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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.26 no.80 São Paulo 2009
ARTIGO ESPECIAL
Psicopedagogia em grupo, no grupo e com o grupo: para além da patologização
Psychopedagogy in-group, in-the-group and with-the-group - going beyond patholization
Laura Monte Serrat Barbosa
Pedagoga, psicopedagoga, especialista em psicologia escolar e da aprendizagem, mestre em educação. Membro do conselho da ABPp Nacional e da Seção Paraná Sul
RESUMO
Com o intuito de superar a "Sovivência" instalada no mundo, é preciso promover a "Convivência", semeando "grupalidade" por onde caminhamos. O espírito do grupo visa transcender a dimensão individual, oportunizar a percepção e a vivência de todos como parte de um todo, como representantes desse todo e, ao mesmo tempo, como sujeitos. Quando pessoas agrupam-se, não se caracterizam como um grupo apenas por esse fato. Agrupar-se é o primeiro passo; porém, para chegar-se à vida grupal, o caminho é longo; é necessário fazer articulações para que as características pessoais possam, como a exemplo de uma orquestra, harmonizar-se para realizar a tarefa que é grupal. Numa Psicopedagogia em grupo, no grupo e com o grupo, objetiva-se proporcionar aos aprendizes aprender a pensar, a tecer juntos o conhecimento, ampliando a aprendizagem para além da dimensão individual. Aprender em grupo supõe troca de experiências, de idéias, de sentimentos e, sobretudo, mudanças internas e externas, pessoais e conjuntas; aprender no grupo supõe aprender a vincular-se, passando pelos momentos de confusão, de dissociação e de integração, ou seja, aprender no grupo o que é grupo e o que se faz em grupo; aprender com o grupo leva-nos a aprendizagens de novos conhecimentos e de novas formas de abordar a tarefa, subjetiva e objetiva, que passam a fazer parte de nós. Nesse artigo, mostra-se a aventura de viver o grupo, coordená-lo, observá-lo e provocá-lo para que possamos aprender a conviver e a construir conhecimentos em conjunto.
Unitermos: Grupo social. Aprendizagem. Comportamento cooperativo.
SUMMARY
In order to overcome the notion of "Alonexistence" that runs rampant in the world, it is necessary to foster the idea of "Coexistence" that generates "groupality" on its wake. The goal of esprit de corps is to transcend the individual dimension and promote the perception and experience of everyone as part of a whole, at the same time as representatives and subjects of that wholeness. A gathering of people may not be construed as the forming of a group by itself. Getting together is the first step; however, attaining the status of community life requires a series of stages, e.g. to establish rapport conducive for people to align their personal features, such as in an orchestra, where harmony is created to perform a collective task. The purpose of Psicopedagogy in-group, in-the-group and with-the-group is to provide the right tools that will enable learners to both learn and think, and together to build knowledge, thus expanding learning beyond the individual dimension. In-group learning presupposes the exchange of experience, ideas and feelings, and above all of internal and external changes, both personal and collective; in-the-group learning presupposes learning how to bond, overcoming moments of confusion, of dissociation and integration, i.e. learning in-the-group what the group is and what things are done as a group; with-the-group learning is conducive to acquiring new knowledge and new ways of tackling the task, both objective and subjective, which is incorporated to the individual's life experience. This article shows the adventure of living as part of a group, of coordinating and studying it, and challenging it so we can learn how coexist in a community and build knowledge together.
Key words: : Social group. Learning. Cooperative behaviour.
PARA COMEÇAR
Quando nos referimos à Psicopedagogia, estamos trazendo para a discussão uma área de estudo que investiga o aprendiz e sua aprendizagem. Quando identificamos um âmbito da Psicopedagogia no qual se trabalha em grupo, no grupo e com o grupo, estamos focando a apropriação e a produção do conhecimento no coletivo. Quando abordamos a superação da patologização vigente nos dias atuais, estamos questionando mecanismos de relações pessoais individualistas, onipotentes e perfeccionistas que se transformam em sintomas e incentivam a competição excessiva, afastando o aprendiz das relações grupais para a construção do conhecimento.
