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Estudos de Psicanálise

versão impressa ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.53 Belo Horizonte jan./jun. 2020

 

PSICANÁLISE: CLÍNICA, TEORIA E CULTURA

 

História: centro de gravidade do sujeito

 

History: the subject's center of gravity

 

 

Scheherazade Paes de Abreu

I Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

História, centro de gravidade do sujeito, é o título escolhido para este artigo por incluir uma certa tensão vital nessa afirmativa de Lacan. O sujeito tem uma história, e essa história é material para o trabalho de análise. A história é, ao mesmo tempo, narrativa. Quem faz essa tarefa de reconstrução é o analisante, e ao analista cabe o ato, que consiste em autorizar a tarefa. O relevante é o que disso se reconstrói. A escrita da reconstrução da história é também um fator que favorece o desgaste do sentido e decorre da leitura que se faz da história. Por sinal, a psicanálise é um procedimento de leitura. Intervém aqui a possibilidade de ler de outro modo. Logo, narrar tem efeitos de corrosão no sujeito. A história é a leitura que temos dela. Até que ponto se pode pensar a história como contingência na experiência analítica e sua relação com a verdade?

Palavras-chave: Construções em análise, História, Narrativa, Ler um sintoma.


ABSTRACT

History, the subject's center of gravity, is the title chosen for this article because it includes a certain vital tension in that Lacan's statement. The subject has a history, which is material for the analysis' work. The story is both history and narrative. This reconstruction task is made by the patient, and the analyst is responsible for the act, which consists in authorizing this task. The relevant part is what is reconstructed. The writing of the reconstruction of history is also a factor that favors the erosion of meaning, and stems from the reading of history. The possibility of reading in another way comes into play here. Therefore, narrating has corrosion effects on the subject. History is defined as the reading we have of it. To what extent can history be thought of as contingency in the analytical experience, and its relation to the truth?

Keywords: Constructions in analysis, History, Narrative, Reading a symptom.


 

Uma autobiografia é o mais
verdadeiro de todos os livros;
ainda que ela consista
principal e inevitavelmente
de supressões da verdade,
distorções da verdade,
revelações parciais da verdade,
e raramente alguma ocorrência
da verdade pura e direta,
a verdade sem remorsos está lá,
nas entrelinhas, onde o autor
lhe cobre de poeira,
tudo isso resultando em que o
leitor conhece o autor a despeito
dos seus astutos expedientes.

MARK TWAIN

 

Introdução
história como o centro de gravidade do sujeito

No momento em que se procura um analista, não se está advertido. Como ocorrerá a sessão de análise? Muitos não fazem ideia desse arranjo. Quem pergunta, quem responde, o que contar? Poderá ser o momento no qual é possível surgir o embaraço não detectável: o que queres?

Mesmo que possível antecipar o momento, por intermédio da teoria ou da explicação de algum amigo, resta um não saber diante da interpelação: conte-me algo. Será ainda preciso contar o que não funciona na vida, um mal-estar comum, as pequenas falências, os falsos fracassos, os entraves, a história que esmaga. Portanto, será preciso narrar minuciosamente, miniaturar mesmo e, de fato, descer aos detalhes.

Quem requisita um psicanalista? Para Butler (2017, p. 107), o sofrimento torna oportuno procurar um analista ou algum destinatário – que poderá ouvir a história e, ao ouvi-la, provocar incertezas. Isso autoriza que a história se desenvolva em uma nova forma e os fragmentos em possíveis conexões extraordinárias. O que não pode ser narrado será registrado. Logo, contar a história de si mesmo já é agir, pois contar é um tipo de ação, ato, executada com um destinatário. Em Variantes do tratamento padrão, Lacan ([1955] 1998, p. 353), pergunta: "[...] O que é a fala ?". E prossegue: trata-se de um ato.

Portanto, uma história própria somente pode ser escrita ao se interrogar as palavras, que na sombra veicularam, ocultaram a história de uma vida, afirma Mannoni (1990, p. 63) em sua autobiografia. São as substituições escondidas, os acontecimentos encobertos, os mortos camuflados, o desaparecimento mudo, a vida por detrás do cortinado.

