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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.25 no.76 São Paulo  2008

 

ARTIGO ORIGINAL

 

As hipóteses diagnósticas nos casos de dificuldades escolares: experiência em equipe multiprofissional

 

The diagnostic hypotheses in the cases of school difficulties: experience in multiprofissional team

 

 

Stella Maris Cortez BachaI; Ana Lúcia Ferra FinocchioII; Mônica Scharth Féo RibeiroIII

IFonoaudióloga; Mestre em Educação; Docente da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP
IIPsicóloga; Mestre em Educação; Docente da UNIDERP
IIIPedagoga; Mestre em Educação; Docente da UNIDERP

Correspondência

 

 


RESUMO

No atendimento às crianças e adolescentes oriundos de escolas públicas para avaliação e/ou intervenção, no Laboratório Psicoeducacional da UNIDERP, utiliza-se as terminologias Distúrbio de Aprendizagem (DA), Dificuldade na Aprendizagem Escolar (DAE) e Distúrbio Específico de Leitura-Escrita (DLE), a partir de definições e delimitações propostas na literatura. O objetivo do presente trabalho foi verificar a eficiência no uso destas terminologias para as hipóteses diagnósticas levantadas nas avaliações de aprendizagem realizadas. Foram consultados todos os protocolos dos casos atendidos e analisadas as hipóteses diagnósticas levantadas junto aos casos atendidos no ano de 2006. Dos 40 casos com a queixa de dificuldade escolar confirmada, a maioria, 15 (37,5%), teve a hipótese diagnóstica inicial de DAE, 35%, DLE e 27,5%, DA. Destacaram-se os componentes emocionais e/ou comportamentais. O atendimento no Laboratório é clínico, mas com perspectiva também educacional. As terminologias utilizadas (DA, DAE e DLE), de uma forma geral, representaram o conjunto de dados levantados em cada caso estudado e puderam orientar as intervenções.

Unitermos: Transtornos de aprendizagem. Dislexia; Terminologia. Psicologia educacional.


SUMMARY

In the teaching, educational and clinic practice is not easy the use of terminologies, mainly with school difficulties. In the attendance to children/adolescent of public schools for evaluation and/or intervention in the Psycho Educational Laboratory of the UNIDERP is used the terminologies Learning Disorders (LD), Difficulty in the School Learning (DSL) and Specific Disorder of Reading and Writing (DRW), from definitions and delimitations proposals in the literature. The objective of the present work was to verify the efficiency in the use of these terminologies for the diagnostic hypotheses raised through evaluations of learning. Consult of all the protocols of the cases taken care and was analyzed the diagnostic hypotheses from the cases of 2006. Among the 40 cases with the complaint of school difficulty confirmed, the majority, 15 (37.5%), had the initial diagnostic hypothesis of DSL, 35% DRW and 27.5%, LD. Were distinguished the emotional and/or behavioral components. The attendance in the Laboratory is clinic, but with also educational perspective. The used terminologies had represented the data set raised in each studied case and had been able to guide the interventions.

Key words: Learning disorders. Dyslexia. Terminology. Psychology, educational.


 

 

INTRODUÇÃO

Quando se atua em equipe multiprofissional, mesmo que seus integrantes tenham objetivos comuns, nem sempre é tarefa simples o uso das terminologias nos diagnósticos porque podem se caracterizar como "rótulos". Porém tem-se a compreensão de que estas visam a guiar os encaminhamentos e as intervenções para a superação do problema, quando existir.

Vivencia-se, na prática, que há maior dificuldade quando a questão envolve saúde e educação, pois atuando com Dificuldades Escolares há divergências entre vários profissionais, da mesma área de formação ou não, quanto à terminologia utilizada para o conjunto de dados levantados no sujeito/aluno avaliado, mesmo se considerando somente o diagnóstico quanto à aprendizagem.

O presente trabalho tem como objetivo verificar a eficiência no uso de algumas terminologias para as hipóteses diagnósticas levantadas nas avaliações de aprendizagem realizadas no Laboratório Psicoeducacional do Curso de Psicologia da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP - que conta com o atendimento realizado pelos acadêmicos do quarto ano, sob supervisão semanal de uma equipe multiprofissional composta por psicólogo, fonoaudiólogo e pedagogo.

