Introdução
A rede social é caracterizada como uma unidade de estrutura social a qual se refere à rede de relações sociais de um indivíduo, cujos aspectos estruturais, das funções e de vínculo podem ser analisados como objetos de estudo (Gottlieb & Bergen, 2010; Sluzki, 2010; Smith & Christakis, 2008; Perkins et al., 2015). A avaliação dessa estrutura social pode ser realizada a partir da identificação de vínculos sociais específicos, da mensuração das características desses vínculos sociais e da conexão entre eles numa rede estendida de interações (Sluzki, 2010; Smith & Christakis, 2008).
A estrutura da rede social pode afetar a saúde e o desenvolvimento humano, provendo subsídios para uma diversidade de fenômenos como a cooperação, generosidade, altruísmo, normas sociais e capital social. Ademais, as redes possibilitam espaços para disseminar atitudes, comportamentos e emoções, além de recursos financeiros, físicos, informativos, trabalhistas e sociais (Kim et al., 2015; Perkins et al., 2015).
Já a coparentalidade pode ser definida como o envolvimento conjunto e recíproco de ambos os pais, ou quem represente esses papéis, na educação, formação e decisões sobre a vida dos filhos (Favez et al., 2019; Feinberg, 2003; Lamela et al., 2016), independente da configuração familiar, condição civil e orientação sexual dos pais (Lamela et al., 2010; Lamela et al., 2016). A relação coparental vincula-se à qualidade e frequência da coordenação e suporte que cada genitor proporciona ao outro na díade coparental nos cuidados prestados ao filho (Feinberg, 2003).
Na construção do modelo ecológico de Feinberg (2003), a coparentalidade é composta por quatro dimensões: acordo/desacordo nas práticas parentais; divisão de trabalho; suporte/sabotagem; e gestão familiar conjunta. O autor situa a coparentalidade como um subsistema relacional constituinte do sistema familiar, o qual difere dos subsistemas conjugal e parental, embora sejam inter-relacionados. Trata-se, portanto, de um subsistema autônomo, com características específicas que influenciam no desenvolvimento da criança e no sistema familiar como um todo. Dessa forma, um aspecto central do modelo de Feinberg (2003) é a compreensão da coparentalidade como um processo familiar que influencia e é influenciado por fatores externos à própria relação coparental (Lamela et al., 2010).
Uma perspectiva ampla do contexto possibilita compreender os efeitos mediadores e moderadores da coparentalidade no funcionamento e bem-estar dos membros da família (Feinberg et al., 2016). Nesse sentido, Feinberg (2003) reporta que a coparentalidade é influenciada por características individuais dos pais e da criança, pelo relacionamento familiar anterior ao nascimento do filho e pelo ambiente extrafamiliar (Favez et al., 2019; Feinberg et al., 2016; Lamela et al., 2010). Quanto à influência do ambiente extrafamiliar elucidado no modelo ecológico de Feinberg (2003), a coparentalidade pode ser afetada negativamente pelo estresse extrafamiliar.
Em contrapartida, o apoio social pode ser compreendido como um fator de proteção da qualidade das relações coparentais (Feinberg, 2003; Feinberg et al., 2016). Assim, a rede social, frente a condições estressantes, proporciona um alicerce ecológico na execução das tarefas coparentais. Nessa perspectiva, quanto mais ativa e efetiva for a rede, mais facilitado será o esforço coparental (Lamela et al., 2010).
Entre as causas que podem provocar tensão e estresse nos membros familiares, é possível citar a transição pelo ciclo vital familiar, que repercute naturalmente nos subsistemas conjugal, parental e coparental, por exemplo. Os estressores do ciclo de vida familiar, também chamados de estressores horizontais desenvolvimentais (Carter & McGoldrick, 2008), podem se apresentar por meio das mudanças que decorrem da transição de cada etapa do ciclo vital, exemplificada no jovem adulto que sai de casa para constituir uma nova família e, posteriormente, no casal que terá filhos e transita para a parentalidade como um casal com filhos pequenos. Contudo, há ainda os estressores horizontais imprevisíveis, que afetam a família intensamente, pois são acontecimentos que geralmente causam rupturas e mudanças bruscas na família. Nesse caso, o divórcio, uma doença, a morte, um desastre natural e a migração são alguns exemplos dos estressores imprevisíveis que podem atingir uma família (Carter & McGoldrick, 2008; McGoldrick & Shibusawa, 2016). Há ainda os estressores verticais, que incluem os padrões de relacionamento e funcionamento familiar que são transmitidos às outras gerações, marcando a história familiar. Nesse sentido, os fatores culturais desempenham um papel importante na forma como as famílias atravessam o ciclo vital. A rede social pode servir como um amortecedor vital dos estressores horizontais e verticais, auxiliando nas transições e no enfrentamento de situações difíceis (McGoldrick & Shibusawa, 2016).
Posto isso, faz-se necessário estabelecer a diferenciação entre os conceitos de rede social e apoio social, amplamente utilizados como sinônimos, mas que se referem a fenômenos diferentes, embora inter-relacionados. A literatura científica aponta a existência de uma variedade ampla de conceitos relacionados à temática da rede social. Geralmente, os termos “suporte social” ou “apoio social” são frequentemente encontrados como equivalentes a rede social (Gonçalves et al., 2011; Maffei et al., 2019; Nardi et al., 2017; Reis et al., 2020; Smith & Christakis, 2008). O apoio social tem sido descrito como uma percepção subjetiva de recursos sociais disponíveis ao sujeito e a qualidade destes (Gottlieb & Bergen, 2010; Juliano & Yunes, 2014). O apoio social pode, então, ser compreendido como uma das funções desempenhadas pela rede social do indivíduo e não como sinônimo de rede social (Smith & Christakis, 2008; Perkins et al., 2015).
