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Jornal de Psicanálise
versão impressa ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.47 no.87 São Paulo dez. 2014
MANIFESTAÇÕES
Questões entre a psicanálise e o DSM
Questions Around DSM and Psychoanalysis
Algunas cuestiones acerca del DSM y el psicoanálisis
Christian Ingo Lenz Dunker
Psicanalista, professor titular do Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP. Fez seu pós-doutorado pela Manchester Metropolitan University e sua livre docência em Psicologia Clínica pelo ipusp, como analista membro da Escola (A.M.E.) do Fórum do Campo Lacaniano. Coordenador do Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da usp (Latesfip), autor de Estrutura e constituição da clínica psicanalítica (Annablume, 2012) e de O cálculo neurótico do gozo (Escuta, 20002). Colunista e colaborador regular de diversos jornais e revistas, dedica-se à pesquisa sobre clínica psicanalítica de orientação lacaniana e suas relações com as ciências da linguagem e com a filosofia. São Paulo. chrisdunker@uol.com.br
RESUMO
O artigo resume e sintetiza a pesquisa realizada pelo Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da usp em torno da noção de patologia do social, no que esta envolve uma crítica histórica e antropológica ao modelo de racionalidade diagnóstica presente no sistema DSM (Diagnóstico Estatístico de Transtornos Mentais) desenvolvido pela Associação Psiquiátrica Americana desde 1952 e replicado pela Organização Mundial de Saúde na Classificação Internacional de Doenças (CID). Nosso objetivo, ao examinar as cinco versões até hoje produzidas desse manual, foi mostrar como em cada caso temos um tipo de relação entre diagnóstica psiquiátrica e psicanálise que, para ser compreendido, exige considerar tanto aspectos da disseminação e recepção da psicanálise na cultura anglo-saxônica como transformações internas à psicanálise ocorrentes nesse período. Depois de mostrar a presença da psicanálise no pensamento de Adolf Meyer, o idealizador inicial do sistema DSM, e de como a psicanálise funcionava como uma espécie de síntese entre os modelos alemão e francês em psicopatologia, mostramos a profunda presença da psicanálise, ainda que combinada com a noção de "reação" na versão de 1952 do referido manual. Tentamos mostrar como o expurgo da psicanálise, na versão de 1973, representa uma virada de autonomização da nova psiquiatria biológica, que culmina em uma espécie de dissolução da psicopatologia, levada a cabo pela edição de 1994-2000. A solução de compromisso verificada no DSM-V evidencia os efeitos de rebaixamento de confiabilidade dessa estratégia nominalista e convencionalista em contraste com a retomada neurocientífica da psicanálise.
Palavras-chave: psicanálise, psiquiatria, DSM, diagnóstico
ABSTRACT
This article resumes and synthesizes the research done by the Laboratory of Social Theory, Philosophy and Psychoanalysis from the University of São Paulo around the notion of social pathology, in the sense of how it involves a historic and anthropological criticism of the model of diagnostic rationality in the DSM system (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) developed by the American Psychiatric Association, since 1952, and replicated by the World Health Organisation in the Classification of International Diseases (CID). Our aim, through the examination of the five versions produced until today by this manual, was to show how in each case we have the type of relationship between psychiatric diagnostic and psychoanalysis that in order to be understood demands considerations of both the aspects of dissemination and reception of psychoanalysis in anglo-saxon culture as internal transformation and psychoanalysis occurring during this period. After pointing out the particular influence of psychoanalysis in the thought of Adolf Meyer, the founder of the DSM approach, as a kind of synthesis between the German and the French models in psychopathology, we examined the profound influence of psychoanalysis in the 1952 version of the manual, even if combined with the notion of "reaction". We tried to show how the purge of psychoanalysis, in the 1973 version, represents a turn of automatisation of the new biological psychiatry, which culminates in a type of dissolution of psychopathology, observed in the 1994-2000 edition. The solution proposed by the DSM-V (2013) presents the effects of the downsizing of liability caused by this nominalist and conventionalist strategy, in contrast with the rebirth of psychoanalysis in the context of neurosciences.
Keywords: psychoanalysis, psychiatry, diagnostic, DSM
RESUMEN
El presente artículo resume y sintetiza la investigación desarrollada en el Laboratorio de Teoría Social, Filosofía y Psicoanálisis de la Universidad de San Pablo acerca de la noción de patología social, a partir de una crítica histórica y antropológica al modelo de racionalidad diagnóstica presente en el sistema DSM (Manual Diagnóstico y Estadístico de Trastornos Mentales) publicado por la Asociación Psiquiátrica Americana desde 1952 y replicado por la Organización Mundial de la Salud en la Clasificación Internacional de Enfermedades (cie). Nuestro objetivo, en este examen de las cinco versiones hasta hoy producidas del manual, fue mostrar que en cada caso existe una relación entre el diagnóstico psiquiátrico y el psicoanálisis, que exige para su comprensión consideraciones acerca de la diseminación y recepción del psicoanálisis en la cultura anglo-sajona, así como la observación de las transformaciones internas del psicoanálisis en cada período. El psicoanálisis estaba presente en el pensamiento de Adolf Meyer, idealizador inicial del DSM, y operaba una síntesis entre los modelos alemán y francés de psicopatología. Se destaca la presencia del psicoanálisis en la versión de 1952, a pesar de mesclado con la noción de "reacción". El expurgo del psicoanálisis en la versión de 1973, representa un vuelco rumbo a la autonomía de la nueva psiquiatría biológica, hecho que conlleva a una especie de disolución de la psicopatología, que se concluyó en la edición de 1994-2000. La solución de compromiso constatada en el DSM-V deja en evidencia los efectos de la disminución de la confiabilidad en esta estrategia nominalista y convencionalista, en contraste con la retomada neurocientífica del psicoanálisis.
Palabras clave: psicoanálisis, psiquiatría, DSM, diagnóstico
1. Introdução
Em nossa pesquisa sobre as patologias do social, junto ao Laboratório de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise da usp (Latesfip), pretendemos estudar as formas de sofrimento articulando contradições sociais e a clínica psicanalítica. Coordenado por Vladimir Safatle, Nelson da Silva Jr. e Christian Dunker, o laboratório dedica-se a entender as patologias mentais no contexto de crítica da racionalidade instrumental e de aprofundamento do potencial renovador da psicanálise, tendo em vista a incorporação de conceitos desenvolvidos por autores da teoria social crítica, de Adorno a Honneth, de Foucault a Deleuze e de Canguilhem a Zizek. Nesse processo de crítica da racionalidade diagnóstica, que torna formas de sintoma e de mal-estar parte de um processo social de alienação e de mercantilização do sofrimento, o sistema diagnóstico desenvolvido pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) tornou-se um objeto importante, na medida que fixa e estabelece uma maneira de pensar e talvez induza um tipo de psicopatologia que não é necessário nem deveria ser pensado como hegemônico em termos de pesquisa, de financiamento em saúde mental ou de justificação clínica. Nesse ponto nossos esforços se somam ao de inúmeras outras iniciativas1 que contrapõem-se à soberania do DSM como critério diagnóstico para a clínica e para a saúde mental.
Um dos traços metodológicos importantes que procuramos levar em conta em nossas pesquisas junto ao Latesfip é o de contar sempre com uma perspectiva histórico-crítica sobre a produção das categorias que exprimem e definem o sofrimento mental. Nisso assumimos que há uma espécie de política envolvida nos processos que tornam uma dada forma de sofrer mais visível e mais bem reconhecida em uma dada época do que em outras. Esses padrões normativos exprimem algo sobre o próprio movimento mais extenso das contradições que precisamos pensar em nossos modos de subjetivação.
Outra condição que assumimos como importante é extrair de cada modelo psicopatológico suas pressuposições antropológicas, seja no caso da diagnóstica psiquiátrica, seja também na psicanalítica. Isso indica como nossa proposta não é apenas a de criticar a psiquiatria à partir da psicanálise, mas examinar os fundamentos da associação clínica entre essas duas disciplinas, que até onde pudemos perceber ainda é mais importante do que o consenso atual estaria disposto a reconhecer.
O que o leitor encontrará a seguir é uma espécie de conjunto de notas históricas que pretendem examinar os compromissos e as diferenças entre a diagnóstica do DSM e a psicanalítica. Ele constitui uma espécie de material de base a partir do qual muitas discussões podem ser desdobradas.
2. O surgimento do DSM-I (1918) e a influência da psicanálise no pensamento de Adolf Meyer
A necessidade de recolher informação estatística foi o impulso inicial para o desenvolvimento de uma classificação de transtornos mentais nos Estados Unidos. A primeira tentativa oficial foi o censo de 1840, que levou em conta uma única oposição: idiotice ou insanidade. Quarenta anos mais tarde, o censo de 1880 distinguiu entre sete categorias: mania, melancolia, monomania, paralisia, demência, alcoolismo. A partir dessas sete categorias a APA, juntamente com a Comissão Nacional de Higiene Mental, desenvolveu um novo guia para os hospitais mentais, chamado Manual estatístico para o uso de instituições de insanos, que incluiu 22 diagnósticos.
