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Junguiana
versão impressa ISSN 0103-0825
Junguiana vol.36 no.2 São Paulo jul./dez. 2018
As sete dinâmicas de consciência, a hominização, a inteligência espiritual e o processo de individuação
The seven dynamics of consciousness, hominization, spiritual intelligence and the individual process
Maria Zelia de Alvarenga
Médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), 49 turma. Psiquiatra pela ABP (registro no CRM-SP 12766). Analista Junguiana pela Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA), afiliada à International Association for Analytical Psychology (IAAP). E-mail: <mza@boitata.org>
RESUMO
Este artigo propõe a existência de sete dinâmicas de consciência, e não somente as quatro atualmente descritas pela Psicologia Analítica. A par da proposição de sete dinâmicas, teço comentários sobre a inteligência espiritual e sobre o processo de hominização, dados esses que concorreram para a proposição das sete dinâmicas de Consciência. Alguns dados aqui presentes foram apresentados no VIII Congresso Latino Americano de Psicologia Analítica - julho de 2018, em Bogotá-Colômbia sob o nome de "As sete Dinâmicas de Consciência". O texto atual foi acrescido de descrições pormenorizadas das novas dinâmicas propostas como componentes do elenco de dinâmicas de consciência regentes da personalidade humana, a par de tecer comentários sobre aspectos da sétima dinâmica que passo a nominar como da Compreensão Universal. As dinâmicas elencadas são: da Origem ou Urobórica, sob a regência do arquétipo da Natureza Divina; do Feminino ou da Grande Mãe, sob a regência do arquétipo da Deusa Mãe; do Masculino ou do Pai, sob a regência do arquétipo do Deus Pai; do Encontro, sob a regência do arquétipo da Coniunctio; da Comunicação, sob a regência do arquétipo do Verbo encarnado; da Vidência ou Antevisão do Futuro, sob a regência do arquétipo da Profecia; da Compreensão Universal, sob a regência do arquétipo da Totalidade.
Palavras-chave: Palavras-chave inteligência espiritual, processo de hominização, sete dinâmicas de consciência, processo de individuação.
ABSTRACT
This article proposes the existence of seven dynamics of consciousness, and not only the four currently described by Analytical Psychology. Along with the proposition of seven dynamics, I comment on spiritual intelligence and the process of hominization, data that contributed to the proposition of the seven dynamics of Consciousness. Some data presented here were presented at the VIII Latin American Congress of Analytical Psychology - July 2018, in Bogota-Colombia under the name of "The Seven Dynamics of Consciousness". The present text has been supplemented by detailed descriptions of the new dynamics proposed as components of the list of regent consciousness dynamics of the human personality, as well as commentaries on aspects of the seventh dynamism which I shall now call Universal Understanding. The dynamics listed are: Origin or Uroboric, under the regency of the archetype of the Divine Nature; of the Feminine or of the Great Mother, under the regency of the archetype of the Mother Goddess; of the Masculine or of the Father, under the rule of the archetype of the Father God; of the Meeting, under the regency of the Coniunctio archetype; of the Communication, under the rule of the archetype of the Incarnate Word; of the Seer or Prevision of the Future, under the rule of the archetype of Prophecy; of Universal Understanding, under the regency of the archetype of Wholeness.
Keywords: spiritual intelligence, process of hominization, seven dynamics of consciousness, process of individuation.
A alma há de ser atrevida para
poder gerar crescimento
(Rabino Nilton Bonder, A Alma Imoral).
1. A Inteligência Espiritual
A Inteligência Espiritual é um conceito recente, divulgado pelos trabalhos de Zohar e Marshal (2016), bem como de Wigglesworth (2012), e descrito por Zohar e Marshal (2016, p.19) "como uma capacidade de bem escolher (e que) presenteia-nos com um senso moral, uma capacidade de amenizar normas rígidas com compreensão e compaixão". Essa competência explicita-se pela disponibilidade de, por opção, assumir a responsabilidade e resolver conflitos cujas demandas não têm um caráter pessoal, mas dizem respeito ao coletivo.
No passado, a inteligência espiritual esteve expressa por grandes avatares como: Buda, Jesus Cristo, Francisco de Assis, Teresa D´Ávila e tantos outros. Nestes últimos tempos, essa competência vem sendo veiculada e exercida por grandes líderes como Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá, Chico Xavier etc., ressoando sincronicamente e de forma sintônica em milhares de pessoas!
O acontecer inteligência espiritual, em sendo decorrência de fenômenos interacionais de campos morfogenéticos (Sheldrake, 2016) ou de intercomunicações, interdependências e interações resultantes do universo coletivo (McTaggart, 2004), transforma as pessoas em seres carismáticos e traduz a maravilhosa realidade de que todos nós que compomos a humanidade, estamos realmente nos tornando humanos, a par de constatarmos, como predisse Chardin (1995) em "O Fenômeno Humano", que o processo de evolução de nossa consciência para atingir o Ômega encontra-se em andamento.
É de Chardin a proposição de que a emergência da consciência se faz presente desde o reino mineral, seguida pelo vegetal e pelo animal, evoluindo como consciência reflexiva somente nas criaturas humanas. Em sua afirmação, a consciência caminha do Alfa para o Ômega.
Neste texto, proponho que a emergência da Inteligência Espiritual, a par de alavancar o processo de individuação, enseja a consciência de que o caminhar para a sua consecução se torna a maior demanda da Vida. Tornarmo-nos humanos implica autoconhecimento, meta do processo de individuação que se concretiza pela coniunctio de si com o si mesmo ou do Eu com o Self.
A Inteligência Espiritual, ao se expressar numa intensidade maior, como acontece nesses últimos tempos, concorre para que os humanos tomem consciência da importância profunda da demanda pela liberdade de ser, de fazer, de pensar, de querer e, por escolha, assumir a opção de caminhar para o Self. Quando realmente os seres se tornam humanos, cada um de per si quer ser a solução dos problemas familiares, sociais e/ou da Humanidade.
