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Estudos de Psicanálise
versão impressa ISSN 0100-3437
Estud. psicanal. no.40 Belo Horizonte dez. 2013
Holograma dinâmico recursivo para uma teoria topográfica da relação psicanalítica
Dynamic Recursive Hologram for a Typographical Theory of Psychoanalytical Relationship
Gabriele Lenti
Società Italiana Psicoanalisi della Relazione
Tradução: Otavio A. Peixoto, B.A., M.A.
RESUMO
A função narrativa do inconsciente com o intuito de unir a angústia da incerteza e do caos. A narrativa psicanalítica como uma intertextualidade em que tanto paciente quanto analista são coautores, emissor e receptor que mutuamente criam um texto aberto, mas não anárquico. Texto produzido à semelhança da criação poética e a da arte moderna. O trabalho artístico e da relação analítica assumem uma natureza holográfica em que o todo e as partes se encontram em uma relação em que cada ponto do objeto repete o todo. Cada vez que o emissor, seja paciente, seja analista, oferece seu material de uma forma ligeiramente diferente do que o receptor tinha em mente, se estabelece uma incerteza que desorienta e conduz que se reconsidere a mensagem.
Palavras-chave: Narrativa psicanalítica, Emissor e receptor, Obra aberta, Relação paciente/analista
ABSTRACT
How the narrative function of the unconscious, whose purpose is to bond anxiety of uncertainness and of chaos, works. The psychoanalytical narrative as an intertextuality that both patient and analyst act as coauthors, as sender and receiver both creating an open text, but an anarchical one. A text production that's similar to poetical creation and modern art. Artwork and analytical relationship acquire a holographic nature as the whole and its parts exist in a relationship where each part of an object reflects its whole. Each time that the sender, patient or analyst, offers its stuff in a slightly different way from that the receiver had in mind, comes a uncertainty which bewilders and leads that the message be reconsidered
Keywords: Psychoanalytic narrative, Sender and receiver, Open work of art, Patient/analyst relationship
Uma narrativa complexa
Qualquer pessoa que se dedique ao desenvolvimento científico de hipóteses começa a considerar as suas próprias teorias de forma séria apenas quando estas podem ser inseridas no conhecimento a partir de mais de um ponto de vista.
SIGMUND FREUD
Este trabalho é uma "representação dinâmica e virtual" do campo analítico intersubjetivo. No momento presente, os conceitos energéticos, econômicos e espaciais da psicanálise clássica abrem espaço para o "modelo virtual do holograma recursivo, o qual requer — apenas no início — o estudo da relação analítica a partir do vértice narratológico". Assim sendo, o modelo virtual direciona a psicanálise relacional para um novo contexto epistemológico. A chave para a leitura do meu trabalho é o modelo "pós-bioniano", e os critérios descritivos são de natureza teórica e clínica. De acordo com Grotstein,
[...] o inconsciente mostra uma função narrativa; ou seja, uma tendência ou inclinação à narrativa e à pesquisa relativa à narrativa que descreve [...] eventos vindouros e experiências pessoais, bem como buscas por [...] histórias, mitos e romances com o intuito de unir a angústia da incerteza e do caos (GROTSTEIN, 2010, p. 64).
Investigada à luz dessa ótica, a mente se revela tanto como um sistema quanto como um evento. Trata-se de um sistema na medida em que é constituída por uma rede de elementos fortemente interconectados, os quais são propostos como repetitivos e regulares; mas ela é também um evento, na medida em que é um fenômeno acidental e singular que evolui ao longo do tempo. Lucio Russo (2009) nos lembra que Freud já havia reconhecido essa característica dupla da natureza da mente. Freud afirmou que
[...] nós esquecemos com muita facilidade que tudo em nossas vidas ocorre por acaso [...] O acaso que, no entanto, tem o seu papel no conjunto das leis e das necessidades da natureza e que não tem relação apenas com os nossos desejos e nossas ilusões (FREUD, 1974. p. 276).
Uma vez dito isto, podemos afirmar que o estudo da narrativa analítica pode ser feito a partir de um vértice semiótico complexo; o que nos leva a questionar-nos acerca da interpretação do sistema-texto dos dois protagonistas da análise em termos da cooperação entre a explicitação (emissão) e a compreensão (recepção).
