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Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. v.39 n.70 São Paulo jun. 2006
REFLEXÕES SOBRE O TEMA
A episteme da Psicanálise: uma contribuição da Teoria dos Campos1
The episteme of Psychoanalysis: a multiple Fields Theory contribution
La episteme del Psicoanálisis: una contribución de la Teoría de los Campos
Leda Herrmann*
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
RESUMO
O artigo parte da consideração de que a Teoria dos Campos recuperou a dimensão heurística de desvelamento, des/cobrimento do método da Psicanálise. Esse trabalho realizado de depuração do método psicanalítico pôs em evidência que os conhecimentos psicanalíticos são produzidos por interpretação e servem apenas no contexto de sua descoberta, são válidos para as operações executadas. Transpostos diretamente a outros contextos sofrem uma acomodação abusiva, sendo arbitrárias as generalizações. Assim a Teoria dos Campos define o problema da acumulação de conhecimento na Psicanálise. O que pode ser acumulado são os mecanismos ou procedimentos interpretativos tal como se acumulam procedimentos narrativos na literatura, e não os resultados de cada procedimento interpretativo. Estes só podem ser acumulados se referidos à operação que os produziu. O artigo termina com a exposição de um exemplo de construção teórica na Teoria dos Campos.
Palavras-chave: Teoria dos Campos, Método da Psicanálise, Construção teórica em Psicanálise.
ABSTRACT
This paper considers that the Multiple Fields Theory recovered the heuristic dimension of the psychoanalytic method, making the interpretative character of psychoanalytic knowledge evident. As a result of interpretation, psychoanalytic knowledge is useful only in the original context of its discovery. Transferred directly to other situations, such knowledge is awkwardly accommodated, hence generalization is arbitrary. According to the Fields Theory, knowledge is produced in psychoanalysis by procedures of interpretation as narrative procedures are produced in literature, not by the results of the interpretations. The results can only be known when referred to the process by which they came forth. Finally an example of theoretical production in the Fields Theory is given.
Keywords: Multiple Fields Theory, Psychoanalytic method, Theoretical construction on Psychoanalysis.
RESUMEN
El artículo parte de la consideración de que la Teoría de los Campos recuperó la dimensión heurística del desvelamiento y descubrimiento del método del Psicoanálisis. La realización de este trabajo, de depuración del método psicoanalítico, puso en evidencia que los conocimientos psicoanalíticos son producidos por interpretación y sirven solamente en el contexto de su descubrimiento; son válidos para las operaciones ejecutadas. Transferidos directamente a otros contextos sufren una acomodación abusiva, siendo arbitrarias las generalizaciones. De esta manera, la Teoría de los Campos define el problema de la acumulación de conocimiento en el Psicoanálisis. Lo que puede ser acumulado son los mecanismos o procedimientos interpretativos, tal como se acumulan procedimientos narrativos en la literatura, no así los resultados de cada procedimiento interpretativo. Estos sólo pueden ser acumulados si referidos a la operación que los produjo. El artículo termina exponiendo un ejemplo de construcción teórica en la Teoría de los Campos.
Palabras-clave: Teoría de los Campos, Método del Psicoanálisis, Construcción teórica en Psicoanálisis.
Introdução
A Teoria dos Campos não é uma escola psicanalítica, é uma forma de pensar o homem no seu mundo, na perspectiva do reino do sentido humano. Surge da crítica de Fabio Herrmann à Psicanálise dominante na segunda metade do século XX, em contraposição à sua vocação inaugural freudiana. Desenvolvendo-se a partir dos anos 1960, empreende um resgate da idéia psicanalítica que assaltou Freud2. Que idéia é essa? A do desvelamento do sentido humano por meio da interpretação. Freud, ao cruzar o sentido do sintoma histérico, no âmbito da patologia, com o sentido dos sonhos e atos falhos, no âmbito da normalidade, salta o muro que separa a vida comum da psicopatologia. Toma então o caminho do descobrimento/desvelamento, diferente do caminho classificatório racionalista que lhe era apontado pelo projeto científico do fim do século XIX, um dos filhos do Iluminismo, responsável pela explosão tecnológica contemporânea. Já não se trata de circunscrever e classificar os desvios da razão, mas de nestes procurar o sentido da psique.
Nos anos 1960/1970, a Psicanálise consolidara-se primordialmente como ciência da psicoterapia dita psicanálise. Dividia-se em escolas, cada qual seguindo seu mestre. O mestre de cada escola, por sua vez, tentara agarrar aquilo que, do amplo projeto freudiano, se lhe afigurava como o ponto-chave para o desenvolvimento dessa ciência da terapia. É nesse cenário que, por meio de um trabalho crítico, se desenvolve o pensamento da Teoria dos Campos por Fabio Herrmann, tendo como meta trazer de volta para o corpo da Psicanálise a amplitude da idéia psicanalítica freudiana, que de longe ultrapassa sua utilização como tratamento.