Nesse sentido, Lacan ([1953-1954] 1986, p. 23) afirma que o fato de rememorar os eventos formadores da existência não é em si tão importante. O relevante é o que disso se reconstrói. O valor do que se reconstrói do passado não está na rememoração, mas o que disso se reconstruiu.

Finou-se o filho. Com quem a dor partilhar? Quem está disposto a escutar? Sentado, branco como um fantasma, tão curvado quanto é possível curvar-se um corpo vivo. O silêncio caiu sobre ele. Dobra o corpo e entrega-se à angústia. Volta-se para contar como morreu seu filho. Não haverá no meio de milhares de pessoas, ao menos uma que quisesse ouvi-lo? A propósito, o ouvinte deve gemer, suspirar, compadecer-se, assim, fazer par com a urgência subjetiva. Dirigir-se aos humanos, ele já considera inútil.

O conto Angústia, de Anton Tchekhov ([1886] 2018, p. 111) revela a dor do Cocheiro Iona Potápov, diante da impotência em contar como morreu seu filho.

Com efeito, se trata da extrema importância de narrar um acontecimento:

Logo vai fazer uma semana que o filho morreu, e ele ainda não conversou direito com ninguém ... É preciso conversar com vagar , com calma ... É preciso contar como o filho ficou doente , como sofreu, o que disse antes de morrer , como morreu. É preciso descrever o enterro e a viagem ao hospital para buscar a roupa do defunto . Na aldeia , ficou uma filha , Aníssia... Também dela é preciso falar . Vou ver o cavalo (TCHEKHOV, [1886] 2018, p. 115).

É preciso parafrasear o cotidiano ( quotidianum , de cada dia), dizer do que acontece no tempo, nas horas, no dia e em todos os dias. Também é preciso falar do passado. Que tempo é o do sofrimento? A questão é que se trata de contar a um outro. Que história será capaz de ser contada na particularidade? Será a história para se pensar o mundo ou a história através de uma narrativa que assegure uma identidade? Será uma epopeia ou a vida que passou? Será a própria história possível somente através da vida de um outro?

A propósito, outra forma de história é o fragmento cotidiano, mesmo que se passe no tempo presente.

Talvez seja possível superar a falsa dicotomia entre cotidiano e história se pensarmos cotidiano não como tipos específicos de ação ou como uma dimensão particular, individualizada, das interações humanas, mas como tempo plenamente histórico, no sentido de ser tanto o tempo do "acontecimento" (no sentido tradicional) quanto do "não acontecimento" (GUARINELLO, 2004, p. 25).

A história é ao mesmo tempo narrativa. Qual a indispensabilidade de explicar alguma coisa? Narrar a história de vida tem valor crucial, pois não se pode viver ou sobreviver a uma vida radicalmente sem narrativa.

Portanto, para Butler (2017), não há motivos para questionar a importância de narrar em seu caráter parcial e temporário. Além disso, não se pode sobreviver para contar a própria história sem antes ouvir algumas histórias e ser interpelado nesse mundo discursivo (BUTLER, 2017, p. 81).

História, centro de gravidade do sujeito é o título escolhido para este artigo por incluir uma certa tensão vital nessa afirmativa. O dicionário Rocha (2019, p. 82) define centro de gravidade como o ponto de aplicação da resultante de forças sobre um corpo sujeito à atração gravitacional – tal posição é importante para o equilíbrio do corpo.

Mas é Lacan que o afirma:

O centro da gravidade do sujeito é essa síntese presente do passado a que chamamos história (LACAN, [1953-1954] 1986, p. 53).

A história é resposta às nossas interpelações. Nota-se que neste artigo os termos "história", "relatar a si mesmo" e "narrativa" serão empregados no sentido da história relatada, porém livre de ser apenas verdade factual verificada, mesmo que os fatos e os fragmentos de verdades históricas também se incluam. Faz parte desses termos o trabalho de pensar e rememorar, falar, contar, retramar e reintegrar as histórias, explanar uma vida e explicar o mundo. De todo modo, pode-se dizer que há uma especificidade da história contada em análise, que ultrapassa a reconstrução do passado. Qual o lugar da história na psicanálise?

