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Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.46 no.85 São Paulo jun. 2013
PSICANÁLISES POSSÍVEIS
Reflexão sobre o vazio dentro da psicanálise: do horror do vazio ao vazio criador de metáforas
Reflection on the emptiness during the psychoanalytical treatment: from the horror of emptiness to the emptiness that creates metaphors
Reflexión sobre el vacío durante el tratamiento psicoanalítico: del horror al vacío al vacío creador de metáforas
José Martins Canelas Neto
Membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP
RESUMO
O autor retoma algumas organizações psíquicas: neurose de vazio, psicose branca (Green) e pacientes limites (borderline). Fenomenologicamente falando, podemos dizer que o vazio se encontra em quase todas elas. A noção de alucinação negativa de Green salienta a importância da construção da "estrutura enquadrante" na análise desses pacientes, estrutura esta necessária ao aparecimento do vazio na sessão. Em seguida o autor se interroga sobre o vazio do ponto de vista metapsicológico. A partir de dois exemplos clínicos, mostra o horror e a resistência que se manifestam contra o surgimento do vazio na sessão analítica. Somente a possibilidade de a dupla analítica entrar em contato e tolerar esse vazio é que vai permitir o desenrolar do processo psicanalítico. Na sessão, o vazio aproxima-se então da noção de vacuidade como potencialidade de surgimento de sentido.
Palavras-chave: vazio, metáfora, estrutura enquadrante, horror do vazio
ABSTRACT
Some of these psychic organizations were re-examined, that is to say non-neurotic organizations. In phenomenological terms, we can say that emptiness is present in almost all of them. As stressed by several authors, among them Andre Green, with the notion of "negative hallucination" the construction of a frame of reference (a setting) in the analysis of these patients is of utmost importance. Considering two clinical examples, he displays the horror and the struggle rising against the emergence of emptiness in an analytical session. Inspired by the notion of void in Physics, emptiness here is considered as "vacuity", as potentiality of the rise of sense, therefore as a void with the potential to create metaphor.
Keywords: emptiness, frame structure, horror of emptiness, metaphor
RESUMEN
Se retomaron algunas de dichas organizaciones no-neuróticas. Fenomenológicamente hablando, podemos decir que el vacío se encuentra en casi todas ellas. Como destacaron varios autores y entre ellos André Green, con la noción de alucinación negativa, es de fundamental importancia la construcción de una "estructura encuadrante" en el análisis de dichos pacientes. A partir de dos ejemplos clínicos, muestra el horror y la resistencia que se manifiestan contra el surgimiento del vacío en la sesión analítica. En una reflexión inspirada en la noción de vacío en la Física contemporánea, el vacío es considerado como "vacuidad", como potencialidad de surgimiento de sentido, o sea, como un vacío potencialmente creador de metáforas.
Palabras clave: vacío, estructura encuadrante, horror del vacío, metáfora
A fala não saberia encontrar o poder do seu dizer se ela se escapasse em atos e fugisse do silêncio. Mas o que a fala encontra primeiro nela ao se abrir é o vazio. (Fédida, 1978, p. 304)
O vazio é conceito metapsicológico enquanto ele é referido ao espaço psíquico, o qual só vale, metapsicologicamente, pela sua operatividade técnica: esta é a função criadora (reconstrução) da metáfora. É porque podemos dizer que o vazio é o espaço psíquico da metáfora. (Fédida, 1978, p. 320)
Uma clínica do vazio?
Minha reflexão pessoal sobre o vazio em psicanálise inicia-se pela revisão e pelo questionamento do que é chamado atualmente, por vários autores contemporâneos, de "clínica do vazio". Coloca-se juntamente com essa ideia a questão de uma "abordagem clínica do vazio".
A quais organizações psíquicas a noção de vazio nos remeteria? Certamente a uma série delas, bastante diversas. Numa primeira aproximação, diremos que aquilo que as uniria numa "clínica do vazio" seria sobretudo a conexão com uma ideia descritiva, fenomenológica de vazio enquanto sintoma, queixa, cujo exemplo mais límpido é o do "sentimento de vazio".
Nessas diferentes organizações psíquicas encontramos desde o vazio ligado à inibição e aos recalcamentos neuróticos até vazios muito mais aterrorizantes, como nas melancolias (dentre elas, a mais impressionante, em minha opinião, é a síndrome de Cottard, segundo a qual o doente apresenta uma melancolia delirante pela qual nega seus próprios órgãos, seu corpo, sua mortalidade ou até mesmo sua existência!), nas "psicoses brancas" (Green & Donnet, 1973), nos casos de pacientes borderlines, na psicossomática, na esquizofrenia etc. Como vemos, uma gama extensa de organizações muito diferentes entre si. Logo, o vazio, de um ponto de vista da descrição fenomenológica, pode ser relacionado com quase todas as organizações mentais. Vejamos alguns exemplos.