A inteligência espiritual nos capacita para, por opção, nos ocuparmos do outro e da solução de problemas e conflitos do coletivo, pois nos sabemos e nos sentimos partícipes e componentes da comunidade. Zohar e Marshal (2016, p. 33) descreve a fala de um jovem empresário sueco e sua fantástica declaração de querer ser a solução dos problemas com os quais se depara. Sirvo-me desta informação para traduzi-la como:
"Quando nos tornamos humanos queremos ser a solução e fazer a mudança!".
2. As Sete Dinâmicas de Consciência
Quando me dei conta do fenômeno "inteligência espiritual" e da importância de ele explicitar-se com tanta clareza, neste momento da Terra, fui levada a repensar constatações havidas enquanto escrevia meu último livro: "Anima/Animus de Todos os Tempos" (ALVARENGA, 2017), para o qual contei com a colaboração de muitos analistas junguianos, meus amigos. Na época, deparei-me fascinada com a descoberta do texto de D´Ávila, "As Moradas do Castelo Interior (1981), escrito em 1577, como guia para o desenvolvimento espiritual através do serviço e da oração, e somente publicado em 1588, após sua morte. Constatei que o texto confirmava minhas proposições de que o processo de individuação traduz a busca e o encontro do autoconhecimento. D´Ávila afirma que a coniunctio com Deus, realizada após percorrer seu longo caminho pelas sete moradas do Castelo Interior, redundou em autoconhecimento.
Constato que a condição do autoconhecer, a par de conferir aos que o conseguem a inteireza da hominização, concorre para a consciência de que, quanto mais humanos nos tornamos, mais experimentamos a presença de criaturas dissociadas de nós mesmos; essas criaturas, nossas sombras, as mais sombrias, permanecem habitantes em nossa psique, dificultando mais e mais o processo de individuação!
A busca da coniunctio simbólica com Deus, fala de D´Ávila, ou o caminhar para o Self (demanda maior do processo de individuação, proposto por Jung em toda sua obra), configura, no meu entender, a instauração de uma dinâmica de consciência eminentemente de caráter de Totalidade. O conseguimento, traduzido por essa coniunctio, torna a criatura Una com o Self.
Quando essa realidade se fizer, não haverá mais Eu-Outro, mas, sim, o Kainos Anthropos, ou seja, o filho do tempo novo, expressão que introduzo para representar a plenitude da hominização, realidade estruturada em nós quando atingirmos a coniunctio com Deus e/ou com o Self.
Kainos anthropos é uma expressão grega, e a palavra kainos é usada para designar um "novo na qualidade", isto é, algo que tem uma natureza diferente. No Novo Testamento, kainos anthropos, o "novo homem", descreve a "nova humanidade" criada em Cristo, da qual participam todos os crentes, tanto individual como coletivamente (Holman Treasury of Key Bible Words, de Eugene E. Carpenter e Philip W. Comfort).
Ao nos tornarmos Unos com o Self, nos faremos plenamente humanos, compreendendo o grande paradoxo de que "liberdade implica escolher Deus". Este enigma foi a mim proposto por uma doutora em Filosofia e Teologia, em aulas de religião, quando dos meus primeiros tempos na Faculdade de Medicina. Esse paradoxo custou-me anos de reflexão, análise, dúvidas até constatar que essa realidade somente poderia ser compreendida pelo Self e nunca pelo Ego (ALVARENGA, 2016).
D´Ávila precisou sofrer e elaborar suas tantas tentações e desafios vividos, quando de sua passagem pelos sete níveis ou moradas do Castelo. Ocorreu-me então, que as Dinâmicas de Consciência, até agora propostas pela Psicologia Analítica eram insuficientes para traduzir o processo vivido e sofrido por Teresa D´Ávila, tanto como pelas demais criaturas que o buscassem.
Desde então reflito sobre este fato e conclui que sete são as Dinâmicas de Consciência necessárias para alcançarmos a coniunctio com o Self e constatarmos que realmente o processo de individuação se realiza.
Proponho que as sete Dinâmicas de Consciência estejam correlacionadas aos sete Chakras.
As Sete Dinâmicas da Consciência são:
1. da Origem ou Urobórica, sob a regência do arquétipo da Natureza Divina;
2. do Feminino ou da Grande Mãe, sob a regência do arquétipo da Deusa Mãe;
3. do Masculino ou do Pai, sob a regência do arquétipo do Deus Pai;
4. do Encontro, sob a regência do arquétipo da Coniunctio;
5. da Comunicação, sob a regência do arquétipo do Verbo encarnado;
6. da Vidência ou Antevisão do Futuro, sob a regência do arquétipo da Profecia;
7. da Compreensão Universal, sob a regência do arquétipo da Totalidade.
3. Descrição das sete dinâmicas de consciência
3a. A primeira Dinâmica, da Origem ou Urobórica, vivida e atualizada nos tempos de vida intrauterina, está correlacionada ao chakra básico (Muladdhara), condizente com os primeiros tempos de vida da criatura que se forja, na condição intrauterina, logo após a concepção.
O óvulo fertilizado torna-se ovo ou zigoto, e o fenômeno ocorre na parede da trompa de Falópio para, a seguir, descer para o interior do útero, fixando-se em sua parede mucosa, processo esse denominado nidificação ou nidação. No zigoto, transformações espetaculares são desencadeadas pois, ao fim de poucos dias, emergem vários mecanismos previamente codificados em sua constituição genética. E, em função da demanda que se estabelece, por processos desconhecidos, a aglomeração celular, denominada mórula, decorrente das divisões do próprio zigoto, em sua fase de segmentação, irá diferenciar-se em várias estruturas que constituirão o futuro embrião e, deste mesmo grupamento celular, irão surgir a bolsa amniótica e a placenta, órgãos responsáveis pela oxigenação, nutrição e proteção do futuro embrião-feto. A primeira fase do desenvolvimento, denominada segmentação, corresponde ao período imediato à fertilização e nidificação da blástula na mucosa uterina. A segunda fase, chamada embrionária, ocorre entre a segunda semana pós fecundação até a nona semana, período ao longo do qual todos os órgãos do corpo serão formados. Durante esta fase, o novo ser é chamado embrião. A terceira fase, a mais prolongada, denominada fase fetal, compreende o tempo que resta até o momento do nascimento, período de amadurecimento, ao longo do qual os órgãos, já formados na etapa anterior, acabam por adquirir sua estrutura definitiva. Os órgãos, alcançando plena atividade, concorrem para que fatores essenciais possibilitadores de uma vida independente, fora do organismo materno, se completem. Ao longo desta fase, o produto da fertilização é chamado feto (MOORE, 2016).