Explicando melhor, Freud, ao criar a Psicanálise, aponta para a criação de uma ciência da psique. O sucesso da terapia psicanalítica na primeira metade do século XX vai favorecer essa situação de se confundir o método psicanalítico com sua técnica de tratamento. A psicanálise como técnica terapêutica também é muito importante. Mas o problema agudizou-se quando os elementos de técnica da clínica-padrão — como o número de sessões, certas formas de interpretação, a apreensão das emoções do paciente como exclusivamente dirigidas para a figura do analista na relação analítica, ou seja, a redução da interpretação à interpretação transferencial etc. —, tomando o lugar do método, passaram a ser considerados como os produtores do efeito terapêutico da Psicanálise. O pensamento da Teoria dos Campos vem para dizer que esse lugar, o da produção de efeito terapêutico, o lugar da cura, é o do método. Para isso vai submetê-lo a um apurado estudo, procurando especificar as características do fazer interpretativo.
Método é tomado na Teoria dos Campos na sua etimologia, isto é, um caminho (do grego hodós) para um fim (do grego meta). Propõe-se a volta ao método como o caminho da retomada heurística da Psicanálise, a retomada da exploração da psique — do sentido humano — em direção à formulação de novos conhecimentos. Essa volta passa pelo coração da clínica, passa pela interpretação, lá onde o método ficou guardado, mas também onde se perdeu em esquecimento.
O ponto de partida desta retomada metodológica, como já foi referido, data do final da década de 60. Implica uma constatação e formula uma pergunta: a terapia analítica é eficaz seja qual for a orientação teórica do analista. Se sua eficácia não depende da teoria que orienta o analista, por que funciona a psicanálise? Constatação e pergunta que se estendem e abarcam todas as terapias interpretativas derivadas da Psicanálise.
O trabalho crítico da Teoria dos Campos vai tomar então o ato clínico procurando extrair dele o que de comum poderia explicar a eficácia clínica de práticas muito diferentes, tanto nas várias escolas psicanalíticas, como nas psicoterapias interpretativas. Chega então ao método. Isto é, a ação da interpretação, do processo interpretativo, dá-se em todas essas práticas por ruptura do campo consensual que suporta o discurso do paciente. Desse ponto, a Teoria dos Campos desenvolve todo um conjunto de conceitos metodológicos que explicam e exploram o proceder interpretativo da psicanálise: campo, ruptura de campo, expectativa de trânsito, vórtice etc.
O pano de fundo desse pensamento crítico arma a outra pergunta fundamental a que vem responder: quais as características do mundo em que vivemos, constituído de grandes cidades? A resposta é explorada no livro sobre a psicanálise do quotidiano, no capítulo 1, "O momento da Psicanálise" (Herrmann, 2001b, pp. 13-31), e na terceira parte, "O mundo em que vivemos" (Herrmann, 2001b, pp. 153-214). Argumenta que o mundo que se vem instalando, desde o final do século XIX, efetivamente constitui um real que foi superando, para o bem ou para o mal, a própria substancialidade. Esse real vem se tornando de há muito tempo tão humanizado que passou a constituir uma espécie de psique, chamada de psique do real, na Teoria dos Campos. A idéia de psiquismo social não é nova: até o fim do século XIX e parte do XX era mais uma ideologia, dizia respeito à formulação de idéias de um pensador sobre o social. No século XX, principalmente depois da Grande Guerra, o real passou a ser cada vez mais vivo, intencional e psíquico. Os sistemas de produção foram se tornando cada vez mais autônomos em relação ao trabalho. Por exemplo, para uma criança de hoje vivendo na cidade, leite é leite e não depende da vaca. Criou-se um grande sistema que pensa, que produz representações, encadeia-as por imagens. O nosso passou a ser um mundo dessubstancializado, o objeto concreto é substituído, no seu conhecimento, na sua apreensão, por representações, por sistemas de representações. Voltando ao tema do leite e da vaca, o leite comprado numa caixa de papelão no supermercado não tem, para a criança da grande cidade, relação com a vaca que o produziu, mas com a companhia que o preparou, o embalou, com o que a propaganda promete para quem o toma. Há uma representação leite X que pensa para a criança (de verdade ou de mentira) o porquê de tomar leite, de onde vem o leite etc. Vivemos no reino da super-representação.