Um primeiro exemplo, muito interessante, é o descrito por Jean Cournut, sob o nome de "neurose do vazio" (Cournut, 1975). Trata-se de um quadro em que a questão não é a de uma carência constitucional associativa, mas de um mecanismo regrado pelo recalcamento, às vezes, com intensa inibição. O autor relatou o caso de um paciente que apresentava no início uma queixa de vazio. Quando a análise começou, foi o analista quem passou a vivenciar esse sentimento, o qual havia sido transferido pelo paciente. Uma mudança significativa no modo de funcionamento houve após o analista ter-lhe evocado uma palavra, aparentemente banal, o que confirmou a hipótese de organização neurótica.
Uma descrição de uma organização psicopatológica original foi a da "psicose branca" de André Green e Jean-Luc Donnet, publicada no livro O filho disso (L'enfant de ça, 1973). Dez anos depois, um dos autores (Green, 1983) acrescentou algumas precisões quanto a essa ideia de "branco", que penso seja possível aproximar da de vazio: essa metáfora pela cor vem do inglês, da palavra blank, retirada da sessão de uma paciente que fazia análise com ele provavelmente em inglês. Nessa acepção, o branco vai nos remeter à ideia de espaço inocupado, vazio.
Em sua análise, o autor nos mostra que se abre uma bifurcação na rede de sentidos ligados à palavra "branco" (blank), bifurcação esta entre a cor e a ideia de vazio. Desse modo, diz-se de um "sonho branco", ou "em branco", que é um sonho sem representações, vazio de representações, muito embora possa ter afetos. Em outro momento, B. Lewin (citado por Green, 1983) falou em "tela branca" do sonho, fazendo dela uma representação onírica do seio após um adormecimento que sucede a uma mamada satisfatória.
Esses exemplos são interessantes por mostrar as diferentes concepções que podemos nos fazer desse branco, segundo nosso olhar se dirija mais para a descrição de um funcionamento psíquico, no caso do sonho branco, ou mais para um vértice metapsicológico, como na tela branca do sonho.
No caso específico da psicose branca não farei um resumo da finíssima descrição do autor, mas gostaria de assinalar que o que é branco é o Ego, o qual "procede a um desinvestimento das representações que o deixam se confrontar com seu vazio constitutivo. O Ego se faz desaparecer diante da intrusão do excessivamente pleno de um barulho que é preciso reduzir ao silêncio" (Green, 1983, p. 156). Trata-se de "uma impossibilidade de pensar, acompanhada de um sentimento de separação total, de solidão intolerável e de impulsão corporal" (Green, 1983, p. 157).
Em pacientes borderlines também encontramos essa falha na representância, uma carência de palavras, que provoca frequentemente uma passagem imediata da linguagem ao objeto e à ação. Green descreve a relação entre esse branco e a moção pulsional como a interação de um corte radical em relação ao objeto e de "um desinvestimento da representação que ocorre simultaneamente à intrusão no espaço desinvestido (inocupado, vazio) de uma moção pulsional proveniente da parte do Id que está mais ligada à esfera somática" (Green, 1983, p. 157). Enfim, temos aqui o aspecto mais característico desses modos de funcionamento mental no desaparecimento da mediação, oferecida tanto pela representação quanto pela identificação.
Com a ideia de alucinação negativa, Green fundamenta metapsicologicamente boa parte de sua descrição dessa clínica borderline, sem trabalho de representação, em que até a concepção de um "mundo interno" está por ser construída. A ideia de alucinação negativa remete-nos à constatação da relação profunda entre a descoberta da ausência do objeto e a vivência de sua perda, relação essa que não deve nos levar a confundir ausência e perda.