Nesse sentido, o presente artigo pretende refletir sobre o entendimento da conceitualização apresentada na literatura acerca de rede social e apoio social em sua relação com a coparentalidade. Com isso, pretende gerar subsídios para qualificar os processos de intervenção junto às famílias, visando à promoção das relações coparentais. Com base nessa perspectiva, o objetivo desta revisão integrativa foi compreender as relações entre coparentalidade e rede social, em estudos nacionais e internacionais que investigaram essa interface, a partir do pressuposto de que as redes sociais exercem alguma influência na relação coparental por meio das funções exercidas por seus membros.
Método
Esta revisão integrativa foi realizada mediante busca em bases de dados eletrônicos acerca da produção científica nacional e internacional sobre rede social e coparentalidade. A questão norteadora da revisão foi “quais as relações entre rede social e coparentalidade?”. Para respondê-la, foi realizada a busca de publicações indexadas nas bases de dados PsycINFO, Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Web of Science, Scopus e SciELO. Tais bases foram acessadas por meio do Portal CAPES. A escolha pelas referidas bases de dados levou em conta a abrangência de indexação delas e, também, sua característica multidisciplinar. O levantamento, a extração e a análise dos dados ocorreram em duas etapas, a primeira no mês de abril de 2020 e a segunda, complementar e com o objetivo de atualizar a primeira, nos meses de fevereiro a maio de 2021. O processo de levantamento de dados foi realizado por uma das autoras e o processo de extração e análise dos dados foi realizado sob supervisão de outra pesquisadora.
Para a estratégia de busca foram utilizados os descritores: Rede Social e Apoio Social, e seus correspondentes em inglês e espanhol (Social Network; Red Social; Social Support; Apoyo Social). A coparentalidade não se constitui como um descritor; no entanto, é um conceito bastante difundido nos estudos da área familiar e é estudado como construto independente. Assim, o termo coparentalidade, bem como seus correspondentes nos idiomas inglês e espanhol (Coparenting; Copaternidad) foram utilizados para fazer a busca dos artigos. Os descritores foram relacionados entre si com uso dos operadores booleanos OR e AND, formando a seguinte estratégia de busca, cuja escolha final foi acompanhada por pesquisadores experts: “social network*” OR “social support” OR “red social*” OR “apoio social” OR “apoyo social” AND “coparenting” OR “coparentalidade” OR “copaternidad”.
Em relação à seleção dos artigos, foram estabelecidos como critérios de inclusão: (a) acesso aos resumos completos em português, inglês ou espanhol; (b) estudos empíricos relacionados à coparentalidade e rede social e/ou apoio social; (c) estudos em que a investigação tenha lidado com qualquer estrutura e composição familiar; e (d) periódicos avaliados por pares. Foram excluídos estudos de revisões, teses e dissertações, bem como estudos que não se relacionassem ao objetivo proposto. A busca dos artigos foi realizada considerando o intervalo de tempo de publicação de 2005 a 2021.
A busca inicial resultou em 165 artigos relacionados aos descritores da pergunta norteadora. Os artigos foram exportados para um software de gerenciamento bibliográfico, o qual auxiliou na sistematização e identificação de duplicatas. Excluíram-se os trabalhos repetidos (n=68) e procedeu-se à leitura dos títulos e resumos (n=97). No trabalho de refinamento da busca, foram excluídos 58 artigos após a leitura minuciosa do título e resumo, por não corresponderem nem tangenciarem a questão de pesquisa. Desse modo, 39 artigos foram selecionados para a leitura na íntegra. Após uma pré-seleção, foram excluídas 22 obras que não atendiam aos critérios de inclusão, do que restaram 17 artigos, que foram submetidos à análise de dois juízes independentes pertencentes a grupo de pesquisa que investiga coparentalidade e redes sociais significativas. Nesse processo, conforme ilustra a Figura 1, foram excluídos 5 artigos, e a amostra final consistiu em 12 publicações que atendiam a todos os critérios estabelecidos. Após a leitura do material e a extração dos seus conteúdos referentes à pergunta de pesquisa, os dados foram organizados primeiramente a partir da análise bibliométrica dos estudos e, posteriormente, da análise temática categorial do conteúdo, que fez emergir três categorias temáticas, cuja sistematização das recorrências representa o conteúdo evidenciado nas publicações (Olabuénaga, 2009).
Tal conteúdo evidenciou que as relações entre rede social e coparentalidade indicaram o apoio social como uma das funções dessa rede de relações parentais. As relações familiares, comunitárias e institucionais foram identificadas tanto como fatores protetivos quanto de risco, e a melhora do relacionamento coparental foi associada a intervenções realizadas nos contextos das redes institucionais e comunitárias.
Resultados
Destaca-se que, dos 12 estudos que compõem o corpus deste artigo, a maior quantidade de produções é oriunda dos Estados Unidos da América (9), e as demais publicações são de Brasil, Itália e Holanda, com um artigo de cada país. Em relação às áreas de conhecimento, a psicologia é o campo com maior concentração, com 7 estudos publicados (Cabrera et al., 2009; Florsheim et al., 2012; Lindsey et al., 2005; Poblete & Gee, 2018; Richardson et al., 2018; Schmidt et al., 2019; Sumontha et al., 2016). As demais 5 pesquisas foram desenvolvidas em campo interdisciplinar, majoritariamente entre as ciências sociais e a psicologia (Bertoni et al., 2018; Marczak et al., 2015; Raskin et al., 2016; Riina & Feinberg, 2018; Visser et al., 2017). Esses dados possibilitam afirmar a relevância de estudos sobre tais temas numa perspectiva multidimensional, uma vez que envolvem não só aspectos psicológicos e relacionais, mas também desenvolvimentais, de saúde e sociais.