A dinâmica Urobórica, pertinente ao período intrauterino, durante o qual o milagre da vida acontece, reflete uma complexidade sublime da natureza, expressa por metamorfoses espetaculares, sob a regência de competências inerentes à célula primordial, fonte de possibilidades não inteligíveis, mas profundamente inteligente, direcionada para um propósito único: fazer a Vida acontecer!
E, este embrião forja em poucas semanas, nunca mais que dez, todos os órgãos, pele, músculos, nervos, cérebro, estrutura óssea, desenvolve os sentidos e competências para ouvir, enxergar, saborear, experimentar a temperatura, sentir emoções, movimentar-se e depois sonhar, pensar e "saber". A dinâmica Urobórica, expressão ímpar do Self, prepara o ser em gestação para tornar-se, no futuro, consciente se si mesmo e de sua relação com os demais, fazendo-se humano.
A Uroboros, em sendo uma referência à criação do Universo, representa um tempo em que o embrião estrutura todas as suas competências, como também estrutura sua primeira dinâmica de consciência. Esta dinâmica de consciência, de início, confere ao embrião a condição dele "sentir-se" como entidade Una com o Self, mas sem ainda "saber-se", em sua condição reflexiva, como criatura ímpar. A consciência Urobórica estrutura-se, pois incorpora-se de atributos decorrentes das transformações embrionárias que forjam dispositivos mnemônicos, com o que o feto passa a saber-se como criatura que experimenta sons, luminosidades, sente. Estes dispositivos mnemônicos darão competência, ao futuro nascituro, para reconhecer a frequência cardíaca da mãe quando colocado sobre o tórax dela; reconhecer o timbre da voz da mãe e chorar com o mesmo repertório musical da voz materna de tal maneira que a mãe possa reconhecer e saber quando o choro é de fome ou de dor ou de outro desconforto.
Assim, a dinâmica Urobórica, inerência dessa sabedoria intrínseca da natureza do ovo primordial - zigoto, forja-se como fator determinante e fundante de todas as demais dinâmicas de consciência que se apresentarão a posteriori. A dinâmica de consciência Urobórica é a matriz das demais dinâmicas. Ela e o corpo que a gesta, simplesmente, são Um Só com o Self. A Dinâmica Urobórica rege a forja da totalidade corpo, tanto físico quanto mental/emocional.
O desenvolvimento do cérebro, conforme pesquisas recentes (Araujo, 2018), prepara o futuro nascituro com competência para fazer vínculo, ou apego, com a mãe ou substituta, sem o que a sobrevivência não aconteceria. O ovo primordial sai da condição concreta e simbólica do Khaos grego (fonte de todas as possibilidades) para estruturar-se como um vir a ser humano. Ao assim se fazer, integra em sua natureza a condição de: para tornar-se humano é fundamental ter o outro e, para tanto, é necessário fazer vínculo. A Dinâmica Urobórica retrata a condição do contido e do continente serem Unos e sua dependência com o outro, corpo gestante, é total, sem o que a Vida não se consuma. O ser nasce porque alguém o gestou, suportou, fez a Vida acontecer.
Kohler, analista junguiano, salienta a importância crítica do desenvolvimento pré-natal para a estruturação e funcionamento do cérebro e da personalidade. Esse autor acredita que a constelação dos arquétipos e o desenvolvimento dos complexos já ocorrem no embrião e no feto, e busca descrever o impacto do relacionamento entre o embrião e o feto e a mãe e o mundo onde ela está inserida. Baseou suas considerações nas pesquisas neurobiológicas de Huther e Krens a respeito dos mistérios dos primeiros nove meses de vida, a respeito das nossas precoces influências formativas (ARAUJO, 2018).
Todo o desenvolvimento do ser humano e de suas dinâmicas de consciência implicam a reflexão do quanto cada um de nós precisa do outro para ser, sem o que a Vida não se faz. O ser em gestação "sabe-se" acolhido sem o que nunca desenvolveria competência para acolher o outro em si mesmo, meta do processo de individuação.
A Dinâmica Urobórica pede que o acolhimento aconteça para que o corpo gestante aceite o diferente em si, constatando ser ele, corpo gestante, o receptáculo da sacralidade da existência. Quando o corpo gestante não acolhe o gestado, concorre para o rompimento da unidade original, com o que não haverá possibilidade de manutenção do processo que compõe a Vida do novo ser em gestação.
A dinâmica Urobórica certamente se faz sob a regência de uma condição arquetípica, que proponho seja creditada ao arquétipo da Natureza divina, realidade primordial portadora de todas as competências, frutificadoras da Vida e da Morte.
A primeira dinâmica se traduz e se ocupa com a origem e a manutenção da Vida!
3b. A segunda dinâmica, que passo a denominar como do Feminino ou da Deusa Mãe, amplamente estudada pela Psicologia Analítica sob a denominação de Matriarcal, está correlacionada ao chakra da sexualidade (Svãdhistãna). A dinâmica do Feminino, sob a regência da Deusa Mãe, retrata a instauração do encontro eu-outro, sem consciência reflexiva de quem é o Eu e de quem é o Outro, com a finalidade precípua de manutenção da espécie; a descoberta dos prazeres decorrentes da sexualidade, a par do estabelecimento dos cuidados com o concepto são inerências dessa dinâmica. A medida que os vários outros se diversificam o Eu se estrutura, a relação deixa de ser de exclusividade, mas sempre na interdependência de um Outro. Na dinâmica da Deusa Mãe, a Vida é sempre soberana.
A segunda dinâmica traduz e se ocupa com manutenção da espécie!
