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versão impressa ISSN 0101-3106
Ide (São Paulo) vol.39 no.63 São Paulo jan./jun 2017
EM PAUTA | PENSAMENTO CLÍNICO E CULTURA DO ESPETÁCULO
What is your sex?
Reinaldo Lobo
Psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, psicólogo clínico e doutor em filosofia (Universidade de São Paulo)
RESUMO
O artigo parte da discussão presente na sociedade sobre o que determina o gênero sexual nos seres humanos. As principais teorias correntes propõem duas hipóteses excludentes: a determinação pela cultura ou pela biologia. O autor propõe à reflexão uma via alternativa de explicação, sugerindo que encaremos a questão de forma mais complexa, do ponto de vista psicanalítico. Além da interação inegável entre o cultural e o biológico, considera o nexo oferecido pelas fantasias inconsciente e a imaginação criadora. Utilizando conceitos de D. W. Winnicott e de C. Castoriadis sobre a elaboração imaginativa do corpo e a imaginação primária na determinação-indeterminação do que há de constituído e de contingencial no sexo, apresenta uma breve vinheta clínica ilustrando o processo inconsciente de invenção da sexualidade.
Palavras-chave: Identidade. Cultura. Natureza. Fantasias inconscientes. Criação.
SUMMARY
The article starts with the current discussion in society about what determinates the sexual gender in humans. The main current theories propose two excluding hypotheses: the determination by the culture or by the biology. The author proposes the reflection about an alternative route of explanation, suggesting that we consider the question in a more complex way, from a psychoanalytic point of view. Besides the undeniable interaction between the cultural and the biological, it considers the nexus offered by the unconscious fantasies and the creative imagination. Using concepts by D.W. Winnicott and C. Castoriadis on the imaginative elaboration of the body and the primary imagination in the determination- indetermination of what is constituted and contingent in sex, it present a brief clinical vignette illustrating an unconscious process of the invention of sexuality.
Keywords: Identity. Culture. Nature. Unconscious fantasies. Creation.
Vivemos na modernidade avançada grandes mudanças na área do sexo e da definição de gênero sexual. Os estereótipos de homem e mulher, de hétero e homossexual, natural e artificial, foram despedaçados por meio das análises de autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze, Judith Butler e Jacques Derrida sobre a ideia de "identidade sexual".
A própria noção de "identidade" explodiu nos escritos desses filósofos. O sexo deixou de ser uma questão "natural" para se tornar uma artimanha de poder na sociedade e na cultura, objeto de uma biopolítica.
A inovação não se deu apenas na esfera das teorias abstratas, mas até nas leis, que estão mudando para dar espaço a uma ampla diversidade sexual e familiar. As práticas sexuais também se alteraram ou, pelo menos, emergiram das sombras e expressaram-se em público com mais liberdade.
Houve, como diz o psicanalista francês Charles Melman, uma espécie de "generalização da perversão". Para ele, que parece não só analisar, mas avaliar essas revoluções, o ser humano tornou-se "sem gravidade". Perdeu certas bases seguras nos registros de continência do sujeito, como o superego, e o solo dos valores, da cultura e da natureza. Está suspenso no ar.
A própria palavra perversão, herdada da sexologia e da psiquiatria do século XIX, já não parece adequada. O lema contemporâneo parece ser: "gozar a qualquer preço". Hoje, o limite para o "ato perverso" é apenas a violência não consentida, o crime de morte e a pedofilia, pois a criança pode ser submetida sem escolha - perversão constitui a prática não consensual entre os participantes.
Os filósofos a que me referi deixaram de lado a "hipótese repressiva" (Foucault), considerada instrumento da psicanálise, e passaram a usar outras chaves explicativas, a começar pelo que podemos chamar de "hipótese manipulativa". O poder estaria por trás de toda definição de gênero sexual e mesmo do que é sexo, impondo educativa e prescritivamente o que é adequado a cada cultura e época.
Outras chaves para a explicação seriam: a desnaturação do sexo - sua culturalização - e um jogo linguístico de novas denominações. Esses filósofos apontam na cultura tradicional um movimento ideológico que consistiria em superestimar o papel da natureza e perpetuar um truque nominal a respeito do que é pertinente, deixando sempre "de fora", numa faixa de marginalidade, o que seria impertinente para a justa definição dos termos e dos papéis.