Aprendi com meus mestres Jorge Visca e Pichon-Rivière, por meio de Visca, que a construção do conhecimento tem uma estreita relação com nossa história e com todo o esquema conceitual que serve de referência para a ação que vamos construindo neste percurso. Diante disso, coloquei-me a pensar sobre o porquê do tema grupo me encantar, o porquê de eu adorar trabalhar em equipe, o porquê de eu gostar de atender grupos de estudos, de supervisão, o porquê de eu ir escolhendo, ao longo de minha práxis, o atendimento psicopedagógico grupal.
Meu interesse por esse tema, conforme os ensinamentos dos mestres, tem a ver com a minha história profissional e pessoal. Minha formação em Psicopedagogia aconteceu em um percurso grupal. Foi muito difícil, mas de muita aprendizagem. Até então, não havia vivido, de verdade, uma formação profissional e, ao mesmo tempo, pessoal e grupal, tão instigadora quanto essa. Já havia realizado a formação em Psicomotricidade Ramain, que também trabalhava com momentos de reelaboração grupal, mas as tarefas disparadoras, com exceção das cinéticas, eram realizadas individualmente. Foi um início, também, diferente da formação escolar que existia naquela época.
Formar-me psicopedagoga numa vivência grupal, de três anos, foi uma experiência pessoal muito rica. Grupo e pessoas, pessoas e grupo; um encontro que gera um movimento fantástico: uma idéia passa por outras mentes e outras bocas e, devagarzinho, vai se transformando tanto pelo passeio feito no interior do grupo, quanto pelas mudanças que ocorrem dentro de quem a lançou. Outras formas de ver são trazidas, novos ângulos de análise contribuem e, de repente, aquela idéia não é mais de ninguém especificamente, mas é do grupo que trabalhou com ela, burilou, complementou e construiu algo que é de todos.
Muitas das pessoas que viveram essa experiência de formação comigo trabalham até hoje juntas em projetos distintos, em tempos diferentes. De vez em quando, nós nos encontramos para partilhar novas empreitadas psicopedagógicas; em vez de concorrentes, somos cooperadoras, confiamos umas nas outras, trazemos nossas visões, mesmo que diferentes, sem medo de magoar, com delicadeza, mas com firmeza; somos entendidas, acolhidas e, também, ouvimos e acolhemos as outras.
Esse foi o saldo da formação tão brilhan-temente conduzida pelo Professor Jorge Visca, nosso querido Mestre. Muito mais do que em livros ou cursos, aprendemos a coordenar grupos a partir da coordenação vivida por ele. Essa foi, para nós, uma verdadeira experiência; na concepção de Larrosa1; aquilo que nos acontece tocanos de tal maneira que nos transforma.
Eu, particularmente, ratifiquei, nessa formação, muitas aprendizagens já realizadas em família: tenho oito irmãs, e esse fato fez parte importante da minha aprendizagem de vivência grupal; também foram importantes as brincadeiras na rua, com os vizinhos - distante do olhar atento dos pais, o que fazia com que resolvêssemos nossos conflitos de forma grupal e aprendêssemos a conviver. Além disso, tivemos uma educação que sublinhou o sentido da humanidade como sendo composta pelo conjunto de pessoas que viveram, vivem e viverão para a construção de um mundo humanizado. Aprendemos a reconhecer e agradecer ao passado por tudo que temos no presente e podemos construir para o futuro, mesmo não havendo a possibilidade de usufruirmos dele. Aprendemos a humanidade como um grande grupo realizando a tarefa de preservar, construir e projetar o planeta Terra. Aprendemos a reconhecer e agradecer, todos os dias, as pessoas que trabalham para que possamos ter o alimento, o agasalho e a moradia. Esse reconhecimento, portanto, não se dirige apenas às pessoas que compartilham o momento, mas a todas que contribuíram no passado, as que contribuem no presente, mesmo à distância, para que o pão esteja sobre a mesa, pela manhã, ou para que tenhamos acesso a qualquer outra construção humana.