3c. A terceira Dinâmica, denominada do Masculino ou do Deus Pai, previamente denominada como Patriarcal, também já amplamente estudada pela Psicologia Analítica, está correlacionada ao terceiro chakra, o umbilical ou solar (Manipuraka), e representa a expressão dos tempos de conquista de território e da submissão dos conquistados. Nessa dinâmica a discriminação entre o Eu e o Outro se estabelece e os princípios alicerçantes, que regem a relação, compõem o Código, com discriminação do que pode e do que não pode. A relação se faz assimétrica e o exercício do poder se estabelece entre os partícipes, quando então a Ordem é estabelecida. Na terceira dinâmica os cânones do Estado de Direito são estabelecidos e a Vida torna-se soberana somente dentro da tribo ou do clã.
A terceira dinâmica traduz e se ocupa da implantação do Código!
3d. A quarta Dinâmica traduz o Encontro entre as pessoas e implica o estabelecimento de uma relação de paridade entre o Eu e o Outro, segundo o referencial anímico ou fraterno, e do reconhecimento das diferenças entre os pares, bem como dos mesmos direitos prevalentes para todos. Está correlacionada ao quarto chakra, o cardíaco (Anãhata), (previamente descrita por Byington (1983) como de Alteridade e por mim mesma como Dinâmica do Coração (ALVARENGA, 2000). Na quarta dinâmica instaura-se plenamente o processo reflexivo de consciência, com a discriminação do um e do outro como seres diferentes e com direitos inalienáveis. A Vida é soberana dentro da tribo como fora dela.
A quarta dinâmica traduz e se ocupa da consumação da paridade!
3e. A quinta dinâmica é correlacionada ao quinto chakra, laríngeo (Visuddha), chamei da Comunicação ou do Verbo, e é por meio dela que nos tornaremos competentes para falar e ouvir, compreendendo todos e sendo por todos ouvido e compreendido, talvez de forma independente do idioma de expressão, uma vez que o entendimento e a compreensão se farão muito mais pela sintonia vibratória e harmônica entre os seres. Não será significativo o que se fala, mas sim o que se comunica pela vibração dos sons emitidos e recebidos. A palavra, ou qualquer outro tipo de comunicação passam a ter a competência da cura.
A Comunicação, quando exercida de forma criativa, pedirá fundamentalmente Congruência entre o que se fala e o que se faz, bem como Complacência para com o outro que ainda não atingiu esse patamar de comunicação/compreensão. Quando exercida em sua plenitude maior, não só corresponderá à compreensão do comunicado, mas também a voz do emitente terá competência para vibrar em sintonia com o Outro, criando ressonâncias de apaziguamento.
O dom da fala, atributo da dinâmica da Comunicação, confere ao ser humano um poder assustador, um poder de convencimento, de arrebatar plateias, de despertar no coletivo o senso da justiça, a demanda pelo empoderamento, a convicção da responsabilidade de querer ser a solução e fazer as mudanças necessárias para o coletivo.
O dom da Palavra é uma dádiva quando exercida com discriminação de propósitos que visem o bem-estar geral, se for proferida sobre os alicerces da ética e usada para acordar o herói adormecido. A Palavra promove mudanças que a guerra não conquista, alcança profundezas nos escaninhos da psique que nem a ameaça da morte abala, propõe desafios amedrontadores que a alma aceita com tranquilidade.
No sentido simbólico, o dom da Palavra está explicitado, por exemplo, nos relatos de "As mil e uma Noites", em função da atitude de Sherazade para com o Sultão, bem como da arte maior da heroína em contar histórias (CORDEIRO, 2017).
A palavra é um dom que pode promover ações construtivas como pode demover esperanças de transformação. A palavra acolhe como destrói, apascenta como instiga a fúria; envolve, enquanto continente, como invade como se fora um estupro, assustadoramente violento, causando feridas incuráveis, ofendendo a dignidade, mobilizando a vergonha.
O dom da fala tem seu caminho mais espinhoso quando se ocupa em dizer o que o outro precisa ouvir e o não dizer o que o outro gostaria de ouvir. Este, suponho, seja o maior desafio para os que se exercem como avatares de um tempo novo, que se apresentam como propositores de milagres transformadores a serem realizados ou desafios instigantes a serem vencidos. Então, o dom da fala apresenta-se com a competência mais assustadora para se tornar propensa ao desenvolvimento sombrio.
A pessoa que se exerce pela dinâmica da Comunicação, por seus aspectos sombrios, constata o quanto tem de competência para atrair adeptos e defensores. Como decorrência, tendo suas demandas narcísicas satisfeitas, pela devolutiva dos seguidores, poderá passar a apregoar soluções de caráter populista em que, como exemplo, os direitos pelo usufruto da dependência monetária, por trabalhos não executados, tornam-se a regra.
Assim, manter-se na integridade de propósitos representa um desafio enlouquecedor, pois a tentação por proveitos escusos se faz presente com muita frequência. O uso abusivo da dinâmica da Comunicação mobiliza (em grande parte) nas pessoas, o que cada um tem de demanda pelo "paraíso perdido", ou seja, de manter-se como um eterno puer alimentado pelas regalias de um Estado, ao qual tenha sido atribuído a condição de ser um eterno provedor.
A comunicação também pode carregar-se da intencionalidade de seduzir, envolver, enganar. Quando a palavra do comunicador se encontra povoada de persuasão e convencimentos, certamente precisa do casamento entre a fala emitida com o ouvido que escuta. Mas, para tanto, é necessário que tanto quem fala como quem escuta, estejam ambos povoados pelas demandas de ganhos secundários.
A dinâmica da Comunicação quando exercida segundo o contexto acima descrito, configura comportamento criminoso, ofensivo e injuriante para com o coletivo. O uso abusivo da Palavra perverte a relação e torna o encontro entre as pessoas corrompido. O uso pervertido da dinâmica da Comunicação leva à falência do sistema, das famílias, da sociedade civil e à falência do Estado de Direito.
A comunicação entre as pessoas é um fenômeno tão complexo quanto inédito por ser continente das mais espetaculares criações humanas, quanto das piores aberrações, motivos de brigas, crimes, guerras.
