SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44 número84A perversão como uma estrutura e a síndrome de Lasthénie de Ferjol índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Reverso

versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.44 no.84 Belo Horizonte jul./dez. 2022  Epub 22-Nov-2024

https://doi.org/10.5935/0102-7395.v44n84.01 

Editorial

Editorial

Eliana Rodrigues Pereira Mendes


A psicanálise é um tipo de saber relativamente novo, se tivermos em mente as origens da humanidade. Teve os primórdios de sua teorização no final do século xix, o chamado Século das Luzes, sendo a sua consolidação continuada no século xx.

A Primeira Guerra Mundial veio trazer uma validação para os conceitos psicanalíticos que iam surgindo. A ruptura da razão, já anunciada por Freud, foi demonstrada com o início da guerra, trazendo à tona uma visão pulsional dos processos históricos coletivos. na guerra, a pulsão é superdimensionada, e pode-se ver que a tradição é extremamente precária e a cultura tem limitações, além de se ver que tudo que é produzido pelo ser humano é relativo. isso inclui a quebra dos padrões e dos ideais de normalidade. Essa constatação veio dar uma credibilidade crescente à psicanálise, com maior divulgação e prestígio para esse saber do não sabido, que então se impunha.

A eclosão da Segunda Guerra Mundial, ainda mais ampliada e agressiva, corroborou a aceitação dos achados da psicanálise. A partir de então, a mudança dos padrões da modernidade foi se instalando, com uma progressão nunca antes vista.

Os anos 60 e 70 do século xx foram determinantes para que uma nova mentalidade aparecesse, principalmente na questão da sexualidade, já agora menos atrelada à moral vitoriana, sob a qual vivia Freud. Passou-se de uma grande repressão às pulsões a uma busca incessante da permissividade, o que incluiu maior visibilidade aos dissidentes sexuais, que agora são mais autorizados a exigir respeito coletivo à sua subjetividade. os ‘diferentes’, antes assujeitados a prisões e tratamentos químicos que os tornariam inativos e abúlicos ao sexo, fazem movimentações para serem aceitos e para se inserirem na sociedade assim como são. novas nomenclaturas emergem desse caldo de cultura expansionista e receptiva às diferenças sexuais.

As conquistas tecnológicas ratificam essas transformações, acopladas às mentalidades reinantes. um avanço retroalimenta o outro e faz com que a própria psicanálise, que ajudou a gestar as mentalidades pós-modernas, passe também a se preocupar com seus construtos teóricos e tenha que se desinstalar de uma postura mais acomodada, buscando entender os novos fenômenos que surgem.

Este número da Reverso, apresentando artigos que fizeram parte da xL Jornada do CPMG, vem contemplar a mudança dos padrões quanto a gênero e transexualidade, fenômenos que nos ocupam neste tempo, questionando a anatomia e querendo investigar suas vicissitudes. Tudo isso para que se possa compor um novo quadro da clínica, que nos apresenta casos até então raros e que hoje se multiplicam, trazendo sempre um desafio para a psicanálise e os psicanalistas.

A Reverso 84, do segundo semestre de 2022, nos oferece os seguintes artigos:

autor convidado

De nicolas Tajan, temos o título A perversão como uma estrutura e a síndrome de Lasthénie de Ferjol. o autor apresenta casos dessa síndrome e argumenta que ela deve ser considerada no âmbito da estrutura da perversão. o estudo contribui para a pesquisa sobre a perversão e sobre a particularidade da perversão feminina.

Artigos Apresentados na XL Jornada do CPMG: A anatomia e suas vicissitudes

A anatomia é o destino, ou o destino é o que os homens fazem com a anatomia? Com essa frase de Stoller, o autor Paulo Roberto Ceccarelli concentra-se na questão de saber até que ponto a anatomia é um dado anatômico natural ou se, assim como o gênero, é atrelada a um discurso de poder que determina o lugar do homem e da mulher no tecido social. Depois de falar do corpo e de sua percepção através dos séculos, conclui que o sexo, o gênero e a anatomia do sujeito respondem ao lugar que eles ocupam no desejo de quem acolheu a criança quando de sua chegada ao mundo, dando-lhe um berço psíquico.

O próximo artigo, Gênero e transexualidade: algumas considerações, escrito por Eliana Rodrigues Pereira Mendes, traz considerações históricas e sociais sobre o tema, tais como a cultura e a mídia nas mudanças de mentalidade, terminando por considerações psicanalíticas sobre os sujeitos e o que se pode esperar da psicanálise e dos psicanalistas frente a esse tema.

A seguir, Carla de Abreu Machado Derzi, no artigo A diversidade dos gêneros e a diferença sexual, apresenta fragmentos de dois casos clínicos que testemunham que, para além dos gêneros, resta um real de gozo no campo da sexualidade do ser falante. A partir disso torna-se necessário questionar os motivos pelos quais as manifestações clínicas contemporâneas estão a serviço do gozo, denunciando a ruptura de laços com o outro.