Assim, viveríamos, até há pouco tempo, em uma cultura exclusivamente "heterocentrada", com o predomínio do esquema binário homem-mulher. Essa única diferença admissível seria o produto de "um contrato social cujas performatividades normativas foram inscritas nos corpos como verdades biológicas", como escreve Judith Butler (2015, p. 235).
Já Foucault havia dito: "não há uma verdade do sexo" (1978, p. 104).
O sexo seria, dessa forma, uma construção social e linguística. Esses autores propõem uma desconstrução das significações consagradas e, além disso, rompem com a separação natureza versus cultura proposta pela sabedoria ocidental há séculos. Segundo eles, essa cisão foi mantida e até consolidada pela antropologia estruturalista de Lévi-Strauss, passível de crítica por isso, assim sendo, sugerem que aquilo que é concebido como "natural" é, na verdade, uma invenção sociocultural, ainda que admitam a existência concreta do mundo externo, como as árvores, as pedras, as plantas e o corpo. Este, contudo, pode ser modificado como a terra, retalhado e acrescido de próteses e de artifícios. Inscritas no corpo estão as marcas da linguagem e do simbólico.
Essas teorias apontam para a dissolução de preconceitos. Nesse sentido, elas têm tido um papel importante na defesa das minorias eróticas e no resgate dos seus direitos civis e humanos, na aceitação das diferenças e na recuperação da singularidade dos indivíduos e do seu comportamento, abrindo uma brecha nas convenções das leis, da psiquiatria, da psicologia e da própria psicanálise.
Herdeiros dessas concepções elaboraram uma filosofia "queer", derivada também dos (e cultivada nos) movimentos LGBT. "Queer" é um termo que antes designava gay de modo a exprimir desprezo. Significa esquisito, estranho, bizarro. O movimento apropriou-se provocativamente do vocábulo, dando-lhe um sentido indefinido que condensaria todas as possibilidades sexuais. Essa teoria "queer" propõe uma radicalização do intercâmbio contínuo e fluido entre as "identidades", ao ponto de dizer que o sexo, ele próprio, é efêmero por ser uma construção cultural e linguageira.
Figura destacada do movimento "queer", a feminista Monique Wittig afirma que num futuro breve que todos seremos unissex ou, se preferirem, bissexuais - mas ocorre que até esse termo pressupõe o binarismo masculino- feminino e, portanto, a imposição da heterossexualidade gestada numa cultura machista. A crítica de Butler a Wittig vai nessa direção, desqualificando um pouco a força do seu feminismo e de sua profecia.
Uma interessante e esclarecedora formulação é a da filósofa/filósofo espanhol/espanhola Beatriz Preciado, professor/professora na Universidade Paris VIII, onde ensina teoria dos gêneros. Sua própria aparência - usando um buço ou bigode, além de uma "pera" masculina sob os lábios, e o fato de se autodenominar ora autor, ora autora - indica a ambiguidade de sua "identidade" sexual.
Diz ele/ela, de forma direta, no seu Manifesto contrassexual:
O sexo, como órgão e prática, não é nem um lugar biológico preciso nem uma pulsão natural. O sexo é uma tecnologia de dominação heterossexual que reduz o corpo a zonas erógenas em função de uma distribuição assimétrica de poder entre os gêneros (feminino/masculino) fazendo coincidir certos afetos com determinados órgãos, certas sensações com determinadas reações anatômicas.
A natureza humana é um efeito da tecnologia social que reproduz nos corpos, nos espaços e nos discursos a equação natureza = heterossexualidade. O sistema heterossexual é um dispositivo social de produção de feminilidade e masculinidade que opera por divisão e fragmentação do corpo: recorta órgãos e gera zonas de alta intensidade sensitiva e motriz (visual, tátil, olfativa...) que depois identifica como centros naturais e anatômicos da diferença sexual. (Preciado, 2014, p. 25)
Por essa ótica, há evidentemente um questionamento inevitável da psicanálise freudiana. É quase uma negação ou desconstrução das formulações psicanalíticas desde as pulsões, passando pelo prazer de órgão até as instâncias organizadoras dos impulsos.
A teoria queer aponta, ou melhor, denuncia o suposto básico do pensamento de Freud: a diferença sexual. Sendo binária, está presente, inclusive, na bissexualidade de fundo, orgânica e psíquica. É, para ele, igualmente o fundamento das formações do inconsciente e das identificações envolvidas no complexo de Édipo.