Este artigo se faz de reflexões que aproximam e resgatam a importância da relação já afirmada por Freud e Lacan, entre história e psicanálise. A história é material para o trabalho de análise e centro de gravidade do sujeito. Nesse experimento, irrompem hipóteses que podem levar a transformar a história aqui pesquisada em relato de caso clínico e até mesmo no passe do analista. Entretanto, o propósito deste artigo é investigar o problema da história na psicanálise, mas que possa ser além da clínica, ou seja, a travessia de uma experiência. Para isso, qual é o ponto de partida deste artigo? É da posição de analisante que se faz a pesquisa.

 

A reconstituição da história do sujeito

É inevitável ressaltar que Lacan ([1953-1954] 1986, p. 23) afirma que, desde o princípio e por toda sua obra, Freud marca o acento sobre esse tema pivô, que é a reconstituição da história do sujeito, do passado. Basta saber ler, está escrito em preto e branco, afirma Lacan (1953, p. 52), só a perspectiva da história permite definir o que conta para o sujeito. Portanto, essa questão permaneceu nas preocupações de Freud, que nunca abandonou essa ideia.

Para Lacan, trata-se de reescrever a história.

O caminho da restituição da história do sujeito toma a forma de uma procura da restituição do passado. Essa restituição deve ser considerada como o ponto de mira visado pelas vias da técnica (LACAN, [1953-1954] 1986, p. 22).

Entretanto, até que ponto história e narrativa são entraves, impedimentos ao andamento da análise? Até que ponto a história sustenta o sentido sintoma? O sintoma tem sentido e característica de permanência, é persistente, uma maneira de se manter adaptado demais. Assim, o analisante trabalha para manter o seu sintoma. Porém, ocorre que, além disso, o sintoma procura restituir a verdade do sujeito, assim não é um estropício a ser abolido, nem uma avaria à espera de um antídoto.

Contudo, a psicanálise é um caso de leitura, pois se trata de saber ler. Ler um sintoma (o retorno do mesmo acontecimento) consiste em privar o sintoma de sentido.

Miller (2011, p. 13), ao dizer que a psicanálise é uma questão de escuta, esclarece que é preciso frisar que o que se escuta de fato é o sentido, e o sentido chama mais sentido. No entanto, o saber ler consiste em manter à distância da palavra o sentido que ela veicula, a partir da escrita como fora de sentido. Pois a disciplina da leitura aponta para a materialidade da escrita, para a letra. A leitura visa reduzir o sintoma a sua fórmula inicial, que é o encontro da linguagem com o corpo.

Na ocasião em que Freud reinventa o relato de casos, a literatura integra seus procedimentos. De fato, o que se relata da análise tem algo não só de policial mas também de horror, fantástico e infamiliar (Unheimliche). A história contada em análise encontra elementos no fragmento onipresente e incerto, que insiste como elemento comum de uma mescla de narrativas que se completam, sobrepõem, distorcem ou se corrigem.

A história da narrativa ocidental é tão dramática quanto a história em análise, pois uma e outra constroem e descartam repetidas vezes, através de palavras, uma realidade possível (ZAVALLA, 2004, p. 87-88).

 

A história não é o passado

A história é matéria-prima para o trabalho de análise e a aproximação da verdade. Freud ([1937] 1984, p. 276) em Construções em análise, afirma que o material à disposição são "todos os tipos de coisas", ou seja, os fragmentos dos traços, os restos, as lembranças nos sonhos, a associação livre que produz material a investigar, além de repetições presentes também nas atitudes mais banais, dentro e fora da situação analítica.

A reconstrução é tarefa do analista. Desse modo, a relação de transferência que se estabelece com o analista favorece o retorno dessas conexões. É dessa matéria-prima, afirma Freud (1937), que reunimos aquilo de que estamos à procura.

A história primitiva que o analista busca recuperar pela leitura, essa verdade histórica, é a verdade das fixações pulsionais: como a pulsão se amarrou, se ligou às representações e ao objeto e de que modo sustentou, deu suporte ao desejo. Define-se a construção como recuperação da história e, na psicanálise, essa história é pulsional, escrita das satisfações pulsionais (infantis), sendo esse um elemento da verdade histórica (DAL-COL, 2020, p. 37).