A política de extensão da UNIDERP mantém compromisso com diversos setores da sociedade e por meio deste atendimento promove saúde e a melhoria da qualidade de vida da região na qual está inserida, bem como possibilita aos acadêmicos o aprimoramento das habilidades e competências para a sua formação profissional.

Neste Laboratório são atendidos, predominantemente, alunos encaminhados pelas escolas públicas municipais e estaduais urbanas de Campo Grande/MS, com queixa de dificuldade para aprender na escola. Os procedimentos realizados envolvem a entrevista com os pais ou responsáveis, levantamento de dados junto aos profissionais da escola e avaliação específica do sujeito/aluno. Após a coleta de todos os dados, a hipótese diagnóstica é levantada e os encaminhamentos conduzidos (avaliações complementares e/ou intervenção).

A avaliação, denominada psicoeducacional, foi elaborada pelos profissionais da equipe e envolve aspectos psicológicos, fonoaudiológicos e pedagógicos relacionados às dificuldades de aprendizagem escolar.

Este Laboratório, que teve início em 2004, tem a proposta de intervenção com o aluno (individualmente na avaliação e em grupo operativo na intervenção), com a família (em grupo de orientação) e orientações aos profissionais das escolas.

O atendimento ocorre semanalmente e é realizado por grupo de acadêmicos. Cada grupo de seis acadêmicos compõe um Grupo de Atendimento a, aproximadamente, cinco sujeitos/alunos, sendo assim distribuídos: dois acadêmicos atendem o grupo de sujeitos/alunos durante uma hora e meia; paralelamente, dois acadêmicos atendem o grupo das famílias durante uma hora e dois orientam os profissionais das escolas destes sujeitos/alunos, indo a cada escola pelo menos uma vez ao mês, realizando ainda contatos por telefone de acordo com a necessidade, e também ocorrem, na UNIDERP, algumas reuniões por ano com os profissionais de todas as escolas envolvidas (pelo menos um profissional responsável pela escola).

Estes atendimentos acontecem durante todo o ano letivo, são realizados sob a supervisão simultânea de uma psicóloga, uma fonoaudióloga e uma pedagoga a cada Grupo de Atendimento. Varia de seis a oito grupos por ano, distribuídos em supervisões individuais (por grupo) de uma hora cada, uma vez por semana.

A princípio pode parecer que o sujeito é fragmentado, mas não o é. A supervisão com a equipe multiprofissional, semanalmente, permite que os acadêmicos tenham a visão do todo, sujeito/aluno-família-escola, para que no atendimento haja a mesma uniformidade. Outra conduta tomada é a apresentação de toda a equipe aos sujeitos/alunos e famílias, do mesmo grupo, na primeira sessão de atendimento, bem como a explicação da dinâmica.

A opção por esta forma de intervenção também está ajustada às possibilidades de horários da clínica de Psicologia da Instituição e à carga horária do Laboratório em questão.

Esta dinâmica exige atuação de todos os acadêmicos do grupo, individualmente e também em equipe, sem fragmentar o paciente. Porém, a cada ano se analisa os prós e os contras, tanto em relação ao paciente quanto em relação à formação do acadêmico de Psicologia e, até o momento, os benefícios são predominantes.

No contexto descrito acima é que surgiu a necessidade de se discutir sobre as terminologias. Acredita-se na importância do presente trabalho tanto para facilitar a compreensão entre os vários profissionais da equipe, quanto para melhor orientar o acadêmico e seu paciente/aluno.

Os termos sugeridos no CID-10, DSM-IV e CIF são algumas das possibilidades para os casos atendidos no Laboratório Psicoeducacional.

O CID-10, Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, em sua décima revisão1 é a última de uma série que se iniciou em 1893 como a Classificação de Bertillon ou Lista Internacional de Causas de Morte.

Basicamente às questões escolares refere o grupo dos Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares, sendo definido como:

"Transtornos nos quais as modalidades habituais de aprendizado estão alteradas desde as primeiras etapas do desenvolvimento. O comprometimento não é somente a conseqüência da falta de oportunidade de aprendizagem ou de um retardo mental, e ele não é devido a um traumatismo ou doenças cerebrais"1.