Se Freud coloca como contemporâneos a perda do seio e o momento no qual pode ser apreendida a pessoa total da mãe, o que precede essa apreensão deve incluir potencialmente o conteúdo da apropriação ulterior. Não sob a forma de uma percepção, uma vez que nesse caso seu objeto estaria do lado de fora e que a representação dessa percepção seria então uma cópia cuja função de replicação não seria congruente com a virada de posição que centra no Ego o esforço de unificação, mas ao contrário sob a forma de uma alucinação negativa dessa apreensão global. O autoerotismo pelas portas do corpo assinala a independência em relação ao objeto, a alucinação negativa assinala, com a percepção total do objeto, a colocação fora do eu deste último, ao que se sucederá o eu-não-eu sobre o qual se fundará a identificação. (Green, 1983, pp. 125-126)
A construção de uma "estrutura enquadrante", ligada à alucinação negativa do objeto, deve ser feita nesses casos em que as carências do pensamento são muito importantes. Com muita paciência, o analista é obrigado a lidar o tempo todo com a distância, pois é submetido ao seguinte paradoxo: se estiver perto será intrusivo demais, se estiver distante, abandona e desampara o analisando. Nas análises desses pacientes o enquadre terá de ser construído. O analista, aos poucos, graças a sua criatividade, procura criar espaços de mediação da relação com o paciente, "tecendo" uma rede de representações e de significações. Isso exige um constante movimento por parte do analista de, ao mesmo tempo, interagir numa boa distância com o analisando e também poder se retirar, se retrair, para "ver de fora" aonde adentrara.
Penso que muitas técnicas do que chamo psicanálise aplicada, como por exemplo o psicodrama analítico, as técnicas corporais e de relaxamento etc., podem ser úteis na abordagem psicoterápica desses casos por criarem um suporte mediador que facilite a formação dessa estrutura enquadrante.
Na situação analítica, o retraimento e a não visão do analista favorecem o aparecimento de outro tipo de vazio, um vazio que não remeteria forçosamente ao nada e aos ataques contra o pensamento, mas teria um potencial criador de metáforas e de novas formas de expressão do inconsciente. Isso nos leva agora a uma reflexão sobre o vazio dentro da análise, e sobre a grande resistência que nosso contato com ele pode levantar.
O vazio dentro da análise
Convido agora o leitor a voluntariamente se afastar das "aparências" fenomenológicas da noção de vazio e, por consequência, fazer uma análise crítica da ideia de uma "abordagem" de uma suposta clínica do vazio, clínica essa que preenche bem certos critérios descritivos, mas que não nos permite avançar em direção a uma abordagem mais metapsicológica da noção de vazio dentro da situação analítica.
Façamos então uma pequena digressão por outros campos do saber.
O vazio. Mas o que é o vazio? Durante muito tempo o problema do vazio permeou todo pensamento filosófico ocidental. Com Aristóteles, por exemplo, delimita-se o problema do vazio como um problema da physis (no sentido de natural, pertencente ao mundo dos fenômenos e que pode ser objeto de conhecimento a partir da experiência). A esta o filósofo contrapõe a figura do geômetra, o qual não lida com um espaço vazio, mas com um espaço concebido, abstrato e irreal, povoado de objetos concebidos, abstratos e irreais. Surge então um primeiro problema: o espaço do físico não seria simultaneamente concreto e abstrato, atual e presente no instante mesmo e também estando em lugar nenhum, em tempo algum? Como mostra Yvon Belaval (1975), há uma antinomia que mantém durante séculos na história da ciência o conflito entre o pleno e o vazio por meio da concepção do horror vacui (horror ameaçador do vazio) que a Natureza teria.
Aristóteles afirmava que o vazio é real e sem resistência. Sendo real, ele não é o nada, pois dizer que o vazio é nada equivaleria a dizer que ele não existe, que ele não é. Ele não é nem nada, nem alguma coisa. Assim, apesar dessas discussões filosóficas poderem nos parecer distantes para nós psicanalistas que temos que dar conta de nossa clínica quotidiana, elas são fundamentais para situarmos a noção de vazio dentro de certo campo epistemológico mais geral, o qual se relaciona, a meu ver, com o campo epistemológico que nos é mais particular, o da metapsicologia freudiana.
Desse modo, o vazio se coloca entre o nada e o ser. Se o vazio pode ser ocupado por um corpo, nós o pensamos como "o não ocupado por um corpo". Se o pensamos incorporal, o pensamos por negação. Assim, até o século xvii, o fato de um líquido subir por um tubo que aspiramos (como com um canudo) era explicado pelo horror do vazio que a Natureza teria. Depois disso, com a matematização da Física, esse conceito é abandonado. Ao vazio absoluto sucede então o vazio relativo, o qual é relação de rarefação, de pressão, enfim, de relação mensurável.