A Psicanálise é um sintoma do mundo da super-representação e um instrumento adequado para com ele lidar. Freud pode ser entendido de maneiras diferentes. Ele fez várias psicanálises e escolheu algumas como, por exemplo, a da sexualidade infantil, a da transferência, a do inconsciente reprimido. Privilegiou o sistema conceitual que produziu. Para a Teoria dos Campos a força da Psicanálise não está aí, mas em seu método. A Psicanálise por efeito de aprés coup vai ganhando significado de acordo com o mundo onde se vai desenvolver. Isto é mais importante que o achievement conceitual, a acumulação de conhecimentos produzidos. No mundo que perdeu substância, onde a representação é mais importante que o representado, a Psicanálise, por efeito de seu método, no seu procedimento de procurar sentido implícito no explícito — "procurar no escuro o que, no claro, parece perfeitamente claro" (Herrmann, 2001b, p. 24) —, é ao mesmo tempo um sintoma desse mundo psíquico e absurdo e um instrumento para pensar a sua psique. Permite interpretar o sistema que faz esse mundo funcionar, não pela via de lhe reinfundir substância, mas pela via de atribuir sentido, procurando a racionalidade da lógica de produção desses sistemas representacionais. É o mesmo procedimento que, no avesso de seus achados, nos mostra que o sonho está no fundo da vigília. O sonho entendido não só como manifestações do inconsciente que interfere na vigília, mas como fundo da vigília, por ser outra condição pela qual se representa o tecido, a trama dos campos ou inconscientes relativos (Herrmann, 2003, pp. 97-115).
A episteme psicanalítica
A recuperação do método da Psicanálise pela Teoria dos Campos efetiva-se através da análise do fazer clínico, da análise do processo interpretativo. O método recuperado é o da ruptura de campo. Isto é, a escuta descentrada do assunto tema do discurso — o do paciente, na clínica — vai propiciar a apreensão de sentidos para além do tema proposto. Dessa forma vão-se pondo à mostra regras que suportam esses sentidos, ou campos — inconscientes e estruturantes da psique, do reino do sentido humano.
Desse ponto de partida, a Teoria dos Campos caminha como uma forma de investigação que produz conhecimentos em dimensão dupla: clínica e epistemológica. Na dimensão clínica podemos falar em conhecimentos novos, principalmente aqueles, já citados, que tratam de conceitos metodológicos e clínicos como campo, ruptura de campo, vórtice etc. Na dimensão epistemológica vamos nos deparar principalmente com a recuperação do poder heurístico do método da Psicanálise, este sim uma criação freudiana.
O esforço aqui empreendido de tentar caracterizar a episteme, isto é, identificar as características do conhecimento produzido em Psicanálise, do ponto de vista de Teoria dos Campos, desemboca em outro ponto trabalhado por esse pensamento psicanalítico, ou seja, a forma que toma a construção do conhecimento na Psicanálise (Herrmann, 1999a, Introdução, pp. 7-42 e Herrmann, 2002). Compreende em primeiro lugar um caminho heurístico percorrido pela Teoria dos Campos.
Como filha da crítica da Psicanálise dos anos 60, a Teoria dos Campos trouxe à baila, no Brasil, a questão do método da Psicanálise. Com isso retirou da Psicanálise a capa que revestia sua capacidade heurística — a da primazia da teoria sobre o psiquismo. Isto é, a Psicanálise pós-freudiana ficou refém das explicações sobre os revestimentos psicológicos de seu objeto e deslocou das regras do setting a explicação de sua essência, de sua condição de cura. Percorrendo o caminho do método e, assim, destrinchando as bases sobre as quais se assenta o diálogo analítico, a Teoria dos Campos, ao mesmo tempo que afirma a eficácia da ação da terapia analítica pela escuta desencontrada do analista em relação ao tema que lhe traz o paciente, vai retirando da teoria a característica de sustentar a ontologia de uma aparelho psíquico e a posição de anterioridade lógica com relação à clínica. Os primeiros conceitos que constrói são sobre o proceder do método — os conceitos metodológicos, já referidos. Do ponto de vista da ordenação lógica que o desvelamento do diálogo analítico impôs, o pensamento psicanalítico da Teoria dos Campos segue construindo conceitos sobre os movimentos de técnica evidenciados pelo método — a começar pela atitude geral de deixar que surja e tomar em consideração. Tudo isso implicou a retomada e redefinição de conceitos psicanalíticos tradicionais como fantasia, transferência, interpretação e inconsciente e a criação de conceitos teóricos organizadores da produção de conhecimento pela ação metodológica — interpretante, função terapêutica, luto primordial etc. (Herrmann, 2001a). Por outro lado, A Teoria dos Campos também foi retrabalhando conceitos teóricos que recolocam a psique de acordo com a idéia psicanalítica freudiana, isto é, a psique entendida como sentido humano e não como simples aparelho metafórico. São os conceitos de real/realidade, desejo/identidade (Herrmann, 1998a, pp. 9-19). Em uma outra frente, constrói conceitos teóricos de âmbito psicopatológico: limiar delirante, falta de sentido de imanência, patologia dos possíveis (Herrmann, 1983/2001d); além de conceitos clínico-teóricos como crença (Herrmann, 1998a) e duplicação sub-reptícia do eu (Herrmann, 1999a). Por último, mas não menos importante, retoma a noção de representação e, ao reconhecer-lhe a função de defesa ao contágio desejo e real, alça-a a conceito organizador deste pensamento (Herrmann, 1987/2001c).
