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Tempo psicanalitico

versão impressa ISSN 0101-4838versão On-line ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.51 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2019

 

ARTIGOS

 

O tempo e o objeto na psicanálise

 

The time and the object in psychoanalysis

 

El tiempo y el objeto em el psicoanálisis

 

 

Inês Maria Seabra de Abreu RochaI, II, III*;Márcia RosaII, III, IV**

IPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas - Brasil
IIAssociação Mundial de Psicanálise - Brasil
IIIEscola Brasileira de Psicanálise - Brasil
IVUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Neste artigo, discutimos a noção de tempo a partir da construção do objeto em psicanálise. Percorremos os textos da literatura freudiana, onde encontramos uma tentativa de temporalização da experiência psicanalítica, trazendo a noção do a posteriori na qual Freud inscreve a experiência com o tempo na psicanálise. Na leitura de Lacan, o tempo será modalizado em três momentos lógicos e destaca-se o tempo inaugural de entrada na linguagem, condição primeira para a psicanálise. A investigação sobre o objeto será o vetor de orientação de nosso percurso sobre o tempo em uma psicanálise. Na elaboração freudiana, o inconsciente é atemporal e a satisfação buscada pela pulsão não cessará mesmo com as dificuldades encontradas na realidade. O objeto será a via da satisfação do sujeito e o ponto de ancoragem do seu desejo. Estará em jogo a constituição do sujeito a partir do narcisismo, do qual um primeiro tempo se inscreve no investimento da libido no próprio corpo, tomado como objeto, na própria imagem, uma alienação fundante que antecede a entrada do sujeito na linguagem. Freud nos fala do encontro do sujeito com o objeto; Lacan, por outro lado, nos mostra um percurso em que o objeto terá de ser, antes, construído. Nomeia o objeto a, uma construção lógica que diz do furo, do encontro com a falta do objeto. O objeto a é definido como um objeto não nomeável, um objeto presente-ausente, um objeto causa do desejo. Uma relação do sujeito com a falta do objeto se delineia e se inscreve durante o percurso de uma psicanálise.

Palavras-chave: inconsciente, objeto, psicanálise, sujeito, tempo.


ABSTRACT

In this article, we discuss the notion of time from the construction of the object in psychoanalysis. We go through the texts of the Freudian literature, where we find an attempt to temporalize the psychoanalytic experience, bringing the notion of a posteriori in which Freud inscribes experience with time in psychoanalysis. In Lacan's reading, time will be modified in three logical moments and the inaugural time of entry into language, the first condition for psychoanalysis, stands out. In this article, research on the object will be the guiding vector of our journey over time in a psychoanalysis. In the Freudian elaboration, the unconscious is timeless and the satisfaction sought by the drive will not cease even with the difficulties encountered in reality. The object will be the way of the satisfaction of the subject and the anchoring point of his desire. It will be at stake the constitution of the subject from narcissism, where a first time is inscribed in the investment of the libido in the body itself, taken as an object, in the image itself, a foundational alienation that precedes the entry of the subject into language. Freud tells us about the subject's encounter with the object; Lacan, on the other hand, shows us a course where the object must first be constructed. It names object a, a logical construction that says of the hole, of the encounter with the lack of the object. Object a is defined as a non-nameable object, a present-absent object, a cause object of desire. A relation of the subject to the lack of the object delineates and is inscribed during the course of a psychoanalysis.

Keywords: unconscious, object, psychoanalysis, subject, time.


RESUMEN

En este artículo, discutimos la noción de tiempo a partir de la construcción del objeto en psicoanálisis. Recorrimos los textos de la literatura freudiana, donde encontramos un intento de temporalización de la experiencia psicoanalítica, trayendo la noción del a posteriori en la que Freud inscribe la experiencia con el tiempo en el psicoanálisis. En la lectura de Lacan, el tiempo será cambiado en tres momentos lógicos y se destaca el tiempo inaugural de entrada en el lenguaje, condición primera para el psicoanálisis. En este artículo, la investigación sobre el objeto será el vector de orientación de nuestro recorrido sobre el tiempo en un psicoanálisis. En la elaboración freudiana, el inconsciente es atemporal y la satisfacción buscada por la pulsión no cesará aun con las dificultades encontradas en la realidad. El objeto será la vía de la satisfacción del sujeto y el punto de anclaje de su deseo. En el momento en que el primer hombre se inscribe en la inversión de la libido en el propio cuerpo, tomando como objeto, en la propia imagen, una alienación fundante que antecede a la entrada del sujeto en el lenguaje. Freud nos habla del encuentro del sujeto con el objeto; Lacan, por otro lado, nos muestra un recorrido donde el objeto tendrá que ser, antes, construido. Nombra el objeto a, una construcción lógica que dice del agujero, del encuentro con la falta del objeto. El objeto a se define como un objeto no nombrado, un objeto presente-ausente, un objeto causa del deseo. Una relación del sujeto con la falta del objeto se delinea y se inscribe durante el recorrido de un psicoanálisis.