A respeito do período de publicação, os 12 artigos selecionados foram publicados entre os anos de 2005 e 2019. Nota-se certa variação no número de produções por ano, com aumento no último quinquênio (2015-2019), ao qual pertencem 75% do total de artigos, enquanto no quadriênio anterior (2011-2014) houve apenas uma publicação.
Acerca dos aspectos metodológicos, predominaram artigos com abordagem quantitativa (11) e apenas um com delineamento qualitativo. Os instrumentos e técnicas de pesquisa utilizados foram: inventário e/ou escala (24), questionário (17), observação estruturada (2), entrevista semiestruturada (1) e entrevista estruturada (1). Referente ao primeiro segmento de análise, a Tabela 1 foi desenvolvida visando sistematizar as principais informações dos artigos revisados, tais como autores, ano e país de publicação, objetivos do estudo, abordagem e tipo de pesquisa e instrumentos e/ou técnicas utilizadas.
Autores (Ano)/ País | Objetivo | Abordagem e Tipo de pesquisa | Instrumentos e/ou técnicas |
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1. Schmidt, Schoppe-Sullivan, Frizzo, Piccinini (2019) / Brasil. | Investigar a divisão do trabalho durante a transição para a parentalidade em famílias do Sul do Brasil com diferentes arranjos de cuidado infantil | Qualitativa e longitudinal | Entrevista semiestruturada e questionário sociodemográfico. |
2. Richardson, Futris, Mallette, Campbell (2018) / EUA. | Examinar a relação entre o estresse parental das mães adotivas e a qualidade das relações coparentais, e a influência moderadora do apoio ao papel do cuidador adotivo. | Quantitativa e transversal | Parental Stress Scale; Casey Foster Applicant Inventory Applicant Co-Parenting Scale (CFAI-CP); Coparenting Questionnaire; Help with Fostering Inventory. |
3. Poblete & Gee (2018) / EUA. | Identificar fatores de proteção para pais adolescentes afro-americanos e latino-americanos de baixa renda durante a transição para a paternidade. | Quantitativa e longitudinal | Social Support and Undermining Scale (SSUS); Parenting Alliance Inventory (PAI), questionário sociodemográfico. |
4. Bertoni, Carrà, Iafrate, Zanchettin, Parise (2018) / Itália. | Investigar o papel de associações para pais separados no bem estar e coparentalidade dos pais separados. | Quantitativa e transversal | Questionário online autorrelato; Hopkins Symptom Checklist (HSCL); Coparenting Scale. |
5. Riina & Feinberg (2018) / EUA. | Examinar a mudança longitudinal no suporte e conflitos coparentais para pais casados durante a adolescência de seus filhos, e as ligações entre fatores financeiros, de trabalho e comunitários e suporte e conflito coparental. | Quantitativa e longitudinal | 7 itens da Coparenting Relationship Scale (CRS); questionário sobre jornada de trabalho, satisfação com o trabalho, tensão financeira e coesão da comunidade. |
6. Visser, Finkenauer, Schoemaker, Kluwer, Rijken, Lawick, Bom, Schipper, Lamers-Winkelman (2017) / Holanda. | Fornecer evidências para o modelo de mediação de que a reprovação da rede social do outro progenitor está associada a um maior conflito entre pais divorciados. | Quantitativa e transversal | Questionário sociodemográfico (questões sobre o divórcio); subescala de coparentalidade de 7 itens do Psychological Adjustment to Separation Test (PAST); lista de pessoas que estão envolvidas e preocupadas com o divórcio e 4 perguntas avaliando sua percepção das reações gerais dos parceiros da rede ao divórcio, incluindo questões relativas à sua (des)aprovação; Transgression Related Interpersonal Motivations Inventory. |
7. Sumontha, Farr, Patterson (2016) / EUA. | Examinar as associações entre as qualidades dos contextos sociais das famílias e as experiências de coparentalidade. | Quantitativa e longitudinal | Multidimensional Scale of Perceived Social Support (MSPSS); Parenting Alliance Inventory (PAI). |
8. Raskin, Fosse, Fauth, Bumgarner, Easterbrooks (2016) / EUA. | Compreender as complexidades das relações mãe-pai entre pais jovens; investigar os recursos de segundo plano correlacionados com as configurações de relacionamento e informar os esforços de intervenção para promoção da paternidade. | Quantitativa e longitudinal | Questionário sociodemográfico; questionário sobre a configuração da relação mãe-pai; The Center for Epidemiological Studies – Depression scale (CES-D). |
9. Marczak, Becher, Hardman, Galos, Ruhland (2015) / EUA. | Explorar o envolvimento do pai e os resultados das relações coparentais a partir da avaliação de eficácia de uma intervenção colaborativa. | Quantitativa e longitudinal | Role of the Father Questionnaire (ROFQ); Questionário de envolvimento paterno (3 itens de tempo gasto com o filho; 6 itens do Together We Can [TWC] Questionnaire para avaliar atividades com o filho); Parenting Alliance Measure (PAM). |
10. Florsheim, Burrow-Sánchez, Minami, McArthur, Heavin, Hudak (2012) / EUA. | Testar a eficácia do Programa Jovem Parentalidade (YPP), um programa de aconselhamento de 10 semanas administrado durante a gravidez e projetado para facilitar o desenvolvimento de habilidades interpessoais e parentalidade positiva entre pais adolescentes. | Quantitativa e longitudinal | The Capacity for Interpersonal Bonding (CIB) interview; 1 questão sobre engajamento paterno; The Child Abuse Potential Inventory (CAPI); Parenting Behavior Checklist (PBC); Quality of Relationship Inventory (QRI). |
11. Cabrera, Shannon, La Taillade (2009) / EUA. | Examinar vários possíveis preditores da coparentalidade. | Quantitativa e transversal | Questionário sociodemográfico; questionário de proficiência em inglês; Center for Epidemiological Studies Depression Scale – Short Form (CESD-SF); 4 questões de apoio social percebido; 10 questões sobre a qualidade do relacionamento conjugal; subescalas de envolvimento paterno; 1 questão que aborda conflito coparental; observação estruturada. |
