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Ide

versão impressa ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.44 no.74 São Paulo jul./dez. 2022  Epub 02-Ago-2024

https://doi.org/10.5935/0101-3106.v44n74.07 

2022: Uma odisseia antropofágica

ULISSES E OS COMEDORES DE PÃO

Ulysses and the bread eaters

Eva Maria Migliavacca1 

Analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). São Paulo

1Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo


Resumo

Este trabalho contém uma reflexão a respeito de um valor da cultura grega antiga, a piedade, presente em atitudes de Ulisses em seu trajeto à casa. O texto destaca os comportamentos que compõem a ação piedosa, em especial, os rituais fúnebres, e a relaciona com elementos que definem o homem civilizado, que Ulisses pretende encontrar no caminho. O artigo considera a piedade - eusebeia, em grego - como um valor perene e necessário nos tempos atuais.

Palavras-chave: piedade; rituais fúnebres; homem civilizado e Ulisses

Abstract

This work is a reflection on piety, an ancient Greek culture value that can be found in Ulysses attitudes on his way home. It highlights the behaviors that can make up the pious action, mostly the funeral rituals, and relates it to elements that define the civilized man, whom Ulysses plans to meet along the way. The article considers piety - eusebeia, in Greek - as a perennial and necessary value in the present times.

Keywords: piety; funeral rituals; civilized man and Ulysses

Ulisses é um herói de muitas qualidades. Dotado de grande inteligência, esperteza e capacidade estratégica, também tem grandeza guerreira e espírito aventuresco. É criativo nos expedientes com os quais explora e sobrevive às mais perigosas e, por vezes, complexas situações. Movido pela necessidade e curiosidade diante daquilo que encontra em seu caminho, ele revela acima de tudo prudência e paciência. Não para menos, sua companheira constante é a deusa Atena, divindade do pensamento claro, da estratégia, do planejamento, do saber fazer, a deusa que representa “a divina clareza do ato pensado”, como melhor diz Medina Rodrigues (1988, p. 25). Seu retorno para casa, centro motor da Odisseia, é acidentado e recheado de momentos de incerteza, que requerem lucidez e planejamento. Em tudo o que enfrenta, o herói usa essas qualidades.

No entanto, Ulisses não é um herói irretocável. Mesmo em textos antigos, por vezes ele aparece a uma luz bem pouco favorável, como intrigante, enganador e mentiroso. Já na Ilíada ele não é desenhado sempre com as melhores tintas. Na tragédia, o aspecto traiçoeiro de seu caráter é especialmente destacado nas peças Ájax e Filoctetes, de Sófocles, que, ao que parece, não devia gostar muito dele. Mais tarde, Dante, que não leu Homero,2 mas o conheceu por Virgílio e Ovídio (Lourenço, 2011), coloca-o envolto em chamas nas profundezas do penúltimo círculo do Inferno, destino dos traidores e conselheiros fraudulentos, ainda que ponha em sua boca uma belíssima fala, até bastante citada.3 Na verdade, essas contradições o humanizam, e ele não fica assim posto num plano supra-humano.

É na Odisseia que aparece o herói-modelo. O próprio nome do poema composto para relatar sua saga poderia ser visto por nós como um destaque, pois deriva de seu nome grego, Odisseu. Complexo, expoente modelar dos longínquos tempos homéricos, inspiração para o grego em seu cotidiano, sem dúvida, não cabe a nós julgar seu caráter. Mormente por ele apresentar, além do enumerado acima, outras características que atravessam os tempos sem perder importância e significado. Entre elas, a piedade, que era um dos valores centrais em todas as polei gregas, mesmo com diferenças tão grandes quanto as que havia entre Atenas e Esparta, por exemplo. Ulisses prima pelo temor aos deuses e não negligencia o ato piedoso, o que fica claro em alguns momentos cruciais do poema.

Eusebeia

Naqueles tempos moralmente distantes dos nossos em alguns aspectos, a religiosidade abrangia a vida em seu todo. Tudo era impregnado da presença do divino. A vida era sagrada, a natureza, o mundo, as coisas conhecidas e as incompreensíveis, tudo era manifestação do divino. Não era algo persecutório ou ameaçador, mas sim um reconhecimento de que o universo é ordenado pela divindade (Snell, 1982). Esse reconhecimento expressava-se no próprio modo de viver, ditado por valores religiosos.