Palabras clave: inconsciente, objeto, psicoanálisis, tema, tiempo.


 

 

Introdução

Na elaboração freudiana, o inconsciente é atemporal e os desejos insistem em se realizar. Mas sabemos que o inconsciente não é pertencente a algo do eterno, uma vez que ele terá sua existência particularizada em cada sujeito.

A partir da experiência psicanalítica, vemos a atualização do inconsciente, o tempo passado atualizado em atos e palavras no presente da transferência. O psicanalista ocupará um lugar na economia psíquica do sujeito, como adverte Lacan, será o lugar do semblante do objeto a.

Diferentemente do inconsciente, uma psicanálise se inscreve em uma temporalidade própria, que por sua vez testemunhará a existência mesma do inconsciente. Como nos trouxe Miller (2000, p. 50): "Se acentuamos a dimensão atemporal do inconsciente, ele é um ser imutável, que não pode ser modificado. Para que então serviria a experiência analítica? Poder-se-ia responder: para modificar a relação do sujeito com o inconsciente".

Portanto, o objeto terá incidência no tempo de um tratamento psicanalítico, considerando-se que uma psicanálise se dá no tempo de separação do sujeito da demanda do Outro, no tempo do encontro do sujeito com o objeto que está em jogo no seu desejo, com o que o causa. A questão do objeto tal como nos foi trazida na investigação psicanalítica coloca-nos diante de toda uma complexa relação do sujeito com sua própria satisfação. Para Freud (1915/1974), o objeto, por sua variabilidade, é da ordem da contingência, mas será o meio pelo qual a satisfação será atingida, a finalidade última da pulsão.

A partir da formulação sobre o narcisismo, Freud (1914/1974) equaciona o problema surgido no trabalho psicanalítico com os sonhos, acusando-os de serem uma satisfação destinada a satisfazer o "egoísmo do eu", que realiza no sonho um desejo inconsciente que pode abolir a satisfação propriamente sexual. Assim, a regressão libidinal pode ser considerada uma manobra do tempo, uma vez que reenvia o sujeito aos desejos infantis indestrutíveis. Como na fantasia, o sujeito será reenviado à satisfação alucinatória de um reencontro com o objeto perdido, um lugar onde o inconsciente se realiza em um tempo indeterminado.

A invenção de Lacan do objeto a é a tentativa de formalizar um objeto que se origina do vazio desse encontro faltoso com o real. O objeto a, produto singular de uma análise, emerge quando o sujeito se põe a decifrar suas experiências com o gozo do corpo e seu inconsciente, através de uma lógica discursiva. O objeto a, como um resto que não foi significantizado, opera em direção à causa do desejo. Para Freud, a psicanálise consiste em uma busca que está além da pulsão, a busca do sujeito pela causa do desejo, por uma causa. Lacan nos aponta um caminho pelo qual a psicanálise consiste em separar o objeto a do Outro, cernir o seu campo. Portanto, se uma psicanálise se dá no tempo de separação do objeto a do Outro, um tempo anterior de constituição do sujeito e do Outro terá que ter ocorrido.

O que pode o analista diante do real sem lei e sem sentido que irrompe nos primórdios da vida subjetiva? Essa questão nos impulsiona a ir ao encontro do impossível de psicanalisar.

Para Freud ([1950/1895]/1974), há um tempo primeiro de constituição do sujeito, definido como um mau encontro, um trauma, que traz a marca de um desprazer, a marca de algo que rompe o equilíbrio homeostático do sujeito. Nesse tempo, o trauma sexual se escreve e será vivido como um desprazer nas neuroses.

Na elaboração freudiana, um segundo tempo se processa a partir do movimento defensivo do sujeito diante do mal-estar, uma vez que a perda de gozo vivida pelo sujeito, em consequência de sua entrada na linguagem, produz o sentimento de vazio, com o qual o sujeito terá que lidar, revelando ainda a hiância existente entre o gozo, que é excluído, e todos os significantes que vêm preencher essa falta.

Lacan (1957-1958/1999) nos ensina que o desejo pode ser, não obstante, uma defesa do sujeito diante do real insuportável. O desejo gira em torno de algo que está no interior do sujeito, mas que é ao mesmo tempo êxtimo, que é o objeto, descrevendo um percurso significante, sempre além ou aquém da demanda.