12. Lindsey, Caldera, Colwell (2005) / EUA. | Identificar fatores externos e internos à família que estão associados à qualidade da relação de coparentalidade. | Quantitativa e transversal | Family Support Scale (FSS); Child Rearing Practices Report (CRPR); The Infant Characteristics Questionnaire; Pacote de medidas clínicas: manual de campo para autoestima; questionário sociodemográfico; observação estruturada. |
Entre os temas discutidos relacionados à coparentalidade e à rede social, destacou-se: transição para a parentalidade (Florsheim et al., 2012; Lindsey et al., 2005; Poblete & Gee, 2018; Raskin et al., 2016; Schmidt et al., 2019), envolvimento paterno (Cabrera et al., 2009; Florsheim et al., 2012; Marczak et al., 2015; Raskin et al., 2016), divórcio (Bertoni et al., 2018; Marczak et al., 2015; Visser et al., 2017), parentalidade na adolescência (Florsheim et al., 2012; Poblete & Gee, 2018; Raskin et al., 2016), adoção (Richardson et al., 2018; Sumontha et al., 2016), estresse parental (Richardson et al., 2018) e famílias homoafetivas (Sumontha et al., 2016). Além disso, três estudos destacaram a avaliação de intervenções relacionadas à coparentalidade (Florsheim et al., 2012; Marczak et al., 2015; Raskin et al., 2016), aspecto considerado relevante, uma vez que as equipes e serviços da comunidade e/ou serviços de saúde responsáveis pelas intervenções foram compreendidos como parte da rede social dos sujeitos que participaram das intervenções.
Os resultados encontrados nos estudos acerca da relação entre a rede social e a coparentalidade foram organizados em três categorias temáticas, que serão apresentadas em seguida.
Conceituação de rede social e apoio social
Nessa categoria, foram agrupados dados referentes à definição dos termos rede social e apoio social nos estudos analisados. Foi possível constatar que o descritor conceitual “rede social” foi utilizado em apenas um artigo (Visser et al., 2017); as demais publicações utilizaram o descritor “apoio social”. Em seis estudos essa temática foi central, trazida como foco de investigação associada à coparentalidade (Bertoni et al., 2018; Poblete & Gee, 2018; Richardson et al., 2018; Schmidt et al., 2019; Sumontha et al., 2016; Visser et al., 2017). Já nas demais publicações, o tema foi abordado como uma das variáveis a serem investigadas em meio a outros aspectos relacionados à coparentalidade (Cabrera et al., 2009; Lindsey et al., 2005; Riina & Feinberg, 2018), ou foi mencionado indiretamente, como nos casos dos estudos de intervenção (Florsheim et al., 2012; Marczak et al., 2015; Raskin et al., 2016).
Ressalta-se o consenso dos estudos em demarcar a importância dos vínculos com pessoas consideradas relevantes na relação coparental, destacado como um fator de proteção para uma relação positiva e saudável. No entanto, três estudos também destacaram como a rede social pode se configurar como um fator de risco e prejudicar o relacionamento coparental (Poblete & Gee, 2018; Riina & Feinberg, 2018; Visser et al., 2017). Tais vínculos foram prioritariamente analisados à luz do conceito de apoio social, cuja definição, fundamentada em referenciais teóricos, foi encontrada em apenas três estudos, que apresentaram o conceito de forma distinta (Lindsey et al., 2005; Poblete & Gee, 2018; Sumontha et al., 2016). Os demais estudos abordaram o conceito a partir de outras pesquisas que não explicitavam a quais definições de apoio social se ancoravam e tampouco evidenciaram as definições de rede social.
Entre as definições claramente apresentadas, o apoio social foi conceituado como “a presença de uma forte relação na qual a outra pessoa demonstra cuidado e afirmação, fornece informações e conselhos úteis e fornece ajuda e recursos necessários” (Abbey et al., 1985, como citado em Poblete & Gee, 2018, p. 2296). O apoio social também foi definido como “a disponibilidade das pessoas que formam uma rede social em proporcionar encorajamento, conforto, amor e reforço do valor do sujeito dentro desse sistema social” (Cobb, 1976 e Sarason, Levine, Basham & Sarason, 1983, como citados em Sumontha et al., 2016, p, p. 987). Por fim, o conceito de apoio social ainda foi definido como “ajuda emocional, instrumental ou informativa que outras pessoas fornecem a um indivíduo” (Crockenberg, 1988, como citado em de Lindsey et al., 2005, p, p. 348).
Em relação aos estudos que analisavam intervenções relativas à coparentalidade (Florsheim et al., 2012; Marczak et al., 2015; Raskin et al., 2016), não foram evidenciados dados de análise da rede social ou do apoio social dos pais; tampouco foram abordados tais conceitos e definições, pois esses aspectos não constituíam o foco de investigação dos referidos estudos.
Coparentalidade no ciclo de vida familiar
Nessa categoria foi descrita a etapa do ciclo de vida focalizada nos estudos. Identificaram-se duas subcategorias: famílias com filhos pequenos e famílias com adolescentes. Nas famílias com filhos pequenos, os estudos que abordaram a coparentalidade e a rede social das famílias com crianças pequenas apresentaram uma diversidade de temas analisados sobre esse pano de fundo (Bertoni et al., 2018; Cabrera et al., 2009; Lindsey et al., 2005; Richardson et al., 2018; Marczak et al., 2015; Schmidt et al., 2019; Sumontha et al., 2016; Visser et al., 2017). Tal diversidade possibilitou que emergissem como elementos de análise os seguintes temas: estresse parental, apoio social, envolvimento paterno, fatores internos e externos à família, e estressores do ciclo de vida (transições no ciclo de vida, migração, adoção, divórcio etc.).