Eusebeia é o equivalente em grego à palavra piedade em português; nenhuma relação com “sentir pena” ou “ter dó”. É uma palavra que não se refere a um conceito abstrato que precisaria ser ensinado, nem se restringe a uma reação emocional. Como tantas palavras no grego, essa também tem uma conotação concreta. Todo cidadão sabe a que ela se refere e quais atos ela designa. Não é necessário defini-la conceitualmente. Eusebeia indica o sentimento que une o homem aos deuses e que se manifesta de modo visível a todos por meio de comportamentos. Em essência e desde sua origem, piedade se reconhece pelo respeito e pela honra à família, aos pais e aos mortos. Posteriormente, passou a contemplar várias obrigações que deviam ser cumpridas em relação aos deuses, aos outros homens, vivos ou mortos, e à polis (Leite, 2014). O delito de impiedade atrai a fúria divina sobre o faltoso e até sobre toda a comunidade; traz desequilíbrio e desarmoniza a relação entre os humanos e a divindade. Ao homem cabe cuidar de manter o equilíbrio ou recuperá-lo. Honrar os mortos com a realização de ritos fúnebres permaneceu desde sua origem longínqua e adentrou a Grécia Clássica, como um elemento central da eusebeia. Os mortos são para serem respeitados. Os faltosos podem ser duramente castigados, pois ofendem um valor religioso essencial.

No relato da história da Guerra do Peloponeso, Tucídides (1987) conta inúmeras vezes como, após as batalhas, os lados rivais declaravam uma trégua para que todos recolhessem os corpos dos soldados que pereceram. Como diz Tucídides, após cada investida, os sobreviventes “declaravam uma trégua para recolher os mortos”; “recolhiam os cadáveres sob trégua”; os inimigos “entregavam os mortos” uns aos outros; ou “devolveram os corpos mediante trégua”; cada exército permitia a entrada da parte contrária em seu terreno para “recolher os corpos dos que pereceram”; todas as batalhas terminam com essa ação, seguida da realização dos ritos fúnebres. Não importava o lado em que lutavam; identificando a si mesmos como helenos, os habitantes das diferentes cidades tinham em comum a piedade como um valor inarredável. Tucídides morreu antes de terminar a História. Xenofonte, mais à frente, conclui o relato. É ele quem conta um fato conhecido ao final da difícil batalha das Arginusas (Scott, 2010). Impedidos por uma forte tempestade, os generais atenienses deixaram de recolher os sobreviventes e os corpos dos que morreram. Contavam-se as perdas aos milhares. Apesar de terem tido uma vitória importante, os oito comandantes foram acusados de impiedade, julgados e executados (dois fugiram). Isso se revelou estrategicamente desastroso para os destinos da guerra. Em breve o povo se arrependeu da decisão (Sano, 2018), pois perdeu seus melhores generais, o que acelerou a derrocada de Atenas, dando fim àquela guerra fratricida. Esse fato se deu no século V a.C.; Ulisses é bem anterior, e tal comportamento já era fortemente presente e incluído no campo do sagrado.

O homem não dá a vida. Nem o deus grego é criador; mas a vida é um mistério que está associado à divindade. Por isso, algo a ser respeitado e até reverenciado. Piedade, portanto, representa um reconhecimento ativo daquilo que indica a presença dos deuses. Ao fazê-lo, o grego piedoso se põe em seu lugar, não se ufana, nem sequer quando se trata de seus inimigos. Não cabe vangloriar-se diante dos que morreram. Cada povo tem seus mitos a respeito do que é a morte e de qual é o destino dos mortos. A morte é o desconhecido. Não o matar. Matar é um ato no qual o Homo tem se especializado e sofisticado até o inconcebível, desde que pela primeira vez manejou um objeto contra outro ser vivo. Nisso ele é - ou nós somos - expert como nenhum outro animal de qualquer espécie é capaz de ser. O homem pode tirar e tira a vida de outro homem, muito mais frequentemente do que se gosta de pensar. Mas a morte e o destino dos mortos - tal coisa escapa dos dedos.

Ulisses, como, de resto, todo homem grego daqueles tempos longínquos, Ulisses o sabia. E, em seu retorno a Ítaca, ele quer e precisa encontrar homens piedosos, pois só com eles poderá entabular algum tipo de conversa e fazer algum acordo que o beneficie e ajude.