Penetrando essa forma de produzir conhecimento psicanalítico, é interessante caracterizá-lo, esboçar a sua episteme. Não são conceitos psicológicos na forma de construção de uma teoria sobre o sujeito. Também não dizem respeito à constituição psíquica no modelo da metapsicologia freudiana. Assim, embora endossando o que foi descoberto por Freud, a Teoria dos Campos considera ser o método descoberto por Freud mais forte do que aquilo que veio a produzir em termos de conhecimento conceitual. O fato de Freud ter definido o psicanalista como aquele que acredita numa série de resultados da aplicação do método — sexualidade infantil, regressão etc. — é, segundo este pensamento, o começo do fechamento da porta que Freud mesmo havia aberto. Vale dizer que, fixando-se no corpo teórico e não no método — no procedimento heurístico de construção de conhecimentos —, procedeu-se ao uso desses conceitos de forma repetitiva. E o que era método de descoberta começa a se congelar em doutrina e até mesmo em ideologia (Herrmann, 1998b).
Por tudo isso a Teoria dos Campos não se caracteriza como uma releitura de Freud à la Lacan. Ela é uma tentativa de descobrir o que está na entranha do eidos freudiano e o faz funcionar — a isso chama método, caminho que permite superar um obstáculo (meta — hodós). Não seria muito garantida a concordância de Freud com a análise que a Teoria dos Campos faz do método psicanalítico. É uma análise que está, antes de tudo, tentando extrair o mecanismo de funcionamento do pensamento que o produziu à luz da ressignificação que a história da segunda metade do século XX impôs ao sentido da obra freudiana. Propõe ser esta forma de pensamento implícito na obra de Freud mais importante que qualquer das outras, mais importante mesmo que os resultados que Freud selecionou como doutrina.
A depuração do método da psicanálise e seu uso rigoroso pela Teoria dos Campos mostram que a maior parte dos conhecimentos psicanalíticos — aqueles produzidos por interpretação, por análises — serve apenas no contexto de sua descoberta. Quando vão sendo transpostos a outros contextos há uma acomodação abusiva de conhecimentos, semelhante à que faziam os autores da filosofia natural na Idade Média. Para não concluir que a Psicanálise é uma impostura científica ou uma simples práxis terapêutica — mesmo porque ela é extremamente eficaz como método interpretativo —, há a proposta de uma variante da navalha de Ockham: aquilo que se conhece por um ato interpretativo é válido para a operação efetivamente executada. A idéia de que os inconscientes de todos os recortes do mundo humano funcionam da mesma maneira e fazem parte de um conjunto indissolúvel — o inconsciente — constitui, em conseqüência, uma hipótese a mais, que, como supranumerária, deve ser cortada, ou demonstrada, mas nunca o foi. Tal generalização é, pois, arbitrária.
Por essas considerações é possível deduzir uma forma diversa de tratar, na Psicanálise, o problema da acumulação de conhecimentos. Para a Teoria dos Campos, tudo o que pode ser acumulado são os mecanismos ou procedimentos interpretativos, tal como se acumulam e se desenvolvem os procedimentos narrativos na literatura, e não os resultados de cada procedimento interpretativo — que seria como dizer que cada romance deve continuar o anterior —, sendo o método da Psicanálise válido pela sua dimensão heurística de desvelamento, des/cobrimento. Uma espécie da bestia sanza pace de Dante, a loba, o animal sem paz da Divina Comédia3. O método, como a loba, não tem descanso, só existe quando posto em prática, devora o saber produzido e pede mais. Os resultados não podem ser guardados sem referência à operação que os produziu, o que torna impossível qualquer dedução a partir de um conceito particular, ou combinação de conceitos, que não retome o processo produtivo desde o início. Todo processo dedutivo do uso de uma análise para se aplicar ao começo de uma outra é inviável, por exemplo. É necessário começar do começo, para não sucumbir à tautologia interpretativa, mãe das doutrinas e lugar da morte da potência heurística.