O estresse parental em famílias com filhos pequenos foi analisado no estudo de Richardson et al. (2018) relacionado à maternidade adotiva e ao papel moderador do apoio social. Considerando os aspectos do estresse parental envolvido na transição para a parentalidade, sobretudo na parentalidade via adoção, ambos compreendidos como estressores do ciclo vital familiar, os resultados indicaram que quanto maior o estresse parental experimentado, menor a qualidade da relação de coparentalidade, sendo essa associação moderada pelo apoio social recebido. O estudo apontou que o apoio recebido pode ter servido para mitigar alguns dos efeitos do estresse parental sobre o subsistema coparental.
O apoio social e a coparentalidade foram analisados por Sumontha et al. (2016), a partir do viés de diferentes configurações familiares entre gays, lésbicas e heterossexuais, com filhos pequenos por adoção. Os resultados indicaram níveis similares de apoio social da família, amigos e outras pessoas relevantes nos diversos arranjos familiares. Casais homoafetivos relataram o apoio de suas famílias de origem e de todas as outras fontes, tanto quanto os casais heteroafetivos. Mães lésbicas, pais gays e heterossexuais também relataram percepções similares de suas alianças parentais; de modo geral, todos os participantes reportaram alianças parentais relativamente fortes.
Em relação ao envolvimento paterno e ao conflito coparental, o estudo de Cabrera et al. (2009), realizado no contexto da migração de famílias mexicanas para os Estados Unidos, demonstrou que, independentemente do nível de proficiência em inglês dos pais e mães, ambos se engajaram na mesma quantidade de cuidados quando o pai não relatou nenhum conflito coparental. No entanto, quando houve um aumento do conflito, os pais com proficiência em inglês começaram a se envolver mais nos cuidados dos filhos; em contraste, os pais com menor nível de proficiência em inglês se envolveram menos. Nesse estudo, a proficiência em inglês foi usada como uma variável para medir o nível de aculturação ao país de acolhida, isto é, o quanto os pais estavam integrados no novo país. Associações entre níveis de depressão e sintomas de aculturação dos pais, o apoio familiar e a qualidade do relacionamento do casal com o conflito de coparentalidade foram analisados, bem como os efeitos do conflito coparental na criação dos filhos e no desenvolvimento social infantil. Os sintomas depressivos maternos, o apoio familiar e a felicidade conjugal não foram associados por pais e mães ao conflito coparental. Contudo, os sintomas depressivos paternos e o conflito conjugal foram associados pelos pais a um maior conflito coparental.
No estudo de Lindsey et al. (2005), as características individuais dos pais e da criança e fatores internos à família também foram associados ao comportamento coparental. Um dos fatores ligado ao comportamento individual de coparentalidade foi o temperamento infantil. Especificamente, pais de crianças com temperamento difícil demonstraram comportamento coparental mais intrusivo. Além disso, a autoestima também foi associada ao comportamento coparental de mães e pai, pois mães com elevada autoestima demonstraram comportamentos coparentais menos intrusivos. Os fatores externos à família, tais como o status de emprego dos pais e o apoio social extrafamiliar, repercutiram em diferenças individuais no comportamento coparental. As variáveis contextuais se relacionaram mais ao comportamento de apoio para as mães, enquanto para os pais as variáveis contextuais estavam vinculadas à coparentalidade intrusiva (Lindsey et al., 2005).
O divórcio relacionado à coparentalidade e à rede social emergiu nos estudos de Bertoni et al. (2018), Visser et al. (2017), Sumontha et al. (2016) e Marczak et al. (2015) como um estressor do ciclo de vida familiar, na medida em que modificou a dinâmica familiar e foi associado a possíveis efeitos negativos na adaptação e bem-estar pós-divórcio dos pais e das crianças. Ressaltam os autores que tais efeitos poderiam se intensificar nas situações em que ocorressem conflitos entre os pais. Para Sumontha et al. (2016), os casais separados relataram alianças parentais significativamente mais fracas do que casais não separados. Considerando os efeitos negativos do divórcio no bem-estar emocional e social, nas relações com os filhos e na relação coparental, o estudo de Bertoni et al. (2018) indicou que o divórcio interferia significativamente na rede social, rompendo ou enfraquecendo os laços com grupos de pessoas que antes faziam parte da rede social do casal. Além disso, haveria o risco de enfraquecimento da relação entre pais e filhos, especialmente os pais homens que acabavam saindo de casa e não coabitavam com os filhos pequenos. Nesse sentido, analisou-se a relevância das Associações de pais separados na melhora de tais aspectos. Tais Associações foram citadas como instituições criadas e mantidas pelos próprios pais, bastante difundidas na Itália, cujos objetivos seriam, basicamente, salvaguardar e promover a coparentalidade e o bem-estar, e sensibilizar as instituições e a sociedade acerca das lacunas na legislação sobre a figura paterna (Bertoni et al., 2018).
Na perspectiva das intervenções dos serviços da comunidade ou equipes de saúde como fonte de apoio social ou parte da rede social de apoio à coparentalidade no contexto do divórcio e separação dos pais, o estudo de Marczak et al. (2015) descreveu uma intervenção voltada para mães e pais separados, cujo objetivo foi apoiar os pais não casados que estabeleciam a paternidade visando melhorar as relações de coparentalidade e o envolvimento paterno. Os resultados indicaram que 69% dos pais que participaram da intervenção relataram uma mudança positiva em relação ao papel que desempenhavam na vida da criança, em comparação aos 31% de pais do grupo controle; também se declararam mais propensos a acreditar que estavam indo bem em vários aspectos da qualidade de vida familiar.