A caminho de casa

Homero conta que, ao aportar em uma terra ou ilha desconhecidas, Ulisses envia seus homens, mesmo famintos e extenuados, a verificar quem são os habitantes do lugar. Suas instruções são que descubram se os nativos são “comedores de pão e tementes aos deuses”.

Comedores de pão conhecem o plantio e a arte de usar o fermento e cozinhar o trigo; conhecem o fogo e, portanto, transformam os elementos brutos da natureza em produtos nutritivos e assimiláveis pelo organismo humano, digeríveis e também passíveis de trocas com outros homens. São agricultores que aprenderam a conhecer e a enfrentar as dificuldades de lidar com a terra e com as alterações climáticas, que conseguiram reconhecer quais plantas eram comestíveis. Não têm um comportamento puramente predatório e são capazes de ser hospitaleiros. Conseguem sentir empatia para com o viajante, pois eles mesmos também empreendem viagens e conhecem as dificuldades dos caminhos.

Comedores de pão também são tementes aos deuses. Realizam sacrifícios e sabem qual é seu lugar diante da divindade. Temer aos deuses inclui, na tradição grega, reconhecer seu lugar como homem: ser homem é ser mortal. A distinção é bem nítida, os deuses estão em outro patamar, são imortais. A eles os homens oferecem sacrifícios, queimando primícias das colheitas ou partes de animais, cuja fumaça sobe até o Olimpo e os alimenta. Todo homem que os teme reconhece em outro homem o seu igual e pode, portanto, acolhê-lo como um dia venha a necessitar ser acolhido. Por isso, o temente aos deuses é hospitaleiro.

Junto com o pão, a feitura do vinho, ambos produtos do engenho humano e que estão no topo das conquistas do processo civilizatório. São transformações extraordinárias e que surgiram com uma distância temporal de milênios. A fermentação do vinho, bem mais antigo, teria sido elaborada cerca de 8.500 anos atrás, ao passo que o cozimento do pão remonta a 6.000 anos (Jacob, 2003; Phillips, 2014). Chegou-se ao resultado final por inferências, suposições, hipóteses, às quais antropólogos e historiadores da cultura se debruçam e modificam continuamente. Na verdade, pouco sabemos e menos ainda nos detemos na consideração desse fantástico progresso e no enorme preço em vidas de animais e homens que ele cobrou (Diamond, 2002). Ambos, porém, não foram descobertas repentinas, mas frutos de observação e experimentação, de paciência e pesquisa. E passaram a fazer parte da alimentação cotidiana, em especial, o pão. Revelam o que se poderia chamar de um resultado do espírito humano, a centelha divina que Ésquilo tão maravilhosamente poetou em Prometeu acorrentado: todo o progresso técnico e espiritual foi proporcionado pela intervenção da divindade. Por isso, elementos como pão e vinho - dom de Dioniso - indicam a presença de um ambiente civilizado. Ulisses busca a civilização. Daí que, comer o pão, com o mundo de significados nele incluído, é o primeiro critério de Ulisses.

Portanto, Ulisses quer saber se encontrará seres que tenham parte com a divindade, isto é, que receberam dos deuses os dons civilizatórios; esses são perfeitamente representados pelo que deriva do uso do fogo. O homem precisa do fogo para cozinhar o pão e realizar sacrifícios, e com isso se descobre um ser transformador; pode ser inventivo e experimentar o novo tanto com base em seus recursos próprios quanto pelo uso do que aprende com a observação. Ter parte com os deuses e receber deles o fogo significa também estabelecer certa ordem moral que virá a compor a organização da convivência humana. Significa ser parte de um mundo civilizado que, por sua vez, é construído pelo homem que não se contenta com viver na natureza em seu estado bruto. Pois o Homo não se satisfaz com o puramente instintivo e estabelece regras que possibilitam a convivência e o crescimento da comunidade. Necessidade de sobrevivência e adaptação somadas a alguma curiosidade, ainda que difusas e inconscientes, devem ter levado nossos ancestrais a observar, refletir, ponderar, pesquisar, avaliar, analisar, pensar, agir. Essas qualidades, aliás, abundam no herói da Odisseia.