As ideias, quando promulgadas em seu reclamo primordial, traduzem também o anseio da criatura por ser reconhecida como autora da proposição, demandando ser autenticada e qualificada pelo mérito da criação, como também necessitada que o Outro lhe conceda a honorabilidade pelo feito.
De outra parte, a comunicação implica poesia, música, beijos e abraços, toques sutis entre almas que se encontram. É inseminadora e fertilizante, criadora que gera criaturas.
A condição de ouvir o outro, num processo de análise, tem mais a ver, no meu entender, com as vibrações emitidas pelo cliente do que com o realmente verbalizado. Falar e ser entendido, ouvir e compreender, acolher e ser complacente com o outro demandam coerência, generosidade, continência, integridade e ética. Entretanto, o processo analítico pode ser palco de muitas mazelas. Quando o fenômeno do encontro ocorre entre o analista que fala tão somente o que o cliente deseja ouvir, a sombra torna-se constelada. O dom transformador da palavra naufraga na solutio que encharca. Cliente e analista se aplaudem e o incesto se faz instaurado.
A dinâmica da Comunicação, a par de sua correlação explícita entre a fala emitida pelo comunicador e o ouvido de quem a ouve, tem ligação direta com os demais órgãos do sentido.
A expressão comunicadora poderá ser dialogal entre a fala que expressa um conteúdo intelectivo inédito de descoberta e alcança o ouvido que escuta e se deslumbra, se envaidece, se encanta, se espanta, se comove, se descobre desnudo, se sabe compreendido e tantas outras emoções que as palavras causam. A expressão comunicadora poderá, de outra parte, ser proposta pela música que o Um executa e que o ouvido do Outro ouve e sente despertar em si saudade, tristeza, alegria, medo, reverência, estranhamento, embevecimento, audácia, coragem e tantas outras emoções que as músicas podem causar. Ou a expressão comunicadora poderá ser proposta pelo corpo em movimento, em dança, em êxtase, em súplica, e que atinge o olho que enxerga um pedido para ser tocado, acolhido. Também a expressão comunicadora poderá ser proposta pela pintura, pelo filme, pelas fotos, e que ao povoarem os olhos, preenchem-no de imagens, expressão da beleza ou do terrível. A expressão comunicadora poderá ser proposta pelos perfumes emanados, que impregnando os receptores olfativos do outro, mobilizam memórias agradáveis ou sofridas. Como também a expressão comunicadora poderá ser proposta pelos sabores que trazem de volta momentos da infância, de figuras parentais e suas manifestações de ternura. Ou advir de toques, carícias evocadoras de momentos dramáticos assustadores ou deliciosamente mágicos.
Assim, a comunicação se fará pelos mais diversos canais, mas, inegavelmente, a Palavra é o veículo primeiro que mais atinge, mais convence e seduz, hipnotiza e arrebata a alma dos que se sentem principalmente abandonados, incompreendidos, mal-amados, levando aos ouvidos de quem ouve algum comando de ordem.
A dinâmica da Comunicação, atributo singularmente desenvolvido pelos seres humanos, confere um poder de comando, como também confere certezas e esperanças de mudança, a par de explicitar as decepções e amarguras diante do que a criatura tem de mais sórdido, mais degradante e sombrio.
Para ilustrar cito abaixo falas de grandes líderes que marcaram os tempos de glória ou a sensação de derrota:
"I have a dream!" - e todos quantos sonharam um dia com tratamento igualitário, para as mais diferentes cores de pele, regozijaram-se por terem sido sonhados por alguém que falava a língua deles! (frase do discurso de Martin Luther King Jr., proferido em 28 de agosto de 1963, nos degraus do Lincoln Memorial, em Washington DC. https://en.wikipedia.org/wiki/I_Have_a_Dream).
Nós somos as pessoas pelas quais esperávamos. Nós somos a mudança que buscamos (Discurso de Campanha do Presidente Barack Obama, em 2008 [DIONE JUNIOR; REID, 2017]).
De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto (trecho do discurso parlamentar proferido no Senado da República por Rui Barbosa em 1914).
A comunicação é o que melhor expressa o processo de humanização por traduzir em falas (faladas, escritas, poéticas, cifras musicais, imagens, gesticulações) o que a criatura pensa e reflete sobre o refletido, o que tem de ideias e o que com elas constrói, o que sente e como sofre, o que a emociona e se traduz em vibrações epifânicas. Enfim, a comunicação é a marca indelével do ser humano e do como se fazer humano!
Quinta dinâmica expressa e se ocupa com a encarnação do Verbo!
3f. A sexta dinâmica de consciência é correspondente ao sexto chakra, frontal ou do terceiro olho (Ãjñã). Chamei de Dinâmica da Vidência ou da Antevisão do Futuro, e nos habilitará para divisarmos as demais dimensões do Universo, além das três dimensões do espaço já conhecidas e descritas.
Buscando na mítica e em seu incontável acervo de respostas às perguntas por nós formuladas, deparamo-nos com relatos aparentemente inacreditáveis, como se eles somente fossem criaturas do imaginário coletivo. Todavia, ao nos ocuparmos da simbologia de seus conteúdos, verdades impensáveis se revelam.
O mântico Tirésias (BRANDÃO, 1992) assim se tornou por conta de ter sido transformado em mulher após matar a serpente fêmea, quando encontrou um casal de ofídios copulando. Viveu, então, plenamente, como fêmea, por sete anos. Num segundo momento, reencontrou outro casal de ofídios em cópula. Intuiu que, para recobrar sua condição primeira, precisaria matar o macho. E assim o fez, tornando-se novamente um homem. Num terceiro tempo, Zeus e Hera, entretidos em discussão interminável sobre quem promoveria maiores prazeres ao parceiro, nos encontros sexuais, e sem possibilidades de comporem um acordo, decidiram convocar Tirésias para que ele lhes desse um veredicto sobre essas questões prazerosas, por ter sido mulher, como por ser homem. O futuro mântico, após ouvir a descrição do impasse entre o casal olímpico, respondeu-lhes que se o prazer fosse medido de um a dez, o macho promoveria nove medidas de prazer à mulher e a mulher promoveria uma medida de prazer ao macho.