Com relação às publicações que abordaram a coparentalidade e a rede social de famílias com filhos adolescentes, destaca-se o estudo de Riina e Feinberg (2018), que examinou a mudança longitudinal no suporte e conflitos coparentais para pais casados durante a adolescência de seus filhos. Os autores constataram um declínio ao longo de seis anos na percepção do apoio coparental do parceiro para as mães e os pais, mas nenhuma mudança significativa no conflito coparental percebido. De modo geral, os fatores externos à coparentalidade, tais como o desgaste financeiro e as horas de trabalho, atuaram como estressores para a relação, pois estavam associados a decréscimos na qualidade da coparentalidade, enquanto a satisfação no trabalho e a coesão da comunidade estavam ligadas a relações coparentais mais positivas.
Já entre os estudos de famílias cujos pais eram adolescentes, Florsheim et al. (2012), Poblete e Gee (2018) e Raskin et al. (2016) destacaram a relevância de outros membros da rede social dos pais se fazerem presentes para a construção de uma parentalidade e uma coparentalidade mais saudáveis. Tal fato se apoiou na premissa de que os adolescentes se defrontariam com diversos estressores nessa etapa do ciclo de vida familiar, tais como a própria transição para a adolescência ao mesmo tempo em que se transita para a parentalidade; a transição do casal para a família com filhos pequenos, muitas vezes sem antes ter vivenciado a etapa de formação de casal; e a saída da casa dos pais em função da parentalidade precoce e sem planejamento. Considerando a questão do envolvimento paterno e do relacionamento conjugal dos pais adolescentes, Raskin et al. (2016) constataram a alta instabilidade da conjugalidade para mães jovens e o efeito duradouro da monoparentalidade no status de relacionamento das mães ao longo do tempo. Para os autores, tais rupturas poderiam ter efeitos negativos nos filhos pequenos, ressaltando a necessidade de se prover apoio às famílias com pais adolescentes.
Para Poblete e Gee (2018), estudar a parentalidade na adolescência enquanto fator de risco para o desenvolvimento de problemas psicossociais e parentais teve por objetivo explorar o papel dos avós na coparentalidade exercida pelos pais adolescentes ao longo dos doze meses após o nascimento do filho. Os resultados destacaram que a presença da rede social familiar dos adolescentes, composta pelos pais, poderia ser protetora na medida em que os avós, ao proporcionarem um clima de apoio, incentivariam e ensinariam seus filhos a coparentar por meio de seus modelos.
Com relação às intervenções no contexto da coparentalidade com pais adolescentes, Florsheim et al. (2012) investigaram o apoio para pais adolescentes e mãe adolescentes grávidas, visando ao relacionamento coparental mediante uma intervenção realizada por profissionais da saúde nos Estados Unidos da América. O estudo ressaltou que facilitar o desenvolvimento de habilidades relacionais em pais adolescentes ajudaria a aumentar o envolvimento paterno, melhoraria a qualidade das relações coparentais e favoreceria práticas parentais positivas. Tais premissas levaram em consideração que alguns pais adolescentes poderiam ainda não apresentar as habilidades interpessoais necessárias para gerenciar os desafios parentais, aumentando as situações de risco para as crianças e para si mesmos, associados, principalmente, ao estresse relacional e ao conflito coparental.
Relações entre os membros das redes e os pais
Nessa categoria foram descritos os tipos predominantes das relações entre os membros das redes e os pais, a fim de descrever de que forma as redes interferem na coparentalidade. Identificaram-se duas subcategorias: relações comunitárias e relações familiares. As relações com a comunidade, caracterizadas principalmente pelos serviços de saúde e assistenciais, foram as mais citadas como fornecedoras de apoio social e de fortalecimento e proteção da coparentalidade. A babá e a creche (Schmidt et al., 2019), o médico da família e outros pais (Richardson et al., 2018), a Associação de pais separados (Bertoni et al., 2018), os vizinhos (Riina & Feinberg, 2018) e as intervenções controladas e realizadas por profissionais de serviços de saúde ou assistenciais (Florsheim et al., 2012; Marczak et al., 2015; Raskin et al., 2016) influenciaram positivamente na qualidade da coparentalidade.
Em todos os estudos elencados no parágrafo anterior, a comunidade funcionou como fator protetivo para a coparentalidade frente às condições de risco para o desenvolvimento de sofrimento psíquico dos sujeitos, em situações de divórcio (Bertoni et al., 2018; Marczak et al., 2015), de parentalidade precoce e na adolescência (Florsheim et al., 2012; Raskin et al., 2016), da parentalidade por adoção (Richardson et al., 2018), da transição para a parentalidade, do possível afastamento dos pais homens nos cuidados dos filhos (Schmidt et al., 2019), ou ainda das mudanças provocadas no sistema familiar e na relação coparental de casais com filhos adolescentes (Riina & Feinberg, 2018). Por outro lado, enquanto fator de risco para a coparentalidade, o apoio emocional recebido pela rede social de pais divorciados foi identificado no estudo de Visser et al. (2017) como contribuinte para o prejuízo da relação coparental, uma vez que houve a tendência de as pessoas da rede social oferecerem apoio a um dos membros da dupla coparental e esse apoio foi percebido como desaprovação pelo outro membro. Dessa maneira, o apoio emocional recebido, acrescido da percepção de desaprovação do ex-cônjuge, repercutiu de forma negativa na coparentalidade, sob a forma de conflitos coparentais.