Ulisses, pois, está interessado na hospitalidade dos nativos. Ele quer trocar presentes, alimentar-se decentemente e dormir num leito limpo e macio. Quer ser ajudado a voltar para casa e essa ajuda ele só pode obter dos comedores de pão. No encantador encontro com a princesa Nausícaa (rap. VI): o herói de muitos expedientes, maduro e experiente, nu diante da jovem doce e inocente, bela como “um rebento novo de palmeira”, implora por ajuda, pois está desamparado e perdido em terra estranha. Conta sua história de peregrinação e invoca os deuses ao pedir amparo. Ulisses é capaz de cuidar, mas agora ele precisa de cuidados. Fica clara a inversão de posição. Qualquer um pode ficar fragilizado e indefeso, e os indefesos são para serem respeitados e protegidos. Ou mesmo amados. A hospitalidade é sagrada, protegida por Zeus; o hóspede é sagrado e, antes mesmo de revelar quem é e o que busca, ele é banhado e alimentado. A recepção a Ulisses na terra dos Feaces (rap. VII) mostra esse ritual de modo primoroso: na corte do rei Alcino, pai de Nausícaa, Ulisses fica no centro.

No episódio do ciclope Polifemo, é o próprio Ulisses quem se encarrega de descobrir quem e como são os nativos da ilha. O conflito com o ciclope ilustra bem o contraste entre o que o herói espera encontrar e seu oposto. Ulisses não sabia como era ou se comportava o ciclope. Por isso, implora mercê. Polifemo bem encarna o rústico não civilizado, selvagem e feroz (Borgeaud, 1995): alimenta-se de carne crua e de carne humana; menospreza os deuses, mesmo sendo filho de um, Posídon; não realiza sacrifícios; não cozinha, mesmo sendo capaz de produzir fogo; vive só em sua caverna com ovelhas e carneiros. Polifemo não era páreo para Ulisses, que se vale de dons civilizatórios para ludibriá-lo: fogo, vinho e ferramentas. Como prelúdio para o ataque, ele embebeda4 o ciclope com um vinho “doce como o mel”; a seguir, afia a ponta de uma estaca, aquece-a ao fogo5 e com ela fura o único olho do monstro, escapando assim de um destino cruel. Além disso, o herói faz uso da palavra para se safar com mais segurança, ao identificar a si mesmo como Ninguém. Só a capacidade representativa - pois ele tem que conceber o plano -, capacidade essa sintetizada no nome-palavra que ele dá a Polifemo, possibilita que ele saia de uma paralisação apavorada para uma condição de pensar friamente uma solução para o impasse perigoso em que se encontrava. Assim, ele contém o medo a fim de decidir a melhor maneira de sair de uma enrascada que poderia ser fatal. A vida e a necessidade de descobrir estratégias novas são uma condição necessária e contínua para a sobrevivência. Desconhecido não é tão só a morte. Ulisses o sabe.

É pelo contraste humano-divino que se determinam as regras de conduta e de convivência. O reconhecimento de seu lugar diante das imponderáveis forças divinas por parte de Ulisses está presente em todo seu comportamento. Seja ao enfrentar monstros, forças da natureza ou o mistério da morte, ele se compenetra de seu alcance e seus limites. Ele é comedor de pão e temente aos deuses. E o que são os deuses? Deus é o desconhecido, é o incontrolável, a vontade autônoma e caprichosa. Pode agraciar ou destruir os mortais, conforme suas inclinações. Atena protege Ulisses, Posídon o persegue; na Ilíada, Apolo luta a favor dos troianos, Hera luta pelos aqueus. O mito torna próximo o deus, pois a narrativa mítica permite conhecer suas preferências. E os rituais religiosos, como os sacrifícios, alimentam a expectativa de que o deus seja influenciável. Os deuses não correm riscos. Ser homem, ser mortal, significa correr riscos. Se os deuses se ofendem ou se enfurecem, o perigo aos homens é devastador. Daí a necessidade de atenção para com o que lhes é devido. A distância é marcada e marcante. Na humanização dos deuses, o herói nunca se confunde com ele. O poder é maior. Não há amor nessa relação, mas o reconhecimento explícito do lugar de cada um. A transgressão provoca punição. Finley (1982) assinala que no mundo de Ulisses era clara “a consciência de existirem no universo forças que não poderia controlar nem compreender realmente. Isso levava a uma posição de respeito para com essa faceta da vida” (pp. 131-132). Para o homem grego antigo tal atitude, contida na eusebeia, foi incluída entre os valores religiosos. Tudo isso torna temível o deus. Mauss e Hubert (2017) examinam o ato sacrifical em várias civilizações. Pouco se detêm na grega, mas referem dela alguns aspectos importantes. Ao manejar o machado em certos sacrifícios de sangue, o sacerdote foge apavorado imediatamente após descer a arma sobre a vítima. Pois o instante da morte o põe em contato com um perigo cuja força ele desconhece, que lhe pode ser mortífera. E que ele teme profundamente. O deus fulmina a quem entra em seu campo. O sacrificante foge para evitar ser contaminado por uma força tida como incontrolável. Há uma divindade perigosa do outro lado. A fronteira é tênue. Mesmo atormentados por tais temores, os gregos acreditavam que a realização de sacrifícios protegia o homem da ira divina contra a impiedade, pacificava o deus da morte e abria as portas do Hades, destino final de todos. Daí a extrema importância da realização dos rituais fúnebres.