Em "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade", Freud (1905/1974) nos fala do encontro do sujeito com o objeto, que se define, primeiramente, quando a criança pode formar para si uma representação global da pessoa a quem pertencia o órgão que lhe dá satisfação: o seio. Elabora-se a teoria do desenvolvimento da libido, na qual se coloca um esquema do desenvolvimento humano, uma teoria dos estágios que se sucedem na sequência dos objetos parciais - oral, anal, fálico. Lacan acrescenta o objeto escópico e vocal onde antes se supunha haver uma maturação do sujeito até o objeto genital, pela via do complexo de Édipo.

Percorremos o ensino de Lacan (1962-1963/2005) em suas elaborações sobre as formas de apresentação do objeto. No início, há o objeto oral - o seio materno. Como primeiro objeto oferecido à criança, o seio representa uma continuidade da boca da criança como objeto da sucção pelos lábios; desenvolve-se como a, primeira atividade do lactente.

Na observação psicanalítica, o objeto é buscado pelo sujeito como via de obtenção de sua satisfação, não se tratando, portanto, de um autoerotismo, uma vez que um objeto é buscado como via de satisfação. Lacan (1962-1963/2005) distingue o mamilo, como objeto erótico, e o seio, como objeto de nutrição. Estende-se o objeto oral à mamadeira, ao bico, às diversas substituições que podem se efetuar.

Lacan (1956-1957/1995) nos diz que aquilo que a mãe oferece para a criança comer não é tanto da ordem da nutrição, mas o dom de seu amor. Assim, a nutrição, como necessidade primeira do ser humano, é perdida como objeto para se transformar em um jogo simbólico da presença e da ausência da mãe. Segundo Attié (2007), Lacan diz que na boca existe a língua, homóloga ao falo com todas as ressonâncias imaginárias que podem resultar disso. Segundo Lacan (1962-1963/2005, p. 103), "os dentes que exercem na mordida a temática agressiva da pulsão oral ligada à fantasia do mamilo separado e à questão do despedaçamento do corpo".

O objeto anal é paradigmático entre os objetos do corpo, pois tem o caráter de ser o primeiro objeto cessível em resposta à demanda do Outro. A demanda do Outro dirigida à criança recorta a zona anal, erotizando-a, faz do objeto anal uma primeira especificação do objeto da pulsão enquanto objeto que deve passar pelo Outro, com o qual a criança espera encontrar uma satisfação. Para Freud (1905/1974), o objeto anal torna-se um objeto precioso, uma vez que é o primeiro produto da criança, que a mãe demanda e valoriza, mas ao mesmo tempo demanda que o expulse. Por estabelecer um elo com o falo, simboliza a castração, o que justifica a ligação do excremento com o complexo de castração e com todos os estágios do objeto, pois cada um deles se define por ser separável do corpo (Lacan, 1962-1963/2005). Assim, o objeto anal é o presente por excelência, um dom de amor por parte da criança. Segundo Lacan (1962-1963/2005), o laço com esse objeto - excremento - se faz por meio de satisfações sublimatórias.

Freud (1905/1974) fala do encontro do sujeito com o objeto; Lacan, por outro lado, nos mostra um percurso em que o objeto terá de ser, antes, construído. Nomeia o objeto a, uma construção lógica que diz do furo, do encontro com a falta do objeto. O movimento circular da pulsão ao contornar o objeto o constitui, e assim os objetos se alinham sobre o fundo do vazio inscrito na pulsão. O objeto a é definido como um objeto não nomeável, um objeto presente-ausente, um objeto causa do desejo. Uma relação do sujeito com a falta do objeto se delineia e se inscreve.

Para Freud, o desenvolvimento pulsional se dará a partir dos objetos e culminará na pulsão genital. Enumera os objetos em jogo no desenvolvimento: o seio, as fezes, o falo, e Lacan acrescenta à série dos objetos freudianos o olhar e a voz.

Lacan (1962-1963/2005) nos alerta de que há os objetos que pertencem ao corpo próprio e os objetos artificiais, que não se originam no corpo próprio. Em nossos dias, vários objetos que substituem os objetos naturais são criados e inventados pela ciência. O objeto olhar e o objeto voz estão presentes desde o início do tratamento psicanalítico.