O modelo comunicativo do consultório desenvolve-se a partir da primeira comunicação entre a mãe e o recém-nascido, a qual é eficaz na medida em que a criança nasce equipada com o "equivalente homólogo ou emocional da sintaxe gerativo-transformacional de Chomsky. Em outras palavras, a criança nasce como uma entidade semiótica real e é capaz de comunicar-se por intermédio de impulsos e sinais" (GROTSTEIN, 2010, p. 300). O que se revela na análise é um "texto-dueto" que conta; ou seja, ele torna possível a comunicação de uma mensagem articulada, em uma tarefa orientada de forma inequívoca à transmissão de conhecimento. Nessa conversa, a voz da narrativa é primordialmente a voz do paciente, ainda que ela seja construída "tanto pelo paciente quanto pelo analista, através do jogo de reflexões mútuas de ambos, bem como de suposições e de disfarces" (ARRIGONI; BARBIERI, 1998, p. 5); e também porque "o 'analista' está armado com um corpo de teorias que constituem o andaime para a atividade do pensamento" (GROTSTEIN, 2010, p. 58). Neste ponto, Wilfred Bion sugere que deveríamos não apenas escutar as manifestações do hemisfério direito apropriado ao desenvolvimento de emoções, mas também seguir as informações do hemisfério esquerdo, que fornece a disciplina e o rigor que são necessários à compreensão (BION, 1973).
Assim sendo, o código de interpretação é absolutamente fundamental ao conhecimento, ainda que a sua utilização tenha que ser inserida em um procedimento sensível à "capacidade negativa"; ou seja, à exposição à incerteza. A narrativa analítica apresenta não somente essas afinidades com a narrativa literária; na verdade, tanto para a criatividade artística quanto para a análise, é essencial que se mostre alguma regressão das funções do ego. "Na fantasia e no sonho, em estados de intoxicação e fadiga, a regressão funcional reveste-se de uma importância singular; em particular, ela caracteriza o processo da inspiração" (KRIS, 1967, p. 252.). Outro elemento que é comum às narrativas artística e analítica é a recuperação da linguagem infantil que se encontra dentro de nós.
Contudo, um elemento de diferença se relaciona ao fato de que a comunicação psicanalítica é realizada de forma "presencial", ao passo que a comunicação literária se desenvolve de modo "ausente". Entretanto, é realmente necessário extrair da cooperação aquilo que o texto não diz com clareza, mas deixa de maneira implícita, a fim de que as suas lacunas sejam preenchidas. Essencialmente, é possível estudar a maneira e as condições nas quais a "intertextualidade" é realizada. Isso acontece porque o discurso analítico em ambas as direções ("analista versus paciente" e "paciente versus analista") utiliza o leitor como coautor do arcabouço gerativo do texto.
Dessa forma, por analogia com a tese narratológica contemporânea, pode-se dizer que temos um trabalho aberto, que deve levar em consideração as necessidades semânticas e pragmáticas do trabalho propriamente dito. Não há análise dos traços significativos envolvidos que já não implique um significado daquilo que é expresso. Basicamente é necessário que se insira o leitor no texto, qualquer que seja o vértice de análise do qual se deseje observá-lo.
O estudo do texto compartilhado na análise detecta uma operação que sempre ocorre quando os falantes interagem: eles inserem significados intertextuais que permitem ao receptor tomar uma decisão interpretativa. Isso ocorre na medida em que a fala possui um significado virtual que nos permite vislumbrar o contexto de referência do ato comunicativo. Portanto, podemos concordar com Umberto Eco (1979) quando ele afirma que o texto é intercalado com aquilo que não é dito; ou seja, com conteúdos que não são óbvios na superfície do texto, mas que estão presentes na compreensão e na interpretação. Isso não significa, todavia, como Peirce talvez tivesse dito, que o leitor (receptor) esteja livre para atribuir qualquer conteúdo ao texto expresso. Muito pelo contrário, um nível de significado está inscrito no texto, o qual é restrito pela estrutura do texto propriamente dito. Assim sendo, o leitor deve atualizar o conteúdo por meio de uma série indefinida de movimentos cooperativos. O texto precisa ser interpretado, até certo ponto, de forma unívoca, para o benefício dos leitores, os quais, dessa maneira, não se sentem como se estivessem à deriva em uma torrente de significados.