Se a sexualidade é construída a partir de uma matriz de origem cultural e linguística imposta "de fora" pelo poder, então tudo deriva dessa determinação constitutiva. O seu núcleo é, portanto, político.
O polo oposto
O debate sobre a diversidade tem, contudo, pelo menos mais uma posição epistemológica antinômica a respeito da determinação do "sexo" e da "identidade de gênero". É o materialismo científico.
Nessa outra ponta - digamos mais clássica e conservadora -, ressalta-se o peso ontológico da Natureza, em suas vertentes químicas, biológicas e físicas. Por esse ângulo, o sexo e o gênero são determinados pela anatomia, pelos hormônios, pelos cromossomos e pela combinatória do DNA e do RNA. Pelo corpo e pela genética, enfim.
"A anatomia é destino", sentenciava Napoleão, num comentário célebre que se tornaria ainda mais difundido no século XX, na discussão sobre feminismo.
Para essa corrente de pensamento, a sexualidade é um dado natural e o comportamento deveria coincidir com a anatomia e a biologia. Seus estudos etológicos e psiquiátricos destacam, contudo, que existem variantes, fenômenos paradoxais, concebidos geralmente como "desvios". Seu objetivo epistemológico é a busca de uma invariância de ordem natural. Assim, utiliza métodos estatísticos bem conhecidos, evidências médicas, e tem realizado pesquisas com amostras populacionais, com pares de gêmeos uni e bivitelinos para encontrar respostas que levem às definições de condutas "normais" e "patológicas".
Uma crítica e uma hipótese
As duas posições epistemológicas, situadas nos polos opostos da discussão sobre a diversidade sexual, contêm, sem dúvida, contribuições teóricas verdadeiras e informações empíricas importantes. Gostaria, porém, de contribuir modestamente, primeiro, com uma crítica a um pressuposto de ambas as posturas, e, depois, oferecer outra via de reflexão, por meio de uma hipótese enformada na filosofia e na psicanálise, sobre a criação de modos de ser na esfera sexual.
Tanto a visão construcionista - que imprime ao termo subjetivação o significado de construção - quanto a ótica naturalista promovem uma relativa "dessubjetivização" do sexo e daquilo que Freud chamou, de saída, de psicossexualidade.
A visão construcionista minimiza a função e a presença das fantasias, sobretudo inconscientes, enquanto o naturalismo as omite. Tratam do mesmo modo o prazer representacional, o desejo e a imaginação criadora do sujeito, fazendo uma opção redutora da complexidade psíquica pela escolha das dimensões externas à subjetividade.
No caso de Foucault, por exemplo, ele abre espaço, no exame dos "saberes" sexuais, para o gozo e fruição eróticos, ao criticar a medicalização do sexo e ao elogiar as práticas orientais. Nessa tradição do Oriente, a sensualidade é explorada e tratada como um meio para o êxtase e a comunhão religiosa: uma via para o sagrado. Mesmo assim, nosso autor detém-se nesse ponto, não toma como foco o mundo interno, os sonhos, os fantasmas ou o imaginário.
Poder-se-ia conjecturar sobre uma resposta do filósofo: essa seria uma tarefa dos psicanalistas e o seu papel intelectual como "historiador" (assim se chamava) seria apenas o de examinar o entorno sociocultural - a epistemé datada, as condições de possibilidade da própria psicanálise e os jogos dos micropoderes.
Seria possível retrucar, no entanto, que ao fazer seu trabalho sobre a sexualidade, deslocando o sujeito de tal forma do centro da cena - ao ponto de declarar a "morte do sujeito" -, Foucault anulou o próprio núcleo do discurso psicanalítico. A psicanálise nunca se desfez inteiramente da noção de sujeito, mesmo assumindo que seja, intrinsecamente e por definição, um sujeito dividido.
Nossa hipótese sobre a diversidade sexual e também sobre a atividade sexual parte, primeiro, da existência de uma subjetividade humana que tem ligação com um sujeito da produção de desejo e da construção de um imaginário.
Dito de forma bem sintética, a hipótese é de que não existe apenas determinação - causalidade ou sentidos unívocos na esfera do sujeito. Em outras palavras, há um grau considerável de indeterminação psíquica, capaz de criar modos de ser e de gerar novos sentidos.