A psicanálise demonstra a eficácia e os fracassos da utilização da fala e da linguagem no tratamento do sofrimento do sujeito. Freud, em sua obra, exorta os analistas a ir além da proposta psicoterapêutica que visa o simples bem-estar e a reparação dos danos, nos enviando a uma clínica em que a separação se coloca e o sofrimento terá que ser elaborado, dito no encontro com o analista. Na clínica psicanalítica, testemunhamos o poder do significante e das palavras sobre o sintoma, por outro lado nos deparamos com algo que escapa à linguagem, com o impossível a ser dito, revelando a dimensão do objeto. Assim, encontramos a noção de objeto no centro dessa experiência. Embora o interesse de uma análise seja a fala, o que colocará em questão a causa para um sujeito será antes um furo no saber, algo que resiste a toda significação, o que Lacan (1962-1963/2005) nomeou como objeto a.

 

1. O desejo e seu objeto

O objeto terá incidência no tempo de um tratamento psicanalítico, considerando-se que uma psicanálise se dá no tempo de separação do sujeito da demanda do Outro, no tempo do encontro do sujeito com o objeto que está em jogo no seu desejo, com o que o causa.

A questão do objeto tal como nos foi trazida na investigação psicanalítica coloca-nos diante de toda uma complexa relação do sujeito com sua própria satisfação. Para Freud (1915/1974), o objeto, por sua variabilidade, é da ordem da contingência, mas será o meio pelo qual a satisfação será atingida, a finalidade última da pulsão.

Primeiramente, esse objeto foi tomado em seu estado de natureza, enquanto um pedaço do corpo, mas, a partir dos efeitos da cultura e mesmo da ciência, os objetos sofrem transformações. O objeto mobiliza o sujeito na busca da satisfação exigida pela pulsão, satisfação plena que jamais será atingida, colocando o sujeito numa busca incessante. A psicanálise revela que essa busca, não obstante, está além da satisfação da pulsão, é a busca do sujeito por uma causa, pela causa do desejo.

Freud (1900/1974) nos apresenta um tempo mítico da constituição da experiência subjetiva em que não haveria nem sujeito nem Outro. Um tempo primeiro, no qual ocorreria uma "vivência de satisfação". Trata-se de um momento em que a necessidade surge imperiosa, exigindo uma satisfação mais além do simples alimento, em que o aparelho psíquico procura manter-se isento de estímulos a fim de evitar o desprazer, descarregando suas excitações pela via motora.

Nessa busca do sujeito está a lógica do tempo retroativo, do tempo a posteriori, que opera e pode ser vista no interior da experiência psicanalítica. Freud (1900/1974), em "A interpretação dos sonhos", uma busca do sujeito por uma satisfação perdida, uma trajetória que visa ao reencontro da primeira experiência de satisfação, que deixa um rastro, um traço mnêmico de certa percepção particularizada, um resto de uma satisfação original que o sujeito busca reencontrar. Assim, a "experiência de satisfação" será também o resultado do encontro do traço deixado pela necessidade com o traço correspondente à percepção do objeto que irá satisfazer a necessidade. A "experiência de satisfação" será também uma experiência de insatisfação, uma vez que a satisfação primeira buscada jamais será reencontrada. Nessa construção freudiana, a criança vive, desde a saída do útero, um desamparo primordial e, diante do vazio, o bebê tem no grito seu primeiro chamado ao Outro, sua primeira demanda ao Outro. Além de marcar o momento de entrada no simbólico, no grito vemos uma primeira forma de cessão irrecuperável e sem retorno do objeto.

Para Freud (1900/1974), a experiência de satisfação provoca uma percepção do objeto que faz da imagem mnésica correspondente a essa percepção um lugar vazio. Quando a excitação surgir, ela suscitará uma moção psíquica que investirá de novo a imagem mnésica daquela percepção a fim de restabelecer a situação da satisfação primeira. Com a repetição da experiência, o que virá será a insatisfação apontando para o fracasso do princípio do prazer. Freud (1900/1974) observa o surgimento de um movimento de repetição da "vivência de satisfação", que terá como consequência a repetição do fracasso da busca da satisfação e o encontro com a insatisfação, com a falta do objeto que move a busca do sujeito.

Descreve-se, assim, um funcionamento próprio do sujeito na busca da sua satisfação: depois de um tempo primitivo, a via desse retorno leva a um tempo posterior. A identidade de percepção e o desejo alucinatório fazem da repetição da percepção primeira, da percepção que esteve vinculada à satisfação da necessidade, um ato falho. No ato dessa repetição o desejo não alcança a satisfação e se faz metonímico, negativizando o objeto da necessidade.