 Neste grupo, há nove subgrupos relacionados: Transtorno específico de leitura, Transtorno específico da soletração, Transtorno específico da habilidade em aritmética, Transtorno misto de habilidades escolares, Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares (Transtorno de desenvolvimento da expressão escrita), Transtorno não especificado do desenvolvimento das habilidades escolares. Cada um deles inclui várias possibilidades de nomes e ocorrências, e também excluem outras1.

O DSM-IV, Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, é uma publicação da American Psychiatric Association, e encontra-se na sua 4ª edição. Este manual fornece critérios de diagnóstico para a generalidade das perturbações mentais, incluindo componentes descritivos, de diagnóstico e de tratamento, constituindo um instrumento de trabalho de referência para os profissionais da saúde mental2.

A seção sobre Transtornos da Aprendizagem inclui Transtorno da Leitura, Transtorno da Matemática, Transtorno da Expressão Escrita e Transtorno da Aprendizagem sem outra Especificação2.

Há bastante detalhamento de cada um dos tópicos apresentados nos Transtornos Específicos do Desenvolvimento das Habilidades Escolares do CID-10, bem como na seção sobre Transtornos da Aprendizagem do DSM-IV.

Há, ainda, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde - CIF, uma classificação da saúde e dos estados relacionados com a saúde3.

A CIF transformou-se de uma classificação de "conseqüência da doença" numa classificação de "componentes da saúde". Alguns termos utilizados na CIF são: bem-estar, estados de saúde e domínios de saúde, condição de saúde, funcionalidade, incapacidade, funções do corpo, estruturas do corpo, deficiência, atividade, limitações da atividade, participação, restrições na participação, fatores contextuais, fatores ambientais, fatores pessoais, facilitadores, barreiras, capacidade e desempenho3.

Porém, o grupo de profissionais do Laboratório Psicoeducacional da UNIDERP, mesmo com vários anos de experiência clínica, escolar e docente na área, não utilizava as terminologias acima citadas tanto por ainda conhecer pouco o CIF, tanto por nunca ter tido na rotina o hábito de utilizar as propostas que constam do CID-10 e DSM-IV. Um argumento para esta conduta é o fato destes termos serem da área da saúde, não sendo usados pelos profissionais da Educação que compunham a equipe de trabalho, mesmo antes da atuação neste Laboratório.

Buscou-se, desta forma, alguns termos de uso habitual, mesmo tendo a informação de que nos Descritores em Ciências da Saúde - DeCS4 constavam somente alguns relacionados, como: transtornos de aprendizagem e baixo rendimento escolar. Estes descritores orientam a escolha das palavras-chaves exigidas nas publicações científicas.

Após vários levantamentos na literatura, os termos selecionados para utilização foram: Distúrbio de Aprendizagem, Dificuldade na Aprendizagem Escolar e Distúrbio Específico de Leitura-Escrita, a partir de alguns autores. O primeiro termo refere-se a um problema mais amplo no desenvolvimento, o segundo, às dificuldades relacionadas ao ambiente escolar e educacional e, o terceiro, às dificuldades específicas para ler e escrever, como se segue:

1. Distúrbio de Aprendizagem (DA)

Com componentes físicos, vários aspectos da aprendizagem alterados, como a linguagem oral, leitura, escrita, matemática e a combinação entre estes. É uma disfunção do Sistema Nervoso Central relacionada a uma "falha" no processo de aquisição ou no desenvolvimento, tendo, portanto, além das questões socioculturais, o caráter funcional5.

Nesses casos, o desenvolvimento da aprendizagem está comprometido desde os primeiros anos de vida, manifestando-se, principalmente, na linguagem. Este distúrbio antecede a alfabetização e, provavelmente, afetará diretamente o aprendizado da leitura, da escrita e do raciocínio lógico-matemático, podendo comprometer o desempenho acadêmico como um todo6.

Um Distúrbio de Aprendizagem não é déficit de atenção como no Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade - TDAH, deficiência ou retardo mental, autismo, deficiência auditiva ou visual, deficiência física, distúrbio emocional ou o processo normal de aquisição de uma segunda língua, mas muitas vezes estão acompanhados de falta de motivação, imaturidade e problemas comportamentais6.