O progresso de Freud, diz Lacan ([1953-1954] 1986, p. 21), está na maneira de tomar um caso na sua singularidade. Para Freud, a dimensão própria de uma análise é a reintegração, pelo sujeito, de sua história até os seus últimos limites sensíveis, e que ultrapassa os limites individuais. Pontua-se que reintegrar quer dizer restabelecer, ter novamente a posse de algo.

O significante é, pois, dado primitivamente, mas até que o sujeito faça com que entre na sua história não é nada (DAL-COL, 2020, p. 36).

A história não é o passado, afirma Lacan (1953-1954] 1986, p. 21):

[...] a história é o passado na medida em que é historiado no presente – historiado no presente porque foi vivido no passado.

Com efeito, temos assim uma dimensão da história capaz de elidir o controle do tempo. Nesta reflexão cito Butler (2017, p. 73) que cita Lacan: qualquer que seja o relato sobre os momentos inaugurais da vida de um sujeito, ele será sempre tardio e fantasmático, afetado irreversivelmente por um Nachtraglichkeit . Pois narrativas evolutivas tendem a errar ao supor que o narrador possa estar presente nas origens da história. A origem se torna disponível retroativamente e através da fantasia.

Esclarece Chemama (1995, p. 7):

[...] a posteriori, après-coup, Nachtraglichkeit, diz-se da dimensão da temporalidade e da causalidade especifica da vida psíquica, que consiste no fato de que as impressões ou os traços amnésicos só podem adquirir todo o sentido e toda a eficácia em um tempo posterior ao de sua primeira inscrição. Assim, Freud destacou que as experiências vividas sem um efeito imediato notável, podem adquirir um novo sentido, quando são posteriormente organizadas e reinscritas no psiquismo. Esse conceito modifica a ideia segundo a qual o historicamente anterior determinaria o que é posterior.

O esquema après-coup permite perceber a ideia da verdade em movimento e plural, pois se retifica e se reescreve. Qual é, então, a tarefa do analista, pergunta Freud ([1937] 1984, p. 276):

[...] sua tarefa é de completar aquilo que foi esquecido a partir dos traços que deixou atrás de si, mais corretamente, construí-lo.

Entretanto, esclarece Miller (1996, p. 95-102), o propósito da psicanálise é recuperar as lembranças, mas se isso não for possível, a convicção da verdade da construção (fragmentos de construção) tem o mesmo efeito que a lembrança reencontrada. É o analisante que faz essa tarefa de reconstruir, e ao analista cabe o ato, que consiste em autorizar a tarefa.

As paredes antecedem o interior durante a obra na qual se constrói uma casa. É necessário o trabalho preliminar de erguer paredes e janelas antes de decorar o interior de uma construção. Entretanto, o trabalho transcorre de modo diferente nas construções em análise.

Freud ([1937] 1984, p. 279) utiliza esse exemplo para esclarecer que

[...] a construção não é um trabalho preliminar, no sentido de que a totalidade dela dever ser completada antes que o trabalho seguinte possa começar.

Freud ([1937] 1984, p. 279) conclui que todo analista sabe que as coisas acontecem "lado a lado".

 

A narrativa em fracasso

Até que ponto é possível fazer um relato de si mesmo? Butler (2017) afirma que a história relatada precisa considerar a incomensurabilidade constitutiva, pois não é possível estar presente na temporalidade que precede a própria constituição. Desse modo, o relato que se faz é parcial, opaco e não pode conceber a história definitiva.

Porém, o irrecuperável não impede a narrativa, mas a torna possível como ficção. Assim, a história pode ter várias versões possíveis, mas nenhuma poderia ser a única verdadeira. Portanto, se trata dos próprios limites do saber. O relato terá de fracassar e estar sujeito à interrupção para que se chegue perto da verdade. Há um preço a pagar (BUTLER, 2017, p. 52-61).

