contínua identificação projetiva (GALLEGO, 1971).

Traz, para sedimentar sua proposta, estudo de Alexander com o qual concorda ao afirmar que “a recuperação das lembranças não é a causa, senão a consequência da análise” (ALEXANDER apud GALLEGO, 1971, p.94).

De May, em 1967, segundo Gallego (1971), incorpora a noção de poder, no sentido de que só quando o paciente pode conceber o “Eu-posso”, ele pode experimentar o “Eu-quero” e o “Eu-sou” (p. 94-95).

Gallego (1971) ainda esclarece que a passagem de uma situação de narcisismo para uma relação de objeto se opera nos seguintes níveis:

1.Bom investimento pré-perceptivo (união anaclítica satisfatória com a mãe)
2.Segurança de não abandono (suficiente tolerância à frustração)
3.Possibilidade de espera (sentimento de “esperança de cura”)
4.Percepção da realidade e aprendizagem (experiência corretora das vivências internas (p. 96).

Em seguida, apresenta os fatores que, em sua opinião, podem influenciar terapeuticamente nessa sucessão, “para conseguir que o paciente abandone o mundo da fantasia, e se mantenha em contato com a experiência retificadora da realidade”. Isso só é possível, acrescenta, se o paciente conseguir desenvolver uma possibilidade de espera, ou seja, de tolerância em relação ao estado atual de frustração, o que só será possível se coexistir “com a esperança de que essa demora tem um limite e uma compensação” (GALLEGO, 1971, p. 96).

Conclui que a “esperança de cura” resulta de uma aproximação entre analista e paciente, desenvolvida na relação terapêutica. Tal proximidade irá permitir que o paciente se sinta seguro para estabelecer uma relação pessoal e fazer identificações adequadas, de modo que seja capaz de esperar e de ter uma experiência própria. Para que essa situação seja alcançada, alguns fatores precisam estar presentes no processo terapêutico:

1.Resolução no terapeuta de sua própria situação narcisista, o que fará com que não tema estabelecer a distância adequada às necessidades de dependência do paciente. Considera importante, também, que o terapeuta tenha alcançado o estágio genital do desenvolvimento;
2.Semelhança de personalidade entre o terapeuta e o paciente, que facilitará os processos de identificação e não simplesmente uma imitação;
3.O próprio processo de análise, que envolve não só o conhecimento das fantasias inconscientes, mas a capacidade de empatia, assim como o grau de esperança de cura que o terapeuta abriga a respeito do seu paciente. A esperança de cura nutrida pelo terapeuta de alguma forma é comunicada ao paciente (GALLEGO, 1971).

Finaliza afirmando que “se o terapeuta é capaz de sentir sua identidade sem medo, o paciente poderá correr o risco de desejá-la e, em último caso, de tê-la (GALLEGO, 1971, p. 103).

 

Um analista ao final de uma análise e o passe

Cardoso (2004) aborda o tema da transmissão da Psicanálise e a formação do psicanalista. Trata da questão do passe e da lógica do surgimento de um analista ao final de uma análise, a partir do texto de Lacan Proposição de 9 de outubro de 1967.

Lacan se refere ao final de análise como a travessia da fantasia e a destituição subjetiva do sujeito suposto saber, ou seja, momento em que o analista não se encontra mais no lugar do Outro. A tese fundamental de Lacan é que o final de análise produz um analista (ARAÚJO, 1995).

O final de análise é marcado por essa passagem de analisando a analista, uma vez que, para Lacan, em 1967, toda análise é didática. “O analista advindo desta passagem é a queda, o dejeto, mas não qualquer um. Daí ser somente o analista, não qualquer um, que se autoriza por si mesmo” (CARDOSO, 2004, p.96).