Hera, incontinente, diante da descomunal ofensa causada por Tirésias às fêmeas, como que as qualificando de incompetentes para darem prazer aos parceiros, cegou-o como castigo por sua ignorância e estupidez.
Sabemos que as benesses ou os castigos infligidos às personagens, por uma divindade, não podem ser retiradas ou negadas por outro divino e nem mesmo por quem as impôs. Zeus, condoído com a condição de Tirésias, deu-lhe o dom da mântica, com o que o transformou em um cego vidente.
Fui levada a pensar, já há alguns anos (ALVARENGA, 2014), que os supostos castigos impostos, aos humanos pelos divinos são, em última instância, uma nova oportunidade no trilhar o processo de individuação.
Hera, estrutura primordial da psique, denuncia a cegueira de Tirésias por não ter constatado, enquanto mulher, o quanto de prazer recebera, bem como o quanto promovera de satisfação ao parceiro (ALVARENGA, 2011a). Tirésias vivera como mulher, mas não incorporara em si a sabedoria decorrente da vivência explícita do feminino. Precisaria, portanto, descobrir a verdade numa condição viável somente pela reflexão introspectiva; nada do mundo visível deveria impedi-lo. Assim, o aparente castigo era uma dádiva, pois Zeus deu-lhe, como prêmio, a possibilidade da antevisão do futuro, ou seja, a vidência.
Tirésias explicita sua dotação pelos alertas dados aos seus consulentes, propondo a possibilidade de existirem mais de um futuro possível. Assim, o mântico responde a Liríope sobre seu filho Narciso: "ele viverá se não se vir", ou a Tétis sobre o futuro de Aquiles: "ele viverá por muitos anos se mantiver-se como um simples camponês ou longe das batalhas" (BRANDÃO, 1992).
Muitos são os outros exemplos da atuação de magos, videntes e falas oraculares quanto a possíveis diferentes futuros que mudariam os destinos trágicos.
A mensagem primorosa do relato mítico reside na proposição da existência de diferentes possibilidades de um vir a ser, que depende de escolhas feitas em momentos cruciais nos quais se deixa a condição de um porvir provável para um diferente futuro possível.
Momentos cruciais traduzem-se, na realidade de todos nós, como desafios nos quais o risco de vida (de si mesmo, do filho, do amado) é iminente, seja por conta de processos físicos ou psíquicos; ou por condições de perdas catastróficas com vivências de extrema solidão e desamparo; ou por realidades invasivas com perda de autonomia e liberdade; ou quando o outro de nós é roubado, sequestrado, abusado...
Momentos cruciais mobilizam angústias, ativam feridas da alma, desencadeiam medos antigos, desorganizam a vida e pedem soluções imediatas. Todavia, esses momentos também despertam a fé e demandas por constrição, bem como evocam memórias de nossos ancestrais crentes no poder das orações.
E, eis que os "milagres" acontecem, trazendo-nos a certeza de que as transformações quanto a diferentes futuros possíveis despertam como realidades, talvez, nunca dantes cogitadas pela consciência. A física quântica afirma que diferentes futuros possíveis aguardam por serem despertados no momento presente em que os desejarmos (BRADEN, 2017) expressando a realidade do novo ser nascituro no qual nos tornaremos! Já somos então o futuro possível e distanciados nos sentimos do futuro provável que seríamos.
Interessante atentar para o quanto de reclamações emergem no seio de uma dinâmica familiar quando um de seus componentes, em processo de análise, apresentando as modificações decorrentes de suas epifanias analíticas, ouve: "Você está muito diferente! Já não é mais o mesmo! Que aconteceu consigo? Parece que não o reconheço!".
E, então, quando se atenta para memórias passadas, que são, na realidade, muito recentes, as pessoas se sentem tão distantes do que foram, por diferentes se sentirem, assustadas com o que faziam, consentiam ou deixavam passar, sem contestações.
Quer me parecer que o processo de individuação é uma demanda imperiosa pela instauração de um futuro possível diferente do provável, futuro esse adormecido nos escaninhos da psique e que aguarda a emergência da revelação!
Ao atualizarmos a sexta dinâmica de consciência em nosso processo existencial tornamo-nos videntes (ALVARENGA, 2018), permeados por um padrão de inteligência espiritual que nos faz cada vez "mais humanos", seja por incitar-nos a ser a solução dos conflitos, como a nos compelir para realizar as mudanças!
A sexta dinâmica de consciência, como todas as demais, em sendo uma condição arquetípica, sofre com os percalços da sombra. "Videntes" são consultados por pessoas que buscam respostas para seus conflitos e demandas, como também são consultados pelos buscadores de benesses eleitoreiras. Todavia, nenhum consulente pergunta sobre o que precisa fazer para não mais ser o conflito ou que plano de ação deverá compor e executar para tornar-se merecedor do futuro ensejado.
A dinâmica da Vidência e sua competência para divisar possíveis diferentes futuros está intimamente ligada ao poder da prece e sob a regência do "efeito Isaias", que propõe como oração mais poderosa aquela que mentaliza um futuro diferente do provável e que já é realidade, pois, despertado se fez pelo desejo inquebrantável da fé. Todavia, para alcançarmos um futuro diferente do provável, precisaremos ser numa nova Ética instituída e fundamentada, no meu entender, em quatro princípios, quais sejam: no Fogo da mais profunda consciência reflexiva que nos intima a refletir sobre assumir a responsabilidade por tudo quanto nos cerca, pois tudo tem a ver conosco; na Tecknè mais inventiva que somos e temos para mudar nosso momento histórico; na Dikè como consciência plena do senso de Justiça para todos e com todos; e, finalmente na virtude plena da Aidós que nos conduz para realizarmos e fazermos o que somos de melhor para o outro, quem quer que ele seja e para o bem comum (ALVARENGA, 2011b).