Nessa elaboração, num tempo tramado entre a tensão da necessidade e a demora do aparecimento do objeto satisfatório, surge o desejo. Para Freud (1900/1974), o desejo será o impulso psíquico que tenderá a restabelecer a satisfação originária. O desejo errático e indestrutível consiste na repetição sempre renovada e impossível de uma satisfação. Portanto, não há um objeto que possa satisfazer o desejo, mas o impulso do desejo mobiliza no inconsciente o movimento de repetir o contorno de uma satisfação, em que tanto o objeto quanto a satisfação estão marcados por uma falta. Vemos que a falta originária do objeto perpetua e eterniza o desejo inconsciente. Portanto, encontramos na construção psicanalítica primeiramente o objeto do desejo como o objeto perdido da experiência de satisfação alucinatória, o objeto em jogo no nível do processo primário.

Miller (2005) faz um contraponto ao dizer que para nossa tradição filosófica e cultural o prazer tem um contrário: o sofrimento ou a dor. Prazer e sofrimento se constituem como um binário significante. No entanto, poderíamos dizer que prazer também é gozo, uma satisfação inconsciente, mas gozo pode ser tanto o prazer quanto o sofrimento experimentado. Na orientação lacaniana, formula-se o inconsciente como um aparelho de gozo à procura de seu objeto.

Segundo Miller (2005, p. 13),

Lacan especializou progressivamente o termo gozo para qualificar a satisfação dita inconsciente, a satisfação da qual não se sabe. De tal forma que aqui, neste nível, nada de falta, mas sem dúvida podemos extrair de Freud a noção de que o funcionamento do que ele chama de aparelho psíquico conduz, invariavelmente à insatisfação. Porém, ao mesmo tempo, encontramos nele a demonstração de isso goza sempre.

Lacan, em seu ensino, acrescenta que a noção de "gozo" também nos serve para designar essa satisfação particular e paradoxal obtida pelo sujeito em seu movimento em torno do objeto visado na sua satisfação. Sabemos que o tempo da satisfação pulsional não poderá ser medido, quantificado ou mesmo contabilizado.

Ainda, para Miller (2005, p. 14),

Lacan nos convida a pensar que se nos intrometemos nesse sistema que funciona tão bem, que se mantém, é porque o "estado de satisfação deve ser retificado" no nível da pulsão. Isso é crucial. Trata-se de saber como a experiência da falta-a-ser, constituída pela fala, será suscetível de obter que o estado constante de satisfação seja retificado.

O valor dessa experiência de satisfação seria, portanto, poder se depreender dela o estado de desamparo radical no qual, por sua prematuração biológica, o homem nasce, estado que o torna absolutamente dependente de um Outro.

A investigação freudiana nos retira da ilusão de um encontro possível entre o sujeito e o objeto. Não encontramos a unidade do sujeito, atravessado pela linguagem, nem a totalização do objeto. Portanto, o surgimento do sujeito do inconsciente se dá à custa de uma perda original. O objeto em psicanálise é relativo a essa estrutura, marcada por uma incompletude, por uma falta. Vemos se destacarem três momentos da teorização do objeto no campo freudiano: das Ding, o objeto do desejo e a pulsão e seu objeto.

Em "A interpretação dos sonhos", Freud (1900/1974) nos apresenta o objeto perdido do desejo infantil. Seu paradigma foi o objeto oral em sua articulação com o dom e a experiência de satisfação. Por conseguinte, o objeto perdido do desejo é a condição de produção do objeto pulsional na obra freudiana.

Freud inaugura e nomeia a série dos estágios libidinais, de acordo com as zonas erógenas onde a libido irá se alojar: fase oral, fase anal, fase fálica e genital. Longe de representarem uma perspectiva desenvolvimentista, os estágios libidinais propostos por Freud, serão articulados, segundo Lacan, ao campo da demanda do Outro. Portanto, o papel do objeto como fonte de prazer, como meio para se atingir a satisfação, o distingue do sujeito e do Outro (código, tesouro dos significantes).

Para Nicéas (1984), ao desenvolver a noção de "desejo" em Freud, Lacan nos revela três posições fundamentais do objeto. Primeiro, quanto à necessidade: quando o objeto é específico e considerado satisfatório. Segundo, quanto à demanda: que em sua articulação é sempre uma demanda de amor. A demanda que é sempre incondicional de presença ou de ausência, mas na qual o objeto permanece no seu estatuto de objeto perdido. Em terceiro lugar, encontramos o desejo, que sempre se apresenta para além ou para aquém da demanda, sendo irredutível a uma relação com o objeto da fantasia.

Freud (1905/1974) destaca uma nova modalidade de objeto, muito próximo do objeto do desejo, o objeto da pulsão parcial. Assim, o objeto da pulsão parcial adquire traços que lhe são próprios e que são inseparáveis do autoerotismo, da inclusão do corpo. A compreensão da noção do autoerotismo como uma atividade sexual primeira, da libido dirigida apenas ao próprio corpo, é discutida no ensino de Lacan a partir do seu modelo de funcionamento da pulsão, impulso em direção a um objeto, mesmo que seja o próprio corpo tomado como um objeto. O objeto da pulsão "acéfala" é contingente, e será em torno dele que o circuito pulsional se realizará.