Fica claro que para a Teoria dos Campos o essencial ao método psicanalítico é a operação de desopacificação, desvelamento, desobstrução, isto é, seu momento heurístico. Significa isso estar sempre começando de zero? Não, por certo. Está implícito aqui que um psicanalista deve inspirar-se em Freud e também nos autores que se seguiram, mas, na forma de um literato inspirar-se em Dostoiévski, sem necessariamente tomar por assentado, para seu romance, que o leitor conheça os Irmãos Karamázov, por exemplo. A Teoria dos Campos sustenta que a Psicanálise assim entendida é uma ciência, com tamanho direito a sê-lo, a propósito, que provavelmente será de justiça que a epistemologia atual se modifique para fazê-la caber no âmbito científico. Assim, a Psicanálise reedita, no nosso tempo, o momento tantas vezes repetido em que o conhecimento dito literário, depois filosófico, converte-se em conhecimento científico. É um conhecimento interpretativo que só vale quando não se cristaliza em doutrina, como o que está contido no método de escrita, no conhecimento literário. Para todas as ciências humanas, a literatura é a irmã mais velha. É esse o sentido do mote Psicanálise, ciência futura: não apenas que a Psicanálise ainda não é uma ciência, nem que seja seu destino converter-se numa, porém que a ciência futura, pelo menos o que se conhece como ciências humanas, deverá ter como uma de suas inspirações fundamentais o horizonte de vocação da Psicanálise. Um projeto ambicioso, com certeza (Herrmann, 1999a, pp. 7-42).
Os movimentos do saber humano são conduzidos pela arte e sedimentados pela ciência. A Psicanálise, considerada do ponto de vista de seu método, representa para nossos dias esse especial momento de transição da arte para a ciência — e vice-versa. Podemos dizer que a psicologia faz esse caminho através da Psicanálise.
A aceitação plena dessa condição peculiar de conhecimento já constitui a Teoria dos Campos. Para sua consolidação a Teoria dos Campos percorreu duas veredas, e não as abandonou. A primeira foi exprimir de forma crítica os limites do conhecimento psicanalítico. A segunda foi explorar esses limites produzindo conhecimento possível, que, já de si, exerce excelentemente função crítica. Só assim poderia contribuir para o saber da psique, tornando a crítica realmente eficiente.
Para a Teoria dos Campos, cada vez que o método é posto em ação, ele constitui um mundo de objetos interpretáveis. Os diferentes panoramas não se conjugam numa visão de totalidade teórica, porém simplesmente como diferentes faces objetais do ato metodológico: fotografias diversas que nos ensinam principalmente quais os recursos da câmara fotográfica, não retrato, mas operação. O conhecimento obtido não é em absoluto dispensável, apenas não se consegue acumular como fotografias justapostas. A relação entre uma foto e outra passa necessariamente pela câmara. A relação entre um produto interpretativo e outro tem obrigatoriamente de aludir ao método. É por isso que esse conhecimento não vale pela sua condição de acumulação e perfeita aplicação, mas pela sua condição de superação. Duas visões interpretativas não se somam; legitimamente elas se chocam para romper seu campo comum, ou seja, exigem um novo ato metodológico, nova interpretação.
O capítulo primeiro do texto que inaugura a Teoria dos Campos (Herrmann, 1976), "De Édipo a Sísifo", já apresenta as condições para a formulação do conhecimento psicanalítico. Toma do livro de Camus, O mito de Sísifo, a imagem de Sísifo começando sempre de novo, usada como metáfora da imagem do trabalhador moderno, do trabalho alienado na era industrial. Para a Psicanálise é tarefa do psicanalista, como Sísifo, iniciar o trabalho de transportar a pedra sempre da base da montanha; nunca a partir do meio da montanha, pela aplicação repetida de uma teoria construída em outro contexto. Se a montanha é a dificuldade posta pelo mundo psíquico contemporâneo, é necessário explorar várias de suas vertentes. A cada vez traçando um caminho até o topo de onde se tem visão teórica, visões de conjunto, segundo diversos pontos de vista. É de se notar que a teoria, para os gregos, tem o sentido de visão de um lugar alto, panorama teórico. O caminho para o topo é o que se pode chamar de método. E é desse que diz Camus ser o bastante para o coração do homem. Mesmo confuso pela perda de seus referenciais doutrinários e fatigado pela exigência desmedida do método de ruptura de campo, a Teoria dos Campos, nesse texto, conclui com Camus que, a exemplo de Sísifo, o analista — é preciso imaginá-lo feliz.
Um exercício de produção teórica
Trabalhando freudianamente na linha de frente da clínica e na linha de frente da vida quotidiana, tendo como norte o método interpretativo de ruptura de campo, a Teoria dos Campos vai podendo desvelar sentidos que constituem particulares situações humanas individuais (na clínica) e sociais (grupos, segmentos, instituições). Vão surgindo construções teóricas que aos poucos, fruto do trabalho de investigação de Fabio Herrmann e colaboradores, vão formando corpos de conhecimentos transitórios, porque sempre postos em risco em novas investigações. Sentidos — são muitos os possíveis.