Ou seja, há uma criatividade primária e uma elaboração imaginativa do corpo, como diz Winnicott, capazes de dar à luz configurações imaginárias no campo sexual, afetivo e psicossomático.
O pensamento de Winnicott é uma ontologia da criação. Não nos esqueçamos de que o bebê cria o mundo e o encontra. Sua criatividade primária dá origem a uma ilusão que parece (e, para o bebê, é) real e constitui a via de acesso ao princípio de realidade.
A partir de um núcleo primário de expectativa, surge um controle onipotente sobre o real e a criação de um mundo próprio. Esse núcleo é gerador de "identidades" variadas que são configuradas e limitadas em um campo possível, o ambiente - mais exatamente, o outro da satisfação das necessidades e do reconhecimento.
A ilusão inicial busca uma uniformidade no modo de ser, um "sentido" em meio ao caos de um universo novo. A psique humana é disfuncional, disruptiva e irracional - ao contrário do animal, que é racional, funcional em impulsos e comportamento. A mente é dotada de uma imaginação que não para de criar modalidades de ser, formas, afetos e impulsos. Exige, em consequência, a estabilidade de duas fontes: a imposição de um "sentido" de um "mundo próprio" do sujeito e a aceitação vinda de "fora", do ambiente, para se constituir. O vir a ser exige a liberdade para a continuidade de ser. Dá-se no espaço potencial.
Diz Winnicott:
Trata-se de um acordo entre nós e o bebê: que nunca faremos a pergunta "Você concebeu isto, ou isto lhe foi apresentado a partir do exterior?". O detalhe importante é que não se espera nenhuma decisão sobre esse ponto. A questão não é para ser formulada. (Winnicott, 2008, p. 17)
Quando há falhas ambientais e a desilusão não chega por uma via suportável, ou suficientemente boa, a psique gera uma identidade de mundo próprio centrada numa mônada que rejeita o que não é ela própria e só legitima aquilo que inventa. Usa os modelos identificatórios disponíveis e sofre as contingências da experiência concreta. O sujeito fica randômico, mas também criativo.
O núcleo imaginativo e radical da psique, constituído pelo fluxo caótico de imagens, afetos e representações, pode dar origem tanto a uma construção de um falso self quanto a uma representação científica; uma configuração poética ou um estilo de vida; uma preferência sexual ou uma identidade pessoal do tipo de Hitler. A sua produção não é boa nem má. Apenas vem a ser.
Vinheta clínica
Há vários anos, fui procurado por um talentoso jovem artista plástico, na faixa dos 20 anos, oriundo de uma família de fazendeiros ricos do interior, que estava em meio a perturbações de "ansiedade aguda" e algumas "alucinações".
A crise começou quando foi assistir a uma ópera com o irmão mais velho, um empresário, e, durante o espetáculo, passou a confundir-se com as personagens em cena. Tomado pela encenação, imaginava - ou melhor, sentia - estar no cenário, cantando e tomando o lugar do tenor, que, em certos momentos, alçava voo, erguido por uma presumível roldana no teto do palco.
Ao sair do teatro, sentiu que seu rosto se despersonalizava, mudava e tomava a forma de uma personagem de opereta ou, quem sabe, de um monstro irreconhecível. Ficou aterrorizado, não conseguiu dormir e, depois de alguma hesitação, pediu ajuda ao irmão.
Foi levado a um psiquiatra, que disse não se tratar de uma psicose, mas de um "momento psicótico" funcional, de alguém que sofria de uma "neurose de angústia". Deu-lhe um ansiolítico e recomendou análise. E, assim, Gabriel chegou, permanecendo comigo certo número de anos.
Logo que o vi, chamou-me a atenção sua delicadeza ao falar e ao agir. Sua cautela e seu medo de não conseguir expressar o que vivia. Mas o mais notável é que parecia caminhar nas nuvens, como se flutuasse.
Compreendi que aquilo era a expressão psicossomática da fantasia inconsciente de voar acima das coisas e dos seres humanos, como foi significante no sintoma de se identificar com o tenor da ópera.
Algumas sessões depois do primeiro encontro, falando baixinho, perguntou-me se tudo na análise era absolutamente sigiloso. Tranquilizei-o e, então, ele falou:
- "Sou um anjo." Indaguei de que tipo. Ele:
- "Existe uma hierarquia. Há os anjos, os homossexuais, os gays, os veados, as bichas loucas... Estou no topo, mas tenho medo de decair."