Na Física contemporânea, o problema do que é o vazio ainda levanta inúmeros enigmas. O vazio é menos entendido como região do espaço privada de matéria e mais como o estado de base de um reservatório de potencialidades. Num instigante livro sobre as questões que a Física quântica trouxe para nossa concepção do real e suas relações com a filosofia do espírito, Michel Bitbol (1998) propõe uma nova concepção do vazio que nos inspirou na tentativa de elaborar metapsicologicamente tal questão.
Ele utiliza a noção de vacuidade, oriunda do budismo da "Via do meio", que supõe a coemergência relativa (ou dependente) de tudo aquilo que aparece. Nas palavras de J. Garfield: "a vacuidade, ela mesma, é vazia. Ela não é um vazio existindo em si por detrás de um véu de ilusão identificado à realidade convencional (das aparências); ela é uma marca característica dessa realidade convencional" (Garfield citado por Bitbol, 1998, p. 272). Trata-se de um vazio que traz potencialidades criativas, não tendo um estatuto ontológico: "Este vazio não tem em suma nenhum estatuto ontológico. Ao contrário, ele visa preencher uma função terapêutica diante das escleroses existenciais que tendem a se instalar sob o leito das petrificações ontológicas" (Bitbol, 1998, p. 272).
Podemos estabelecer um paralelo entre essa visão proveniente da epistemologia da Física contemporânea com a noção de vazio dentro da situação psicanalítica. A limitação do ponto de vista metapsicológico que vemos nesse vazio da "clínica do vazio" se funda no fato de que ele apresenta um caráter ontológico. Inspirado por Bitbol, estou interessado num vazio que traga potencialidades criativas e não tenha nenhum estatuto ontológico. Uma reflexão do vazio que opere dentro da situação analítica, nas sessões, poderá então nos abrir a via para uma reflexão metapsicológica sobre o vazio.
Numa das concepções do vazio em Física quântica, ele não seria tão vazio assim, pois existiriam "flutuações quânticas", de partículas virtuais ou partículas e antipartículas que se anulam. Um vazio que é potencialidade criativa em movimento. Estranha ideia para nosso senso comum. Porém, fiquei surpreso ao me dar conta que havia nessa ideia do vazio uma grande semelhança com a crença de Freud na capacidade criativa do Inconsciente.
Pierre Fédida (1978), num texto consagrado ao que chama o "vazio da metáfora", evoca o sentimento de vazio expresso muitas vezes pelos analisandos como "a experiência psíquica da instância, até mesmo da espera de sentido, própria a manter toda a existência em suspenso, como em condição de não existência" (Fédida, 1978). Podemos relacionar essa ideia de Fédida com o problema filosófico descrito acima. O vazio vivenciado dentro da sessão analítica só é possível se pudermos ficar suspensos no tempo do intervalo, entre nada e ser. Isso nos remete sempre, a partir do ponto de vista psicanalítico, a um trabalho de negação de um corpo real que não deve ocupar o espaço analítico. Esse corpo real é o do analista.
É por esse paradoxo que se figura o corpo do analista: uma presença que funda a linguagem no ato de escutar a ausência. (Fédida, 1978, p. 294)
Sandrine, ou da plenitude da paixão ao horror do vazio
Sandrine iniciou uma psicoterapia em face a face logo após dois anos de tratamento de quimioterapia e de radioterapia para um câncer na mama. Ela tem 42 anos, é casada e tem dois filhos. Minha impressão nas primeiras entrevistas era a de alguém muito desvitalizado, com um discurso de aspecto totalmente operatório, o qual me evocou o funcionamento descrito por Marilia Aisenstein (2006): o ataque contra a mentalização ou antipensamento.
O mundo de Sandrine era sem graça, sem brilho, onde tudo era muito limpo e bem organizado. Este aspecto contrastava fortemente com o relato de inúmeros elementos traumáticos em sua história recente e passada. À medida que vou mostrando a ela certos fatos que a tocavam muito emocionalmente, esse quadro inicial evolui rapidamente para uma transferência amorosa em relação a mim. No início, essa transferência me parecia ser um elemento de bom prognóstico para esse processo analítico que se iniciara com uma paciente tão desvitalizada.