Têm-se como características na fase pré-escolar: começa a falar mais tarde do que a maioria das crianças, tem dificuldades para encontrar as palavras apropriadas em situação de conversação, dificuldades para nomear rapidamente palavras de uma determinada categoria, dificuldades com rimas, dificuldades para aprender o alfabeto, dias da semana, cores, forma e números6.

Características na fase escolar - séries iniciais: demora a aprender as relações entre letras e sons, tem dificuldades para sintetizar os sons e formar palavras, para relembrar seqüências e para dizer as horas. Apresenta erros consistentes de leitura e de ortografia, lentidão para aprender novas habilidades, dificuldades em termos de planejamento6.

Características na fase escolar - séries mais avançadas: lentidão para aprender prefixos, sufixos, rota lexical e outras estratégias de leitura. Evita leitura em voz alta, tem dificuldades com os enunciados de problemas em matemática, soletra a mesma palavra de modos diferentes, evita tarefas envolvendo leitura e escrita, tem dificuldades para lembrar ou compreender o que foi lido, trabalha lentamente (dificuldades para compreender e/ou generalizar conceitos, confusões em termos de endereços e informações)6.

Muitas vezes, não é possível diferenciar os distúrbios de linguagem oral e escrita dos distúrbios de aprendizagem7.

2. Dificuldade na Aprendizagem Escolar (DAE)

Está relacionada especificamente a um problema de ordem e origem pedagógica. Ou seja, as dificuldades do aluno aprender estão relacionadas ao professor e à escola, envolvidos num processo sociocultural mal-estruturado, com problemas que vão desde a inadequação pedagógica à falta de recurso material e humano5.

3. Distúrbio Específico de Leitura-Escrita (DLE) ou Dislexia

Refere-se aos distúrbios específicos das habilidades de leitura e escrita, sem envolver, necessariamente, o conteúdo da aprendizagem escolar7.

O aluno apresenta desenvolvimento inicial sem alterações. Os problemas começam a surgir no aprendizado da leitura-escrita, desde o início do processo de alfabetização, como dificuldades na correspondência som-letra, gerando prejuízos para a escrita e para a leitura, e o nível de leitura encontra-se abaixo do esperado para a escolaridade6.

Nesses quadros, há ausência de problemas neurológicos, cognitivos, sensoriais, emocionais e educacionais primários. As habilidades sintáticas, semânticas e pragmáticas da linguagem oral estão preservadas, ou seja, o problema está centrado na linguagem escrita6.

Mas há autores que afirmam que as habilidades fonológicas, elaboração de narrativas, função expressiva e o processamento de informações podem apresentar comprometimentos como os observados nos distúrbios de aprendizagem8,9.

Os DLE podem causar vários problemas na criança como: falhas no desenvolvimento escolar, danos afetivos e sociais. As causas são variadas: déficits visuais ou auditivos, domínio pouco desenvolvido de fala e linguagem, problemas gerais de saúde, imaturidade, fatores emocionais/familiares e sociais, inadequação dos métodos escolares e também postura pouco estimulante da professora. Porém é observado que algumas crianças apresentam dificuldade de leitura-escrita sem estar relacionada a estas prováveis causas7.

Crianças disléxicas (com diferença individual e não sociocultural) têm o processo da aprendizagem da leitura pior que o esperado, a partir de seu nível intelectual. A diferença entre elas e as que não apresentam dificuldades tão grandes, é quantitativa. Por outro lado, se apresentarem dificuldades "diferentes", a diferença será qualitativa. Dependendo da diferença, quantitativa ou qualitativa, haverá necessidade de enfoques também diferentes quanto ao método de ensino10.

O uso do termo Dislexia é controverso e concorda-se com sugestão6 de se utilizar o termo Distúrbio Específico de Leitura-Escrita, mas Dislexia pode ser usado como sinônimo.

Dessa forma, esta categoria de distúrbio caracteriza-se como um distúrbio de desenvolvimento da linguagem, com déficit no processamento fonológico, responsável pelas dificuldades na decodificação e correspondência entre letras e sons. As dificuldades de compreensão de textos derivam das limitações na decodificação. Se apresentados oralmente esses mesmos textos, podem ser bem compreendidos, revelando que os aspectos semânticos estão preservados6.