O retrospectivamente chamado DSM-I possui grande influência do sistema diagnóstico de Adolf Meyer2 (1866-1950), com predomínio de categorias de extração psicodinâmica, ressaltando-se a oposição entre neurose e psicose. Opondo-se à noção de processo e às divisões propostas por Kraeplin na grande síntese psiquiátrica alemã, Meyer centrou sua racionalidade diagnóstica em tipos de reação, no pressuposto sintético da história de vida e nas moções determinantes das doenças mentais. O primeiro grupo é referido principalmente em torno da gama que vai da ansiedade à depressão, com relativa preservação da ligação com a realidade. O segundo grupo caracteriza-se pela presença de alucinações e delírios, com perda substantiva da realidade (Wilson, 1993). Quadros de etiologia biológica e condições responsivas a contextos sociais específicos encontravam-se representados. O conjunto não refletia uma clara separação entre o normal e o patológico, e a intenção da obra era principalmente estabelecer um consenso terminológico entre os clínicos.
Mas, durante os anos 1900-1950, a psicanálise passou a orientar os fundamentos da classificação norte-americana das doenças mentais, graças principalmente à introdução de três conceitos híbridos: personalidade, estrutura e psicodinâmica.
Façamos uma pequena inspeção histórica sobre as incidências do conceito estrutural de personalidade de modo a indicar como é a acepção funcional-psicológica de estrutura que se impôs à acepção metapsicológica-metodológica do conceito. Não seria por outro motivo que Lacan (1988/1932), já no início de sua obra, condiciona a teoria da personalidade à análise dos sintomas:
A psicose paranoica, que parece transtornar a personalidade, prende-se a seu próprio desenvolvimento e, nesse caso, a uma anomalia constitucional, ou a deformações reacionais? Ou será a psicose uma doença autônoma que remaneja a personalidade? ... Para a solução desse problema, o estado atual da ciência não nos oferece nenhuma outra via a não ser a análise dos sintomas clínicos. (p. 353)
Contudo, é uma tendência inversa, ou seja, transformar a personalidade em conceito primitivo, que tornou a concepção dominante, particularmente no pós-Guerra, com a ascensão do modelo psicopatológico proposto por Oto Fenichel (1999/1945):
Visto que o funcionamento normal da mente é governado por um aparelho de controle que organiza, conduz e inibe forças arcaicas mais profundas e mais instintivas - do mesmo modo que o córtex organiza, conduz e inibe os impulsos dos níveis mais profundos e arcaicos do cérebro - é possível afirmar que o denominador comum de todos os fenômenos neuróticos é uma insuficiência do aparelho de controle. (p. 16)
O deslocamento da definição de neurose para o quadro de uma incorporação do funcionamento normal, para um sistema de controle e para a analogia com os impulsos reflexos do cérebro prepara o solo no qual a psiquiatria dos anos 1960 aprofundará a definição de neurose como manifestação de comportamentos. Lembremos que a ideia de manifestação é uma apropriação teológica, de desenvolvimento notadamente medieval, da noção essencialista de estrutura em Aristóteles. E é por meio dela que Henry Ey (1963) definirá os sintomas neuróticos como: "Perturbações dos comportamentos, dos sentimentos ou das ideias que manifestam uma defesa contra a angústia e constituem relativamente a este conflito interno um compromisso do qual o indivíduo, na sua posição neurótica, tira certo proveito (benefício secundário da neurose)" (p. 145).
Uma definição assim expressivista da neurose nos levará à separação entre a estrutura dos sintomas e a estrutura do eu, como completa o inventor do organodinamismo: "Pelo caráter neurótico do Ego. Este não pode encontrar na identificação do seu próprio personagem boas relações com outrem e um equilíbrio interior satisfatório" (Ey, 1963, p. 145).
Está aqui a origem da distinção, posteriormente consagrada pelos DSMs e pelo cid, entre transtornos de primeira ordem (sintomas) e transtornos de personalidade. Se o sintoma tem uma estrutura e o eu tem outra, torna-se necessário enriquecer ou ampliar a noção de eu, introduzindo o conceito de personalidade de tal forma que esta contemple todo o campo de relações do sujeito, seus papéis e dinâmicas intersubjetivas. Mesmo a noção de função simbólica facilmente se degrada nesse entendimento por meio de leituras que fazem, por exemplo, alguém real "encarnar ou ocupar" uma função simbólica, assim como um ator desempenha um papel, assumindo seu personagem. Isso abre espaço para que pensemos que os sintomas são transtornos "não relacionais", e as afecções de personalidade são transtornos "relacionais". Está dada a divisão entre psicanálise e psiquiatria. Essa estratégia encontrará sua expressão na psicanálise francesa, inicialmente em Daniel Lagache (1961) e, subsequentemente, em Bergeret (1974) e Widlöcher (1994), consagrando o dualismo da estrutura entre a personalidade sobre o sintoma: "[estrutura da personalidade] ... modo de organização permanente mais profundo do indivíduo, aquele a partir do qual desenrolam-se os ordenamentos funcionais ditos 'normais', bem como os avatares da morbidade" (Bergeret, 1974, p. 15); "a sintomatologia torna-se simplesmente o modo de funcionamento mórbido de uma estrutura quando esta se descompensa" (Bergeret, 1974, p. 10), sendo que "o sintoma não nos permite jamais, por si só, prejulgar acerca de um diagnóstico da organização estrutural profunda da personalidade" (Bergeret, 1974, p. 46).
Vê-se assim que a noção de personalidade assume a função de essência para a qual a estrutura funciona como manifestação. Ou seja, o sintoma deixa de ser a realização de um caso particular previsto e condicionado pelas leis de estrutura. A estrutura não se deduz mais do sintoma, mas da personalidade entendida como "organização permanente e profunda do indivíduo". Os sintomas são perturbações dessa forma estável da personalidade, não uma derivação necessária de sua própria estrutura. Bergeret (1974) é categórico: do sintoma não se infere a personalidade. Temos então a personalidade e a estrutura como equivalentes de sua forma, ou de suas invariâncias, e é só quando essa estrutura se descompensa que surge o processo mórbido. Ou seja, há uma clara separação entre o normal, a personalidade como estrutura equilibrada, e o patológico, o sintoma como expressão do desequilíbrio da estrutura. Isso aproxima o conceito de estrutura da personalidade da acepção aristotélica de essência, a saber, predicado necessário ou suficiente de um universal, forma e modo de causa, parte da realidade entre essência e existência (Mora, 1982, p. 136).
Ocorre que a psicanálise se desenvolveu, inicialmente, como uma psicopatologia intermediária entre o consenso germânico de que as grandes síndromes eram resultado da intrusão de um processo mórbido (melancolia, paranoia, esquizofrenia), contra o qual a personalidade reagia, de maneira a compensar e se adaptar à "doença", e a concepção francesa de que a patologia nada mais era do que a evolução de uma personalidade mórbida (paranoica, esquizofrênica, histérica etc.). Essa diferença permanece até hoje, como mencionado anteriormente, nas versões do DSM, representada pela oposição entre as grandes síndromes do primeiro eixo - como as psicoses, os transtornos de humor ou as fobias - e os transtornos de personalidade, que aparentemente os replicam (personalidade esquizotípica, personalidade histérica, personalidade esquiva). Para a psicanálise, pelo menos se nos concentrarmos em Freud e Lacan, o campo do patológico é formado tanto pela hipótese de um objeto intrusivo, como a sexualidade ou o trauma, ao qual a personalidade reage gerando sintomas, quanto pela hipótese de uma desregulação interna ao aparelho psíquico, na qual certas disposições, fixações ou organizações pulsionais, que constituem o sujeito, diante de conflitos concorrem para a produção de respostas defensivas, causando sintomas positivos e negativos. Ou seja, a leitura corrente da estrutura da personalidade, como essência que se exterioriza em sintomas, reduz o dualismo etiológico da psicanálise, manifesto no relato de sintomas, a apenas duas narrativas: a da intrusão de um objeto mórbido (defesa do eu contra a angústia) e a desregulação interna do espírito (transtornos no desenvolvimento do eu).
O ganho representado pela noção de estrutura da personalidade, assim caracterizada, permite unificar os sintomas, conferindo-lhes a consistência como ordem e distinção como função, segundo uma causa comum. Diante disso, as classes de personalidade e os tipos de sintomas podem ser relacionados de forma regular e coerente. No entanto, a introdução dessa noção, estranha ao repertório freudiano original, obscurece a verificação da diferença entre o caráter nominalista e o caráter realista do diagnóstico. Ou seja, a partir disso não é mais possível separar o que seria recognoscível como realidade do fenômeno patológico por qualquer clínico, seja ele psicanalista ou não, e o que depende da maneira como nomeamos um conjunto de signos clínicos agrupando de modo causal e coerente seu ordenamento e apresentação no contexto de um consenso teórico. Talvez o que falte aos continuadores de Freud seja exatamente uma solução mais eficaz para a relação entre nominalismo e realismo, quando se trata de decidir a relação entre a ontologia do sofrimento e sua relação com o tempo e a linguagem.
3. O DSM-II (1952) e o compromisso diagnóstico entre psicanálise e psiquiatria
O Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM) é publicado próximo do formato atual, feito pela APA desde 1952, incluindo cinco revisões. Ele evoluiu a partir dos sistemas de coleta de recenseamento e estatísticas de hospitais psiquiátricos e de um manual desenvolvido pelo Exército dos Estados Unidos com a finalidade de seleção e acompanhamento de recrutas, bem como das vicissitudes surgidas no contexto da guerra. Na versão de 1952, o DSM-II amplia a classificação utilizada pelo Exército desde 1918, de modo a uniformizar os critérios semiológicos da prática diagnóstica em torno de 180 distúrbios. Suas categorias são de extração psicodinâmica, ainda fortemente marcada pelas concepções de Adolph Meyer, ressaltando-se a oposição entre neurose e psicose. O primeiro grupo é referido principalmente em torno da gama que vai da ansiedade à depressão, com relativa preservação da ligação com a realidade.