Minhas intervenções iniciais iam provavelmente num sentido de "vitalização" da paciente. Eram intervenções psicoterapêuticas de minha parte, as quais poderíamos aproximar da noção de "holding" (Winnicott). Seguindo Fédida, "psicoterapêuticas são sem dúvida as reparações! Mas elas não toleram o vazio do paciente e o psicoterapeuta não tarda a se dar ele mesmo como objeto imaginário de incorporação ideal" (Fédida, 1978, p. 307). Foi assim que, numa das sessões logo após as férias de verão, Sandrine, ao se despedir no final da sessão, subitamente me abraçou bem forte e tentou me beijar. Ela me disse: "Preciso de você pra mim!". Eu, tentando contê-la fisicamente (e me conter também naquele turbilhão), disse-lhe: "Tenha calma, vamos poder conversar sobre isso na próxima sessão".
Na sessão seguinte, Sandrine, falando de maneira totalmente apaixonada, tentava me mostrar que poderíamos ter uma relação amorosa, e em dado momento ela disse: "Preciso muito de você, você me dá vida!". Lembro-me de ter dito a ela que, falando assim, era como se ela me colocasse no lugar de Deus.
Nas sessões posteriores, inicialmente ela se mostra muito envergonhada de ter-me "agarrado", como ela mesma disse. Em seguida e durante vários meses manteve-se entre nós um clima sedutor e erotizado, como se "namorássemos" um pouco em cada sessão. Dessa maneira, apaixonando-se pelo analista, ela mergulhava na transferência e no processo analítico, pedindo que seu analista fosse esse alguém único, muito firme, capaz de ser objeto ideal e resistir à violência de suas seduções e ataques destrutivos. Tratava-se de um desafio colocado ao analista quanto a sua capacidade de se manter numa posição analítica de neutralidade cuidadosa. Obviamente esse desafio colocava intensamente para mim a questão do lugar que a interpelação dessa demanda da paciente viria ocupar em mim.
Retomando agora esse movimento inicial espetacular da análise de Sandrine, podemos dizer que as coisas se passaram mais ou menos assim: após um período inicial, que descrevi como "vitalização", ocorrera um movimento transferencial muito intenso e violento no qual o corpo do analista era chamado a ocupar a cena. A transferência amorosa evoluiu para uma paixão e uma demanda de erotização por parte da paciente. Esse movimento apareceu de maneira bastante violenta durante uma sessão, exigindo muita determinação e criatividade para me manter na situação de retraimento e neutralidade, sem negar o efeito sedutor e atraente que ela produzira em mim. Durante um tempo, manter a posição analítica exigiu de mim um enorme esforço.
Octave Manoni (Manoni, 1982), num interessante artigo sobre o amor de transferência, após retomar o texto de Freud, o qual se atém a uma reflexão quanto às questões técnicas levantadas por essa forma de resistência à análise, mostra que a paciente tem uma espécie de convicção de que realmente aconteceu algo, enquanto o analista deve ficar no plano do imaginário. "É aqui, numa certa relação entre um certo real e um certo imaginário que se coloca a verdadeira questão. Mas, mesmo se não agrade ao analista, é ele que está do lado do imaginário e a dama do lado do real." (Manoni, 1982, p. 10)
Em outro trecho de seu artigo, o autor mostra que seria sem fundamento o analista invocar a situação analítica como algo real, e falar do amor de sua paciente como de algo ilusório. Em seguida, ele lembra uma fala de Freud em 1907, numa das reuniões da Sociedade Vienense de Psicanálise, na qual Freud fala do "terreno de jogo da transferência", explicando que na análise há "suspensão da realidade, como no teatro" (Freud citado por Manoni, 1982, p. 11).
O terreno de jogo da transferência, aonde a realidade num sentido não conta mais e não tem mais seu lugar, o que é? Bem, evidentemente simplesmente o espaço analítico. Não o consultório da Bergasse, que é bem real. Mas o estatuto que ele recebe, como espaço de fala. (Manoni, 1982, p. 11)
Foi nesse "terreno de jogo da transferência" que se desenrolou uma fase do processo analítico com Sandrine, que chamei de "namoro". Foi nesse clima que pôde ser criado um espaço de fala associativa. Não pretendo comentar mais em detalhes esse período do "namoro", mas diria resumidamente que um outro corpo aos poucos foi surgindo em meio a todas as turbulências passionais comigo, o corpo de um pai sem limites e com comportamentos com forte conotação incestuosa no passado. Algumas falas da paciente me faziam pensar (no sentido de imaginar) que Sandrine vivera momentos abusivos por parte de seu pai.