Aprendemos, também, que as pessoas trabalham para retribuir a todos que trabalharam e que trabalham para atender a suas necessidades e anseios e para oferecer sua força, seu saber, seu fazer em prol da humanidade; hoje, eu diria, em prol do planeta. Nosso trabalho, dessa forma, precisa ter um sentido planetário e servir à coletividade.
Essa maneira de aprender princípios que valorizavam e valorizam a prática grupal está na base do meu ECRO - Esquema Conceitual Referencial Operativo2; pois aprendemos a vida como um exercício de compartilhamento, de convivência e de desenvolvimento de normas sociais, a fim de que isso possa acontecer de fato, e não fique apenas no plano do ideal. Percebemo-nos auxiliados historicamente; por isso, fazemos nosso trabalho com o intuito de auxiliar o outro e a nós mesmos na construção de um patrimônio que é de todos os seres que habitam a Terra.
O espírito do grupo é este: transcender o individual, oportunizar a percepção e a vivência de todos como parte de um todo, como representantes desse todo e, ao mesmo tempo, como sujeitos. No entanto, para essa transcendência, faz-se necessário um percurso que não é suave, nem fácil, nem romântico. A vivência em grupo não é mágica, e sim exige muitas transformações e, portanto, muita dor.
Quando pessoas agrupam-se, não se caracterizam como um grupo apenas por esse fato. Agrupar-se é o primeiro passo; porém, para chegar-se à vida grupal, o caminho é longo: é preciso superar a confusão que muitas pessoas juntas provocam no exercício de descobrir quem é quem; é preciso discriminar as características individuais, perceber semelhanças e diferenças entre idéias, gostos, formas de expressão, valores e muito mais; é necessário fazer articulações para que as características pessoais possam, como a exemplo de uma orquestra, harmonizar-se para realizar a tarefa proposta pelo próprio grupo.
Aprender em grupo supõe troca de experiências, de idéias, de sentimentos e, sobretudo, mudanças internas e externas, pessoais e conjuntas; aprender no grupo supõe aprender a vincular-se, passando pelos momentos de confusão, de dissociação e de integração, ou seja, aprender no grupo o que é grupo e o que se faz em grupo; aprender com o grupo leva-nos a aprendizagens de novos conhecimentos e formas de abordar a tarefa, subjetiva e objetiva, que passam a fazer parte de nosso grupo interno.
A Psicopedagogia em grupo, no grupo e com o grupo objetiva proporcionar aos aprendizes aprender a pensar, a tecer, juntos, o conhecimento, a transcender a dimensão individual para desenvolver a construção coletiva do conhecimento. Dessa forma, aprender deixa de ser "todos fazendo a mesma coisa no mesmo momento, da mesma maneira"; o grupo possui uma tarefa comum, e todos devem contribuir com o que sabem para sua efetivação.
COORDENAR - UMA APRENDIZAGEM EM CURSO
Um coordenador de grupos ou co-pensador, como referia Pichon-Rivière2; pode experimentar várias posições no encaminhamento dos trabalhos; porém, a mais difícil e uma das mais eficientes é a de sair do centro e acreditar que o grupo será capaz de realizar a tarefa, articulando as várias contribuições de seus participantes. O coordenador fica, apenas, com a tarefa de ordenar e pensar junto, quando for necessário. Ordenar e pensar junto, ou seja, coordenar, copensar, é uma ação realizada por meio de intervenções, de atitudes e da convicção de que conviver é outra possibilidade em relação a "soviver"; que altruísmo é uma forma de superação do egoísmo; que alteridade é um dos exercícios mais complexos para o ser humano, pois implica o exercício de colocar-se no lugar do outro. Só é possível superarmos o individualismo, convivermos, colocarmo-nos no lugar do outro, se existir o outro, de verdade, diante de nós, assim como uma ação a ser realizada coletivamente.
A Psicopedagogia no âmbito grupal pode ser realizada: diretamente com grupos de aprendizes, no espaço da clínica ou da escola; junto aos educadores, como instrumento de formação contínua; como instrumento de formação de coordenadores de grupos; ou ainda na formação de psicopedagogos para a participação de equipes profissionais.