Embora a APA estivesse intimamente envolvida na seguinte revisão significativa da seção de transtorno mental da cid (versão 8), decidiu também avançar com uma revisão do DSM. Bastante semelhante ao DSM-I, o cid 8 foi publicado em 1968, listando 182 desordens em 134 páginas. O termo "reação" foi abandonado, mas o termo "neurose" foi mantido. Tanto o DSM-I quanto sua segunda versão refletiam a predominância da psicodinâmica psiquiátrica, embora eles também incluíssem as perspectivas biológicas e conceitos do sistema de Kraepelin de classificação. Os sintomas não eram especificados com detalhes em distúrbios particulares. Muitos eram vistos como reflexos de grandes conflitos subjacentes ou reações inadequadas aos problemas da vida, enraizados em três grupos fundamentais:
1. Oposição entre neurose e psicose;
2. Oposição entre ansiedade ou depressão e alucinações ou delírios;
3. Oposição entre quadros largamente em contato com a realidade e quadros denotando significativa perda da realidade.
Essas três oposições fundamentais eram contrabalançadas pela assimilação de teses biológicas e sociológicas que matizavam a clareza do limite entre normalidade e anormalidade. A estratégia foi mal recebida.
Em 1952 é publicada a primeira versão do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), organizado pela APA. Ele amplia a classificação utilizada pelo Exército desde 1918, de modo a uniformizar os critérios semiológicos da prática diagnóstica em torno de 182 distúrbios (disorders) (Grob, 1991). Suas categorias são, sobretudo, de extração psicodinâmica, ressaltando-se a oposição entre neurose e psicose.
O primeiro grupo é referido principalmente em torno da gama que vai da ansiedade à depressão, com relativa preservação da ligação com a realidade. O segundo grupo é caracterizado pela presença de alucinações e delírios, com perda substantiva da realidade (Wilson, 1993). Quadros de etiologia biológica e condições responsivas a contextos sociais específicos encontravam-se representados. O conjunto não refletia uma clara separação entre o normal e o patológico, e a intenção da obra era principalmente estabelecer um consenso terminológico entre os clínicos.
A versão de 1952 reconheceu claramente a síntese de esforços anteriores de homogeneizar a prática diagnóstica na psiquiatria, em que o papel da psicanálise era proeminente. Devemos lembrar que o esforço de conciliação com a classificação emanada pela Organização Mundial de Saúde, Classificação Internacional de Doenças (cid-6), revelou, pela primeira vez, como as ideias psicanalíticas e psicopatológicas subjacentes poderiam conter particularidades não tão facilmente aceitas no resto do mundo. Há vários trabalhos que descrevem, particularmente a partir do DSM-III (1980-1987), o processo gradual de retirada de categorias e signos clínicos de extração psicanalítica e sua substituição por entidades "propriamente psiquiátricas" (Bayer & Spitzer, 1985; Stein, 1991; Robertson & Paris, 2005; Burgy, 2008).
Em 1974, sob a liderança do psiquiatra Robert Spitzer, forma-se uma força tarefa com o fim de estabelecer uma nova versão desse Manual. Aparece o DSM-II com características inteiramente diferentes do anterior: há uma clara intenção em ajustar a classificação norte-americana ao instrumento correlato proposto pela Organização Mundial de Saúde (CID), o critério etiológico é explicitamente abandonado, bem como a referência à teoria psicodinâmica; além disso, o instrumento pretende uniformizar também a pesquisa em psicopatologia, com base biomédica. Em 1980, uma nova versão (DSM-III) admite pela última vez o emprego da neurose como categoria clínica. Os contextos e variantes sociais são reduzidos a "síndromes culturais específicas" ou distribuídos por um entendimento bastante limitado do campo social na determinação, expressão e caracterização dos transtornos mentais. O Manual torna-se uma referência internacional aceita na maior parte dos países do Ocidente e passa a ser utilizado massivamente pelos sistemas de saúde pública, convênios médicos e centros de pesquisa psiquiátrica e farmacêutica (Mayes & Horwitz, 2005). Os critérios diagnósticos são organizados segundo cinco eixos: (1) transtornos clínicos, (2) transtornos de personalidade, (3) condições médicas gerais, (4) problemas psicossociais e ambientais e (5) avaliação global do funcionamento. Essa organização geral é preservada nas edições seguintes, até a utilizada atualmente (DSM-r), e deve ser mantida na revisão prevista para 2011 (First, 2002).
Portanto, no espaço de 50 anos, rompeu-se a longa tradição em vigor desde Pinel, na qual a caracterização das formas de sofrimento, alienação ou patologia mental fazia-se acompanhar da fundamentação ou da crítica filosófica. Isso se mostra na influência que Pinel sofrera do pensamento hegeliano, na importância de Kant para a formação da psiquiatria clássica alemã (Kraeplin), do associacionismo inglês na psiquiatria de Griesinger ou do positivismo contemporâneo para a psiquiatria clássica francesa (Esquirol, Morel) ou ainda a presença de Husserl na psiquiatria de Karl Jaspers (Berrios, 1996). A partir de meados do século XX, esse sistema de correspondências psiquiátrico-filosófico se deslocou de tal maneira que passou a incluir a psicanálise. Isso se mostra inicialmente no modelo proposto por Eugen Bleuler e depois na figura de compromisso, um tanto ambígua quanto a sua definição exata, conhecida como psiquiatria psicodinâmica.
Não que o programa contido no Manual diagnóstico e estatístico de trans tornos mentais esteja isento de implicações filosóficas, éticas e epistemológicas, mas estas jamais são assumidas explicitamente, e o centro dessa problemática é deslocado para o campo genérico da fundamentação das ciências biológicas. O fato que nos interessa é o rompimento do nexo com os discursos psicanalítico e social que faziam a patologia mental depender dos modos de subjetivação e socialização em curso em um dado regime de racionalidade. Dessa maneira, é bastante plausível que tais modos de subjetivação e socialização encontrem-se ainda presentes nas categorias psiquiátricas, posto que sua formação histórica acusa esse regime de dependência. Ocorre que tal fato tornou-se invisível e apagado da prática diagnóstica corrente ou das razões que a justificam.
É importante notar que, a partir desse mesmo período, do pós-guerra, verificou-se no cenário das ciências humanas um movimento significativo de autores que, apropriando-se de categorias psicanalíticas e filosóficas, empreenderam tentativas em outra forma de diagnóstico. A esse respeito, lembremos como algumas das correntes mais relevantes da filosofia do século XX assumiram para si a tarefa de fornecer quadros de reflexão sobre os impasses das sociedades capitalistas. Partindo da certeza de que as expectativas abertas pela modernidade filosófica só poderiam ser realizadas através de uma compreensão clara dos desafios próprios a contextos sociopolíticos de ação, tais correntes não temeram em dar a problemas ligados a modos de racionalização de vínculos sociais o estatuto de objetos de indiscutível dignidade filosófica. Pois estava claro que a razão demonstra sua real configuração, sobretudo através das estratégias de justificação de práticas sociais em operação nas relações de sujeitos com as instituições, com a família ou com si mesmo em um determinado tempo histórico. Fazer uma autocrítica da razão e de suas aspirações era pois um movimento indissociável de uma certa recuperação filosófica do campo da teoria social, já que se tratava de mostrar como os conceitos da modernidade filosófica ganhavam sua significação apenas lá onde instituições e práticas partilhadas que aspiravam racionalidade afirmavam sua hegemonia.
Dessa forma nos interessamos pelo papel que a psicanálise pode assumir no contexto contemporâneo da psicopatologia, numa tentativa de situar o discurso psicanalítico no contexto atual de uma hegemonia do DSM no campo psiquiátrico, escapando ao ponto de vista mais intuitivo que a relação de externalidade atual faz presumir.
A execução dessa proposta é fundamental para que as disciplinas mais distantes metodologicamente desse sistema de classificação, tais como a psicanálise, possam modular uma linha de debate e crítica ao DSM. No contexto atual da reforma psiquiátrica brasileira, discute-se a importância e as modalidades de trabalho integrativo ou colaborativo entre diferentes profissionais da saúde mental. Por vezes o DSM é empregado como pretexto para uma "língua comum", a partir da qual as discussões diagnósticas e de tratamento poderiam se efetivar. Nosso intuito neste trabalho é demonstrar, com base na reconstrução histórica das relações entre a psicanálise e os manuais estatísticos de diagnóstico, que, por um lado, essa base comum é muito mais antiga do que se pensa, e que, por outro, ela serve principalmente para a homogenização e silenciamento das controvérsias e divergências internas quer à psicanálise, quer à psiquiatria. Em outras palavras, o consenso de que a classificação antietiológica, presente no sistema DSM, opõe-se à razão diagnóstica de tipo psicanalítico funcionaria como elemento unificador, capaz de, por meio de algumas generalidades, suspender as profundas diferenças entre a diagnóstica psicanalítica no interior de suas diferentes escolas. A fragilidade que esse relativismo supostamente traria é assim escamoteada em prol de uma unidade gerada por oposição. Inversamente, a antiga e profícua dissensão entre escolas psiquiátricas europeias e norte-americanas, e no interior de cada qual, ficaria suspensa por meio desse artifício fundamental, desse basic english proposto pelo sistema DSM.