Um exemplo dessa específica produção teórica psicanalítica é encontrado no capítulo 2, "Uma teoria para a clínica", do livro Clínica psicanalítica: a arte da interpretação (Herrmann, 2003, pp. 27-36). Não se trata de uma teoria sobre o sujeito, ou sobre o psiquismo. Compreende uma teoria sobre o Homem Psicanalítico, que, numa primeira aproximação, poderia ser definido como paciente conversando com o analista. É, portanto, uma teoria que nasce dessa forma de conversa.
Dito de outra maneira — a teoria proposta para a clínica é derivada diretamente da reflexão sobre o método psicanalítico operando numa sessão de análise. As construções teóricas que alcança não se prestam para a constituição de um saber objetivado sobre o sujeito enquanto sujeito. São construções operacionais propiciadas pelo método.
Aqui vale a pena fazer um parêntese de ordem epistemológica. No pensamento da Teoria dos Campos o método, isto é, a análise da ação interpretativa, é logicamente anterior a qualquer outro procedimento, seja o da construção de conhecimento teórico seja de técnica. Tendo como cenário o conjunto da produção psicanalítica existente, principalmente a freudiana, a Teoria dos Campos procede a um rearranjo lógico que toma o método como o único ponto de partida para qualquer produção em Psicanálise, pois é ele que em Psicanálise tem poder heurístico, poder de descoberta.
É da análise da ação do método interpretativo que se podem especificar movimentos de técnica, pois o bem-fazer em análise não pode ser um a priori à ação da descoberta, à ação interpretativa, segue-se a ela. As construções teóricas só podem ser realizadas pela intermediação da clínica, procurando contornar o risco de partir de um saber estabelecido e encontrar esse saber no paciente, sem passar pelo paciente, sem qualquer mediação que venha do paciente — um procedimento tautológico. Nesta reversão lógica proposta pela Teoria dos Campos, ao invés de se aplicar conhecimento estabelecido, como, por exemplo, o complexo de Édipo, pode-se redescobri-lo, mas sempre sob o crivo do método, e nunca será o mesmo Édipo.
No capítulo "Uma teoria para a clínica" as construções teóricas estão suportadas por duas idéias. A da função terapêutica da Psicanálise e a de campo transferencial.
No final do capítulo o autor afirma que é próprio da função terapêutica alargar a possibilidade de auto-representações do paciente por reconhecer e desfazer interpretativamente as configurações limitadoras do desejo, os nós traumáticos. Função terapêutica é a marca do método psicanalítico de ruptura de campo, é o que permite penetrar os campos, as configurações limitadoras, como afirmado acima, para que novas representações se apresentem para um paciente, para uma configuração do quotidiano, para um grupo, para um setor social, para uma produção literária e assim por diante (Herrmann, 1983/1999b).
Depois de trabalhar de forma incessante a noção de campo transferencial, o capítulo é concluído com a afirmação de que o campo transferencial é o responsável pela construção de uma teoria essencialmente e operacionalmente clínica dispensando hipóteses sobre o anterior e exterior à sessão.
Neste capítulo há seis paradas de reflexão teórica que compreendem a teoria proposta para a clínica. Elas dizem respeito a noções ou conceitos construídos a partir da clínica com o respaldo de uma fábula para dar conta da impossível determinação pelo método psicanalítico do que é originário no psiquismo. São elas:
1) Campo transferencial. É condição para o método funcionar. É o estranho que habita o consultório, a situação analítica. Por quê? É onde o mundo do paciente é seu e lhe é desconhecido (é o mundo dos sentidos possíveis, mas que ainda não se lhe apresentaram), nele a identidade do paciente esfumaça-se para se condensar, como chuva, em formas imprevistas, mas possíveis.
No início da Psicanálise era mais estrita a idéia de transferência, não era de verdade, era uma força de substituição responsável, pensava-se, por o paciente confundir a figura do analista com outras figuras de seu passado, principalmente os pais. Daí a oposição entre atitudes realistas e transferenciais. Por se considerar cada vez mais o problema da fantasia, hoje a transferência toma um lugar maior na Psicanálise; o que o paciente diz é escutado como um conjunto de fantasias (geralmente em relação ao analista) e que cabe ao analista elucidar. Esta escuta é a escuta de uma grande metáfora da vida anímica do paciente no momento da sessão, onde, para a Teoria dos Campos, não há por que distinguir fantasia de realidade. Nesse sentido é válido afirmar que toda apreensão do analista é transferencial.
A Teoria dos Campos pensa a transferência como uma forma de apreensão do discurso humano por onde podem se intrometer seus valores inconscientes, constituindo-se, portanto em condição para interpretar. Constitui-se como um campo, o campo transferencial, envolvendo paciente e analista e onde o sentido afetivo-disposicional do discurso do paciente com respeito ao analista posiciona o par analítico como por exemplo: par sadomasoquista, pai e filho, interlocutores desencontrados, amantes etc.