Não deveríamos nos esquecer, contudo, de que os códigos linguísticos jamais são os mesmos entre o receptor e o emissor, de onde surge a necessidade de cooperação por intermédio de um sistema de operações hipotéticas que percorram ambas as direções da comunicação. A fim de decodificar um texto, portanto, é essencial que se disponha de uma habilidade "circunstancial" que estimule suposições interpretativas, bem como implicações e jogos linguísticos que sejam úteis à compreensão.
De acordo com Umberto Eco (1979), é necessário que o resultado da interpretação faça parte da bagagem cognitiva do transmissor, o qual seleciona aquilo que o leitor necessita saber com o intuito de alcançar o nível da compreensão. É importante que o emissor possa fornecer um "leitor modelo", capaz de permitir a compreensão do texto. Um leitor modelo é identificado porque se espera que o receptor da mensagem (texto) possua uma língua útil, além de habilidades circunstanciais. O leitor modelo não estará presente se não for ativamente planejado em função dos conhecimentos do emissor; ou seja, o texto deve ser capaz de construir o seu próprio interlocutor, do contrário não haverá compreensão. Portanto, se faz necessário na psicanálise que os dois protagonistas do texto preliminar tenham a mesma aparência, isto é, que eles compartilhem a mesma "enciclopédia". Isso significa que os modelos do mundo do paciente devem coincidir — ao menos em parte — com os modelos analíticos teóricos utilizados pelo terapeuta.
Os mundos possíveis — tal como a lógica modal nos lembra — são, na análise, as diversas características da cooperação, as quais se tornam efetivas, empíricas. O texto — o mais aberto possível a diferentes interpretações — conduz o seu leitor, contudo, a uma análise canalizada e não inteiramente anárquica; nesse caso, o autor constrói o consumidor. Afinal, interpretar um texto significa "reconhecer uma enciclopédia da emissão que é mais estreita e genérica do que aquela do destino" (ECO, 1979, p. 63).
Por conseguinte, podemos definir o texto como "um artefato de natureza sintática, semântica e pragmática cuja interpretação esperada faz parte do seu projeto gerativo" (ECO, 1979, p. 63). E devemos lembrar que, de acordo com uma abordagem construtivista de mundos possíveis até mesmo o mundo real, não é nada além de uma construção cultural. O discurso analítico é semelhante àquilo que ocorre no trabalho da arte moderna, no qual a pesquisa e a possibilidade de mundos possíveis são expressas no nível mais elevado. Por exemplo, os trabalhos de Berio ou de Stockhausen são muito mais abertos do que os trabalhos clássicos. Em outras palavras, na arte moderna a abertura do trabalho se encontra no apogeu de suas potencialidades, os códigos são difusos, e as mensagens são apenas parcialmente decifráveis através do vértice do receptor. De acordo com a teoria da informação, a arte contemporânea utiliza o "barulho" para abrir o trabalho às possibilidades de interpretação por parte do interlocutor. Ao contrário, a ordem tradicional perdeu completamente a sua dignidade de força duradoura para a ciência, e a arte seguiu o mesmo exemplo, articulando-se em direção à incerteza e à dúvida.
É verdade que a leitura de um trabalho a qualquer momento já foi identificada com a ambiguidade do texto, mas a abertura nunca é mostrada como acontece na arte contemporânea. O texto é o portador de uma "forma" tanto para aquele que formula o significado quanto para o consumidor (receptor); uma forma que fornece ao consumidor uma autonomia ampla.
Consequentemente, os trabalhos não são concluídos em um sentido hipotético oferecido pelo emissor, mas produzem, em vez disso, um novo significado para cada utilização posterior. Cada consumidor coloca as suas preferências, a sua bagagem cultural e a sua "enciclopédia" no significado. Os trabalhos preparados dessa maneira são "trabalhos inacabados", sempre à procura daquilo que está faltando para a sua finalização.
De modo análogo, o analista participa com as suas teorias clínicas de referência, a fim de delimitar o caos da interpretação; e não apenas modelos, mas obviamente também a "poesia" do ato criativo influencia a reação do consumidor.