Freud (1905/1974) nos apresenta duas séries que têm como ponto de partida o autoerotismo: uma série pulsional, que determinará a circulação da libido nas zonas erógenas e determinará os estágios oral, anal, fálico e genital, próprios da pulsão parcial; e outra série da eleição de objeto. A pulsão parcial nasce apoiando-se na necessidade, fazendo da parte eleita do corpo um uso particular que produz isso que Freud denomina o "prazer do órgão". A série pulsional toma o outro somente como apoio: a pulsão parcial. Portanto, em relação ao objeto pulsional, Freud não falará de eleição do objeto, mas, sim, de contingência e, também, de fixação. Destaca-se, assim, o caráter contingente do objeto e a possibilidade de fixação da libido no objeto.

O modelo de oralidade que encontramos em Freud (1905/1974) coloca em cena o modo de funcionamento da libido instalando-se em zonas erógenas - no caso, na zona erógena oral. O objeto oral tem primeiramente um modelo de incorporação, no qual o objeto se ordena como aquilo que pode ser incorporado, o que insere o seio numa história singular de um sujeito com esse objeto, visto primeiramente pela criança como parte do seu próprio corpo. Para Freud (1905/1974), o primeiro objeto de satisfação sexual será figurado pelo seio materno e, consequentemente, pela mãe mesma. O objeto oral surge assim no lugar do objeto perdido da satisfação, no movimento da pulsão que contorna o vazio deixado pelo objeto e retorna ao corpo próprio, num movimento autoerótico, mas que sai do próprio corpo, passa pelo objeto e retorna ao corpo.

Para Nicéas (1984, p. 51), "haverá um tempo coincidente de uma experiência de satisfação e um tempo imediato de separação, tempo segundo que constitui, nesse modelo puramente descritivo, o nascimento de nossa sexualidade". Entramos em um modelo no qual a falta do objeto revela a estrutura que se constrói em torno do furo, do vazio, revelando a natureza do objeto fantasmático visado na escolha sexual.

Na concepção freudiana, encontrar um objeto será, portanto, reencontrá-lo. Segundo Nicéas (1984, p. 56),

A teoria freudiana de uma experiência originária de satisfação perpetua o retorno de um prazer mítico como esperança ancorada em toda busca de um objeto presente transitoriamente no momento de cada satisfação, o objeto renovaria a ilusão de uma saturação definitiva do desejo, para sempre tributário de uma falta.

Assim, vemos no sofrimento dos neuróticos a busca de uma complementaridade entre o sujeito e o objeto buscado para sua satisfação, produzindo uma dissimetria que situa o objeto em outra posição, diferente da satisfação das necessidades, que introduz no organismo uma nova forma de satisfação - "a realização".

Freud se dá conta de que esse novo tipo de satisfação não se conforma às regras da adaptação necessária à sobrevivência, que o prazer buscado pode contrariar o bem-estar do organismo e o meio ambiente e será uma fonte do mal-estar da civilização.

 

2. O narcisismo: um início

Freud (1900/1974) nos diz que o desejo vem tentar restabelecer a satisfação originária e que a reaparição da percepção seria a realização do desejo. Essa primeira atividade psíquica aponta para uma identidade perceptiva que buscará aquela percepção primeira enlaçada com a satisfação da necessidade. A noção freudiana do tempo aí se esboça, no a posteriori, quando algo do depois retorna ressignificando o antes ocorrido.

A lógica do tempo, desde a retroação até a antecipação, será revista no interior da experiência psicanalítica, na qual as certezas serão colocadas em suspensão até o momento de concluir. Evidencia-se um tempo que retroage, em que fatos traumáticos do passado imprimiram as marcas reatualizadas no presente em um sujeito. Trata-se de descobrir a causa: o trabalho do psicanalista será conduzir a palavra do analisante até o tempo de revelação de sua causa.

A passagem da sexualidade infantil, marcada pela satisfação autoerótica, em que as pulsões sexuais se apresentam para a criança de maneira dispersiva e anárquica, para uma escolha de objeto tal como se processará na puberdade deverá dar-se a partir da possibilidade vislumbrada pelo sujeito no advento do narcisismo, no reconhecimento de um objeto externo no caminho da satisfação. A libido deverá migrar para além das zonas erógenas e também para além do próprio Eu, em direção a um objeto exterior.