Desde a década de 1980, tenho realizado ações psicopedagógicas que envolvem grupos com dificuldades para aprender e grupos com objetivos de aprender. De 1981 a 1984, desenvolvi um trabalho com crianças que apresentavam dificuldades de aprendizagem, na Coordenação de Recursos em Psicologia Escolar (COOPERAR) da PUCPR, na ação denominada por nós de Classe Terapêutica, em parceria com as psicólogas Maria Assunciòn e Jussara Carvalho. Nesse mesmo período, dividi com a psicóloga Mônica Bigarela a coordenação de grupos de crianças com dificuldades para aprender, no espaço da Gradual Terapias Associadas, em Curitiba (PR). Em 1985, no Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia de Campinas, em parceria com Maria Cecília Picolloto, transformamos a proposta desen-volvida na COOPERAR e a desenvolvemos no espaço da clínica, com alguns grupos de crianças. Também nessa época, coordenei o CEMAP - Centro Municipal de Atendimento Psicopedagógico de Valinhos (SP), no qual discutimos a realização do trabalho grupal, que ainda se parecia muito com a ação pedagógica desenvolvida na escola. Em 1988, de volta a Curitiba (PR), no Consultório de Atendimento Psicopedagógico, juntamente com a psicóloga Virginia Alice de Oliveira, a então pedagoga Arlete Zagonel Serafini, a estudante de Pedagogia, na época, Eliane Mara Alves Chaves e a professora Heliana Rodrigues da Silveira, foi desenvolvida uma ação psicopedagógica grupal, envolvendo vários grupos de crianças e adolescentes, ampliando e modificando a modalidade de trabalho realizada em Campinas (SP). De 1989 até o momento atual, já no espaço da Síntese, fundada nesse mesmo ano, vimos aperfeiçoando o atendimento grupal no espaço da clínica tanto na questão teórica, quanto prática. A visão sistêmica veio enriquecer a nossa prática clínica psicopedagógica quando as psicólogas Rosemary Damaso Padilha, Vera Lucia Germano Sicuro e Virginia Alice de Oliveira contribuíram com o trabalho realizado junto ao grupo familiar e auxiliaram na construção de uma metodologia de trabalhos junto aos aprendizes e suas aprendizagens. Além delas, muitos profissionais da Síntese contribuíram para o crescimento dessa ação psicopedagógica, dividindo comigo a aplicação prática e a discussão sobre ela: Arlete Zagonel Serafini, Eliane Mara Alves Chaves, Susi Monte Serrat, Sonia Küster, Regina Bochniack, Eliana Herreros Sorotiuk, Geraldine Franco de Oliveira Miraglia, Ronald Magalhães, Ângela Marques Duarte, Simone Carlberg, Norma Nemmer de Mello e Luiza Maria Bernert.
A formação em Psicopedagogia na visão da Epistemologia Convergente, iniciada por mim em 1988, e a formação em Teoria e Técnica em Grupos Operativos, feita no início da década de 1990, muito contribuíram para o incremento da fundamentação teórica e para a forma que foi tomando a aplicação prática.
O resultado do trabalho desenvolvido, com as crianças que apresentavam dificuldades para aprender, foi nos entusiasmando para que estendêssemos nossa ação grupal para ações de caráter preventivo e, também, de otimização do processo de ensinar/aprender. Com isso, grupos de pais foram criados, aconteceram cursos envolvendo a construção coletiva do conhecimento, coordenados operativamente, até chegarmos à organização de cursos específicos para a Coordenação de Grupos de Aprendizagem, realizados nas cidades de Goiânia (GO), com a colaboração de Janete Carrer, e Curitiba (PR), envolvendo a equipe da Síntese.
A aprendizagem da operatividade na formação em Teoria e Técnica de Grupos Operativos foi fundamental nessa práxis. Essa forma de ensinar, possibilitando a reelaboração coletiva do conhecimento, foi absorvida, também, para provocar professores em situação de palestras e na formação do psicopedagogo.
Essa práxis voltada a grupos foi se estendendo na ação profissional da Síntese (então já denominada Síntese Centro de Estudos, Desen-volvimento e Aperfeiçoamento da Aprendi-zagem), de tal forma que hoje mantemos, além dos grupos de aprendizagem de crianças e adolescentes, grupos de estudo e de supervisão, e também desenvolvemos o Curso Livre de Formação em Teoria e Técnica de Grupos Operativos, iniciado no ano de 2007, agora em sua segunda turma.