É o trabalho que sugere e se realiza a si próprio, impregnado a cada momento com as contribuições emocionais e imaginativas do intérprete. Se é verdade que, a cada leitura de poesia, temos um mundo pessoal que tenta ajustar-se a um espírito de lealdade ao mundo do texto, nos trabalhos poéticos — baseados deliberadamente na sugestão — o texto tem por objetivo estimular exatamente o mundo pessoal do intérprete de modo a que este possa obter uma resposta profunda a partir da sua interioridade (grifo meu) (ECO, 1962, p. 41).
O significado poderia ser facilmente malcompreendido e nos levaria a crer que se trata da expressão de uma crise alarmante, que envolve todos os aspectos da cultura contemporânea, mas isso não ocorre de fato. Na verdade, a incerteza da interpretação, a abundância de fenômenos complexos e imprevisíveis e um universo que se apresenta como múltiplo tornam o horizonte do conhecimento ainda mais pungente.
Quando o analista profere uma interpretação, ele a formula de acordo com suas teorias e modelos de referência; ou seja, de acordo com sua própria reação de contratransferência, a qual também é condicionada pelas experiências que teve até aquele momento. Contudo, permitem-se certos graus de liberdade no tocante ao que é aceito nesse conteúdo. O paciente, por sua vez, interpreta a interpretação. A seguir essa interpretação se vê afetada por diferentes vértices, o que permite à interpretação propriamente dita chegar à sua forma final.
Essencialmente, toda interpretação é reformulada a cada revezamento entre emissor e receptor; como foi dito anteriormente, ela volta para influenciar o emissor que está produzindo novas informações naquele momento. Pode-se assim dizer, à luz de uma perspectiva complexa, que o emissor e o receptor formam um anel recursivo, de maneira que os efeitos do processo interativo afetam as causas que os geraram. Aqui está a natureza profunda da interação interpretativa. Ela segue um processo recursivo que aproxima a cada troca o conhecimento ilimitado que se pode ter de um fato emotivo, assegurando, dessa forma, uma cooperação construtiva.
De modo instintivo, temos tendência a formular teorias simplificadas da realidade; mas quando o modelo pretende descrever a interação analítica, ele não pode fazer concessões à complexidade dos fenômenos sem criar o risco de que sua natureza seja dissolvida. A interação analítica consiste da interpretação e da resposta de contratransferência, que são os dois aspectos do anel recursivo e discursivo. O discurso analítico, portanto, expande a questão e a articula em ambas as direções, de modo que a relação não é linear.
Hologramas e mais...
Para ver um mundo em um grão de areia
E um céu em uma flor selvagem,
Segure o infinito na palma da mão
E a eternidade em uma hora.
WILLIAM BLAKE
O processo analítico e a arte têm algo a mais em comum, que está relacionado ao potencial do conhecimento da realidade, a saber:
[...] a representação da arte abrangeria o todo e refletiria o cosmos em si próprio, na medida em que o individual vive no todo, e o todo está na vida do indivíduo, e toda representação artística genuína é ela mesma e também o universo, assim como o universo naquela forma individual e a forma individual como o universo. Em cada expressão do poeta e em cada criatura da sua imaginação estão todos os destinos humanos, todas as esperanças, todas as ilusões, dores e alegrias, bem como a grandeza e a miséria humanas (ECO, 1962, p. 66).
Esse é outro fenômeno que afeta a complexidade: as realidades do trabalho artístico e da relação analítica assumem uma natureza holográfica; assim sendo, o todo e as partes se encontram em uma relação muito especial de envolvimento e, como diz Pinson (1985), cada ponto do objeto repete o todo, o campo analítico é memorizado pelo holograma e é incluído no detalhe.
Isso é o que Edgar Morin (1986) chama de organização hologramática dos sistemas não lineares, e é o que os psicanalistas clássicos como Kernberg encontram na referência cruzada da fantasia do indivíduo que surge novamente naquela do grupo institucional. O que acontece em um nível local surge novamente em termos gerais com a mesma forma; por exemplo, uma clivagem intrapsíquica do paciente individual pode gerar uma clivagem no campo analítico, a qual por sua vez reagirá de maneira retroativa na divisão do indivíduo.
O holograma revela um tipo específico de organização, "no qual o todo está na parte que está no todo, e no qual a parte pode ser mais ou menos capaz de regenerar o todo" (MORIN, 1986, p. 111).