O campo transferencial, que se constitui na escuta do analista e se revela por sua atividade interpretante propiciando crises representacionais do par analítico, é o suporte da ação terapêutica do trabalho analítico. É nele e por ele que o paciente vai podendo experimentar choques de representações e mudanças em suas auto-representações. Essa compreensão do campo transferencial como forma de escuta e não como fenômeno que ocorre e pode ser observado elimina, na Teoria dos Campos, a distinção entre transferência e contratransferência. Outra conseqüência que o conceito traz diz respeito à ação interpretativa do analista, que não precisa ficar atrelada à denúncia da relação intersubjetiva analista/analisando. Isto é, a referência à pessoa do analista é circunstancial na interpretação, não o é a atenção ao campo transferencial. O que, sim, é essencial para a atividade terapêutica do analista é o diagnóstico transferencial ou o diagnóstico do campo transferencial.
2) Homem Psicanalítico. Na clínica, ao se aceitar a grande metáfora da escuta da fantasia, cria-se uma situação de "mentira". Arma-se um "campo de mentira" onde é criado o Homem Psicanalítico, diverso do homem do dia-a-dia que entrou no consultório e que é um desconhecido para si mesmo. O Homem Psicanalítico é o homem dos sentidos possíveis nas mudanças de auto-representações. É o homem de sua crise representacional, e nesse sentido, como conceito, é uma construção operacional, que se define pelas operações que nos levam a apreendê-lo (Herrmann, 1983). A teoria para a clínica deve ser uma teoria do Homem Psicanalítico, criatura do campo transferencial. O paciente chega imerso na satisfação de suas necessidades — quer atenção para suas queixas, por exemplo, de ser incompreendido pela mulher. O campo transferencial suspende provisoriamente o estado almejado de satisfação de necessidade impondo um espaço de consideração de sentidos outros possíveis que essa queixa contém.
3) Ficção do originário. Este movimento inerente à ação do método psicanalítico de suspensão provisória do estado almejado de satisfação de necessidade fez pensar num instante lógico primordial para o psiquismo que, no entanto, a definição operacional do método não pode alcançar. A Teoria dos Campos recorre a uma ficção do originário, a uma fábula da origem do homem, que vem a ser outro ponto de suporte de sua teoria para a clínica. Pensemos na cria humana. No início há pura materialidade, para o bebezinho recém-nascido não há intervalo entre necessidade e satisfação da necessidade. É o cerco das coisas. Ele é rompido pela combinação de erro necessário e mentira original (Herrmann, 2001b, pp. 43-66). Isto é, a necessidade que não é imediatamente satisfeita — porque a mãe não a percebe — e a mentira do bebê — que chora e recusa o leite porque não tem fome — abrem uma brecha no cerco das coisas, a abertura de um espaço entre necessidade e coisa, objeto de satisfação. É nesse espaço aberto que se criam a linguagem e a cultura — é o espaço da mentira. Foi o campo transferencial que revelou esse instante lógico primordial, só possível de ser pensado ficcionalmente. O espaço de mentira que o campo transferencial provê pela escuta do analista dos sentidos possíveis da fala do paciente, as fantasias, suspendendo provisoriamente o estado almejado de satisfação de necessidades, força o paciente a considerar os sentidos que lhe eram anteriormente mudos, a adentrar seu desejo. Isto é, força-o a se aproximar das regras internas organizadoras de suas emoções. Emoção é a combinação de afeto com idéia, idéia que carregada de afeto leva a ações "pensáveis", diferentes da ação imediata que a necessidade sem o intervalo para a satisfação impele — aqui não há desejo, só satisfação de necessidade. O desejo, a forma geral das emoções do paciente, é perseguido na análise para que o paciente, podendo dele cuidar, cure-se (Herrmann, 2001a, pp. 143-162). Do ponto de vista de uma teoria para a clínica, interessa-nos neste ponto saber o que, na fábula proposta, originariamente quer o desejo.
4) Luto primordial (Herrmann, 2001a, pp. 219-228). O que quer o desejo? O homem deseja bastar-se, numa nostalgia de um estado de autobastança que, apesar de nunca ter havido no reino dos sentidos, teve que ser renunciado na humanização. Isto é, o cerco das coisas onde a necessidade é imediatamente seguida de satisfação não impõe limite para o ato de bastar-se, mas, como estado, ele nunca pôde ser experimentado por se encontrar fora do reino do sentido. Na superação do cerco das coisas, ao rasgar-se o narcisismo primário — se pensarmos em termos freudianos —, cria-se o humano e se criam simultaneamente os pólos opostos de realidade e identidade, a superfície representacional do sujeito.