A exemplo de tempos passados, no mundo civilizado de hoje, não costumamos deixar corpos apodrecendo sobre a terra, ainda que isso seja frequente nas guerras e, infelizmente, em cenas que vemos nos meios de comunicação. Também temos nossos rituais. Em geral, enterramos ou cremamos os mortos, cuidamos dos túmulos, em cada religião há procedimentos que ajudam a lidar com a perda e o luto. O que fazemos com os vivos, sobretudo os indefesos e desvalidos?

O exemplo das aranhas

Em 2017 foi publicado o resultado de uma pesquisa desenvolvida por Moura, Oliveira, Vasconcellos-Neto e Gonzaga na Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), na área de Etologia. Os pesquisadores identificaram um comportamento sui generis na espécie de aranha Marrogea Porracea. Os machos têm um comportamento cuidadosamente protetor para com a teia com os ovos ainda por eclodir, mesmo sem terem sido eles que geraram aquela prole. Esse comportamento havia sido identificado em uma espécie de aranha africana, mas com a prole recebendo a proteção de toda a comunidade. No caso da espécie brasileira, tal comportamento é individual. Não importa quem gerou: os filhotes são para serem cuidados, alimentados e protegidos até que possam cuidar de si mesmos. Qualquer macho adulto exerce esse cuidado protetor.

Essa pesquisa foi uma das publicações mais lidas na Agência fapesp durante o mês de abril de 2021. E faz seres da “superior” espécie humana, que tenham um mínimo de consciência, corar de vergonha. Afinal, não são poucas as vezes em que adultos têm para com suas “crias” um comportamento destrutivo e que chega a provocar arrepios, além de dor e indignação. Desde abandono em latas de lixo até espancamentos, abusos e assassinato, alguns chegam a conhecimento público, mas muitos, certamente, ficam na penumbra.

O infanticídio sempre aconteceu em várias civilizações antigas (incluindo algumas cidades gregas); assim também o sacrifício ritualístico de crianças, que podia ser realizado com extrema crueldade. Por vezes, torna-se difícil reconhecer a função que tais atos tinham em seu tempo e mais ainda aceitar. Prevalece nossa perspectiva atual, pois, como destaca Calvino (1993), o ponto para olhar para trás ou para a frente é sempre o ponto em que nos situamos. Nosso presente interfere no olhar. Olhamos para o passado e supomos o futuro sempre calcados no presente. Não é simples pôr-se na mentalidade do Outro, sobretudo o Outro distante no tempo, conhecê-lo sem julgá-lo. Não para imitar ou reproduzir suas atitudes, mas para conhecer suas razões, pois de certo modo somos seus herdeiros, tanto no que nossa sensibilidade de hoje recusa quanto no que admira.

Desorientação e incerteza oscilam de intensidade diante dos fatos nos quais estamos afundados, mas nunca desaparecem. No entanto, é de se perguntar se não existem certos valores perenes e, sendo afirmativa a resposta, se é possível definir quais seriam. Mesmo que haja consenso universal a esse respeito, nada garante sua realização. Basta verificar o que tem acontecido com as belas propostas de igualdade de todos perante a justiça, ou os célebres direitos humanos, ou a não diferenciação de raça e cor. Permanece a pergunta que indaga a respeito do que é ser civilizado. Certamente não é suficientemente satisfatória a resposta que exalta as conquistas técnicas; outros elementos contam.