Lembremos aqui que o basic english era uma língua reduzida, proposta por dois linguistas, Ogden & Richards, autores do famoso livro The Meaning of Meaning (1989/1923). Publicado originalmente em 1923, logo tornou-se uma referência no ensino de línguas, na semiótica (seu mais recente prefácio foi escrito por Umberto Eco), nas ciências da linguagem, bem como na antropologia da comunicação (seu posfácio original foi escrito por Malinowski). Seu projeto insere-se no quadro da proposição de uma filosofia das formas simbólicas, que permitiria, por meio de vários artifícios de desambiguação, reduzir o mal-entendido e favorecer a rapidez, coerência e consistência da comunicação. Desenvolve-se, então, uma espécie de ponto de vista exterior, de natureza metalinguística, ou metacognitiva, de natureza semiconvencional, que poderia agir como redutor de conflitos comunicativos e, ao mesmo tempo, como referência de arbitragem para as diferentes concorrências hermenêuticas, pragmáticas ou simbólicas que são verificadas no uso social da linguagem.
Notemos, então, a profunda afinidade entre o projeto de Ogden & Richards e as aspirações que comandaram a origem e o desenvolvimento histórico do sistema DSM: desambiguação de termos semiológicos e diagnósticos, orientação para o consenso prático, função de arbitragem, aspiração metalinguística. Considerado assim como uma espécie de "inglês reduzido", útil para a eficaz comunicação entre disciplinas, ele poderia ser considerado um recurso secundário tanto para psicanalistas quanto para psiquiatras. O objetivo deste artigo é mostrar que, como figura histórica de compromisso, o sistema DSM, menos do que representar o pomo da discórdia entre duas civilizações (a psiquiátrica e a psicanalítica), é o sintoma maior da supressão individual dos múltiplos discursos sobre o mal-estar, sobre o sofrimento e sobre o sintoma, ou seja, do choque de intercivilizações.
O relatório Action for Mental Health, de 1961, recomendava que fossem criadas bases de assistência comunitária e ampliação de leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Esse relatório representa a primeira política nacional norte-americana de cuidados comunitários para a saúde mental e também ambicionava uma reforma psiquiátrica hospitalar, buscando a humanização e o desenvolvimento de programas de reabilitação e visando reinserir o paciente na comunidade.
Os grandes hospitais psiquiátricos deveriam ter seus leitos reduzidos, e outros não poderiam ser criados. O espaço de ação da psiquiatria deveria ser expandido e incorporado à comunidade como um campo de atuação. Dois mil centros de saúde mental comunitária seriam introduzidos em todo o país e, dois anos depois, em 1965, já se poderia dizer que os programas estariam implantados. Há, ainda, relatos de brusco esvaziamento de hospitais psiquiátricos, especialmente na Califórnia, sem que a rede comunitária de atendimento estivesse funcionando.
Caplan, psiquiatra norte americano que organizou o movimento de desinternação e de socialização de pacientes crônicos institucionalizados naquele país, influenciou notavelmente os programas comunitários da América Latina, incluindo o Brasil. Esse autor importa conceitos de história natural da doença e níveis de prevenção, transpondo-os para a área de saúde mental por meio de seu conceito básico de crise. Tal fato permite uma nova articulação, fundamental para os países em desenvolvimento em nível conceitual com a saúde pública, uma das recomendações básicas e comuns a todos os programas de saúde mental exportados para a América Latina.
Em busca de constituir uma nova disciplina, Caplan (1968) define a psiquiatria preventiva como um ramo da psiquiatria que é parte do esforço comunitário mais amplo. A psiquiatria preventiva ocupa-se de todos os tipos de transtornos mentais em pessoas de todas as idades e classes, num enfoque do problema de toda a comunidade e não somente do problema de indivíduos e grupos particulares.
Em nossa opinião, as premissas de Caplan antecipam o que seria a tônica atual da psiquiatria norte-americana na vertente da classificação do DSM. Ele inferiu que as doenças mentais obedeceriam ao modelo da história natural das doenças, devendo haver uma pré-patogênese a ser identificada e imediatamente atuada com vistas a prevenir o surgimento da enfermidade.
Pitta-Hoisel (1984) nos lembra que Caplan estabeleceu em sua teoria correlações entre miséria/loucura, velhice/crise, adolescência/crise, propondo trabalhos profiláticos para erradicar o sofrimento. Ele buscava uma intervenção técnica que, por intermédio do controle social, regularia e administraria todas as possíveis fontes de inquietação na comunidade. Podemos aproximar os objetivos de Caplan ao compromisso pragmático do DSM. Esse compromisso obrigou os pesquisadores a abandonarem os conceitos de seus campos específicos e mostrou-se particularmente conveniente para disciplinas que operam com uma metodologia empírico-experimental em suas abordagens do sofrimento psíquico.
4. O DSM-III (1973-1974): novos eixos e o expurgo da psicanálise
Entre 1952 e 1973, o DSM-II atrai contra si a ira dos críticos que nele reconhecem uma síntese do compromisso entre a psiquiatria mais normativa com a psicanálise mais retrógrada. Casamento celebrado sob os auspícios de um cientificismo ideológico. A associação entre histeria e feminilidade ou entre homossexualidade e perversão são exemplos claros de que aquele manual representaria a realização institucional, referendada pelo Estado e articulada a seus dispositivos educacionais, jurídicos e de pesquisa, da repressão política. A individualização e patologização de contradições sociais, a segregação de minorias, o controle e a neutralização de resistências encontrariam, assim, um referendo psiquiátrico-psicanalítico.
Na sequência de polêmicas e protestos de críticos e ativistas em conferências da APA entre 1970 e 1973, bem como o surgimento de novos dados de pesquisadores como Alfred Kinsey e Evelyn Hooker, na impressão do DSM-II, em 1974, já não figura homossexualidade como uma categoria de desordem. Mas devido aos esforços do psiquiatra Robert Spitzer, que havia liderado o comitê de desenvolvimento do DSM-II após uma votação pelos administradores da APA em 1973, e confirmada em maior âmbito em 1974, o diagnóstico foi substituído com a categoria de "distúrbio de orientação sexual", atualmente denominado "transtorno de identidade de gênero" (GID). Pereira (2000) relata que no momento que iniciava a revisão da segunda versão do DSM surgiu o debate sobre manter ou não a homossexualidade como categoria diagnóstica específica. Em 1970, ativistas gays invadiram o congresso da APA, que ocorria em São Francisco, Califórnia. Eles protestavam, de forma enfática, contra os trabalhos ali apresentados, que colocavam o comportamento homossexual como algo intrinsecamente patológico. A manifestação teve grande repercussão na mídia e na opinião pública, o que encorajou os manifestantes a continuarem naquela linha de ação.
Tal forma de combate político continuou por vários anos, seguidos de contatos e reuniões formais com a APA. Em 1973, a APA aceita o princípio de que a homossexualidade não poderia ser considerada como patológica em si mesma. Surge assim a categoria "homossexualidade egodistônica", que reuniria os sujeitos que vivenciam sua homossexualidade de forma conflitiva e que, eventualmente, gostariam de se ver livres dessa condição. As polêmicas envolvendo esse movimento histórico continuam atuais, apresentando seus ecos em solo brasileiro, como veremos adiante.
Em 1974, a decisão de criar uma nova revisão do DSM foi tomada, e Robert Spitzer teve o cargo de presidente da força-tarefa. O ímpeto inicial foi fazer a nomenclatura DSM coerente com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), publicado pela Organização Mundial de Saúde. A revisão ganhou uma forma mais ampla, sob a influência e controle de Spitzer e seus membros escolhidos. Um dos objetivos foi o de melhorar a uniformidade e a validade do diagnóstico psiquiátrico. Havia também a necessidade de padronizar as práticas de diagnóstico dentro dos Estados Unidos e com outros países depois que a pesquisa mostrou que os diagnósticos psiquiátricos diferiam significativamente entre a Europa e os Estados Unidos. O estabelecimento desses critérios também foi uma tentativa de facilitar o processo de regulamentação farmacêutica. O potencial de novas categorias de desordem foi estabelecido por consenso durante as reuniões da comissão, como a presidida por Spitzer.
Um dos principais objetivos era uma base de categorização em linguagem coloquial em inglês descritivo (o que seria mais fácil de usar por escritórios administrativos federais), em vez de suposições de etiologia (uma abordagem descrita como "neokraepelinismo"). Os pontos de vista psicodinâmicos e fisiológicos foram abandonados em favor de um modelo regulamentar ou legislativo. Um novo método classificatório "multiaxial" foi criado. O sistema tentou produzir uma imagem mais propícia para um recenseamento da população estatística, em vez de apenas um diagnóstico simples. Spitzer argumentou que transtornos mentais são um subconjunto das desordens médicas. A força-tarefa decidiu que cada uma das desordens mentais é concebida como uma síndrome clinicamente significativa, comportamental ou psicológica.
Muitas novas categorias de desordens foram introduzidas. Ensaios patrocinados pelo National E. U. Institute of Mental Health (nimh) foram conduzidos entre 1977 e 1979 para testar a fiabilidade dos novos diagnósticos. A controvérsia surgiu em relação à supressão do conceito de neurose, um dos princípios da teoria psicanalítica e uma das justificativas para o alcance dessa condição pela psicoterapia. Para os reformadores do DSM-III, essa noção tornara-se vaga e não científica. Confrontado com uma grande oposição política, o DSM-III passou pelo sério perigo de não ser aprovado pelo conselho de administração da APA, a menos que "neurose" fosse incluída em alguma incapacidade. Um compromisso político de reutilização do termo foi assumido, sendo inserido entre parênteses em alguns casos depois da palavra "desordem" (disorder). Além disso, o diagnóstico de "homossexualidade egodistônica" substituiu a categoria de "distúrbio de orientação sexual" presente no DSM-II.