Ainda na perspectiva das relações sociais com a comunidade, o estudo de Schmidt et al. (2019) discutiu como a vinculação dos pais com uma instituição como a creche, por exemplo, ou poder contar com o trabalho de uma babá, poderia se relacionar positivamente a uma maior divisão do trabalho, que representa uma das dimensões da coparentalidade nas famílias com crianças pequenas. O apoio social exercido pela Associação de pais separados (Bertoni et al., 2018) apresentou relação com sintomas depressivos, bem-estar relacional e coparentalidade, pois quanto mais amparados os pais se sentiam pela instituição, menos deprimidos ficavam, mais satisfeitos se sentiam com o relacionamento com os filhos e amigos e mais capazes ficavam em demonstrar habilidades de coparentalidade. Além disso, a Associação de pais separados possibilitou a conexão de novas pessoas que até então não faziam parte da rede social dos pais, que, a partir dessa experiência, foi ampliada.
A análise em conjunto das publicações permitiu identificar que o apoio social, compreendido como uma função mais ampla e positiva da rede social, foi uma das funções mais citadas nos estudos, sendo, de modo geral, descrita como promotora e facilitadora da relação coparental de forma mais positiva e saudável (Bertoni et al., 2018; Lindsey et al., 2005; Richardson et al., 2018; Riina & Feinberg, 2018; Sumontha et al., 2016). Para Richardson et al. (2018), o apoio social foi analisado ainda como moderador do estresse parental e a coparentalidade no contexto da adoção, pois quando as mães adotivas percebiam seus sistemas de apoio como altamente úteis, tendiam a relatar níveis mais baixos de estresse parental e maior qualidade de relacionamento coparental.
No estudo de Riina e Feinberg (2018), a coesão da comunidade, representada por vizinhos ou moradores do bairro, foi associada à coparentalidade por pais de adolescentes, uma vez que o apoio social recebido repercutiu na coparentalidade, tanto na diminuição dos conflitos coparentais quanto no aumento do apoio coparental. Assim, os autores inferiram que os pais de adolescentes se beneficiaram de laços comunitários, que por sua vez aumentaram o apoio percebido pelas mães por meio de contágio emocional ou aumento do envolvimento paterno.
Entre os estudos que analisaram intervenções relacionadas à coparentalidade, identificou-se que, no âmbito das relações comunitárias, os profissionais de saúde e assistência social exerceram uma função de apoio na rede social dos pais. Intervenções por meio de um programa de visitas domiciliares para pais jovens (Raskin et al., 2016), por exemplo, possibilitaram a formação ou a manutenção de parcerias de apoio a mães, revelando o potencial promotor de habilidades e relações coparentais mais estáveis e solidárias. É possível citar ainda o estudo de Marzak et al. (2015), realizado no sistema judicial, sob um enfoque de promoção de relações coparentais, que objetivou intervir para estimular relacionamentos familiares saudáveis. Os resultados demonstraram que 63% das mães do grupo de intervenção relataram ter experimentado uma mudança positiva na relação de coparentalidade, em oposição a 36% das mães do grupo de controle. Por outro lado, adotando uma lógica preventiva, o estudo Florsheim et al. (2012) investigou a intervenção realizada com o objetivo de apoiar o desenvolvimento das habilidades interpessoais necessárias para a coparentalidade positiva e a parentalidade. Os pais que participaram da intervenção se mostraram significativamente mais propensos a se envolver ativamente com seus filhos bebês e a se relacionar relações mais positivamente com o parceiro coparental do que os pais do grupo controle.
Os estudos que abordaram as relações familiares indicaram que essa sub-rede foi uma das mais citadas na relação entre coparentalidade e rede social. Caracterizada com uma das principais fontes de apoio social da rede dos pais, as relações familiares tanto podem influenciar de forma positiva, como fator protetivo, fortalecendo e promovendo o relacionamento coparental, quanto podem exercer influência negativa e prejudicial, como fator de risco ao desenvolvimento do relacionamento coparental saudável. O estudo de Poblete e Gee (2018), cujo foco se concentrou na função dos avós na coparentalidade, demonstrou tais repercussões do apoio social recebido. O aumento da qualidade da coparentalidade se deu em duas situações: quando havia apoio dos avós e do parceiro; e, curiosamente, em casais que não tinham apoio mútuo ou dos avós, pois as mães recorriam a outros membros da rede, principalmente à família estendida, que supria a falta de apoio dos avós. Nos casos em que as mães iniciaram um novo relacionamento romântico e o padrasto assumiu a dupla coparental, ampliou-se a qualidade da relação coparental, segundo as mães. Em relação à qualidade da coparentalidade diminuída, essa foi relatada quando o apoio dos avós foi alto, mas o apoio do parceiro foi baixo, e na ausência do apoio dos avós, mesmo quando os pais tinham apoio elevado entre si.
Discussão
O interesse pela coparentalidade não é algo recente. Desde o conceito de subsistema executivo criado por Minuchin (1982), acerca de como os pais gerenciam e tomam decisões a respeito da educação dos filhos, a coparentalidade tem ganhado destaque nos estudos (Souza et al., 2016), especialmente naqueles com delineamento quantitativo. De fato, conforme constatado, os estudos com abordagem quantitativa são predominantes em relação aos de abordagem qualitativa. A esse respeito, Souza et al. (2016) ressaltam que o crescimento das pesquisas sobre coparentalidade se deu de modo unidirecionado e pouco variado. Nesse sentido, os autores supracitados mencionam que os instrumentos criados para avaliar a coparentalidade se caracterizaram por medidas fechadas, que dificultam o acesso às percepções mais subjetivas das famílias estudadas. Tais aspectos apontam para a relevância da realização de pesquisas com delineamento qualitativo que permitam uma compreensão mais singular e contextual da coparentalidade.
A indiferenciação conceitual acerca da rede social, apoio e suporte social constatada na maior parte das publicações dessa revisão corrobora os achados de diversos estudos que tratam do tema (Gonçalves et al., 2011; Maffei et al., 2019; Nardi et al., 2017; Smith & Christakis, 2008). Embora tenha havido um crescente interesse científico na temática, Gonçalves et al. (2011) afirmam que tal crescimento não refletiu, na mesma medida, no embasamento teórico consistente. Esse apontamento repercute no entendimento acerca da relevância da rede social na vida dos sujeitos, pois os vínculos e funções por vezes estão invisibilizados (Nardi et al., 2017).
