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Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.45 no.83 São Paulo dez. 2012
Editorial
Com este número encerramos o nosso ciclo como editores do Jornal de Psicanálise. Foram dois anos de intenso trabalho de cada membro da equipe que denominamos "jornaleiros", em virtude da nossa tarefa diária de ausculta das pulsações institucionais, do corpo a corpo vivido dentro do grupo na escolha dos temas, artigos, convidados etc., além do compromisso de entregar o Jornal semestralmente, de acordo com todas as normas de publicação.
Iniciamos a nossa gestão com uma pergunta: "Por que Jornal? A posteriori". O conceito a posteriori, subverte a temporalidade, surgindo daí as considerações sobre "Os tempos da psicanálise", tema do segundo número. A apropriação dessa e outras heranças psicanalíticas conduziram-nos ao tema: "Autoria", que, por sua vez, suscitou-nos a reflexão sobre a constituição da identidade analítica e fez emergir a indagação que propusemos para este número: "Com quem aprendemos psicanálise?".
Este tema abre um campo amplo de indagações a ponto de abranger todos os artigos aqui selecionados.
Optamos então por criar subseções, começando pelo já tradicional Debate, que, pelas ricas possibilidades de um encontro ao vivo entre nossos colegas, tornou-se uma "marca" da identidade do Jornal. Como propusemos no último número, convidamos pessoas em diferentes momentos de inserção na vida institucional, criando uma rede de comunicação tanto horizontal como vertical. Foram nossos convidados: Berta Hoffmann Azevedo, Maria Olympia França, Mônica Amaral e Rogério Coelho de Souza, que puderam generosamente compartilhar conosco as experiências pessoais, nos grupos e instituições que participaram, e como elas foram sendo apropriadas na formação e aprendizado da psicanálise, abrindo também indagações sobre os desafios que temos à nossa frente face às modificações que percebemos na sociedade como um todo.
Contamos mais uma vez com a participação da Associação dos Membros Filiados (amf) na entrevista realizada com Florence Guignard, que pôde nos falar sobre o aprendizado da psicanálise, sua experiência com análise de crianças, propondo uma integração das clínicas de adultos, adolescentes e crianças na formação do analista.
Abrindo a seção "Reflexões sobre o tema", temos o poético trabalho de Vera Lamanno Adamo "Contando do começo", um resgate da autora do seu processo de formação no Instituto com sua primeira analisanda, sua primeira supervisão com Judith Andreucci e seu primeiro relatório. Vera cita um artigo de Judith, "Aquele olhar - vivências psicanalíticas com alguém que não podia ver". Posteriormente, quase no fechamento deste número, a Divisão de Documentos e Pesquisa da História da Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise (ddphp-sbp), sugere esse mesmo artigo como parte das comemorações do centenário de nascimento de Judith Andreucci, uma das primeiras analistas didatas da sbpsp. Com essa curiosa sincronia, Vera participa, com seu trabalho, da homenagem prestada à D. Judith que é complementada pelos comentários de Antonio Sapienza ao artigo que foi republicado neste número. Contamos assim do começo, "com quem aprendemos psicanálise".
Publicamos os trabalhos de revisão da metapsicologia freudiana, que abrem caminho para pensarmos a cultura e a clínica atual: Norberto Marucco, através do artigo que serviu de base para a conferência proferida na sbpsp, "A clínica contemporânea e suas raízes metapsicológicas freudiana" e Orlando Hardt, na sua criativa analogia com a arquitetura, ajuda-nos a rever as reformulações de Freud quanto à metapsicologia, com o artigo "Freud e a perspectiva exata florentina".
Homenageamos dois grandes psicanalistas franceses que, a partir de Freud, ampliaram o pensamento psicanalítico criando novos desenvolvimentos e avanços tanto na teoria quanto na técnica psicanalítica. Jean Laplanche, através do artigo que solicitamos para Luiz Carlos Tarelho, que teve uma proximidade com esse psicanalista durante a sua estada em Paris; ele nos enviou o elucidativo trabalho "A teoria da sedução generalizada de Jean Laplanche e o descentramento do ser humano". E André Green, novamente lembrado aqui através do artigo escrito por José Martins Canelas Neto, também baseado na sua experiência pessoal de contato com esse outro psicanalista francês: "Por que André Green? - uma psicanálise contemporânea na atualidade da clínica".
Encerramos essa seção com a reflexão sobre um belo caso clínico de uma criança com diagnóstico de autismo, que mobilizou o grupo de autores residentes em São José dos Campos, para escreverem o artigo: "O mito de Sísifo e a falha do trabalho do negativo: um percurso clínico".