Nota-se que a ficção perdura distante tanto do profeta do verdadeiro quanto da euforia dos falsos. E é devido à fuga de sentido que a narração se torna possível; mas o efeito de sentido e não apenas o sentido. Porém, até que ponto a narração analítica é distinta de outras formas de narrativa?

Zavalla (2004, p. 88) ressalta que essa separação se faz através da dimensão poética (a gaia ciência), do invento e do chiste pelas ressonâncias da pulsão. Por sinal, para Butler (2017, p. 94), a psicanálise difere da história e dos romances ou tratados de filosofia, por ser um processo mais doloroso, por ter maior probabilidade de se fazer uma mudança radical e por especificar um interlocutor (que é o psicanalista).

Com efeito, a história que ocorre na análise não pode se tornar apenas elucubração intelectual. Mas poderá se tornar pública capaz de transmissão? A narrativa acontece no lugar privado da análise. Mas poderá acontecer no local público? O que é preciso a uma palavra privada para que, pela voz pública, se dirija ao íntimo de cada um? Pergunta Didier-Weill (2012, p. 65).

Uma vez produzido, o chiste tem a particularidade de se transmitir sozinho, e isso aponta que não demanda militância. Portanto, por se transmitir em público, e

[...] de boca em boca – por transmissão oral, rapidamente disseminada; com divulgação informal (ROCHA, 2019, p. 131).

O autor do chiste se torna anônimo.

O sujeito é determinado por sua história pessoal?

Para Butler (2017, p. 79), a articulação plena não pode ser o propósito do trabalho analítico, uma vez que poderia implicar um domínio sobre o material inconsciente, que o transformaria em articulação reflexiva e consciente. Porém, isso pode destruir um dos princípios mais importantes da psicanálise. A narrativa em fracasso se relaciona também com impossibilidade de que o inconsciente possa ser total e exaustivamente traduzido. Quanto mais se narra, mais se prova impossível fazer um relato de si mesmo. Pois há um ponto inarrável, um "umbigo".

O sujeito do inconsciente diz mais do que sabe, e isso quer dizer que há na palavra alguma coisa que é escrito. O inconsciente não é um tipo de memória, onde tudo já está escrito e a questão é ler, mas se tomarmos como sujeito, o "está escrito" se encontra na palavra.

Com efeito, não se reconduz o sujeito ao puro "está escrito" da lembrança. A construção dependerá do sentido que se dará às histórias e da função que os significantes poderão tomar. É a partir do futuro que um fato do passado recebe seu sentido; a verdade da história não é a exatidão do ocorrido, mas o remanejamento do que aconteceu, sob uma perspectiva posterior (MILLER, 1996, p. 99).

Para finalizar, a escrita da reconstrução da história é também fator que favorece o desgaste de sentido. Ou seja, o desgaste de sentido decorre da leitura que se faz da história, através da própria matéria-prima, esse centro de gravidade do sujeito, e do ato de reconstruir, que causa sentido, mas que por outro lado, faz o desgaste desse mesmo sentido. Intervém aqui a possibilidade de ler de outro modo. Logo, narrar tem efeitos de corrosão no sujeito. A história é a leitura que se faz.

Até que ponto se pode pensar a história também como contingência na experiência analítica e sua relação com a verdade?

Escreveu Mark Twain:

Uma autobiografia é o mais verdadeiro de todos os livros; ainda que ela consista principal e inevitavelmente de supressões da verdade, distorções da verdade, revelações parciais da verdade, e raramente alguma ocorrência da verdade pura e direta, a verdade sem remorsos está lá, nas entrelinhas, onde o autor lhe cobre de poeira.

Além disso, em Freud ([1939] 1984, p. 144):

Na medida em que a construção traz um retorno do passado, deve ser chamada de verdade.

 

Referências

BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2017.         [ Links ]

CHEMAMA, R. Dicionário de psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1995.         [ Links ]

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ZAVALLA, G. O. La narración analítica. Buenos Aires: Grama, 2004.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: scheherazade_abreu@yahoo.com.br

Recebido em: 30/05/2020
Aprovado em: 10/06/2020

 

 

SOBRE A AUTORA

Scheherazade Paes de Abreu
Psicanalista.
Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG).

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