Freud (1914a/1974), em seu trabalho sobre o narcisismo, distingue os destinos da libido, energia sexual e amorosa, em libido do Eu e libido do objeto. Partindo da estreita relação entre o Eu e o objeto, Freud (1914a/1974) percebe num segundo momento que se tratava de uma só libido, indo e vindo, do objeto para o Eu e, de volta, do Eu para o objeto. Depois se desenvolverá a ideia de uma libido única a partir da constatação de que o Eu é um objeto de investimento, um objeto da pulsão.

Freud (1914a/1974) constata a existência de um conflito entre as pulsões e o Eu, conflito esse que se estenderá por todo tratamento psicanalítico, obstaculizando o momento de concluir. Porém o que foi denominado, nesse tempo, por Freud, de libido do Eu e libido do objeto foi reformulado para a prevalência da ideia da existência de uma só pulsão, a pulsão sexual, que comporta dentro de si esse dualismo. Partimos da pontuação de Freud de que o Eu, como uma instância, não existe desde o início.

Portanto, não se trata de tomar o narcisismo como uma fase do desenvolvimento a ser ultrapassado: o narcisismo freudiano se revela como um dado estrutural. Segundo Nicéas (2013), vemos em Freud dois modos de regressão temporal: uma é libidinal e favorece o retorno da satisfação alucinatória; outra é o investimento no Eu que se instala no narcisismo.

A partir da formulação sobre o narcisismo, Freud (1914a/1974) equaciona o problema surgido no trabalho psicanalítico com os sonhos, acusando-os de serem uma satisfação destinada a satisfazer o "egoísmo do eu", que realiza no sonho um desejo inconsciente que pode abolir a satisfação propriamente sexual.

A regressão libidinal pode ser considerada uma manobra do tempo, uma vez que reenvia o sujeito aos desejos infantis indestrutíveis. Como na fantasia, o sujeito será reenviado à satisfação alucinatória de um reencontro com o objeto perdido, um lugar onde o inconsciente se realiza em um tempo indeterminado. A psicanálise se encontra com esse sujeito que não quer abrir mão de uma satisfação primordial que é, em parte, alucinada.

O paradoxo com o qual Freud (1914a/1974) se depara no narcisismo é que a vida impõe uma perda de gozo. A castração acontece para o sujeito neurótico: ele terá que se adequar a outra forma de satisfação diferente do gozo autoerótico ou mesmo narcisista. O sujeito neurótico terá que se haver com a experiência de perdas e de aceitação da realidade da morte. Freud (1917/1974) entende o trabalho do luto como elaboração, pelo sujeito, da perda do objeto. A psicanálise lança um novo olhar sobre o fenômeno psíquico do luto, que antes era considerado como uma conservação da dor, do sofrimento de uma perda, com culto e pranto pelo objeto perdido.

Para Freud (1917/1974), em "Luto e melancolia", uma parte do investimento do sujeito é retirada do mundo exterior e retorna para o Eu. O sujeito passa a rememorar repetidamente as cenas traumatizantes referidas à perda do objeto do seu investimento.

Segundo Soler (2012), do ensino de Lacan retiramos a tese de que o trabalho do luto é um tempo em que o sujeito mantém os laços com o objeto, enquanto ele representa um ideal (I) ou uma imagem ideal privilegiada pelo sujeito (i(a)). O final do trabalho do luto seria então uma redução: reduzir o (I) e o (i(a)) ao objeto a, causa do desejo. Certamente será necessária a presença do analista com seu desejo, sustentando, como semblante de a, causa do desejo do sujeito. Para Freud (1917/1974), o luto completo, ou seja, a retirada do investimento do objeto perdido, jamais será realizado. Algo como uma nostalgia pela perda originária, condição da entrada na linguagem, permanecerá. O que não significa que o sujeito não possa terminar o trabalho de luto por um objeto perdido na sua experiência subjetiva. O trabalho do luto se realiza então no tempo próprio de cada um, mas a psicanálise será uma ferramenta de que o sujeito poderá se servir na elaboração de seu luto. Será necessário um tempo de compreender, depois do instante de olhar e reconhecer a falta, a incompletude do Outro e do sujeito. Na perspectiva da inexistência do Outro, resta ao sujeito confrontar-se com o vazio existente dentro de si.