Assim sendo, a complexidade organizacional do todo requer a complexidade organizacional das partes; ou seja, os conteúdos analíticos individuais, tais como sintomas, sonhos e métodos relacionais, requerem a complexidade do todo organizacional de forma recursiva. As partes possuem a sua própria singularidade, mas elas não são meros elementos ou fragmentos de todos; elas são, isso sim e ao mesmo tempo, um 'microtodo' virtual (os itálicos e a adaptação do original são meus) (MORIN, 1986, p. 112).
Nós acreditamos que essa constelação não é meramente uma questão de forma imaginativa, mas sugere uma metáfora espacializada da organização da vida psíquica no campo analítico. Os discursos local e global — na condição de realidades conscientes e inconscientes — se referem uns aos outros numa consubstancialidade em que o momento inicial de sua influência mútua não pode ser decidido. Na verdade, o campo analítico é capaz de gerar novos produtos da interação, realidades essas que não pertencem de fato a apenas um dos atores, mas representam uma coevolução; ou seja, o terço analítico intersubjetivo é gerado como uma fantasia compartilhada tanto pelo paciente quanto pelo analista (OGDEN, 1997); além disso, ele pode ser demonstrado em um devaneio, em uma fantasia, em um sonho, ou em uma narrativa (PANIZZA, 2008).
O que estou dizendo exprime diretamente uma homologia; ou seja, revela a estrutura fractal do discurso analítico, no qual a relação entre a parte e o todo é capaz de regenerar cada configuração de significado. É possível imaginar que um estudo mais intensivo — compartilhado e influenciado pela teoria da complexidade — possa nos auxiliar a compreender melhor os fenômenos interativos do campo analítico como um todo sem sacrificar uma parte em prol de uma simplificação, seja reducionista, seja holística. Podemos também pensar que a mesma estrutura da memória individual é organizada como uma condensação holográfica dos significados, para a qual tanto a livre associação do analisando quanto a atenção livremente flutuante do analista em atividade entrariam em declínio no transcurso desse holograma.
Incertezas
Nesse caso, a modalidade da arte lida com a estrutura profunda do conhecimento, portanto podemos criar hipóteses acerca de uma relação específica entre complexidade e estética, que a física relativista já indicou no estudo da realidade material e energética. Assim sendo, a estética é a dimensão profunda, a linguagem do inefável e do real. A revolução do significado transcende o imperativo positivista na direção de uma abertura. Por conseguinte, a decomposição cubista e a expansão dinâmica das formas futurísticas deram à arte a possibilidade de uma descrição ou interpretação da realidade como um "trabalho vivo". Até mesmo no campo da escultura, as formas plásticas de Gabo ou de Lippold convidam o interlocutor a uma participação ativa na estrutura do trabalho.
De modo semelhante, a arte informal desconecta as relações causais, bem como os princípios da lógica Aristotélica; ela é apresentada como uma expressão daquelas reflexões que ocorreram no campo da ciência e de suas metodologias. Entretanto, é natural que a arte continue sendo caracterizada como trabalho — ou seja, que gere significado — já que consegue expressar a aleatoriedade, aquilo que é desprovido de forma, o incerto, até mesmo nas manifestações mais extremas. Portanto, uma certa direção nas escolhas interpretativas há de seguir o seu rumo. Não há morte da forma, mas sim uma abertura para o reino das possibilidades; e isso é o que talvez encontremos ao olhar para uma pintura de Pollock:
[...] a desordem dos sinais, a desintegração dos contornos e a explosão das configurações nos convidam ao jogo pessoal das relações que podem ser estabelecidas; mas o gesto original, fixado na marca, nos indica direções que são fornecidas e nos levam de volta ao autor (ECO, 1962d).
Na relação analítica, cada participante transfere o seu "idioleto" (isto é, o seu código particular e individual através do qual ele/a observa o mundo, especialmente aquela fatia do mundo que é a mensagem do seu interlocutor) apenas para manter o receptor, a fonte e a verificação de sua congruência cognitiva. O fenômeno da desorientação que ocorre cada vez que o autor (seja o analista, seja o analisando) oferece o seu próprio material em uma forma que é ligeiramente diferente daquilo que o falante tem em mente é, portanto, fundamental na análise tanto quanto na arte. Nesse caso se introduz a incerteza que chega mais cedo ou mais tarde — como na arte informal — a uma versão original do material inconsciente. Wilfred Bion (1973) falaria de uma mudança de vértice, o que representa uma maneira única de enriquecer-se o conhecimento. Na verdade, a desorientação liberta a linguagem e reconsidera a mensagem "que nos leva a olhar de modo diferente para a coisa representada, mas ao mesmo tempo — como é natural — até mesmo para o meio de representação e o código aos quais nos referíamos", porque "a arte aumenta a dificuldade e a duração da percepção, uma vez que ela descreve o objeto como se o mesmo estivesse sendo visto pela primeira vez" (ECO, 1968a).