Sob a denominação Transmissão da Psicanálise, agrupamos três cuidadosos artigos que versam sobre a singularidade da transmissão e ensino da psicanálise apresentados por experientes docentes da nossa instituição. Cecília de Brito Orsini abre a seção com seu artigo "Leitura de Freud: um estilo de transmissão", em uma aproximação com a experiência literária, além de explicitação de algumas ferramentas usadas pela autora na leitura de Freud. Cora Sophia Chiapello, por sua vez, escreve sobre a sua experiência de ensino em um artigo que tem um título em si bastante intrigante: "O ensino da teoria psicanalítica: falar sobre o inconsciente com o discurso lógico do consciente". Maria Helena Fontes nos apresenta um modelo de transmissão da psicanálise baseado na sua leitura de Bion, "Aprender com Bion - a maiêutica bioniana". São artigos que dialogam entre si, e que esperamos poder servir de estímulo para pensar sobre essa tarefa 'duplamente' impossível, a de ensinar a psicanálise.
Em Interfaces, temos a psicanálise na sua interlocução com outras áreas do conhecimento, com as quais também aprendemos. Thamy Ayouch, que esteve na nossa sociedade por duas ocasiões em 2012, nos enviou o seu artigo no qual busca a aproximação entre fenomenologia e psicanálise, um tema controverso e muito atual: "Merleau-Ponty e psicanálise: da fenomenologia da afetividade à figurabilidade do afeto". O artigo "Do Homo ergaster ao Homo autisticus: aspectos filogenéticos e ontogenéticos do desenvolvimento da mente e seus desvios", de Vera Regina Fonseca, propõe para pensarmos uma instigante aproximação entre uma hipótese lançada pela psicologia evolucionista e as hipóteses da autora sobre os casos de autismo. Na interlocução com o teatro, temos o artigo de Rodrigo Leite, "O ator-compositor e o analista em formação - inspirações, aspirações e processos criativos", o palco servindo como espaço de reflexão sobre a nossa formação.
A última seção tem um título que surgiu como uma centelha de inspiração na reunião do corpo editorial. Da brincadeira com a palavra aprender, apreender, surgiu a palavra "apreensões", no duplo sentido: aquilo que é captado em um instante, de forma intuitiva, como também preocupação, inquietação. A seção é aberta com a captação de Denise Feliciano sobre o evento, "Da arte de escrever à coragem de publicar", também nascido de uma iniciativa da amf e realizado em 2011. Em um artigo com o mesmo nome, a autora nos apresenta uma abordagem criativa e pessoal do evento e do tema. Mariângela Bracco nos enviou um artigo sobre as suas apreensões em relação à utilização ou não das novas traduções de Freud nos seminários teóricos voltados a esse autor: "As novas traduções de Freud: uma renovação bem vinda!". Maria Regina Volpe, estimulada pelo convite feito pelo Jornal, nos brinda com um depoimento sensível sobre os momentos e encontros significativos, para nos contar com quem aprendeu psicanálise, no texto "Toques de mestre".
Queremos agradecer a todos os colaboradores que participaram deste número, mesmo os que não tiveram os seus trabalhos ou nomes publicados, mas que de alguma maneira estão presentes. Agradecer ao presidente da sbpsp, Plinio Montagna, ao diretor do Instituto, João Baptista Novaes França pelo apoio dado ao Jornal e a toda a nossa equipe. Também a dedicação e cuidado que recebemos da Suely, nossa competente secretária; Vera Sevestre, pelo seu trabalho incansável junto às bibliotecas, na indexação do Jornal; Mireille Bellelis Rossi, mais do que uma produtora gráfica, uma presença sempre fiel; Cristian Holovko, um revisor, também psicanalista, atento e sensível, assim como tivemos uma especial colaboração da Sonia Marchini, do corpo editorial, na revisão; Marcos Brias pelo seu projeto que renovou a capa e projeto gráfico do Jornal. Finalmente, queremos agradecer a todos os leitores, amigos e convidados que nos acompanharam durante a nossa gestão.
Entregamos o Jornal de Psicanálise para uma nova equipe tendo à frente a nosso colega Marina Massi, como editora. Temos certeza que o trabalho dedicado, estimulante e apaixonado irá continuar, já que é esse o espírito que vem mantendo o Jornal desde o seu lançamento em 1966. D. Virgínia Bicudo, sua idealizadora, nos legou esse singular periódico, que tem como proposta na sua origem algo tão fundamental, que é sua função didática.
Para finalizar, consideramos que pudemos aprender psicanálise com a nossa experiência na editoria do Jornal, uma atividade - assim como ensino, política e psicanálise - que acreditamos se aproximar das chamadas por Freud "profissões impossíveis". Mas, como pudemos constatar na convivência que tivemos nestes dois anos e nas trocas com os nossos colegas, ser psicanalista, assim como ser editor e autor, é realmente apaixonante.
Eunice Nishikawa
editora