A cada momento analítico de criação do Homem Psicanalítico — que se dá em cada apreensão de novo sentido — há uma dimensão de contrariedade fundamental para o desejo de bastar-se completamente, ser a própria fonte de satisfação, possuir-se por dentro. Mas foi ao cerco das coisas, à fisiologia extensa, que o sujeito renunciou para se humanizar, sobrando-lhe a nostalgia de um estado de autobastança que jamais experimentou. Na análise, qualquer aspecto do Homem Psicanalítico, posto em evidência pela ruptura de campo que impõe a passagem de uma representação a outra, carrega uma crise representacional, atualiza para nosso paciente a nostalgia da autobastança e o anseio de deter a análise que fez emergir esse processo doloroso. Se a análise prossegue, o resto que fica é a necessidade de elaboração do luto da situação unitária perdida sem nunca ter sido experimentada. Há uma busca por objetos substitutivos como em qualquer perda, em qualquer luto. No luto primordial, como a perda é a perda de si mesmo, o objeto que traz a marca do objeto perdido é tanto a própria identidade como toda realidade, que sendo representação subjetiva possui a marca da origem humana. Assim todo objeto de desejo é um objeto secundário — aqui não há originais nem primários. Os objetos substitutivos trazem também a característica de serem, de alguma forma, substituíveis, intercambiáveis.
Para a Teoria dos Campos, a idéia de que todo objeto de desejo é um objeto substitutivo é um dos fundamentos da eficácia clínica da Psicanálise — realidade e identidade, enquanto representação, nunca são fixas, mostram-se em representações alternativas e possíveis. Nesta matéria não há verdade final, mas permeabilidade. A concepção psicanalítica de desejo como matriz interna das emoções contraria a concepção comum de desejo como algo que se quer, o que supõe para o objeto de desejo algo sempre agradável. Na concepção psicanalítica da Teoria dos Campos o homem deseja tanto o que é agradável como o que é desagradável; nesse sentido, não quer obrigatoriamente aquilo que deseja, pode detestar o que seu desejo lhe apresenta. É este outro fator que contribui para o fracasso da análise, isto é, o paciente não querer ser assim como passa a se perceber.
5) Apelo sádico. Constitui-se na primeira porta de saída na elaboração do luto primordial e também pode ser considerado um obstáculo para o processo analítico. Não podendo bastar-se, atira-se o sujeito violentamente agarrando o primeiro objeto oferecido, tentando possuí-lo infinitamente, ser um com ele (Herrmann, 2001a, pp. 263-272). O apelo sádico é uma tentativa de fusão com o objeto, também conhecido na Psicanálise por sadismo primário. No processo analítico é ao analista que se dirige o apelo sádico. No embate imposto pelo apelo sádico, prosseguindo o processo analítico, esse espaço representacional aberto pode especificar-se de outra forma, em outro modo psíquico, no novo campo que se organiza. No entanto, é no apelo sádico que o homem ensaia uma saída do luto primordial atravessando a porta de entrada para todas as formas de sexualidade no decorrer de seu desenvolvimento psíquico.
6) Trauma. As formas de sexualidade são muitas. Os modos de apetite sexual se dão como orais, anais e fálicos e numa ordem que pode ser esta ou não. Hipoteticamente ao Homem Psicanalítico qualquer combinação é possível, mas, na prática clínica, a liberdade ilimitada de fantasia é impossível. A história particular de cada um impõe-lhe limites intrínsecos, que o desenho do desejo revela. Aquelas configurações desse limite que independem de sexo biológico e de cultura e que determinam uma forma restrita e repetitiva da troca de fantasias constituem os traumas para a Teoria dos Campos. O trauma ou o nó do desejo é o limite imposto ao desejo ou, dito de outro modo, é a configuração limitadora do desejo4. É bom lembrar que desejo é a única forma que a Teoria dos Campos tem para falar em inconsciente no singular. Reconhecer esses nós e desfazer interpretativamente essas configurações limitadoras do desejo é a função terapêutica da análise.
Referências
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Endereço para correspondência
Leda Herrmann
R. Girassol, 34/102 — V. Madalena
05433-000 São Paulo, SP
Fone: 3088-8123
E-mail: herrmannfl@globo.com
Recebido em: 11/04/06
Aceito em: 28/05/06
* Da SBPSP. Doutora em Psicologia Clínica pela PUCSP.
1 Este artigo recompila trechos de outros dois textos: Herrmann, L. (2002) e Herrmann, L. (2004).
2 O tema da idéia psicanalítica está desenvolvido em "O momento da Psicanálise" (Herrmann, 2001b, pp. 13-31).
3 Cf. Herrmann, 2001a, pp. 327, ao tratar do inconsciente e referindo-se à seguinte citação: Tal mi fece la bestia sanza pace, Dante, A Divna Comédia, "Inferno", Canto I, verso 58.
4 Ver Herrmann, 2001a, Parte Segunda, capítulo VI, Parte Terceira, capítulo VII; e Herrmann, 2003, capítulo 9.