Assim sendo, próximos estaremos da sétima morada, da sétima dinâmica de consciência e lá nos aguarda a cerimonia ritualística da coniunctio com a divindade, segundo pressuposto de D´Ávila (1981), ou a cerimônia ritualística da coniunctio com o Self, segundo as proposições de Jung, com o que o autoconhecimento se faz, meta maior do processo de individuação.
A competência para transitarmos por entre essas dimensões será realidade a se alcançar. Tanto a quinta Dinâmica como a sexta conferem a quem as conquistam um poder fabuloso que dificulta, em muito, o confronto com a Sombra e representa uma defesa de acomodação, pela retomada do exercício do poder por elas conferido. A própria D´Ávila relata em seu texto (1981) as dificuldades crescentes que a alma experimenta à medida que avança pelas moradas do castelo. Essas duas dinâmicas representam grandes dificuldades no sentido do conseguimento do processo de individuação.
Há que lembrar não terem as diferentes dinâmicas um caráter sequencial, pois podem ocorrer, tanto a quinta como a sexta, numa condição eventual, expressando momentos de sabedoria não inteligíveis para quem as enuncia. A fixação defensiva em qualquer uma delas é possível, e pode impedir o caminhar para o Self.
Vidência implica antevisão de futuro e configura a melhor e a maior oportunidade para divisarmos o caminho para a individuação
A sexta dinâmica expressa e se ocupa da antevisão do futuro!
3g. A sétima Dinâmica de Consciência, realmente de caráter Cósmico ou de Totalidade, (denominação anterior usada por Byington (1983) para nominar a atual quarta Dinâmica), corresponde ao sétimo chakra, coronário (Sahasrãra), e representa a condição plena da conquista do processo de individuação. Proponho que seja chamada de dinâmica da Compreensão Universal. Ela confere a consciência plena de sermos unos com o Outro e responsáveis para que o Outro também alcance essa plenitude.
A sétima dinâmica expressa e se ocupa da coniunctio com a Totalidade!
Desafios a serem confrontados nas sete dinâmicas de consciência?
A conquista do processo de individuação e o alcançar o autoconhecimento, como decorrências da coniunctio com a Totalidade, implicam saber-se Uno com o Todo, e serão conseguidos após a superação dos desafios dessas várias Dinâmicas.
Os desafios a serem superados, tanto os já relatados quanto os por relatar, referem-se às ofensas ou crimes cometidos segundo os referenciais respectivos dessas dinâmicas e de como nos conduzimos diante deles. Assim:
4a. O crime, ofensa, injúria, quando cometidos sob a vigência da Dinâmica Urobórica, pedem que o Acolhimento aconteça para que o corpo gestante aceite o diferente em si, constatando ser ele, corpo gestante, o receptáculo da sacralidade da Existência, sem o que a Vida corre perigo. Quando o corpo gestante não acolhe o gestado, concorre para o rompimento da unidade original, sem o que não haverá possibilidade de manutenção do processo que compõe o novo Ser.
4b. O crime, ofensa, injúria, quando cometidos sob a vigência da Dinâmica Matriarcal, pedem Vingança contra o ofensor ou seus familiares. E, assim se dará, pois, essa dinâmica, sob a vigência das Fúrias, deusas da vingança do sangue parental derramado, exige sempre ser a morte paga com a morte, pois a Vida é soberana.
4c. O crime, ofensa, injúria, quando cometidos sob a vigência da Dinâmica Patriarcal, pede Justiça contra o ofensor, a qual será exercida pelo Estado de Direito estabelecido pelos cânones dos Códigos Morais da comunidade.
4d. A relação simbólica estabelecida pela quarta dinâmica será sempre de lealdade e fidelidade com o outro. Dessa forma, crime nessa dinâmica configura traição a esse binômio que compõe a relação simétrica entre o um e o outro, diferentes entre si. O crime, ofensa, injúria, quando cometidos sob a vigência da Dinâmica do Encontro, pedem ao ofensor Reconhecimento pela ação praticada e assumir a Responsabilidade pelo ato cometido. A condição de reconhecer e confessar a ação, assumindo a responsabilidade pela mesma, reclama por um caráter público. Faz-se realidade como decorrência do diálogo estabelecido entre o réu e o ofendido ou entre o réu e o parente mais próximo da vítima. O reconhecimento público pela responsabilidade do cometimento da injuria contra o ofendido apazigua o psiquismo da vítima e/ou do familiar. Essa condição de reconhecimento e responsabilidade não exclui o exercício da Justiça pelo foro do Estado. Todavia esse exercício somente deverá se fazer desde que haja anuência entre os pares envolvidos, ou seja, entre vítima e feitor. Há de se convir, todavia, que as demandas da vingança estarão sempre presentes na psique, porém nem sempre de forma explícita. Fundamental se faz o estabelecimento da consciência de ser a demanda de vingança uma realidade primordial arquetípica, presente em todos os seres humanos. E, essa consciência é fundamental para que ela não seja exercida pela sombra (ALVARENGA, 2012). Assim, quando um crime for cometido contra a vítima (ou seus familiares e agregados) sob a vigência da Dinâmica do Coração, Dinâmica de Alteridade, o que se propõe e se pede é o exercício do Perdão.
A condição de nos exercermos pelo perdão nos atos de injuria implica uma relação entre ofensor e o ofendido, na qual o reconhecimento e a responsabilidade já se estabeleceram. O perdão, quando bem exercido é um fenômeno que decorre de uma certeza oriunda das profundezas do ser. O perdão não é uma atitude egoica, mas do Self e reclama por reciprocidade entre o ofensor e o ofendido, entre o ofendido e o ofensor.
O exercício do perdão, restaurativo das relações, condição histórica proposta por Nelson Mandela na promoção de uma política de reconciliação nacional na África do Sul, decorre do pressuposto filosófico do exercício do Ubuntu. Mas, mais que tudo, o exercício do perdão implica saber-se uno com a comunidade.