Nesse período se delineou, em suas falas, uma imago paterna. Um pai alcoolista grave, "bon vivant", extremamente imaturo, tendo acabado com os recursos que herdara de seu pai, nunca tendo desempenhado nenhum papel paterno e estruturante na família. Desde cedo Sandrine começou a desenvolver uma espécie de obsessão por ordem e planejamento que perdura até hoje. Numa sessão mais recente, ela associou a necessidade de sempre estar planejando e preenchendo completamente sua agenda com bastante antecedência, querendo que tudo se desenrole de maneira perfeita, com a lembrança de que, durante sua infância e adolescência, passava muito tempo preocupada em ajudar sua mãe para que tudo corresse bem com a família, apesar das enormes dificuldades que o pai colocava a ela, a sua mãe e a seus dois irmãos.
Poderíamos fazer a hipótese de que, não havendo para Sandrine uma sólida referência ideal, resultado da falência da função paterna, ela se voltara para a referência objetal. Foi transferido ao analista esta última referência, ele se tornou objeto de amor e paixão. Entretanto, e é isso que gostaria de salientar neste artigo, para chegarmos a esse outro corpo mencionado acima, corpo paterno, tivemos de criar e suportar um vazio, o qual pôde começar a ser dito, falado por ela nas sessões.
Diante de minha firmeza em ficar na posição analítica, penso que a paciente conseguiu constituir, por meio do trabalho analítico na transferência, a referência ideal paterna, sem se sentir desamparada nem abandonada. Depois de uns meses, numa sessão em que ela me pareceu autêntica, Sandrine me agradeceu por não ter cedido a suas seduções e pressões. Disse-me que por isso me admirava bastante.
Embora ainda parecendo apaixonada (e sofrendo por isso), ela começou, sem que eu houvesse interferido, a se deitar no divã, como que para não me ver e assim conseguir dominar sua paixão. O clima emocional mudou a partir desse momento. Surgia frequentemente um afeto do tipo de "inquietante estranheza" e ela chegava, às vezes, a ficar apavorada com a sensação de vazio que lhe vinha, a tal ponto que, por vezes, precisava interromper a sessão antes do final. Sandrine parecia, nesses momentos, estar privada de imagens, palavras e afetos. Era incapaz de se fazer um lugar em seu mundo psíquico para um vazio que fosse tempo (intervalo) e silêncio.
O retorno dos rostos à sombra é ao mesmo tempo um fator de justo reasseguramento e uma ameaça de despersonalização completa. Mas é sobretudo da descoberta (ou construção) do vazio como espaço "entre" que provém no analista e no paciente a percepção comum do intervalo necessário entre dois corpos para a fala e sua escuta. (Fédida, 1978, p. 318)
Entre a analisanda, Sandrine, e o analista começou a se desenrolar a análise. O analista teve que ser firme em seu papel de guardião da lei da análise, sendo ele também, da mesma maneira que seu analisando, simbolicamente submetido a essa lei. Essa lei, como mostra Fédida, é concebida como "lei da interdição do incesto: ela funda o intervalo. Como tal, ela permite ao desejo de incesto e de assassinato de se produzirem somente dentro da fala" (Fédida, 1978, pp. 344-345).
O exemplo de Sandrine mostrou-me a violência e o horror que o contato com o vazio pode acarretar. Violência inicialmente exercida contra minha função de analista, exigindo a presença real de meu corpo erótico. Ela não conseguia exercer esse trabalho de negação por parte do pensamento necessário para criar, estar num vazio, o "não ocupado por um corpo". Penso que tocamos aqui na problemática (central em toda análise) da "ausência na presença" do analista. Numa linguagem greeniana, diria que a análise transcorria-se como se a construção de uma estrutura enquadrante, a partir da alucinação negativa do objeto primário, se fizesse (ou se fortalecesse) durante o próprio decorrer do processo analítico.
O período precedente, que chamei de "namoro", fora então um processo transicional (Winnicott), de realização alucinatória, criando um espaço no qual sujeito e objeto não estão distintos. Foi necessário que eu me dispusesse a entrar nesse espaço para que, aos poucos, ela se desfizesse desse uso alucinatório da fala. Para isso, penso que foi importante todo o trabalho de reconstrução dessa imago paterna à qual fiz menção acima.
Todavia, além da criação desse espaço transferencial, e sobretudo na passagem do face a face para o divã, Sandrine se confrontou também com o vazio do tempo.