Quanto aos candidatos a psicanalistas, Lacan trouxe, a princípio, na obra A ética da psicanálise, a proposta do passe que supõe uma liquidação da transferência e a obtenção do agalma. O dispositivo do passe levanta a questão de quem poderia ser o fiador desse desenlace, aventando duas possibilidades: a instituição poderia dar uma sustentação a esse sujeito, ou a ideia do impossível que é a cura. Mais adiante, ao se referir à ética da psicanálise, diz que a demanda de felicidade está comprometida com a questão do desejo e a dimensão trágica do sujeito (GORENDER, 1999).

Sabe-se que a verdade é não toda, restando sempre algo a ser dito por não se poder dizer. É com esse indizível que se trabalha no final de análise sob pena de transformá-la em interminável (CARDOSO, 2004).

 

O final de análise e a demanda da felicidade

Toda análise, no seu bojo, traz uma demanda de resgate de felicidade perdida em algum momento, como se o sujeito tivesse perdido o prazer nas atividades rotineiras mais simples, graças aos limites impostos pelo sintoma, que gera gozo e dor; e que ele conquiste ou reconquiste a autonomia para administrar a própria vida (CORDEIRO, 2006).

Para Balint, apud Corrêa (1989), o término de uma análise está na superação daquilo que não se pode superar.

Um final de análise surge “quando o paciente é capaz de sentir prazer, liberdade de realizar suas inclinações e de reaprender a se entregar ao amor, ao gozo, sem medo, inocentemente, como na sua tenra infância” (BALINT, 1932, apud ARAÚJO, 1995, p.103).

Para Lacan, em 1975, na conferência feita em Yale, uma análise “não é para ser estendida indefinidamente. Quando o analisando acha que está feliz na vida, é o suficiente” (CHAGAS, 1992, p. 58).

Corrêa (1989) teme que o psicanalista, ao compartilhar do devaneio sobre a mudança de vida ou a felicidade pretendida por alguns clientes que por sua vez passam a ser devotados à análise, favorece a que estes possam fazer do processo analítico um sintoma de uma nova doença crônica e incurável, alimentada por uma análise interminável. Terminar uma análise é um processo tão absurdo como começá-la, pois ela termina porque chegou ao fim e não por ter curado ou por ter o paciente atingido a tal felicidade. Para Corrêa (1989), portanto, chegar ao fim não significa concluir, mas apenas não dá mais para continuar.

O fim da análise é uma consequência do amadurecimento das diversas etapas do processo da análise que levaram à construção no analisando de uma capacidade de suportar a frustração e a perda de uma ilusão transferencial (SIQUEIRA, 1997).

E mais: “O tratamento analítico acaba quando o analisando tiver condições de estabelecer consigo uma análise sem fim, tornando-se sempre disponível ao surgimento de novos enigmas, que propiciarão novas indagações” (SIQUEIRA, 1997, p.97). Para a autora, talvez esse objetivo se constitua numa idealização, pois em uma análise, por mais bem sucedida que possa ter sido, esse nem sempre é alcançado.

Para Chagas (1992), concordando com Lacan, uma análise tem seu ponto de basta e esse ponto é inadiável. No Seminário VII: a ética da psicanálise, de 1960, Lacan fala que, o que nos demandam é a felicidade, entretanto não se trata de uma felicidade sem sombras. “A felicidade com a qual o analista se compromete não está a serviço dos bens, sejam pessoais, profissionais, econômicos, sociais” mas a serviço da lei do desejo (CHAGAS, 1992, p. 59).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depreende-se que todos os autores citados são unânimes nos principais conceitos abaixo enumerados acerca do final de análise:

1. A Psicanálise não faz falsas promessas, não visa à busca da felicidade, ainda que a felicidade seja aquilo que os analisandos demandam, mas que seria a obtenção de um impossível. Se a felicidade chega, se é que chega, ela vem por acréscimo. Esta, sem dúvida, é uma perspectiva ética, que permite ao sujeito uma escolha.