Na psicanálise assim como na arte, já é hora de implementar uma revolução na forma "e em tal violação imprevisível; se essa violação se tornar um cânone, ela perderá sua força como método cognitivo" (ECO, 1968b). Desse modo, se faz necessário reconhecer que, se o analista e o analisando trabalharem, eles aparecerão na conjuntura clínica como portadores da
[...] ideologia do outro; isto é, do universo de conhecimento do receptor e do grupo ao qual ele/a pertence, bem como de seus sistemas de expectativas psicológicas, suas atitudes mentais, suas experiências e seus princípios morais (ECO, 1968c) [ênfase do texto original].
Obviamente, não devemos confundir ideologia com significado. A ideologia não é nada além do precipitado de códigos e sinais que povoam o texto que têm por objetivo explorar aquilo que pode ser conhecido. Portanto, a ideologia — ou modelo analítico — contribui para a construção de informações que possam influenciar de modo recursivo esses próprios códigos e a ideologia.
Assim sendo, o intérprete em atividade precisa encontrar o universo retórico e ideológico do receptor, a fim de não permitir que suas próprias intenções sejam perdidas de maneira permanente.
A leitura do trabalho ocorre em uma oscilação contínua, através da qual começamos pelo trabalho onde pretendemos descobrir o código original que é sugerido; a seguir, tentamos fazer uma leitura fidedigna do trabalho, e a partir daí voltamos uma vez mais aos códigos e vocabulários [...] a fim de experimentá-los na mensagem (ECO, 1968d) (grifo do texto original).
Com a constante confrontação entre codificações em oscilação, determina-se um campo de possibilidades de significado que aumenta a cada intercâmbio comunicativo entre o paciente e o analista. Isso gera um dispositivo que expressa os significados de maneira contínua, ativando-os em função de uma lógica que é criativa e decodificadora e que está, ao mesmo tempo, firmemente ancorada no sentido do texto. Essa comparação nos faz lembrar mais uma vez da arte informal e da música atonal, para a qual parece não existir um código compartilhado.
Por conseguinte, assim como nos óculos de Arman, nas garrafas de Rauschenberg ou numa bandeira de Johns, tanto na arte de vanguarda quanto no consultório, os significados transmitidos são muito mais precisos e circunscritos do que aqueles considerados plausíveis.
Referências
ARRIGONI, M. P.; BARBIERI, G. Narrazione e psicoanalisi, un approccio semiológico. Milano: Raffaello Cortina Editore, 1998. [ Links ]
BION, W. Trasformazioni. Tr. It. Roma: Armando, 1973. [ Links ]
ECO, U. Lector in fabula, la cooperazione interpretativa nei testi narrativi. Milano: Studi Bompiani, 1979. [ Links ]
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PANIZZA, S. La prospettiva relazionale in psicoanalisi. Milano: Franco Angeli, 2008. [ Links ]
PINSON, G.; DEMAILLY, A.; FAVRE, D. La Pensée. Approche holographique. Lyon: Pul, 1985. [ Links ]
RUSSO, L. Evento e psiche. In: L'impronta del trauma. Milano: Franco Angeli, 2009. [ Links ]
Endereço para correspondência
Via XX Settembre n 21/7
Genova, Liguria, Itália
Via Chiaramone n 12/1
Genova-Voltri, Liguria, Italia.
E-mail: gabrielelenti@gmail.com
Recebido: 10/09/2013
Aprovado: 11/11/2013
SOBRE O AUTOR
Gabriele Lenti
Psicologo. Laureato in Psicologia presso l'Università degli Studi di Padova. Specialista in Psicologia Clinica presso la Facoltà di Medicina e Chirurgia dell'Università di Genova. Psicoanalista SIPRe - Società Italiana Psicoanalisi della Relazione - Centro di Genova, parte dell'IFPS (International Federation of Psychoanalytic Societies).