Rapidamente inserido em uso internacional e difundido por múltiplos parceiros, o DSM-II tem sido considerado uma profunda transformação da psiquiatria. Propondo-se como um sistema classificatório ateórico e operacional das grandes síndromes psiquiátricas, esse manual modificou profundamente a concepção de pesquisa e da prática psiquiátrica, pois, a partir de agora, a psiquiatria teria à disposição um sistema de diagnóstico preciso, do ponto de vista descritivo-terminológico, e passível de servir de apoio para a pesquisa empírico-experimental. Pereira (2000) nos lembra que, a partir do DSM-III, os diagnósticos passariam a ser considerados como instrumentos convencionais, dispensando qualquer referência ontológica. A única exigência seria a concordância no plano descritivo. O DSM-III admite, pela última vez, o emprego da neurose como categoria clínica. As variantes e comtextos sociais são reduzidos a "síndromes culturais específicas" ou distribuídos por um entendimento bastante limitado do campo social na determinação, expressão e caracterização dos transtornos mentais.
Contudo, ainda nos anos 1970, uma primeira onda crítica se abateu sobre o projeto do DSM. Em 1973 veio à luz o experimento de Rosenham (1973), no qual diversos pesquisadores simularam a existência de um único sintoma psiquiátrico, dizendo que ouviam vozes, mas não muito claras (alucinação). Estes se apresentaram a hospitais psiquiátricos norte-americanos e, após 60 dias, a maioria deles não detectou a fraude. Indignados, os psiquiatras desafiaram Rosenham a enviar falsos pacientes em seus hospitais, com a certeza de que estes agora seriam apanhados. De 193 pacientes, 41 foram dados por impostores e 42 foram qualificados como suspeitos, apesar de Rosenham não ter enviado nenhum falso paciente.
A confusão de línguas era tamanha na psiquiatria no final dos anos 1970 que, quando o DSM-III resolveu abolir a força da autoridade e ceder aos critérios da nascente medicina baseada em evidências, isso foi saudado como o início de uma revolução científica. Depois de História da loucura, de Michel Foucault (1965), do movimento antipsiquiátrico, de filmes como Estranho no ninho (1975) e da luta dos civil rights movements norte-americanos pela despatologização da homossexualidade, a ideia de uma classificação convencional, normativa e arbitrária de "transtornos mentais", tendo em vista a unificação de linguagens, foi recebida com esperança. Isso facilitaria o trabalho dos serviços de saúde mental, das coberturas de empresas de seguro, da pesquisa científica, da alocação de recursos públicos em saúde mental. Enfim, uma gota de luz em um oceano de trevas. Traçava-se uma linha divisória clara entre os problemas da vida e a verdadeira doença mental. A chegada do DSM-III se fazia acompanhar do processo de desinstitucionalização de pacientes crônicos, da luta antimanicomial. Essa reformulação das políticas de saúde mental se apoiou também na ascensão dos tratamentos farmacológicos e na crítica da psicanálise como fonte inspiradora não de uma área exterior, mas da própria diagnóstica psiquiátrica. A subtração da psiconeurose ao DSM-III torna-se o símbolo do fim do falido casamento psicopatológico entre psicanálise e psiquiatria.
Mas, assim como havia uma reação crítica da psiquiatria interessada em expurgar o conceito de neurose ou psiconeurose, havia também, já nos anos 1950, uma ação psicanalítica que criticava seus próprios fundamentos clínico-diagnósticos, tanto na psicanálise de Lacan quanto nas pesquisas de Adorno sobre a personalidade autoritária e, mais adiante, na psicanálise argentina de esquerda.
Lembremos que a última definição remanescente das psiconeuroses no DSM-II definia esse grupo clínico pela ansiedade e pelos mecanismos de defesa: a depressão, a conversão e o deslocamento. Não é difícil perceber aqui os quatro elementos pelos quais a neurose será substituída até a recente revisão imposta no DSM-V: transtornos de ansiedade, cujo desencadeamento depende do objeto (de separação, mutismo seletivo, fobias específicas, pânico, fobia social), transtornos depressivos, cujo modelo é o luto (depressão maior, depressão disruptiva, distimia, disforia pré-menstrual), sintomas somáticos, organizados ao modo da conversão (hipocondria, transtorno de conversão, transtornos factícios), e transtornos obsessivo-compulsivos, nos quais o deslocamento seria a "reação" fundamental (transtorno do dismorfismo corporal, acumulação, tricotilomania, transtorno de escoriação). Acrescentando-se a essas quatro categorias, os transtornos de trauma-estresse e dissociação, os que inibem ou exageram funções (alimentação, sono, excreção, sexualidade) e as disforias de gênero, reencontramos no DSM-V todos os elementos classicamente descritos pela psicanálise com sua tríade diagnóstica formada por angústia, sintomas e inibições neuróticas.
Até aqui se pode ver que, por trás da luminosa nova ciência psiquiátrica do DSM-V, ainda jaz o cadáver psicanalítico da neurose. E o sinal maior desse desmembramento forçado é que tanto a depressão, antes um subtipo da aposentada categoria dos transtornos de humor, quanto a ansiedade são tidas como situações de alta comorbidade, sendo declaradamente raro encontrar pacientes apenas com um desses dois diagnósticos. Quando se discute a epidemia mundial de depressão e ansiedade, quando pesquisas apontam São Paulo como a capital mundial dos transtornos mentais (com cifras em torno de 25% da população), seria preciso observar a total indiferença desse instrumento diagnóstico em relação à possível relação indutora entre os sintomas. Primeiro, um período de ansiedade, depois, depressão, finalmente, a emergência de uma ideia obsessiva, uma fobia ou uma conversão, em seguida, uma nova onda de ansiedade. Nada mais antigo e constante nos pacientes de Freud que percursos que intercalam períodos de angústia, crises narcísicas e formação de sintomas. A neurose, e principalmente a neurose histérica, é uma categoria fundamental para a psicanálise justamente porque permite explicar, por meio de uma hipótese única, regras de formação para a existência da variedade extensa de sintomas diferentes em um mesmo caso. Um paciente como o "Homem dos Ratos", atendido por Freud em 1907, receberia hoje, facilmente, sete ou oito diagnósticos sobrepostos, em vez da única e genérica neurose obsessiva.
Mas o problema crucial que se perde de vista com a exclusão da neurose como categoria diagnóstica é que os diferentes sintomas de um sujeito exprimem e se articulam em uma narrativa de sofrimento. Eles se embaralham com a história de vida das pessoas, com seus amores e decepções, com suas carreiras e mudanças, com seus estilos e escolhas de vida, com suas perdas e ganhos. A história da doença se confunde com a história do doente, sob o qual esta age e reage, dizia Karl Jaspers (1883-1969). Desde o DSM-II, tentava-se contornar o critério de Kurt Schneider (1897-1967), segundo o qual a psiquiatria deve se ocupar dos que "sofrem e fazem sofrer". Mas o arremedo, que parece ter se tornado definitivo para esse problema, é a categoria dos transtornos de personalidade. Eles compreendem as formas subclínicas de sofrimento, nas quais é difícil dizer onde começa o sintoma e onde termina o eu. No DSM-V tais transtornos foram agrupados em três clusters, o dos "estranhos" (personalidade paranoide, esquizoide e esquizotípica), a dos "dramáticos" (personalidade antissocial, borderline, histriônica e narcísica) e a dos "intimidados" (personalidade dependente e obsessivo-compulsiva). Ainda que tais agregados não tenham sido "consistentemente validados" segundo o próprio Manual, sua função denuncia uma espécie de resgate pago aos psicólogos pela psiquiatria.
Definidos como formas inflexíveis, pervasivas e estáveis ao longo do tempo, tais transtornos são isolados em um grupo separado, mas comparável com os grandes sintomas esquizofrênicos, paranoides, histéricos e obsessivos. A exceção digna de nota são os grupos borderline e narcísico, que mesmo entre os psicanalistas não são claramente definidos nem entre as psicoses, nem entre as neuroses. A dissociação entre sintomas e suas formas de vida correlatas é de tal monta que nenhuma palavra é dedicada a uma ocasional relação entre sintomas da gama "obsessivo-compulsivo" e a "personalidade obsessivo-compulsiva". Ora, o narcisismo é justamente essa função que produz unidades, ainda que alienadas de si, do outro e do mundo. A definição clássica de neurose era suficientemente integrativa em psicanálise porque, ao menos em tese, ela poderia explicar tanto a formação de sintomas quanto a economia narcísica, ou as transformações e identificações da personalidade, que lhe são correlatas. Ao excluir relações entre sintomas e funcionamentos psíquicos, o psiquiatra fica, por assim dizer, desincumbido de fazer apreciações sobre a personalidade do paciente. Isso tem trazido um efeito dramático, estranho e intimidador para os clínicos, que relatam frequentemente que não lhe é dada, nas contingências reais de sua prática, a possibilidade de escutar histórias de vida de seus pacientes, restringindo-se à anamnese, ao relato sobre o sintoma.