Na prática, é difícil diferenciar DA, DAE e DLE. Particularmente sobre DA e DLE pode-se falar em um contínuo de dificuldades, que parte do particular (DLE) para o mais amplo (DA)6.

A partir do exposto acima, tem-se como objetivo no presente trabalho, verificar a eficiência no uso das terminologias DA, DAE e DLE para as hipóteses diagnósticas levantadas nas avaliações de aprendizagem realizadas, analisar cada um dos grupos e fazer comparações entre eles.

 

MÉTODO

Foram consultados para o presente trabalho todos os protocolos dos casos atendidos no Laboratório Psicoeducacional da UNIDERP. Particularmente, foram analisadas as hipóteses diagnósticas levantadas junto aos casos atendidos no referido Laboratório no ano de 2006, sendo, portanto, um estudo retrospectivo.

Os dados levantados foram analisados quantitativa e qualitativamente, mas sem tratamento estatístico específico.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De março de 2004 a abril de 2007, foram atendidos 91 casos novos: 26 em 2004, 26 em 2005, 34 em 2006 e cinco em 2007 (até o mês de abril). Não foram considerados os casos que desistiram do atendimento antes do término da avaliação. Deve-se ainda considerar que alguns casos retomam o atendimento no ano seguinte, somando 129 até abril de 2007. Em abril de 2007, havia cinco casos novos e 25 de outros anos anteriores (um de 2004, um de 2005 e 23 de 2006).

Dos 91 casos novos, 25 (27,5%) são do sexo feminino e 66 (72,5%) do sexo masculino, com idade média de 9,8 anos, cursando o Ensino Fundamental, principalmente do 2º ao 5º ano, de escolas públicas urbanas municipais e estaduais da cidade. São envolvidas, aproximadamente, 19 escolas por ano.

Como é objetivo do presente trabalho, analisaram-se, especificamente, os casos atendidos durante todo o ano de 2006.

Em 2006, foram atendidos 34 casos novos e 8 que se mantiveram de anos anteriores (um de 2004 e sete de 2005). Destes 34, dois não tiveram a hipótese de dificuldade de aprendizagem escolar confirmada. Dessa forma, computou-se, ao todo, 40 casos atendidos em intervenções no ano de 2006. Obtiveram-se os seguintes resultados: dos 40 casos, 39 cursavam o Ensino Fundamental (EF), sendo sete (17,5%) do segundo ano, com idade média de 7,7 anos; nove (22,5%) do terceiro ano, com idade média de 8,5 anos; doze (30%) do quarto ano, com idade média de 9,6 anos; oito (20%) do quinto ano, com idade média de 11,6 anos; três (7,5%) do sexto ano, com idade média de 12 anos. Apenas um (2,5%) sujeito cursava o 1° ano do EM. Do total, 28 (70%) eram do sexo masculino e 12 (30%) do feminino.

Destes 40 casos, 15 (37,5%) tiveram a hipótese diagnóstica inicial de DAE, sendo oito (53,3%) dos 15 com componentes emocionais e/ou comportamentais significativos; 14 (35%) casos tiveram a hipótese diagnóstica inicial de DLE e destes, sete (50%) com componentes emocionais e/ou comportamentais significativos; 11 (27,5%) tiveram a hipótese diagnóstica inicial de DA, sendo seis (54,5%) com componentes emocionais e/ou comportamentais significativos. Do total, 52,5% tiveram associados à hipótese diagnóstica de aprendizagem, o componente emocional e/ou comportamental significativo.

Os números levantados permitem afirmar que a maioria dos atendidos era do sexo masculino e cursava o quarto ano do EF; que houve proximidade na quantidade dos casos diagnosticados com DAE e DLE, mas houve menos casos com DA, porém os casos com componentes emocionais e/ou comportamentais representaram, pelo menos, a metade dos avaliados, em cada grupo das hipóteses diagnósticas levantadas, mas que ao se considerar o todo, representou um pouco mais da metade.

O uso de cada hipótese diagnóstica baseou-se nas descrições e delimitações propostas pelos autores já citados5-7. Porém, para melhor compreensão houve a necessidade de se ressaltar os componentes emocionais e/ou comportamentais nos casos existentes.