Na perspectiva homérica, só comedores de pão tementes aos deuses são capazes de voltar um olhar piedoso para seus semelhantes ou mesmo para com qualquer ser indefeso ou em situação de necessidade. Para os monstros, vivos ou mortos nada mais são do que carne. Em nossos tempos lúgubres, números. Ou ainda pior. Monstruoso é algo que não se reconhece em si ou que não se suporta reconhecer. Mas, mesmo para isso, certa consciência do que é monstruoso se impõe. Na melhor das hipóteses, fica deslocado para outro ser ou objeto. Às vezes, a monstruosidade é contagiosa. Édipo é expulso da cidade, porque as consequências de seus atos estendem-se a tudo o que é gerado por ele, tudo com o que tem contato, ele conspurca a comunidade, e isso é insuportável. Talvez possamos chegar ao ponto de não precisar repetir a ação de Tebas com Édipo.

Chegar a casa

Como bom comedor de pão e temente aos deuses, em Ulisses a piedade se manifesta em alguns belos momentos do poema. Por exemplo, ao consultar a sombra de Tirésias às portas do Hades, mundo dos mortos (rap. IX), Ulisses depara com a alma de Elpenor, companheiro que morreu acidentalmente na casa de Circe. Elpenor lastima estar ainda insepulto e roga a Ulisses que faça os ritos fúnebres e dê um destino a seu corpo, pois senão ele não encontrará seu lugar no mundo do além. Condoído e em lamentos, quando volta à superfície, Ulisses cumpre os rituais. Esse, no entanto, não é o momento mais marcante no qual sua piedade se manifesta.

A chegada de Ulisses a Ítaca não foi nem um pouco pacífica. O reconhecimento e a aproximação ao que terá de enfrentar, assim como a revelação de sua identidade, foram graduais, pensadas, planejadas. Nunca a deusa Atena esteve tão presente e companheira quanto nesses momentos. Desde sua entrada na cidade, disfarçado de mendigo, passando pela descoberta dos que lhe eram leais, até o encontro com seu filho Telêmaco, a revelação a Penélope e o comovente colóquio com seu pai, Laertes, tudo ele organiza passo a passo para finalmente obter sucesso.

No entremeio, o enfrentamento dos pretendentes que “lhe devoravam os bens e cobiçavam a esposa”. Ajudado por Telêmaco e por dois servos fiéis, Ulisses os tranca em uma sala, desarmados e sem saída. Em gesto dramático e inesperado, distende o arco que só ele era capaz de manejar e anuncia a todos quem ele é. Enfurecido, lança flechas contra os apavorados pretendentes e começa uma chacina, como um verdadeiro anjo exterminador. Nenhum sobrevive a sua fúria; morrem todos, sem mercê.

E Ulisses olhou por toda a parte, não fosse ter escapado vivo algum pretendente, escondido, a evitar a escuridão da morte. Mas viu que todos estavam mortos, caídos no meio do sangue e da terra, todos eles, como peixes que os pescadores

tiraram do mar cinzento nas suas redes e deixaram na praia de orla sinuosa, todos amontoados em cima da areia, desejosos de voltar para as ondas do mar salgado, mas o sol resplandecente lhes tira a vida - assim jaziam os pretendentes, uns sobre os outros. (Homero, 2015, rap. xxii, vv. 381-389)

A sala fica coberta de sangue e vísceras. Logo que o morticínio termina, Ulisses manda chamar a velha serva Euricleia, para dar algumas ordens. Quando ela chega

Encontrou Ulisses no meio dos cadáveres dos mortos, conspurcado de sangue e imundície, como um leão, que acaba de comer um boi do estábulo, e tem o peito todo e as faces de ambos os lados manchados de sangue - visão terrível de se ver! Assim com marcas de sangue nas mãos e nos pés estava Ulisses…

(Homero, 2015, rap. xxii, vv. 401-407)

Ao entrar na sala de banquetes - horrível refeição - diante daquela cena de cadáveres e sangue, Euricleia “preparou-se para levantar o grito ululante de exaltação”. Ulisses, porém, a impediu com firmeza:

No teu coração, ó anciã, te regozija, mas sem exultação em voz alta.

É coisa ímpia o regozijo sobranceiro sobre os cadáveres dos mortos.