2. A ética psicanalítica surge no cerne da relação entre psicanalista e analisando. É no ato psicanalítico que o sujeito é questionado sobre o seu desejo e da sua responsabilidade acerca dos seus sintomas e do gozo ali contido, ou seja, acerca de sua posição subjetiva que traduz uma escolha, escolha inconsciente, uma eleição. Só confrontando o sujeito com sua eleição, o ato psicanalítico pode levá-lo a uma nova posição, uma retificação subjetiva.

3. É o sujeito suposto saber que permeia as possibilidades de resoluções do enigma do sintoma, posição imputada ao analista transferencialmente pelo analisando. Essa transferência é que cria uma promessa de cura e define os próprios critérios de analisabilidade e de resistências. Não se pode perder de vista que a transferência é uma incalculável fonte de resistência ao tratamento.

4. A destituição subjetiva vivida no término de sua própria análise é o que possibilita ao analista abrir mão de sua condição de sujeito no percurso analítico de seu analisando. A destituição subjetiva é o advir do sujeito que se confronta com a castração, com a falta-a-ser.

5. Para o analisando, a destituição subjetiva implica também desalojar o analista do lugar de sujeito suposto saber e o deixar reduzido à condição de resto do processo analítico, quando nenhum significante vem a representá-lo (des-ser do analista).

6. No final de análise, espera-se que o analisando saiba haver-se com seu sintoma, tal qual propôs Lacan a propósito do caráter irredutível da neurose.

7. Ao final de uma análise, subentende-se a destituição subjetiva e a travessia da fantasia correspondente, que a despeito da liberdade da escolha em relação ao gozo que ela favorece ao sujeito, encontra seu limite no rochedo da castração.

8. O rochedo da castração diz da falha de um saber inconsciente, uma vez que nenhuma elaboração de saber é suficiente.

9. Atravessar a fantasia é confrontar-se com a castração escondida lá. É confrontar-se com a revelação de que não existe um significante sexual para um outro significante sexual: não há relação sexual.

10. No final de uma análise, o sujeito se defronta com o irremediável, o incurável, que equivale à falta do Outro e à própria divisão subjetiva. O sujeito não se cura de sua divisão.

No final da análise, pode-se falar de uma ética da sublimação, que é aquela que se opõe às éticas do gozo. Esse movimento só é possível se o analisando renunciar ao que ele supunha em sua fantasia ser complemento, renunciar ao gozo e se permitir satisfações substitutivas.

Conclui-se, conclamando Gorender (1999) e a metáfora por ela realizada entre o final de análise e uma viagem que só se completa quando ela chega ao fim, por mais que haja um valor inequívoco na própria travessia. Importante é que não se transforme essa viagem em algo interminável, como a maldição que faz recordar o Holandês voador, capitão condenado a vagar pelos mares sem possibilidade de parada, até que alguém se disponha a segui-lo, por amor, uma vez que este é o melhor porto e que oferece ancoragem, sob pena de errância e perda de esperança. Ou se enfrenta o abismo da falta e o rochedo da castração, tal qual o artista que se confronta com a insuficiência de uma obra sempre por ser concluída, ou a nau vai a pique.

 

Referências

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49015–130 – Aracaju/SE
Fone: + 55 79 3214-1948
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Recebido: 24/09/2009
Aprovado: 19/10/2009

 

 

1 Trabalho produzido na disciplina Metodologia da Investigação do Curso de Doutorado em Ciências da Saúde, sob a coordenação da Profa. Dra. Maria Jésia Vieira.
2 Presidente do Círculo Brasileiro de Psicanálise no biênio 2008-2010 e editora da Revista Estudos de Psicanálise para o mesmo período. Presidente da Academia Sergipana de Medicina. Fundadora e presidente do Círculo Psicanalítico de Sergipe. Doutoranda e Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe. Professora do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Sergipe.
3 Psicanalista do Círculo Psicanalítico de Sergipe e membro da diretoria do Círculo Brasileiro de Psicanálise no biênio 2008-2010. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Sergipe.
4 Enfermeira. Professora doutora do Núcleo de Pós-Graduação de Medicina da Universidade Federal de Sergipe.

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