Segundo a literatura consultada7, estes fatores podem ou não ocorrer junto às dificuldades de leitura-escrita. No presente trabalho, a ocorrência de muitos casos com componentes emocionais e/ou comportamentais, e necessidade de ressaltá-los, pode estar evidenciando também a concepção que os envolvidos no Laboratório Psicoeducacional (equipe multiprofissional e acadêmicos) têm sobre o desenvolvimento humano, ou seja, os aspectos emocionais e socioculturais são também valorizados na anamnese e avaliação, além do cognitivo-lingüístico, perceptual, psicomotor, sensorial e motor, além do aspecto pedagógico e outros biológicos.

A equipe acredita que os indivíduos se constituem enquanto sujeitos por meio das e nas relações sociais que vão estabelecendo com os outros. E é nessas relações estabelecidas pelo sujeito com outras pessoas e objetos que se dá o processo de vinculação11.

Porém, apesar de se ter encontrado e se destacado os componentes emocionais e/ou comportamentais, nem todos os casos foram encaminhados para avaliação e/ou atendimento psicoterápico individual, pois se acreditava que alguns poderiam ser abordados na intervenção proposta no Laboratório Psicoeducacional.

Outra consideração sobre o mesmo tópico é que não se pode dizer, a partir dos procedimentos de avaliação utilizados, se os componentes emocionais eram ou não primários, pois o conflito estava evidenciado na dificuldade de aprendizagem apresentada. Por isso, não se pode concordar nem discordar da literatura levantada6 que refere que nos casos de DLE há ausência de problemas emocionais primários.

Após a avaliação e o levantamento das hipóteses diagnósticas iniciais, foram dadas as devolutivas aos pais, situações em que se optou por descrever o quadro e a proposta de intervenção, sem utilizar as terminologias propostas, procurando evitar a cultura dos "rótulos", ainda bastante observada, relacionada à produção do fracasso escolar12, pois o objetivo é vencer a dificuldade.

As intervenções ocorreram semanalmente, com o grupo de sujeito/alunos e, paralelamente, com grupo de pais, bem como acompanhamento junto aos profissionais das escolas. Junto aos profissionais das escolas se procedeu da mesma maneira que com os pais quanto ao uso das terminologias.

Não foi fácil utilizar a terminologia proposta, mas ao se acompanhar os casos, até o final de 2006, pode-se dizer que, de uma forma geral, representou os achados dos sujeitos/alunos avaliados e orientou as intervenções. Com alguns casos houve encaminhamento para psicoterapia individual do sujeito/aluno e/ou mãe, além de alguns encaminhamentos para avaliação complementar.

A equipe acredita ser necessário levantar uma hipótese diagnóstica visando à orientação para o processo de intervenção, pois não se intervém da mesma forma em todos os casos, concordando com alguns autores5,6,13,14.

Nos casos de DA, a intervenção é mais ampla; nos DLE, é mais direcionada à leitura, à escrita e à matemática e, nos DAE, na relação aluno-professor/escola.

Desta forma, nomear os quadros de dificuldade para aprender na escola é uma maneira de tentar esclarecê-lo e não significa "rotular" o sujeito/aluno ou paciente.

Na equipe multiprofissional do Laboratório Psicoeducacional da UNIDERP, tem-se o hábito de discutir sobre os termos dificuldade, distúrbio, transtorno, desordem, alteração, disfunção e outros, de forma a não ter preconceitos sobre os casos e seus prognósticos. Acredita-se que não há, só pelos nomes, formas mais, ou menos, suave ou grave, e que é preciso compreender o que cada um engloba, baseando-se em referencial teórico. Porém, mesmo se optando por alguns termos e alguns referenciais teóricos, deve-se ter cuidado para não perpetuar a idéia de doença como se esta fosse de responsabilidade somente do sujeito, tema este já bastante discutido na literatura12,15,16.

Ressalta-se, mais uma vez, que o grupo acredita ser necessário trabalhar com a hipótese diagnóstica inicial, e isto implica na possibilidade desta sofrer mudanças com o andamento das intervenções (junto aos alunos/pacientes, seus pais e suas escolas) e que, seu uso tem o objetivo principal de orientá-las nos encaminhamentos e intervenções.