Ubuntu é uma filosofia africana cujo significado se refere à humanidade com os outros. É um conceito amplo sobre a essência do ser humano e a forma como se comporta em sociedade. Para os africanos, Ubuntu é a capacidade humana de compreender, aceitar e tratar bem o outro, ideia semelhante à de amor ao próximo. Ubuntu significa generosidade, solidariedade, compaixão com os necessitados, e o desejo sincero de felicidade e harmonia entre os homens (https://pt.wikipedia.org/wiki/Ubuntu_filosofia).
4e. O crime, ofensa, injúria, quando cometidos sob a vigência da dinâmica da Comunicação, pedem Congruência entre o que se fala e o que se faz e Complacência para com o outro. A condição de ouvir num processo de análise tem mais a ver com as vibrações emitidas pelo cliente do que com o realmente verbalizado. Falar e ser entendido, ouvir e compreender e ser complacente com o outro, demanda: coerência, generosidade, acolhimento, integridade e ética. O dom da fala, entre o dizer o que o outro precisa ouvir e o dizer o que o outro gostaria de ouvir, representa uma competência assustadoramente propensa ao desenvolvimento sombrio. Quanto mais nos aproximamos da sétima dinâmica mais seremos tentados a abandonar o caminho que conduz ao Self! De outra parte, a Dinâmica da Comunicação, quando exercida em sua plenitude maior, não só corresponderá à compreensão do comunicado, mas também a voz terá competência de vibrar em sintonia com o Outro, criando ressonâncias de cura
4f. O crime, ofensa, injúria, quando cometidos sob a vigência da Dinâmica da Visão e/ou da Vidência, pedem Temperança para consigo mesmo no sentido de não titubear diante das demandas do Self, tendo determinação contínua e constante para não se perder da meta maior. A Dinâmica da Vidência enseja a possibilidade de antever diferentes futuros possíveis, ampliando sobejamente a compreensão das variantes do processo de individuação a ser atualizado.
4g. O crime, quando cometido sob a vigência da Dinâmica da Compreensão Universal, implica, ao sujeito conhecedor do crime, saber-se como kainos Anthropos. O maior crime dessa dinâmica será trair o processo de individuação, negando-se a caminhar, por escolha, para a Totalidade. Quando uma injúria é praticada por qualquer um e o sujeito toma conhecimento do fato, ele (sujeito) torna-se parte do processo e, para tanto, responsável pelo cometimento da injúria. A consciência de ser responsável pela injúria cometida o faz partícipe do processo uma vez que o sujeito e o Universo são Unos. Assim, a necessidade de restaurar a harmonia se apresenta e, para tanto, necessário se faz que o sujeito, também responsável, na condição de partícipe do crime cometido, renda-se ao Self, e possa perdoar-se a si mesmo bem como ao outro, amando-se a si mesmo e ao outro, apesar do cometimento da injúria e, purificando-se da desarmonia que o avassala, concorrendo para que a harmonia no outro se (re)instaure. Purificar-se implica cuidar do outro em si mesmo. Dessa forma, quando um crime for cometido nessa dinâmica, o que se pede é ter e ser Amor, Amor pelo outro e por si mesmo (proposição inspirada pelo Ho´oponopono).
Há de se convir que, quando estivermos sob a vigência plena da Dinâmica do Encontro, com seus pressupostos de Reconhecimento da ação e Responsabilidade pelo ato cometido, nos exercendo pela consigna do Perdão, trabalhando por um bem maior; e, quando estivermos sob a vigência da dinâmica da Comunicação ou do Verbo tendo congruência entre o que fala e o que faz, sendo complacente com o outro; e, quando nos mantivermos diligentemente na atividade de trabalho e determinação para não nos perdermos da meta maior, então alcançaremos a Dinâmica da Compreensão Universal. Ao alcançá-la, cientes de seus pressupostos de reconhecer-se e saber-se responsável pela injúria cometida por quem quer que seja, e por nos sabermos e nos tornarmos Unos com a Totalidade, nos exercendo pelo Amor ao Outro, vibrando e mentalizando o restabelecimento da harmonia, os fenômenos de guerra, fome, violência, conquista do poder e tantas outras aberrações cometidas pelos desvarios de nossa condição primordial, arquetípica, não humanizada, terão realmente findado!
Alcançar a plenitude da Dinâmica da Compreensão Universal nos tornará totalmente humanos, desapegados das posses, por nos sabermos perecíveis, cônscios de que viemos da Terra e a ela retornaremos. A transcendência tão desejada de sermos na Unidade não significa ultrapassar a humanidade. Transcender será superar nossa condição arquetípica primordial para nos tornarmos a plenitude da condição humana, alcançando a inteireza do ser, sem as cisões e desvarios, sem as intempestividades de Posídon, sem as demandas de vinganças das Fúrias; sem a rigidez de Apolo e a astúcia ardilosa de Hermes; sem a ânsia de poder dos "Zeuses", que se intitulam divinos, sem a sede guerreira das Atenás e dos Ares e sem tantas outras condutas arquetípicas que nos compõem.
A proposição de sete dinâmicas de consciência para compor, em caráter pleno, a consecução do processo de individuação, configura, para mim, uma demanda imperiosa de certezas e convicções de que o fenômeno do autoconhecimento se realiza em função dos caminhos necessários a serem percorridos por estas etapas do desenvolvimento. A busca do autoconhecimento implica ocuparmo-nos contínua e constantemente de nossas mazelas e purificarmo-nos em função dos cuidados prestados ao outro em nós.
Quando Moisés convocou o povo judeu para sair do Egito, onde se mantinha na condição de escravo, e caminhar para o encontro com Deus, buscando pela terra prometida, o fenômeno tornou-se conhecido como "Exodus", ou seja, deixar o lugar estreito onde não se cabia mais1.
Estamos realizando um novo Exodus quando caminhamos para a Dinâmica Universal, inspirados pela condição precípua do Amor e da aceitação plena do outro, quem quer que ele seja, sem condenações. Aceitar o outro sem avaliações condenatórias implica acolhermo-nos por inteiro. A realização deste novo Exodus significa nos tornarmos livres. ■
Referências
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Recebido em 30/08/2018
Revisão em 12/12/2018
1 Aula do Rabino Nilton Bonder realizada no Centro de Cultura Judaica, em 2010.