Muitos psiquiatras questionam as renovações feitas pelo DSM-V porque elas não se apoiam de fato em novas descobertas científicas, mas em redefinições nominalistas de sintomas e definições operacionais de síndromes. Isso valoriza ou sobrevaloriza o diagnóstico mediante o exame retrospectivo dos efeitos de medicações, cujo verdadeiro mecanismo de ação se desconhece. Ou seja, a unidade perdida com o sequestro da neurose, como hipótese que unifica história de vida, sintomas e personalidade, é reencontrada na unidade de um objeto: a medicação. A hipótese da recaptura da noradrenalina para explicar o mecanismo da ansiedade, proposta em 1958, foi expandida para a relação entre a dopamina e a esquizofrenia, nos anos 1960; para a serotonina e a depressão, nos anos 1970; e, finalmente, ligando a endorfina aos circuitos do prazer, na década de 1980. Observe-se que se trata de uma mesma matriz hipotética que se reaplica em diversos casos. Em todos eles o transtorno é considerado um déficit de substância neuronal. A medicação entraria assim, de modo compensatório, fazendo o que o corpo não consegue fazer por si mesmo. Mas tal hipótese deixa de lado o caso em que certos estados mentais sejam produzidos de forma totalmente inédita na propriocepção, na experiência corporal e na economia de significação do sujeito, como parece ocorrer com o uso continuado do metilfenidato (conhecido popularmente como Ritalina). Ou seja, há, sim, um "antes" e um "depois" da medicação que estabelece uma nova unidade no eu, mas esta é criada pela medicação e não pressuposta por ela.
O caráter mais ou menos questionável das descobertas em torno dos neurotransmissores se faz acompanhar de outro fato mais difícil de entender. Palavras, principalmente metáforas, narrativas ou experiências de linguagem em contexto intersubjetivo induzem a receptação e a distribuição de neurotransmissores como dopamina, serotonina, noradrenalina e endorfinas. Palavras mudam o seu cérebro, e o seu cérebro muda suas palavras, mas não da mesma maneira.
O real prejuízo que temos com o sequestro da noção de neurose para o tratamento de nossos pacientes não é que agora eles não querem mais saber da arqueologia infantil nem das conexões sexuais e esquecidas na gênese histórica de seus sintomas, mas que eles se vejam sancionados por um dispositivo diagnóstico com força de lei e poder disciplinar, na desconexão entre seus próprios sintomas. Ou seja, uma das características mais antigas e mais simples da neurose, a saber, o fato de que nela o sujeito não liga (aliena) os pontos que unem sua vida, seus sintomas e sua personalidade se tornaram a forma oficial e padronizada de pensar a loucura. A neurose opera pela desconexão entre contextos narrativos, como que a dizer que a vida sexual é uma coisa, a profissional é outra, a familiar, uma terceira coisa, os cuidados com o corpo, algo à parte, as fases da vida, um problema isolado. A vida pessoal é apenas "outro setor" dessa grande loja de departamentos na qual nos transformamos.
Mas todo aquele que se vê diante de uma experiência maior de sofrimento sabe que não é assim. O sofrimento tem uma valência política incontornável porque liga os assuntos: a alimentação com a pobreza, a miséria com a família, a família com o Estado, o Estado com a saúde, a saúde com a maneira estética de viver o corpo e assim por diante. O sofrimento pode ter a estrutura de uma novela, como o romance familiar, de uma teoria, como as teorias sexuais infantis (Freud), de um mito, como o Mito Individual do Neurótico, da poesia chinesa ou simbolista (Lacan), de uma narrativa (Antonino Ferro) e até mesmo encontrar sua expressão universal na tragédia (Édipo para Freud, Oresteia para M. Klein, Antígona ou Filotectes para Lacan). As pesquisas em torno da dissolução da forma de romance, empreendidas por autores como Becket, Joyce e Duras, desafiam o paradigma discursivo no qual a neurose foi descrita a partir da unidade narrativa-narrador, da coerência entre contar (Erzählen) e descrever (Beschreiben), da progressão articulada de conflitos, da tensão entre diegese da ação e verticalização de personagens. Talvez não seja uma coincidência que os mesmos anos 1950 que presidiriam a emergência do DSM-I tenham assistido, mais uma vez, à onda de declarações sobre a morte do romance. Mas isso só confirma que o tipo de unidade que encontramos na noção de neurose nos leva a sistemas simbólicos como a literatura, o mito ou os discursos sociais, e que ela pode ser redescrita consistentemente em função destes, tanto em termos semiológicos quanto diagnósticos. Mas isso exigiria reconhecer o mal-estar que preside a insuficiência das articulações entre sofrer e ter um sintoma no interior do sistema DSM.
Tradicionalmente, ao final de cada edição do DSM, há um espaço reservado para as chamadas síndromes culturais específicas, como o Amok (na Malásia) ou o Susto (na América Central). Mas o DSM-V surpreende nesse quesito ao trazer uma longa lista de "outras condições que podem focar a atenção clínica": problemas de relacionamento, rompimentos familiares, negligência ou abuso parental, violência doméstica ou sexual, negligência ou abuso conjugal, pro- blemas ocupacionais e profissionais, situações de sem domicílio (homeless), problemas com vizinhos, pobreza extrema, baixo salário (low income), discriminação social, problemas religiosos e espirituais, exposição a desastres, exposição a terrorismo e terminando pela "não aderência ao tratamento médico". A lista exprime o interesse confesso do DSM-V em patologias sociais, mas ao mesmo tempo apresenta uma voracidade preocupante. Ela denota os efeitos da exclusão da noção de sofrimento, acrescidos agora da dispersão gerada pela recusa incondicional em pensar os sintomas no quadro de uma forma de vida, como unidade entre trabalho, desejo e linguagem.
Tão morta quanto a psicanálise e o romance, a neurose é uma forma de constituir um paradigma clínico rigorosamente simétrico à hermenêutica do sofrimento. Nela o que se diz sobre o sofrimento depende de como ele se faz reconhecer e é ou não reconhecido pelo outro. A verdade do sofrimento neurótico se dá em estrutura de ficção, mesmo que o real, que não se consegue nomear, ao qual esse do sofrimento se refere, permaneça opaco e resistente a ser inscrito em um discurso, uma prática, um dispositivo qualquer de cura ou diagnóstico. Há, portanto, formas alienadas de sofrimento, assim como modalidades reificadas de reconhecê-lo. Mas isso se encontrará tanto nas categorias elas mesmas quanto na forma como as articulamos. A hipótese da neurose suprimida preserva a estrutura de ficcionalidade do sofrimento, contra o realismo ingênuo da diagnóstica do DSM-V.
Tomando os sintomas como ironicamente destituídos de "organicidade", mas ainda assim dotados de "força de lei", a racionalidade diagnóstica do DSM, que espelha a racionalidade diagnóstica hegemônica de nossa época, permite alienar o sujeito de e em sua própria forma de vida. Qual seria sua implicação em um "estado de adoecimento" contra o qual ele nada pode, pois afinal é seu cérebro que o domina? A segmentação da neurose, como princípio causal e explicativo, cria um efeito iatrogênico difícil de tratar: até onde vai a depressão e onde começa... outra coisa? Esse limite entre o moral e o patológico, entre a ação restrita do transtorno e suas consequências, habilita deserções do sujeito diante de seu sofrimento. Nunca nos é dado pelo próprio Manual, para desespero de parentes e cuidadores, até onde vai o "transtorno" e onde começa "a vida real" de responsabilidade do sujeito. Reencontramos aqui o princípio que conferia, na excluída categoria psicanalítica de neurose, a unidade entre forma de vida e patologia social, entre sofrimento e dialética do reconhecimento, entre expressão do mal-estar e a forma etiológica de sua produção.
5. O DSM-IV (1994-2000): a dissolução da psicopatologia
Listando 297 desordens em 886 páginas, o DSM-IV foi publicado em 1994. A força-tarefa foi chefiada por Allen Frances. Um comitê de direção de 27 pessoas foi introduzido, incluindo quatro psicólogos, chefiados por Allen Frances. O comitê diretor criou 13 grupos de trabalho de 5 a 16 membros. Cada grupo tinha aproximadamente 20 conselheiros. A grande mudança de versões anteriores foi a inclusão de um critério de significância clínica para quase metade de todas as categorias, que possuíam sintomas e causavam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou outras áreas importantes de funcionamento.
O DSM-IV organiza cada diagnóstico psiquiátrico em cinco níveis (eixos), relativos aos diferentes aspectos da doença ou deficiência:
1. Eixo I: distúrbios clínicos, incluindo os principais transtornos mentais, bem como desenvolvimento e distúrbios de aprendizagem;
2. Eixo II: retardo subjacente penetrante ou condições de personalidade, bem como mental;
3. Eixo III: situações clínicas agudas e doenças físicas;
4. Eixo IV: fatores psicossociais e ambientais que contribuem para a desordem;
5 . Eixo V: avaliação global de funcionamento.
Acreditamos que esse caminho seja mais profícuo que as críticas que temos estudado. Benetti (1998) critica o DSM por abdicar do diagnóstico diferencial, do tratamento pela palavra. Esse autor ainda critica a substituição do singular pelas síndromes chamadas de transtornos e a soberania dos psicofármacos. Roudinesco (2000) aponta o desmembramento dos quatro grandes modelos que haviam permitido à psiquiatria dinâmica associar uma teoria do sujeito a uma nosologia e a uma antropologia por parte do projeto DSM. A autora aponta como efeito desse manual de classificação a separação "da psicanálise da psiquiatria, de remeter essa última ao campo da medicina biofisiológica que exclui a subjetividade..." (p. 51). Roudinesco ainda aponta a influência do DSM nas escolas de psicoterapia que propõem ao sujeito saturado de medicamentos, de causalidades externas, de astrologia e de DSM uma relação terapêutica mais humanista e mais adaptada a sua demanda.