Nesse curso, a contribuição de Simone Carlberg é fundamental. Ela divide comigo a coordenação do curso e a coordenação dos grupos em formação; e também buscamos a contribuição de dois colegas para comporem a equipe de coordenação: Heloísa Monte Serrat Barbosa e Sidinei José da Silva. É isso mesmo; em grupo, ensina-se a coordenar grupos. A coordenação é realizada por uma equipe. Em nosso caso, eu ocupo o lugar de disparadora dos temas a serem aprendidos, assim como de observadora de temática ou de dinâmica; Heloísa é observadora de temática ou de dinâmica; Sidinei é observador do coordenador; Simone é coordenadora. A cada coordenação, a equipe reúne-se para avaliar o trabalho, elaborar as próximas consignas e planejar os encontros seguintes.
OBSERVAÇÃO DE ADULTOS EM SITUAÇÃO DE APRENDIZAGEM
Quando falar de observação, de pesquisa e de investigação, refiro-me a tudo o que tenho visto em minha ação profissional, tanto em processo de pesquisa formal, quanto na observação de atos recorrentes em várias localidades nas quais desenvolvo meu trabalho, cujos dados ainda não foram estudados de forma sistemática.
Uma de minhas formas de trabalhar com ensino/aprendizagem, já referida, é fazer palestras, conferências, aulas para educadores vinculados a várias Secretarias de Educação, universidades, faculdades, congressos e escolas brasileiras. Iniciei esse percurso em 1989, em Salvador (BA).
Nesses 20 anos, tenho percebido que educadores em situação de aprendizagem fazem um movimento de entrar e sair da sala na qual a palestra ou aula está sendo realizada, como se o que está sendo dito não tivesse muito a acrescentar às suas aprendizagens. É claro que não são todas as pessoas; também é certo que aqueles que assim agem não o fazem para demonstrar um repúdio ou um desprezo, mas sim representam a cultura sobre o que seja construir conhecimento e sobre qual é o papel do outro nessa construção, como se o interessante numa aula dependesse apenas de quem a ministra.
Pessoas entram e saem num exercício de assistir passivamente, e não de aprender, nem de construir conhecimento. Pensa-se que o saber está fora e, portanto, parece não ser possível transformá-lo. Isto gera impotência. Certo, também, é que muitos palestrantes, formadores de professores, não oferecem espaço para o exercício de pensar, relacionar, discutir, opor-se, recompor e reelaborar o que foi dito. Isso vai dando força à cultura de que basta gravar, ver o vídeo, assistir para aprender, afastando os próprios educadores do exercício de pensar.
Outro comportamento recorrente, que tenho percebido no educador aprendiz, é a competição. Quando alguém tem uma idéia, encontra um material diferente ou descobre um texto importante para toda a classe, demonstra certo medo de que seu desempenho individual seja prejudicado ao abrir a informação para todos.
Essa forma de pensar mostra o quanto ainda é difícil fazer acontecer a idéia de grupo em meios responsáveis por ensino/aprendizagem. O individualismo propagado pela visão neoliberal ofusca possibilidades de aprendermos em grupo, no grupo e com o grupo. Publicidade, músicas comerciais, programas de televisão e muitas outras ações da cultura encarregam-se de reafirmar o individualismo, o destaque do individual, em detrimento do grupo, da comunidade, das pessoas que compartilham o mesmo planeta.
Há também outra forma de agir, de muitos professores em condição de alunos, que nos chama atenção: é a necessidade de atender, em situação de aula, o que imaginam ser o desejo de seu professor. Então, se esperam isso quando estão na posição de aluno, certamente esperam que seus alunos façam o que eles, como professores, desejam, e não ousem, não pensem, mas apenas realizem de forma reprodutiva e submissa.
PARA ALÉM DO INDIVIDUALISMO
Uma forma de iniciar a modalidade de aprendizagem em grupo, no grupo, com o grupo, nas palestras e cursos nos quais o individualismo impera, é lançar sementes de "grupalidade" por meio de ações muito simples.