Pergunto como decairia. Responde devagar, tentando ser didático para um leigo entender, sempre com a voz delicada, quase sussurrante:
- "Sou virgem, mas tenho desejos que me assustam. Não posso perder a minha condição de anjo, intacto." Imaginei ingenuamente, como um leigo, claro, que seu temor tivesse razões morais ou religiosas. Falei sobre isso.
Gabriel virou um pouco a cabeça no divã, como se quisesse me olhar, incrédulo com a minha ignorância, e, um pouco hesitante, sentenciou pausadamente:
- "Para continuar anjo, devo me distinguir dos outros... homossexuais. Decidi só olhar para os homens e seus corpos bonitos. Vou aos lugares e fico olhando. Mas tenho medo..."
Foram centenas de sessões com muito cuidado, flutuando com ele nos céus, sem ferir sua integridade e deixando que se expressasse como quisesse e pudesse. Contou-me que seu pai era um duro e ríspido fazendeiro; sua mãe, uma mulher fina, elegante e delicada.
Numa determinada manhã, trouxe-me de presente um desenho de bico de pena e uma aquarela.
No primeiro, havia um anjo num alto pedestal, figura bem bonita, mas que projetava uma grande sombra escura. Contou-me que aquele foi o primeiro desenho que apresentava para alguém. Na aquarela, bem colorida, tinha apenas a figura de um porco no chiqueiro, chafurdando na lama.
Pensei então que, para além do narcisismo, havia um caminho possível para a integração entre o anjo de sua criação, as sombras e a sujeira do chiqueiro, para vencer os seus tormentos. Havia um ser inconsistente em busca de integrar partes do seu self, ameaçado de se tornar um "anjo decaído".
Hoje, Gabriel é um artista muito bem-sucedido, uma referência respeitada, com exposições em grandes salões e fama internacional.
Recentemente, encontrei-o numa situação social em que parecia alegre e descontraído, ao lado de um presumível parceiro: um homem forte, musculoso, com traços quase grosseiros. Bem diferente do universo dos anjos.
INCONCLUSÕES
Parece que não escolhemos a "identidade sexual" que temos. Não, pelo menos, como se escolhe uma roupa na loja. Mas, em certo sentido, podemos pensar que a inventamos imaginativa e inconscientemente, por uma combinatória de eventos externos, investimentos afetivos, identificações, fantasias, contingências e uma história pessoal.
O elemento que talvez precisemos ressaltar é o ser imaginário criado como nova determinação e constituído dentro de nós, assujeitando-nos e nos fazendo sujeitos na mesma operação. Construímos, sim, uma sexualidade, só que de "dentro para fora" e vice-versa. Criamos e encontramos. Vamos amadurecendo gradualmente em direção à conquista plena da própria sexualidade, seja qual for, o que deriva - se tudo der mais ou menos certo - de ser sujeito reflexivo de si mesmo, isto é, a chegada da autonomia.
Freud falava da "escolha de objeto" e se perguntava se não havia uma intersecção entre fantasia e contingência. Por exemplo, na escolha de um fetiche. Talvez possamos falar na "escolha" do sujeito que seremos ou somos, invenção radicalmente inconsciente, na intersecção entre criação imaginária e encontro com o outro.
REFERÊNCIAS
Butler, J. (2015). Problemas de gênero - Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. [ Links ]
Castoriadis, C. (1978). Les carrefours du labyrinthe. Paris: Éditions du Seuil. [ Links ]
Foucault, M. (1978). Histoire de la sexualité. Vol. 1: La volonté de savoir. Paris: Gallimard. [ Links ]
Melman, C. (2002). L'homme sans gravité - Jouir à tout prix. Paris: Denöel. [ Links ]
Preciado, B. (2014). Manifesto contrassexual - Práticas subversivas de identidade sexual. São Paulo: Ed. N-1. [ Links ]
Winnicott, D. W. (1999). Playing and reality. Londres: Routledge. (Trabalho original publicado em 1971). [ Links ]
Wittig, M. (1969). Les guérillères. Paris: Les Éditions de Minuit. [ Links ]
Endereço para correspondência:
REINALDO LOBO
Rua Caçapava, 49/101
01408-010 – São Paulo – SP
tel.: (11) 3062 8802 / (11) 97468 1104
rl.reinaldolobo@gmail.com
Recebido 23.03.2017
Aceito 13.05.2017