Os casos de DAE estão merecendo maior atenção da equipe, pois há dificuldade em se distinguir as questões individuais e as "relacionadas especificamente a problema de ordem e origem pedagógica", como sugerido na literatura consultada5. Sobre este aspecto houve necessidade de mais discussão, como se segue.

Para os profissionais que trabalham com os distúrbios da linguagem escrita, sempre se configurou como de grande desafio definir, avaliar, diagnosticar e tratá-los, pois diferentemente da linguagem oral, a linguagem escrita é de natureza cultural e não biológica. Sendo assim, como é aprendida, está sujeita a inúmeros fatores facilitadores ou não facilitadores. A ocorrência de comorbidades mostra-se alta no caso dos distúrbios específicos de leitura-escrita que caracterizam as Dislexias, pois estes distúrbios não vêm isolados, podem estar associados a dificuldades de relacionamento familiar e social mais geral, dificuldades emocionais e de comportamento, desadaptação escolar, problemas de atenção e hiperatividade, bem como falta de interesse17.

No Brasil, estima-se que 40% dos jovens estudantes tenham alguma dificuldade para aprender (nos Estados Unidos esses números ficam entre 20 e 30%), porém os outros 60% de estudantes da escola pública também apresentam baixo rendimento escolar6.

Esta dificuldade generalizada, pode-se assim dizer, causa muita dificuldade quanto às medidas a serem tomadas em serviços como do Laboratório referido no presente trabalho. Este é o desafio: compreender cada caso e orientar as intervenções da forma mais adequada possível.

Discutindo também sobre a imensa quantidade de problemas na aprendizagem escolar em estudantes brasileiros, há necessidade de se ter atenção, pois a maioria dos estudantes pode ter um pseudodistúrbio de aprendizagem ou dificuldades acadêmicas. Apontaram-se as categorias em que os educandos poderiam ser encaixados, procurando diferenciar os verdadeiros e os falsos distúrbios de aprendizagem: 1. Crianças que tiveram a oportunidade e estímulo à leitura e escrita desde muito cedo e assim puderam construir noções significativas a este aspecto. Neste caso, têm chances de sucesso na escola e cabe a esta dar continuidade a este processo; 2. Crianças que tiveram oportunidade e estímulo relacionado à leitura e à escrita, mas não construíram noções significativas devido a questões ligadas ao interesse. O desafio da escola diante destes casos será também motivacional; 3. Crianças sem ou com pouca oportunidade e estímulo relacionado à leitura e à escrita, devido a condições sociais e econômicas pouco favoráveis (incluindo o analfabetismo). Assim, a leitura-escrita não faz parte da sua vida. E neste item se encaixa a maioria das crianças brasileiras que não aprende. Este grupo é um desafio para a Educação e compõe os pseudodistúrbios, pois "para podermos afirmar que alguém tem dificuldade de aprendizagem precisamos garantir a existência de condições e oportunidades efetivas para que a aprendizagem pudesse ocorrer"6; 4. Crianças com necessidades educativas especiais que corresponde a, aproximadamente, 8% dos alunos, além dos que participam do processo de inclusão; 5. Crianças com distúrbios ou transtornos de aprendizagem que chegam a 10% da população escolar. Nas categorias 4 e 5, encontram-se os "verdadeiros" distúrbios de aprendizagem com dificuldades relacionadas ao desenvolvimento da linguagem (leitura e escrita) e, muitas vezes, à fala. Para contribuir com este quadro amplo sugere-se aos fonoaudiólogos uma atuação além da clínica, para uma perspectiva educacional desenvolvimentista6.

A presente pesquisa baseou-se também nestas reflexões acima descritas18, mas há algumas discussões a partir da prática no Laboratório Psicoeducacional da UNIDERP:

1. Com a clientela atendida, de nível socioeconômico e cultural pouco favorecido, a coleta de dados na anamnese nem sempre permite interpretação clara quanto à estimulação dada ao filho, pois se observa pouca exigência para a vida como um todo e não somente em relação ao ler e escrever;

2. Por também concordar com os pseudodistúrbios, mas compreendendo estes como tendo necessidade de auxílio também fora da escola, é que se utiliza no Laboratório a terminologia Dificuldade na Aprendizagem Escolar, caracterizando-o como um problema mais de ordem acadêmica e, como na proposta de intervenção há ação com o sujeito/aluno, sua família e com os profissionais de sua escola, acredita-se na possibilidade de superação deste, apesar das dificuldades decorrentes da atual conjuntura educacional e socioeconômica brasileira;

3. Observou-se, também, na clientela atendida que, assim como nos casos de DA e DLE, pode haver outras dificuldades associadas nos casos de DAE, como os componentes emocionais e/ou comportamentais, como também destacou o estudo levantado6.