A apresentação é uma dessas ações. Conhecer e chamar as pessoas por seus nomes tem sido um exercício embrionário na formação de um grupo. As pessoas começam a se conhecer como identidades; não precisam se esconder atrás do conjunto; começam a encontrar semelhanças e diferenças entre os participantes e principiam suas primeiras identificações. O conhecimento e o reconhecimento, num conjunto de pessoas, fazem com que o comprometimento apareça e envolva as pessoas em direção a uma tarefa comum.
Em uma cidade da região metropolitana de Curitiba (PR), realizamos uma pesquisa junto aos professores. Pedimos aos 100 coordenadores pedagógicos, que estavam em um processo de formação, para convidarem os professores de suas escolas a participar de um programa, com o objetivo de comprometimento dos alunos por meio de uma apresentação diária. A adesão deveria ser espontânea, e assim foi realizado. Participaram desse pequeno projeto 13 escolas e 44 professores. Foram realizadas formas diferentes de apresentação. Cada professor tinha a liberdade para escolher a forma de conduzir seu trabalho; apenas foi proposto que acontecesse em todos os dias e tomasse apenas cinco minutos.
Apareceram muitas atividades interessantes. Constatamos, nessa ocasião, que muitas formas de apresentação foram criadas com a intenção de que as crianças e o professor conhecessem-se pelo nome, soubessem sobre as preferências de seus colegas, sobre um pouco da história de cada um. Essa atividade pode acontecer de forma a oportunizar um aprofundamento do conhecimento das relações entre os alunos e entre os alunos e o professor. Realizada diariamente, pode servir de aquecimento para o trabalho que se seguirá e pode, também, servir de instrumento de comprometimento. Os professores, nessa pesquisa, relataram que diminuiu a incidência de esquecimento da lição de casa; no período em que a programação foi desenvolvida, os alunos mostraram-se mais responsáveis. Silvia Jesuíno Rocha, uma das professoras desse projeto, abordou em sua avaliação que, pelo tempo que os alunos passam na escola, o acolhimento deve ser verdadeiro e diário, pois isso fará a diferença na construção da auto-estima de cada um e do grupo.
Além disso, o sentimento de perceber-se e de ser reconhecido particulariza a relação, e o aluno sente-se importante; então, passa a apresentar um comportamento saudável frente ao que é esperado. Essa é a primeira semente para que o grupo possa se formar. Essa atividade passa a fazer parte da rotina, e os próprios alunos podem criar formas de apresentarem-se, cada vez um pouquinho, contando seus gostos, seus saberes, seus interesses e tantas outras coisas que fazem parte da vida dos seres humanos. Como trabalhamos com 200 dias letivos, serão, pelo menos, 200 motivos para que cada um possa fazer parte daquele grupo da classe.
É possível que surja a pergunta: O que a apresentação individual tem a ver com a constituição de um trabalho grupal? Todo o grupo tem dois planos: um que é horizontal e diz respeito ao conjunto de pessoas, e um que é vertical e refere-se aos indivíduos. A conjunção entre o plano horizontal e o plano vertical resulta no movimento grupal. Quando temos pessoas apenas identificadas no plano horizontal, fazendo a mesma coisa, na mesma hora, da mesma forma, não temos um grupo, e sim pessoas sendo comandadas e realizando a ação que está sendo solicitada. Ao contrário, quando temos pessoas identificadas apenas no plano vertical, temos indivíduos juntos, que precisam competir para ver quem aparece mais, quem é o melhor, quem chega antes, já que o foco encontra-se na verticalidade. No entanto, se temos pessoas sendo diferenciadas daquela massa que faz a mesma coisa e tarefas no plano horizontal colocadas para serem resolvidas, considerando-se as experiências pessoais, daí nasce o grupo, que possui um objetivo comum e conta com ferramentas diversas para atingi-lo.
Nesse sentido, a apresentação individual, numa turma que está acostumada a ser tratada como massa, apenas no plano horizontal, faz parte da constituição de uma concepção grupal. É preciso diferenciar para sair da confusão e, posteriormente, harmonizar as individualidades para que se consiga realizar a tarefa que é de todos.