Portanto, no espaço de 20 anos que separam o DSM-III (1974) do DSM-IV (1994), rompeu-se a longa tradição, em vigor desde Pinel, na qual a caracterização das formas de sofrimento, alienação ou patologia mental fazia-se acompanhar da fundamentação ou da crítica filosófica. Rompeu-se não só o casamento entre psicanálise e psiquiatria, celebrado sob os auspícios de figuras de compromisso como a psiquiatria psicodinâmica, mas também uma certa maneira de fundamentar e de fazer psicopatologia. Ou seja, em vez de progredir pela ambiguação de línguas concorrentes, recorreu-se à unidade desambiguadora da norma. Ressaltamos aqui que a grande oposição não se dá entre fundamentação biológica ou fundamentação psicológica. Basta lembrar de figuras teóricas como a neuropsicanálise ou como a etnopsiquiatria, que invertem facilmente essa oposição, ou ainda figuras atitudinais de linhagem biopsicossocial, para verificar que o que está em questão, no fundo, é a própria inanidade das atitudes fundacionistas em relação aos procedimentos práticos e de autonomização jurídica das regras de gestão da saúde mental.
A ruptura de que se trata não se dá no nível das teses que se opõem, mas do próprio princípio pelos quais as teses serão julgadas. Trata-se de uma mutação da própria razão diagnóstica e não de um de seus movimentos de contradição interna. Afirmar que a ruptura entre psiquiatria biológica e psicanálise se dá em função de critérios de cientificidade, mais ou menos positivistas, por exemplo, é jogar de acordo com as regras de um jogo ultrapassado. O importante é entender como as regras daquilo que estamos dispostos a contar como racional, nesse dispositivo social que é o diagnóstico, foram alteradas, dispensando a concorrência de paradigmas.
Recuemos um pouco para que o argumento fique mais claro. Entre o DSM-III e o DSM-IV rompeu-se a antiga prática, ou o consenso tácito, que fez a psicopatologia depender de duas estratégias de autojustificação: a antropologia filosófica e a filosofia da história. Em poucas palavras, toda psicopatologia deve prestar contas e entabular uma resposta para:
a. O problema da universalidade das formas do patológico, ou seja, uma explicação para o fato de que existem regularidades clínicas que permanecem no tempo e no espaço, apesar de alterações e modulações expressivas e funcionais. É no interior desse problema que vemos emergir a posição biológica ou organicista, que advogará a universalidade biológica das modalidades do patológico, baseada em perturbações genéticas, endócrinas, neuroquímicas, anatômicas. Nasce aqui também a posição contrária, que advogará a fundamentação social da universalidade das formas do patológico, remetendo-a a contradições derivadas do que há de universal entre ou nas culturas como, por exemplo, estruturas familiares, funções de personalidade, gramáticas simbólicas. Observe-se que ambas as posições devem dar conta ainda de um problema comum, a saber, explicar que tipo de relação está previsto entre as formas simbólicas universais e os tipos de particularidade de expressão, manifestação ou apresentação de sintomas. Seriam esses casos particulares de tipos universais? Subconjuntos de conjuntos maiores? Qual lógica preside a relação entre elementos e conjuntos e, consequentemente, a relação entre conjuntos?
b. O problema da evolução do patológico em sua relação com sua própria historicidade, transformação e reatividade às circunstâncias que se impõem a alguém acometido por uma afecção dessa natureza. O fato elementar nesse caso diz respeito à natureza transformativa ou evolutiva do sintoma. Transformação que justifica e torna possível as tentativas de tratamento, cura ou remissão. A lógica transformativa exige que se considerem modos de relação entre o sujeito e seu sintoma, tipos de reação da personalidade com o processo mórbido, efeitos intersubjetivos de adaptação ou distonia frente a uma determinada patologia. Surgem aqui duas posições. Há aqueles que advogam a natureza essencial, orientada e dirigida dessa transformação, seja ela baseada em argumentos de fato naturalistas (como uma psicologia do desenvolvimento) ou ainda em argumentos derivados de uma ontologia humanista (pré ou pós-metafísica). Em oposição a estes há aqueles que sugerem a relativa indistinção entre a história do sujeito e a história de seus sintomas, como os que se apoiam na noção de estrutura, mas também nos funcionalistas de todo gênero.
Diagnóstico diferencial para o primeiro problema, diagnóstico evolutivo para o segundo. Etiologia como causa no primeiro caso, etiologia como determinação no segundo. Semiologia como língua no primeiro caso, semiologia como fala no segundo. O recurso à filosofia marca historicamente a psicopatologia, à medida que esta é tomada como solo de colocação e de pré-encaminhamento dessas duas questões e, principalmente, da solução articulada dessas duas exigências epistemológicas.
6. DSM-V: qual psicanálise para qual psiquiatria?
Sabemos que o próprio termo psicopatologia é carregado de ambiguidades. Trata-se de uma terminologia fortemente associada às raízes psiquiátricas. Tal termo evoca uma disciplina que trata da natureza da doença mental, suas causas, mudanças estruturais e funcionais ligadas a ela e suas formas de manifestação. Em uma acepção bastante genérica, a psicopatologia pode ser considerada como um conjunto de conhecimentos acerca do adoecimento mental do ser humano.
Jaspers, em sua Psicopatologia geral (1987/1913), já chamava a atenção para as ambiguidades inerentes à pesquisa em psicopatologia:
Tanto na psicologia quanto na psicopatologia talvez não se possa afirmar nada ou quase nada que não seja, de alguma maneira, contestado. Por isso, se alguém pretende estabelecer a razão de suas afirmações e descobertas e elevá-las acima da onda de intuições psicológicas diárias, terá também de empreender reflexões metodológicas. (p. 16)
Advertidos por Jaspers sobre a importância do método para o estabelecimento de conceitos em psicopatologia, lembremos que o DSM foi constituído a partir de uma perspectiva ateórica e operacional. O DSM tem como objetivo constituir-se num sistema de classificação sobre dados diretamente observáveis, sem recorrer a sistemas teóricos. Recorremos a David Goldberg, um dos integrantes da comissão responsável pelas novas edições do DSM. Recentemente, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Goldberg foi indagado sobre quais mudanças pretende promover na classificação de doenças mentais. Ele relata sintomas que possuem "variações pequenas que distinguem um do outro", que são, tais como as depressões unipolares simples, os estados de ansiedade, os transtornos de medo e os de ordem somática. Frente às dificuldades diagnósticas devido às "variações pequenas", Goldberg (2009) propõe: "Você só pode fazer diagnósticos ignorando alguns sintomas, então será melhor se os médicos apenas descrevessem os sintomas gerais que as pessoas têm nesse grupo de transtornos [emocionais]".
A descrição minuciosa, fina e precisa dos sinais e sintomas dos transtornos mentais constitui a base semiológica de um processo investigativo em busca da etiologia. Pereira (1998) nos adverte que a ideia de que as alterações mentais teriam um estatuto de patologia se formou gradativamente na psiquiatria, não estando totalmente clara nas hipóteses de seus precursores.
Kraepelin (1900) foi o grande sistematizador da psicopatologia descritiva. Esse autor radicaliza a concepção falretiana de entidade mórbida, consolidando de forma definitiva a vocação nosológica da psicopatologia. Bercherie (1989) lembra que em 30 anos o Manual de psiquiatria de Emil Kraepelin conheceu oito edições e não houve uma só edição sem modificações nosológicas. Do ponto de vista kraepeliano, trata-se de discernir sob as bases clínicas as diversas formas do adoecimento mental, as quais teriam o mesmo estatuto das doenças físicas tratadas pela medicina.
Pereira (1998) nos lembra que, diante do impasse constituinte da própria psicopatologia, o projeto empírico-pragmático do DSM reclama para si o qualificativo de neokrapeliniano, no sentido da delimitação precisa das entidades clínicas psiquiátricas.
Japers (1987/1913) funda a psicopatologia como uma disciplina estritamente fenomenológica. Esse autor não enfatiza a noção de entidade mórbida e passa a delimitar o campo da psicopatologia não mais como o da descrição de sinais e sintomas das diferentes patologias mentais, mas como o da busca de "intuições categoriais" oriundas do contato clínico com o doente mental, na esperança de poder traduzir a experiência efetivamente vivida (Erlebnis) pelo paciente em seu estado de padecimento psíquico. Em seu grande tratado de psicopatologia, o autor afirma:
o objeto da psicopatologia é o fenômeno psíquico realmente consciente. Queremos saber o que os homens vivenciam e como o fazem. Pretendemos conhecer a envergadura das realidades psíquicas. E não queremos investigar apenas as vivências humanas em si, mas também as condições e causas de que dependem os nexos em que se estruturam, as relações em que se encontram, e os modos em que, de alguma maneira, se exteriorizam objetivamente. (p. 13)
Jaspers forneceu a Lacan a possibilidade de ordenar a história do pensamento psiquiátrico e um acesso paradoxal às teses freudianas. Posteriormente, a proposta da psicanálise lacaniana se afasta do método de Jaspers a partir da noção de verdade. Na vertente lacaniana, a verdade é o próprio descompasso entre a realidade e o discurso. É de outro ângulo a verdade da impossibilidade da verdade porque nada da "realidade" terá lugar na linguagem. Dessa forma, a verdade, cuja forma é necessariamente discursiva - e como tal recoberta pela inépcia de qualquer discurso -, é aquilo que erra quanto à apreensão das coisas.