Teoria Psicanalítica

Da mais valia ao mais de gozar e suas vicissitudes no capital, de Audrey Gonçalves de Castro. A autora faz uma incursão na teoria dos discursos de Jacques Lacan, enfatizando o discurso do mestre, ordenador dos demais discursos, trazendo o discurso do capitalismo, um avatar moderno do discurso do mestre, capaz de traduzir ações humanas diversas, bem como as de cunho sentimental, que envolvem a sexualidade e suas vicissitudes, passíveis de um valor expresso no consumo do objeto a.

Entre laços e nós: o amor e seus (des)compassos, de Greiciele Andrade Carvalho dos Santos, Elisabeth Fátima Teodoro e Wilson Camilo Chaves, busca refletir em que medida algumas relações se configuram pelo viés da violência. Parte-se de uma investigação psicanalítica baseada em Freud, para compreender o que leva alguns sujeitos a manifestar hostilidade dentro das parcerias amorosas, havendo uma linha tênue que aponta para uma saída possível do sujeito contra a angústia.

Em outro artigo, Entre linguagem e gozo, a escrita do sintoma, de Maria Lúcia Fank Pelenz e Cristóvão Giovani Burgarelli, discute-se a tese de que a escrita do sintoma se dá tanto pela inscrição do significante quanto pelo efeito do que cai como resto dessa operação, e se fixa como gozo, convocando uma letra. o sintoma é uma metáfora da questão do ser, e o desejo é a metonímia de uma falta. o gozo sustenta o traço diferencial que os significantes encadeados entalham nas repetições sintomáticas.

O próximo artigo, de Matheus nascimento Santos e Sarug Dagir Ribeiro, Psicanálise e física quântica: sobre os quanta psíquicos de Marie Bonaparte, aborda analogias psicanalíticas inspiradas na física. Partindo dos incentivos freudianos, passando pelos estudos de Marie Bonaparte sobre as objeções da temporalidade do inconsciente, chega-se a uma discussão acerca dos quanta psíquicos. A noção de quantum psíquico tem seu esteio na física quântica e deriva do fisicalismo biopsíquico bonaparteano. A teoria dos quanta psíquicos é trazida com questões relativas à teorização clínica e metapsicológica sobre as neuroses obsessivas.

Finalizando esta seção, temos o artigo Sobre o nome próprio, de Teresinha Hott Coelho e Paulo Roberto Ceccarelli. Trata da importância do nome próprio, do seu significado, do ato de nomeação e do lugar de onde se nomeia. Discorre sobre a apropriação do nome, as renomeações, a importância do uso das letras, do nome na aquisição da escrita infantil e da assinatura como marca particular da escrita do nome, além de apontar para a impossibilidade de desfazer-se de um nome dado pelo outro.

Clínica Psicanalítica

Nesta seção, concluindo a lista de artigos deste número, temos o texto de Maria Mazzarello Cotta Ribeiro, A angústia do analista e seu manejo na relação transferencial. A autora fala do início do conceito de neurose de angústia, no qual Freud se deparou com a angústia tóxica, a realística, a neurótica e, ao final, com a angústia moral, quando então as classificou em neuroses atuais e neuroses de transferência. o conceito foi se modificando até ser descrito como um afeto anterior ao processo de recalcamento. Para Lacan a angústia é um afeto que não engana, não é sem objeto, está relacionada com o desejo do outro, à questão do gozo, surge quando a falta falta, é uma manifestação do real. na transferência pergunta se ela tem a ver com o desejo do analista e se será essa angústia a mesma do paciente.

Por fim, deixo meus agradecimentos à coordenadora da comissão editorial da Reverso Maria Mazzarello Cotta Ribeiro, sempre empenhada e eficiente em seu trabalho e a todos os colegas que compõem esta comissão: Ana Boczar, Carlos Antônio Andrade Mello, Marília Brandão Lemos de Morais Kallas, Paulo Roberto Ceccarelli, e da qual também faço parte.

Também somos gratos à nossa competente e atenta revisora Dila Bragança de Mendonça e à prata da casa, nossa secretária Adriana Dias Bastos e à bibliotecária Marta Aparecida de Almeida e Almeida. Ainda agradecemos a nosso diagramador e projetista gráfico, valdinei do Carmo, companheiro sempre presente em nossas edições. Quero agradecer especialmente ao amigo e talentoso artista Marco Aurélio Guimarães, que nos cedeu a linda escultura em madeira de sua autoria, que está em nossa capa, cujo título é Vice-versa, e ao fotógrafo Hamilton Silvester que também contribuiu com sua expertise para a beleza dessa capa.

Quero ainda agradecer aos autores que nos honraram com seus textos e aos leitores da Reverso, para quem, com alegria, dedicamos todo o nosso esforço e cuidado, na feitura desta publicação.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.