Diante da complexidade de cada etapa do ciclo vital, ao se investigar a coparentalidade, reitera-se a necessidade de compreender tal subsistema familiar refletindo as especificidades de cada momento do ciclo e suas influências no fenômeno da coparentalidade, tais como os estressores familiares verticais e horizontais, bem como as características individuais de pais e criança, além do ambiente extrafamiliar (Carter & McGoldrick, 2008; Lamela et al., 2010). Nesse sentido, é relevante que os estudos considerem que a coparentalidade em famílias com filhos pequenos é vivida de modo diferente da coparentalidade em famílias com filhos adolescentes, cuja transição por si só implica no enfrentamento de estressores horizontais-desenvolvimentais.
Ademais, destaca-se a necessidade de pesquisas que compreendam a experiência da coparentalidade em condições imprevisíveis que causam grande estresse nas famílias (estressores horizontais imprevisíveis), tais como o divórcio, morte e doença crônica, os quais afetarão de diferentes maneiras o subsistema coparental (Carter & McGoldrick, 2008), que demandará apoio de forma mais intensa de sua rede social.
As relações com a comunidade, observadas na presente revisão, se revelaram marcadamente constituídas pelas relações com os sistemas de saúde e de assistência, demonstrando serem capazes, mediante intervenções, de proporcionar mudanças significativas na forma de viver e de enfrentar as dificuldades ao longo do ciclo vital, como por exemplo na gravidez precoce, isto é, a parentalidade e a coparentalidade na adolescência (Raskin et al., 2016), ou no divórcio, condição na qual o exercício da coparentalidade cooperativa é mais desafiador (Marzak et al., 2015), aspecto também constatado por Maffei et al. (2019) e Reis et al. (2020), em estudos que investigaram a relação da rede social com os fenômenos ocorridos durante o ciclo de vida.
Nos três estudos que abordaram intervenções na coparentalidade, identificou-se interações que favoreceram a resolução de conflitos e reafirmaram responsabilidades. Além disso, observou-se que as(os) profissionais responsáveis pela condução das intervenções que visavam promover a relação coparental e os papéis parentais, enquanto membros das redes sociais dos participantes, proporcionaram o compartilhamento de informações e modelos que influenciaram positivamente a coparentalidade (Marzak et al., 2015; Raskin et al., 2016).
Corroborando os achados de Feinberg et al. (2016), o conjunto de estudos analisados nesta revisão aponta benefícios para o exercício da coparentalidade, por meio da realização de intervenções promotoras de relações saudáveis (Marzak et al., 2015; Raskin et al., 2016) e intervenções preventivas de agravos na relação coparental (Florsheim et al., 2012), de modo que é possível construir uma relação coparental saudável e positiva tanto para os pais (divorciados ou casados) quanto para os filhos. A relevância de tais intervenções se sustenta em evidências que destacam que, quando a coparentalidade é positiva, os responsáveis conseguem acordos entre si, respeitam a parentalidade um do outro, cooperam na criação dos filhos e costumam se envolver mais com eles (Finzi-Dottan & Cohen, 2016). Ademais, as relações coparentais cooperativas beneficiam o desenvolvimento infantil, influenciando positivamente na expressão de comportamentos internalizantes e externalizantes dos filhos e na dinâmica relacional familiar como um todo, refletindo no bem-estar dos pais e no comportamento de apoio enquanto dupla coparental (Lamela et al., 2016).
Ao atentar para a rede social, percebe-se a abrangência de aspectos que se configuram como recursos e enriquecem o entendimento das relações familiares, sobretudo a coparentalidade, propiciando meios de apoio e suporte. Esse direcionamento permite reconhecer o universo relacional da família e os elementos inter-relacionados que a compõem, a partir dos espaços em que os membros circulam e participam: vizinhança, família, instituições, entre outros.
Avanços na compreensão da estrutura e funções da rede social podem abrir novas fronteiras para intervenções que visem melhorar a saúde dos indivíduos e populações. Os laços interpessoais são importantes ferramentas para a difusão de conhecimento, atitudes e comportamentos, de modo que a rede formada por tais laços tende a amplificar a disseminação de modificações comportamentais de uma pessoa, produzindo mudanças no mesmo sentido em outras pessoas da população em geral (Kim et al., 2015).
Com referência a novos estudos empíricos, recomenda-se enfatizar a dimensão relacional e a multiplicidade de elementos inerentes à experiência de tornar-se mãe ou pai, considerando o potencial das redes no fortalecimento da dinâmica parental e coparental. Entende-se que é particularmente importante: (a) investigar a perspectiva dos casais acerca dos significados que as suas redes evocam na relação um com o outro na criação dos seus filhos; e (b) caracterizar os elementos estruturais, as funções e os vínculos das redes dos pais e identificar como esses elementos influenciam na relação coparental.
Os dados encontrados são indicativos de que tanto a coparentalidade quanto a rede social podem ser estudadas sob a ótica de diversas perspectivas, analisadas à luz de diversos assuntos que permeiam os estudos de família. Além disso, apontam para a realização de novos estudos sobre a interface entre coparentalidade e rede social que possam abranger outros descritores, visando identificar se os resultados apresentados nesta revisão podem ser igualmente observados. As limitações deste estudo centram-se nos descritores utilizados no levantamento e no tipo de produção analisada, tendo em vista que foram incluídos somente artigos. Diante disso, sugere-se que futuras revisões de literatura utilizem outras palavras-chave, considerando as variações do conceito de rede social, a dinâmica da rede social ao longo do ciclo vital familiar e os impactos das intervenções focadas na coparentalidade.