Estes foram subjugados pelo destino dos deuses e pelos seus atos. Não respeitavam homem algum na terra, vil ou bem nascido, que com eles convivesse. Deu-lhes o desvario uma morte vergonhosa. (Homero, 2015, rap. xxii, vv. 411-415)

Ulisses reconhece a morte horrorosa dos pretendentes, algo de que todo herói foge. Ao mesmo tempo, ele está justificado. Foi o “triste Destino” que levou àquele desfecho, por conta da impiedade dos pretendentes, que nada respeitavam. Ou seja, morte horrorosa, mas merecida, ressalta o herói. Ele não guarda ressentimento. Muito menos tripudia sobre os cadáveres ou permite que outros o façam. Ele não festeja seu feito. Não se ufana, nem se compraz. Apenas declara que uma injustiça foi corrigida.

A partir desse ponto, existem apenas o mistério da morte e o respeito para com os corpos dos que morreram. Os mortos têm seu destino, e isso foge ao controle ou ingerência, mínima que seja, por parte dos mortais. A esses cabem apenas os ritos finais. Matar, sim. Alardear prazer ou júbilo por ter matado, jamais. Menos ainda, indiferença! No fim, Ulisses devolve aos familiares os cadáveres dos pretendentes que ele massacrou para os funerais apropriados.

Essa cena em que o olhar de Ulisses se traduz em uma atitude, um comportamento, ilustra à perfeição esse grande valor da cultura grega antiga, desde tempos imemoriais: a piedade põe o homem civilizado de então em um dos mais prezados e respeitados patamares que poderia alcançar. Pois o piedoso é civilizado: preserva a vida, protege os indefesos e respeita os mortos. A morte deixa o homem em contato com o mundo incógnito e com o deus imprevisível que existe do outro lado. Ulisses, o piedoso, sabe que não convém desafiar poderes que não são controláveis. Nada perde de sua intrepidez e coragem, mas se refreia ao estar diante de algo que foge de seu alcance.

Ontem e sempre

A civilização civiliza o homem. O inverso também vale: ela vai sendo construída e preservada devido aos anseios humanos em proteger a vida comunitária. O homem civilizado adapta-se a regras que ele mesmo cria e que possibilitam o crescimento da comunidade. Quando desmoronam os alicerces que definem a civilização, fica muito difícil distingui-la da barbárie. Tucídides (1987) tem mais do que um par de páginas nas quais discorre sobre os horrores da guerra de seu tempo, como no capítulo VI. Ele interrompe a narrativa dos fatos para refletir a respeito dos excessos de crueldade, massacres e devastação de que sua História está repleta. É impossível não se comover e impressionar com esse historiador por vezes classificado como “seco”. A objetividade e precisão de suas observações as tornam atemporais e perfeitamente apropriadas a nossos tempos. A Ilíada também trata da guerra. Homero em nenhum momento a exalta, pelo contrário. Suas descrições das mortes dos heróis são cruas e, por vezes, arrepiantes. A beleza que percorre o poema ameniza o horror, mas ele está lá. Quando pensamos na civilização grega como um humanismo (Bonnard, 1987), temos em mente valores éticos e morais que engrandecem e dignificam o homem. Na verdade, podiam ter as virtudes como um ideal, mas eram capazes de atrocidades que, já entre eles, causavam horror. E tanto guerrearam entre si, que, movidos por aquilo que Colli (1988, p. 37) chamou de “um insensato impulso de autodestruição”, levaram a própria civilização a uma derrocada irrecuperável. Portanto, longe de pensar idealisticamente, aqueles que chamamos de “gregos antigos”, e que tanto admiramos por suas realizações e pela herança que deles recebemos, estavam bem distantes de serem modelos irretocáveis de virtude.

É perfeitamente possível destruir um povo, arrasar um país, sobretudo, quando conduzido por maus governantes. E os gregos obviamente eram nada mais, nada menos do que homens como todos os homens. Homero, seja ele quem tenha sido, devia saber. Apesar de exaltar o grande valor de Ulisses, o poeta não o retrata num plano propriamente idealizado; no todo da poesia grega, incluem-se suas muitas contradições.