4. Concorda-se que diante dos casos de dificuldades para aprender na escola, particularmente com os DAE há necessidade da perspectiva educacional, mas esta necessidade é também na clínica, pois não há como negar que o atendimento no Laboratório é clínico, mas com perspectiva também educacional, como já propôs também outros autores18,19.

Por outro lado, o termo clínico, na área das Ciências Humanas, encontra-se ampliado, indo além de seu conceito médico original (ação do médico sobre o doente). O clínico é visto como ação-reflexão a partir da observação, e a esta última dá-se também importância ao não-dito (olhar e escutar). O olhar clínico é aquele que considera "um campo - de pesquisa ou de intervenção - estruturado por um jogo de relações e de interações dinâmicas e complexas"20.

Tem-se atingido resultados satisfatórios tanto em relação ao sujeito/aluno quanto em relação à aprendizagem dos acadêmicos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os profissionais da equipe multiprofissional do Laboratório Psicoeducacional da UNIDERP realizam atendimento clínico com perspectiva educacional, envolvendo o sujeito/aluno, sua família e sua escola. Utilizam, para os casos com dificuldade escolar, terminologia diferente da proposta no CID-10, DSM-IV e CIF, por acharem que traduz melhor as questões psicológicas, fonoaudiológicas e pedagógicas em conjunto.

As terminologias utilizadas (DA, DAE e DLE), de uma forma geral, representaram o conjunto de dados levantados em cada caso no ano de 2006, mas foi uma prática difícil, tendo sido necessário destacar a presença de componentes emocionais e/ou comportamentais significativos de forma a melhor orientar os encaminhamentos e/ou intervenções. Estes componentes estiveram presentes em mais da metade dos avaliados.

Os casos de DAE mereceram maior atenção por apresentarem também outras dificuldades associadas. E, mesmo sendo considerado pseudodistúrbio, os casos foram incluídos na intervenção clínica envolvendo sujeito/família/escola numa perspectiva educacional.

Dessa forma, nomear os quadros de dificuldade para aprender na escola é uma maneira de tentar esclarecê-lo e não significa "rotular" o sujeito/aluno ou paciente. Por este motivo, nos casos atendidos em 2006, não foram verbalizadas as terminologias nas devolutivas junto à família e aos profissionais da escola, mas somente na rotina clínica. Nas devolutivas, os casos eram explicados.

Ressalta-se a importância de sempre se reverem as hipóteses diagnósticas levantadas, pois o principal objetivo destas é guiar a intervenção junto ao grupo de sujeitos/alunos, seus pais e suas escolas, buscando superar o problema.

A maneira de abordar os casos de dificuldades escolares (clínica e educacional, envolvendo o sujeito/aluno, família e profissionais da escola), a avaliação e o uso das terminologias para esclarecê-los, foi adequada para a clientela atendida em 2006, bem como pôde guiar a prática docente no curso de Psicologia, proporcionando aos acadêmicos, a oportunidade de vivenciar um enfoque de intervenção global junto a esta clientela, com supervisão de equipe multiprofissional.

 

REFERÊNCIAS

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2. DSM-IV. Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). 4ª edição. Washington D.C:American Psychiatric Association;1994.         [ Links ]

3. CIF- Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Organização Mundial da Saúde;2003. 222p. Disponível em: <http://www.dgidc.min-edu.pt/fichdown/ensinoespecial/CIF1.pdf> Acesso em: 25/01/07.         [ Links ]

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Correspondência:
Stella Maris Cortez Bacha
Rua Ceará, 333 - B. Miguel Couto
Campo Grande - MS - CEP 79003-010
Tel (67) 3348-8000

Artigo recebido: 12/11/2007
Aprovado: 21/03/2008

 

 

Trabalho realizado na Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP, Campo Grande, MS.

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