Perda de consciência, esquecimento, intervalo, espaço intemporal. No vazio, estamos nessa tensão entre um passado perdido e um futuro que pode nos perder, entre uma "physis" materna e um universo não humano... (Belaval, 1975, p. 193)
Evoquei este texto numa tentativa de definir uma linha de abordagem dessas situações clínicas, pois é preciso que o vazio se torne um espaço para se jogar, brincar, por meio de um devaneio (rêverie) ou de um sonho. Se esse jogo não consegue se instalar, a depressão melancólica paira no ar. Para André Green (1975), esse espaço transicional do jogo caracteriza um tempo transicional, ao qual ele opõe o "tempo morto", equivalente do espaço vazio, onde o poder de suspensão do desinvestimento estaria operando.
Green descreve o tédio, a espera na qual nada se espera (lembro o exemplo impactante da peça Esperando Godot, de Samuel Beckett), o abandono da luta, como afetos anunciadores da depressão e de sua "lógica da desesperança". Assim, o risco nessa cronificação do tempo morto é que o mundo melancólico se instale, mundo imóvel, como um tempo parado, uma lentificação do psiquismo, podendo chegar até ao estupor e à morte. Se o vazio se fixa, ele deixa de ser a base para o surgimento das metáforas, e paciente e analista correm o risco de soçobrar no mar gelado da depressão.
A análise poderia ser então esse lugar - espaço e tempo - apropriado a acolher e receber o vazio? Diz Masud Khan: "o analista cria o vazio e a ausência pela sua presença" (Khan citado por Fédida, 1978, pp. 288-289). Sim, a análise é o espaço de acolhimento do vazio, primeiramente com a condição do analista poder deixá-lo surgir, graças a seu retraimento e sua reserva de silêncio. Em seguida, por poder abrir por meio da fala analítica ao espaço-tempo transicionais da metáfora. E, como Fédida, podemos perguntar: mas "onde está o vazio na análise? Ele está no silêncio da fala. Não de uma fala que se cala ou que - como dizemos - faz silêncio. Mas silêncio que está por debaixo dela. Silêncio também que assombra a fala" (Fédida, 1975, p. 289). Não há silêncio vazio ou pleno, o silêncio é o "tempo implicado da palavra". "O vazio pode ser silencioso, mas ele não é por causa disso o silêncio: ele é a abertura da fala sobre ela mesma. A fala se conhece a partir de seu vazio quando as palavras não garantem mais nada." (Fédida, 1978, p. 289).
Roberto, ou o horror do vazio e o luto do duplo narcísico
O exemplo do caso de Roberto vai nos mostrar essa luta do paciente para poder entrar em contato com o vazio e, consequentemente, a percepção da ausência do objeto e do luto do duplo narcísico, no decorrer do processo analítico.
A boca é a cavidade primeira do vazio: a fala sofre de sua fome. Ela continuará por muito tempo, "mamante, mordante", ávida de rostos, insaciável. Os detalhes de expressões não faltam para dizer com que evidência se impõe o vazio no tratamento analítico. Trata-se de deixá-lo se instalar com sua fala, de não procurar nem evitá-lo, nem preenchê-lo. (Fédida, 1975, p. 290)
Roberto não fala do vazio, não tem medo dele, não se queixa de ter nem a cabeça, nem o pensamento e nem a vida vazios. No entanto, durante um longo período no início da análise, Roberto preenche toda possibilidade de aparecer um vazio na sessão, falando o tempo todo, enquanto anda sem parar na sala, deixando-me como que paralisado e sem poder pensar, o que descrevi assim num trabalho anterior:
O clima que se instalou desde nosso primeiro encontro era intenso, pesado, carregado de muita angústia. O peso me colava na poltrona. Roberto tinha uma excessiva urgência para falar. Eu sentia, preocupado, que essa urgência vinha de uma necessidade imperiosa para ele de assegurar sua continuidade psíquica e, por meio desta, alicerçar sua identidade. Fora criada então uma possibilidade de ali estar, diante de um outro investido simbolicamente para ele do poder de reconhecimento de sua singularidade. (Canelas Neto, 2005, p. 2)
Em outro trecho evoco a necessidade para o analista de abrir um "espaço de representação", uma brecha por onde olhar, enfim, de criar uma possibilidade de contato com o vazio, o qual é defensivamente o tempo todo preenchido por Roberto nas sessões. As imagens (e o imaginário) dele não têm valor de representação, mas sim de apresentação, de "presentificação". Este paciente está sempre ávido por objetos que possam satisfazer seu orifício visual. Parece evidente o papel da alucinação em sua fala, por exemplo, nas inúmeras vezes que descreve, quase como se a vivenciasse realmente, a cena imaginária de um filme, ou de uma situação de sua vida amorosa. Outro aspecto interessante dessa análise é que em certos momentos da fala de Roberto eu via a cena por ele descrita. Poderíamos falar de um poder em convocar o alucinatório na escuta do analista, o que, a meu ver, tinha uma função para que eu ficasse aderido a sua fala; no fundo, uma extrema e estranha proximidade com o paciente.