O discurso não possui meios de sair de si mesmo, não podemos dar as costas à linguagem para "vermos" o que há por detrás, porque toda visão encontra-se estruturalmente condicionada pela própria linguagem. A noção de mundo se reduz, assim, à reiteração na estrutura de uma potência para ser dito, fazendo parte da própria condição da linguagem a condução do sujeito à crença no objeto como imagem de um mundo real e acessível. Dessa forma, temos uma consequência epistemológica da posição lacaniana, pois a noção de linguagem abraçada por ele denuncia a compreensão como equívoco do apego à segurança imaginária e a uma precipitação intelectual que a distancia da verdade. São nas descontinuidades clínicas, nas rupturas do discurso, que a causa aparece com "o que destoa" e escapa à harmoniosa compreensão das significações imaginadas.
Sem deixar de se referir à psiquiatria clássica, Lacan, no contato com seus pacientes, dá ênfase à singularidade de cada fala tanto no nível do enunciado quanto no da enunciação. Lembramos que o jovem psiquiatra Lacan foi aluno de Henry Claude e discípulo do kraepliniano Gaëton de Clérambault. As apresentações de pacientes de Lacan são reinventadas a partir de um novo significado. Elas deixam de ser mostração para ser entrevista, encontro. Agora, nessa apresentação de pacientes, todo o privilégio é dado ao sujeito como determinado pela linguagem: é fazê-lo dizer, ele mesmo e não os outros, sua história, seu sofrimento a um interlocutor, numa situação singular, diante de uma audiência atenta e interessada pelo que ele diz. Dar relevância à posição de sujeito, fazendo que ele próprio seja responsável pelo que fala, se opõe aqui a considerar o paciente como objeto de observação, de asilo e de cuidados.
Esses postulados lacanianos são incompatíveis com os princípios do DSM. Diante do que Pereira (1998) denomina "confusão de línguas" presente nas disciplinas que compõem o campo da psicopatologia, esse sistema de classificação esforçou-se por criar um sistema fidedigno, pragmático e objetivo de classificação dos chamados "transtornos mentais".
O termo "transtorno" já expressa a tentativa de se afastar da linguagem nosográfica em busca de um sistema idealmente "ateórico", imune aos pressupostos das disciplinas que buscam a hegemonia no campo da psicopatologia.
Pereira (1998) faz uma importante ressalva à afirmação do DSM como um projeto neokraepeliano. Existem diferenças marcantes entre a proposta do DSM e o projeto kraepeliano. Enquanto Kraepelin pensava as entidades psicopatológicas como equivalentes às doenças orgânicas, a perspectiva do DSM, inspirada num pragmatismo radical, abandona a noção de "doença mental" para fundamentar seus processos. O termo doença desaparece das categorias do DSM, substituído por disorder (transtorno), que nos remete à ideia de algo que está em desacordo com uma ordem operacionalmente estabelecida. Fica-nos a questão: que ordem é esta? Quais critérios para a elaboração dessa ordem?3
A superação da "confusão de línguas" seria obtida por intermédio de uma fidedignidade à categoria diagnóstica, ou seja, perante uma mesma configuração sintomatológica; clínicos e pesquisadores provenientes de diferentes orientações teóricas e de ambientes culturais distintos devem chegar ao mesmo diagnóstico. Para se alcançar esse objetivo, um sistema ideal de classificação deveria fornecer critérios explícitos, operacionalmente observáveis e que reduzissem ao mínimo o uso de interferências teóricas não diretamente observáveis para a definição de cada quadro mental. Temos, assim, a opção pelo pragmatismo como solução para os impasses teóricos existentes no campo da psicopatologia.
O DSM explicitamente não possui a pretensão de ser uma psicopatologia. Ele procura se constituir num sistema classificatório fidedigno dos padecimentos psíquicos. Sua racionalidade está organizada em torno da busca de categorias confiáveis, provisórias e operacionais, ateóricas e sem indiferenças quanto à etiologia, que permitam a superação de mal-entendidos terminológicos no terreno da psicopatologia. Seu critério de objetivo está alicerçado na descrição formal do plano empírico dos fatos clínicos. Mas como poderia ser ateórica essa definição de transtorno mental?
Um transtorno mental [mental disorder] é uma síndrome caraterizada por distúrbios clinicamente significativos na cognição, regulação da emoção, ou comportamento, que reflete uma disfunção em processos psicológicos, biológicos ou desenvolvimentais sub-reptícios ao funcionamento mental. Transtornos mentais são usualmente associados com significativas alterações [distress] ou deficiência [dishability] em importantes atividades sociais, ocupacionais. Uma resposta esperada ou culturalmente aprovada para um estressor ou perda, como a morte de uma pessoa amada, não é um transtorno mental. Comportamentos socialmente desviantes (por exemplo, político, religioso ou social) e conflitos que são primariamente entre indivíduo e sociedade não são doenças mentais, a não ser que o desvio ou conflito resulte de uma disfunção no indivíduo, como descrita acima. (American Psychiatric Association, DSM-V, 2013, p. 20)
A definição reúne no conceito de mental o psíquico, o biológico e o desenvolvimental, segundo sua apreensão clínica. Em seguida vem a noção de desvio, alteração ou déficit aplicada à vida dos indivíduos. Completa a definição sua comparação com situações limítrofes, como a perda ou o comportamento social conflitivo.
Muitos psiquiatras chegam a comparar os dois processos, afinal, o DSM seria o pior tipo de diagnóstico, mas não inventamos nenhum melhor do que ele (parafraseando a frase de Churchill sobre a democracia). O que a psiquiatria e parte da medicina conservadora brasileira, em particular, precisam entender é que a definição crítica de quadros psicopatológicos, a reintrodução criteriosa de noções como mal-estar e sofrimento, o diálogo científico com outras matrizes políticas e epistemológicas são passos necessários para a definição de um programa de atenção e tratamento a um objeto complexo e transversal como a saúde mental.
Quando 52% dos pesquisadores envolvidos na reformulação que engendrou o DSM-V declaram ligações formais e recebimento de proventos por parte da indústria farmacêutica, quando o principal órgão de fomento à pesquisa norte-americana recusa-se a usar o novo instrumento pela ausência de marcadores biológicos para as categorias propostas, quando o descobridor do défict de atenção com hiperatividade (tdha), Leon Eisenberg (2012), declara que sua descoberta é uma doença fictícia e está superdiagnosticada, não devemos por isso recusar a psiquiatria e a doença mental como uma invenção arbitrária de um negócio farmacêutico, que será curada ou esquecida por meio de readaptação ou integração social. Isso seria novamente desprezar a regularidade histórica de nossas formas de sofrer, bem como o real que se encontra no seu interior. Deveríamos explorar a hipótese de que o tdha é tão fictício quanto os outros quadros, e em seguida examinar a possibilidade de que existem ficções mais úteis que outras. Se os verdadeiros especialistas em ficções são artistas e literatos, sem eles nossas formas de sofrimentos podem ser mais facilmente classificadas, mas certamente serão menos universais.
Pereira (1996), entre outros, levanta críticas ao caráter falsamente ateórico do DSM e de adesão implícita às teses empiristas. Esse "compromisso prático" do DSM obriga pesquisadores a abandonarem os conceitos teóricos próprios de seus campos específicos de saber com uma consequência direta: a incapacidade do progresso das disciplinas científicas que compõem o campo da psicopatologia devido à inaptidão dessas mesmas disciplinas constituírem teórica e formalmente seu objeto e métodos próprios. Os compromissos com o pragmatismo, nesse plano, certamente resultam em um enfraquecimento de cada ciência. Assinalamos o risco desse enfraquecimento no contexto em que diferentes disciplinas encontram no campo da psicopatologia um mesmo objeto operacionalmente definido, quer dizer, um objeto comum apenas do ponto de vista descritivo, plano exclusivo aos procedimentos empíricos.
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Recebido em: 22/7/2014
Aceito em: 12/8/2014
1 Ver: Stop DSM (http://www.stop-DSM.org/index.php/en/). Por uma psicopatologia clínica não estatística (http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47142013000300001&script=sci_arttext). Manifesto de São João del-Rei, Brasil, em prol de uma psicopatologia clínica (http://politicanupep.blogspot.com.br/2011/08/aproveitando-ocasiao-da-publicacao.html).
2 Adolf Meyer era um psiquiatra suíço que foi presidente da APA. É considerado uma das figuras mais influentes da psiquiatria na primeira metade do século XX. Seu trabalho era focado em coletar histórias detalhadas da vida de seus pacientes. A mais proeminente de suas contribuições à psiquiatria vem de sua insistência de que os pacientes poderiam ser mais bem compreendidos se levássemos em consideração suas situações da vida.
3 Roudinesco disserta exaustivamente sobre o assunto na obra Por que a psicanálise?, apontando que, num mundo de valores utilitaristas e urgentes, passa a ser mais apropriada a crença numa fórmula química do que no manejo das relações regidas pela linguagem. A autora ainda considera que estamos numa sociedade obcecada pela padronização de comportamentos e de crenças voltadas para a normatização de atitudes diante dos pretensos padrões de normalidade.