Além da apresentação, considera-se que a tarefa de um grupo é comum; outro cuidado do palestrante, do professor e do coordenador é dirigir-se ao público como um possível grupo, realizando chamadas grupais. Dirigir-se ao grupo torna-se uma forma de chamar o grupo a interessar-se ou à responsabilidade. Então, em vez de dizer "O fulano disse isso", é muito mais eficiente dizer "O grupo está dizendo, por meio de um de vocês...", "O grupo faz isso como uma forma de mostrar sua intenção..." ou "Qual é mesmo a tarefa desse grupo?" Quanto mais nos referimos às pessoas como portadoras de idéias importantes, assinalamos a verticalidade e dificultamos a construção do grupo. O mesmo vale para as idéias que parecem descontextualizadas. Quanto mais apontamos para a falha e para a pessoa que verbalizou, mais ficamos afastados da construção grupal; esquecemo-nos de que as idéias, as opiniões, de autoria individual, fruto do movimento interno de aprendizagem, na maioria das vezes, são resultado da construção grupal e da construção do conhecimento pela humanidade, grande grupo que fundamenta o conhecimento de hoje.
O grupo, assim, fica entre o indivíduo e a massa; nele, o sujeito possui sua identidade e, ao mesmo tempo, aprende a conviver, supera o individualismo e preocupa-se com a comunidade e sua tarefa. Vivencia o que Pichon-Rivière2 chamou de verticalidade (a história pessoal) e horizontalidade (que diz respeito à história e à dinâmica grupal).
Outra forma de semear "grupalidade" é colocar consignas para o grupo desenvolver. A vontade de resolver a tarefa mobiliza a formação do grupo, pois a cooperação, a discussão, a busca da síntese entre as diferentes percepções e idéias possibilitam uma vivência bem diferente daquela na qual o professor encontra-se na posição de autoridade. A consigna oral deixa o grupo um pouco mais dependente de seu coordenador, enquanto que a consigna escrita permite um movimento grupal mais eficiente, mesmo que o grupo passe igualmente pelos momentos de confusão, discriminação e integração, necessários para a elaboração ou reelaboração da tarefa. Valorizar a tarefa realizada, apontando os pontos levantados, analisando sua maior ou menor relevância, apontando para as possibilidades de aprofundamento e aperfeiçoamento, sem perder de vista que aquela é uma tarefa grupal, é ação importante da coordenação do grupo para o desenvolvimento de uma mentalidade menos individualista.
Provocar as pessoas para a ação coletiva, grupal, é possível; é importante; significa um avanço nas relações humanas atuais, mas necessita de formação pessoal. A aprendizagem da leitura dos sinais que um grupo emite, da compreensão do que é lido e da intervenção a partir do que se lê é tarefa importante de um coordenador de grupos de aprendizagem.
APRENDER A CONVIVER
Rosely Sayão3; uma educadora que exerce sua missão utilizando meios de comunicação que nem muitas pessoas, em seu texto Aprender a Conviver, traduziu de forma concisa o motivo pelo qual defendemos uma ação educacional e psicopedagógica para além do âmbito individual.
"Um estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), publicado na última semana, concluiu que o professor perde muito tempo para manter a ordem em sala de aula. Isso não é novidade para quem trabalha em escola, já que a indisciplina é um dos fatores que mais estorvam o ensino de qualidade. Suas causas são diversas. Em geral, a ausência da intervenção familiar e algumas características do próprio aluno ganham lugar de destaque ao analisarmos o fenômeno na escola. A falta de limites na educação familiar tem sido um bordão utilizado por especialistas de diversas áreas para explicar o comportamento ruidoso, incivilizado, transgressor e, por vezes, violento dos alunos em sala de aula"3.