O respeito aos deuses está em plano central durante todo o trajeto de Ulisses. Isso inclui pensar que a vida, como ela é, é um dom divino, qualquer que seja a face do deus em que se acredita. A vida, com tudo o que ela contém desde que se nasce até quando se morre; a vida nos seus aspectos cotidianos, que inclui o respeito para com outros homens, com a organização da cidade, com a família, com os mortos, com tudo o que está vivo e de que dependemos para continuar a respirar. Independentemente da fé que professa, será que o homem moderno não teria perdido essa noção? Poderiam esses aspectos de Ulisses ser modelo para o homem dos tempos sinistros em que vivemos hoje? Poderia a eusebeia ser um valor inspirador para nós hoje?

A alternativa seria, talvez, vivermos como se tudo fosse possível - lembrando o drama dostoievskiano. Teria razão Hesíodo (1983), cerca de 600 anos antes de Cristo, ao lastimar a chegada do tempo da Idade do Ferro, tempo em que ele viveu e que é também o nosso? Uma idade de violência, de uma raça sanguinária, cruel, má, desrespeitosa. Nada animador. Ficaram para trás tempos áureos, ainda que também conflituosos, quando deuses e heróis povoavam o mundo. Sugestivamente, o ferro foi o metal usado em armas potentes para subjugar e devastar a civilização micênica, após o que a Grécia afundou num período de séculos de obscuridade que vários historiadores chamam de Idade das Trevas grega, devido à carência de restos arqueológicos que esclareçam como a vida se desenvolveu naquele período. É verdade que dela surgiram as cidades-estados, um movimento prodigioso e inexplicável.

Poderia esse movimento se tornar um farol para o mundo de hoje? Atualmente, é comum a pergunta a respeito de como sobreviveremos ao ambiente virulento em que estamos. Ou conjecturas sobre o que emergirá daqui a poucos anos. Acredito que um dos elementos que possibilitaram a sobrevivência da humanidade desde os tempos das cavernas passa pela empatia com seu semelhante. Empatia abre espaço para piedade, compaixão, generosidade e ações efetivas no sentido construtivo. Grego ou não, por motivos religiosos ou não, atos ímpios proliferam em nosso meio, muitas vezes em comportamentos tão cruéis, que causam não só perplexidade e repúdio, mas um sentimento de verdadeiro horror. O homem arrogante e excessivo e que se põe além do lugar que lhe cabe - poder sobre a vida e a morte, por exemplo; ou que desrespeita e ofende o que ele não conhece -, esse homem está fadado à destruição, mesmo que apenas os deuses o saibam. Todos, psicanalistas ou não, somos impelidos a admitir tal fato, e é forçoso reconhecer que, no momento atual, as alternativas são, no mínimo, inapropriadas e, no máximo, fatais. Resta tentar compreender a natureza desse “animal de óculos”, como diz Svevo (1980, p. 403), capaz de sobreviver e construir, sendo dotado de tantas contradições.

Concluo com as palavras de Ulisses em chamas nas profundezas do Inferno de Dante Alighieri (1976, Canto xxv, 180-3), ao contar ao poeta a exortação que fez a seus comandados:

Considerate vostra semenza Fatti non foste a vivere come bruti

Ma per seguir virtute e canoscenza.

Levi (1988) evoca esses versos em meio à brutalidade e desumanização do Lager e vive uma experiência de reencontro com a liberdade, junto com seu companheiro. Naquele ambiente medonho, ele é um homem, e não uma besta-fera. Como na experiência de Levi, seu sentido é universalmente apreendido, qualquer que seja o idioma do leitor e ouvinte. São versos que falam por si. Que Dante os tenha posto na boca de Ulisses está bem de acordo com o caráter desse herói.

2 A primeira edição impressa de Homero em Florença se deu em 1488. Dante, bem anterior, não conhecia a língua grega, que caiu em desuso na Europa Ocidental desde o reinado do imperador Constantino (cf. Lourenço, 2011, pp. 8 e 14).

3 Uma das mais comoventes é a lembrança de Primo Levi, que recita essa passagem a um jovem prisioneiro alsaciano em pleno campo de concentração. Apesar da diferença de língua, Levi comunica ao atento companheiro os fragmentos de que se recorda, num momento de esquecimento do medonho lugar em que se encontram (Levi, 1988, pp. 114-117).

4 O vinho era tomado cortado por água, chegando até uma parte de vinho por três de água. Polifemo o bebe puro.

5 Nunes (2001) comenta que incandescer a ponta da estaca seria desnecessário. Sendo pontiaguda, seria suficiente para furar o olho do gigante embriagado e adormecido. Recurso para enriquecer a poesia?

Referências

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