Para Freud (1914/1974), o Eu tem sua origem determinada pela operação de uma "nova ação psíquica", que vem lhe dar sua primeira forma no momento denominado narcisismo. Lacan (1936/1998) nos traz outra leitura desse momento de constituição do Eu, a partir de uma primeira identificação com a imagem especular, no "Estádio do espelho como formador da função do eu". Vimos que, na formalização de um tempo inicial de constituição do sujeito, trazida por Lacan (1945/1998), o infans irá se constituir a partir de uma primeira identificação especular, inaugurando o campo do imaginário, que terá a marca de um desconhecimento anterior. Um início se dá na assunção da imagem especular, quando o sujeito diz "eu sou um outro, que sou eu", origem do eu ideal, que possibilitará uma matriz simbólica do eu, o ideal do eu, possibilitando a entrada do sujeito na linguagem.

Será a partir do banho de linguagem e dos equívocos e mal-entendidos que ela potencializa que o sujeito poderá se servir da experiência psicanalítica para bem dizer sua história, e para isso ele necessitará de um tempo.

Aprendemos, com a introdução de Lacan (1945/1998) em "O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada", que o sujeito terá que ter um tempo para compreender algo da verdade que não pode ser toda dita. É preciso tempo para se fazer uma psicanálise, mas não um tempo infinito, uma vez que o momento de concluir se coloca no final do tratamento. Um tempo se faz necessário para que o sujeito possa fazer uma mudança subjetiva e construir um saber sobre seu sofrimento, sobre seu gozo, sobre o objeto que o causa.

Portanto, mesmo que o analista traumatize o discurso do sujeito com novos sentidos e significações, o encontro com um analista pode ser determinante no destino que ele poderá dar a seu sofrimento, ao encontro sempre faltoso com o real que deixará marcas na sua história. A regra fundamental da psicanálise se impõe: é preciso dizer, é preciso que se diga. Será através da fala e da linguagem que a psicanálise realizará seu tratamento: o tratamento do real pela via do simbólico.

 

Considerações finais

Concluindo nossas investigações aqui apresentadas, podemos dizer que, se o inconsciente desconhece o tempo, o tempo pertence à consciência, ao simbólico e suas leis. Como afirma Freud (1915/1974, p. 214), "os processos do sistema inconsciente são intemporais; isto é, não são ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo, não têm absolutamente qualquer referência ao tempo, as referências ao tempo vinculam-se mais uma vez, ao trabalho do sistema consciente".

Portanto, uma temporalidade se inscreve nos interstícios das palavras, no vazio que se projeta na fala e nos equívocos e tropeços da linguagem, nas marcas deixadas na história, nos intervalos entre os significantes onde surge o sujeito, a partir de um corte que se produz com a da queda do objeto, revelando a relação problemática do sujeito com sua satisfação e com o objeto do desejo que o causa, vivida também no interior da experiência psicanalítica.

A psicanálise demonstra a eficácia e os fracassos da utilização da fala e da linguagem no tratamento do sofrimento do sujeito. Freud incentiva os analistas, em sua obra, a ir além da proposta psicoterapêutica que visa o simples bem-estar e a reparação dos danos, nos enviando a uma clínica em que a separação se coloca e o sofrimento terá que ser elaborado, dito no encontro com o analista. Na clínica psicanalítica, testemunhamos o poder do significante e das palavras sobre o sintoma; por outro lado, nos deparamos com algo que escapa à linguagem, com o impossível a ser dito, revelando a dimensão do objeto. Assim, encontramos a noção de objeto no centro dessa experiência. Embora o interesse de uma análise seja a fala, o que colocará em questão a causa para um sujeito será antes um furo no saber, algo que resiste a toda significação, o que Lacan (1962-1963/2005) nomeou como objeto a.

A questão do tempo, tal como abordada por Freud e Lacan, foi aqui revista neste artigo, considerando as escansões temporais que se produzem, como o surgimento do sujeito e sua entrada na linguagem, e da temporalização que se apresenta na experiência psicanalítica a partir das marcas que são deixadas na história do sujeito.

 

 

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Artigo recebido em: 04/06/2018
Aprovado para publicação em: 04/06/2019

Endereço para correspondência
Inês Maria Seabra de Abreu Rocha
E-mail: ines.seabra.r@gmail.com
Márcia Rosa
E-mail: marcia.rosa@globo.com

 

 

*Doutora e Mestra em Estudos Psicanalíticos pela UFMG; Professora do curso de Pós-Graduação em Psicanálise: Clínica com crianças e adolescentes, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Membro da Associação Mundial de Psicanálise e da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Minas Gerais.
**Pós-doutora na Universidade de Paris 8; Doutora em Letras/Literatura Comparada e Mestre em Filosofia pela UFMG; Professora do Curso de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia/Estudos Psicanalíticos da UFMG. Psicanalista, Membro da Associação Mundial de Psicanálise e da Escola Brasileira de Psicanálise, Seção Minas Gerais.

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