No decorrer do processo analítico Roberto vai, aos poucos, esbarrando de leve em seu próprio vazio. Assim, após quase dois anos de tratamento, o paciente começa a se deitar no divã, não falando mais o tempo todo com a urgência que caracterizara o período anterior. Vejo aparecer então em sua fala pausas, silêncios, interrupções, quase sempre permeando o relato de um sonho. Agora ele traz sonhos para as sessões, "para ter o que falar aqui", como diz.
"Deitar-se no divã, recolher seu rosto à sombra para deixar seu sonho se contar, depois falar" (Fédida, 1996, p. 18), eis o que Roberto raramente pode fazer na análise. No divã há uma mudança de temporalidade da fala. Quando Roberto se deita e esboça um trabalho associativo por alguns minutos, isto ocorre em momentos "depressivos", nos quais tenta abandonar essa fala alucinatória aonde sujeito e objeto estão aderidos. O trabalho analítico volta-se então para a tentativa de um acesso à posição depressiva, tentativa fracassada diante do horror do vazio. A posição depressiva coincide com o momento criativo da constituição temporal da ausência.
"Na atividade associativa ocorre fragmentação das imagens que vão se dissolvendo e é preciso suportar a angústia do vazio do qual a fala se pressente quando não sabe o que vai dizer, como num salto no desconhecido." (Fédida citado por Canelas Neto, 2005, p. 8) Penso que a vivência da alteridade, durante períodos mais associativos, traz a Roberto um sentimento de profunda solidão, um horror do vazio; então ele vai se desanimando, no sentido de perda de vitalidade. Quando chega a este ponto, em geral se levanta do divã para reencarnar, aqui e agora, em sua narração, um de seus heróis conhecidos.
Podemos supor que Roberto parece preencher o vazio nele, fabricando indefinidamente (nos seus sonhos, devaneios e mesmo na experiência de assistir a filmes) outros iguais a si, outros si mesmos. A temática de seus sonhos, por exemplo, quase sempre gira em torno de sua luta de resistência no papel de um herói épico. Sinto-me, em relação a esse paciente, próximo da ideia de Fédida, segundo a qual o vazio seria "a amnésia de um luto: o luto do duplo imaginário da infância" (Fédida, 1975, p. 101). Roberto ainda não cessou de necessitar reencarná-lo em certos momentos das sessões, evitando dessa forma esse luto. Tudo parece se passar para ele como se ao se deparar com o vazio ele se refugiasse na vivência desse mundo narcísico imaginário.
Um vazio criador de metáforas
O horror do vazio tanto em Roberto como em Sandrine sustenta suas atividades projetivas. Como diz Fédida (1975, p. 295), nesses casos a atividade projetiva é concebida como restituição reparadora de um duplo narcísico. Sandrine na paixão amorosa transferencial, e Roberto em sua encenação transferencial diante de mim.
O vazio adquire um estatuto metapsicológico quando aparece na situação analítica constituindo-se progressivamente em espaço interior, o qual "é instalado pela análise nesse lugar chamado sessão e pelo intervalo que é designado a partir da relação da fala com seu silencio" (Fédida, 1975, pp. 99-100).
Quais consequências podemos apontar dessa concepção do "vazio dentro da análise" para a escuta analítica? A escuta analítica não vem substituir um ausente, nem preencher o vazio de seu lugar, mas sim fundar a relação de ausência. O caminho é muitas vezes árduo e pode esbarrar no horror do vazio, como vimos nos casos acima. É necessário, então, que o analista possa ter claro para si uma noção de vazio, não como um nada, mas como vacuidade, vazio criador potencial de metáforas.
Chegamos ao final de nossa reflexão com uma concepção metapsicológica de "vazio dentro da análise" muito semelhante ao que foi dito acima, da noção de vacuidade em física. A tensão criada entre a fala e o silêncio na sessão, mais que um vazio existindo em si, é vacuidade, potencialidade de sentidos, fonte do novo que surge das profundezas da alma. Para que isso ocorra é necessária uma estrutura enquadrante operando tanto no Ego do paciente quanto na capacidade do analista em ocupar esse "sítio do estrangeiro" (Fédida, 1996) que é o seu lugar.
Referências
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Recebido em: 11/10/2013
Aceito em: 15/10/2013
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