Há mais ou menos três anos, apresentei um relato num congresso - publicado parcialmente no livro A Psicopedagogia e o Momento de Aprender, em 20064 - no qual falava de um fenômeno que denominei "sovivência", como oposição à convivência, por perceber em minha práxis uma tendência, de crianças e adolescentes, ao individualismo, ao egoísmo e à solidão; condição de não-crescimento, de autocentramento, de não-percepção do outro. Em famílias que nos procuravam, percebia o excesso de proteção do sujeito em relação ao mundo e, ao mesmo tempo, uma exigência intelectual, maior do que ele pode atender, gerando uma sensação de incompetência constante.
Numa pequena pesquisa que envolveu dezesseis famílias4; pudemos levantar como causas desse fenômeno uma série de elementos. Entre eles, há: abandono necessário ou superproteção; filhos que ganham o que desejam; falta de autoridade efetiva; escolhas que ficam a cargo dos filhos; mães brilhantes e que exercem a função paterna; pais que são cordatos e muito ocupados; mães que não abrem mão da função materna; pais que não "brigam" para fazer parte dessa relação; mães e pais que fazem sacrifícios para que os filhos "tenham"; mães e pais que querem preparar os filhos para a competição, mas agem como se eles fossem incapazes de enfrentar o futuro.
Percebemos que o tratamento que as famílias têm dado aos seus filhos diminui muito o exercício da convivência, pois a necessidade de trabalho e de compromissos de ambos os responsáveis pela família vai tornando escassos os momentos de convivência. Roseli Sayão comenta sobre algo que nos ajuda a compreender esse fenômeno, no que tange à forma de intervenção familiar:
"Os pais precisam ensinar a criança a se comunicar com a família. "Espere sua vez para falar", "Não interrompa sua mãe" e "Fale mais baixo" são exemplos de frases que ajudam a criança, desde pequena, a usar a fala de modo social e dialógico, ou seja, considerando os outros com quem interage e o grupo em que vive. O mesmo vale para o andar, o alimentar-se... Entretanto, temos hoje dois fatores que atrapalham situações que favoreçam esses tipos de intervenção. O centro das famílias passou a ser lugar ocupado pelos filhos e, por isso, os pais priorizam o que eles fazem. Calam-se quando eles falam, acham natural que corram em ambientes fechados, que se alimentem a qualquer hora, não chamam a atenção quando eles tomam atitudes inadequadas na frente dos outros. Mais do que deixar de colocar limites, muitos pais acatam o comportamento dos filhos. O segundo motivo é que, cada vez menos, as famílias reúnem-se para uma refeição ou compartilham períodos juntos. A casa tornou-se um ambiente em que cada integrante da família tem sua própria vida. O individual superou o coletivo também no interior da família3."
Dessa maneira, a semente da convivência não é cuidada em seu primeiro ambiente, e as crianças passam a ter comportamentos de isolamento e de não-pertença em relação ao primeiro conjunto de pessoas com o qual passa a viver: sua família. Essa aprendizagem poderá comandar a forma de atitude que vai utilizar em outros ambientes.
Para minimizar a consequência da ausência do coletivo na formação dos filhos, seus pais buscam formas de tratamento interessantes; entre elas, está a "patologização", pois é mais fácil admitir que seu filho seja agressivo, depressivo, possua transtorno de atenção, hiperatividade, do que pensar que seu filho não aprendeu, com sua família, a socializar-se, comunicar-se, a construir sua atenção e a entrar em contato com ele mesmo, para enfrentar com calma as surpresas da realidade vivida.
Na mesma pesquisa4; percebemos que o tratamento que os pais dão a seus filhos em nossa sociedade é terceirizado: contam com os avós, com a rua, com os condomínios, com os abrigos ou contratam empregados para desempenhar a função materna; usam medicamentos para poder desempenhar suas funções; buscam mais funções fora de casa e, com isso, afastam-se dos problemas domésticos; fazem combinados com os filhos, os quais recebem coisas em troca de comportamentos adequados; permitem que os filhos fiquem muito tempo em situação de lazer; não distribuem tarefas domésticas, retirando dos filhos a possibilidade da aprendizagem de mecanismos de convivência social; superdimensionam problemas e acabam por "patologizar" aquilo que faz parte do desen-volvimento normal de seus filhos; defendem os filhos, deixando pouco espaço para que eles aprendam a defender-se.
Essas pessoas chegam à escola com poucas referências sobre a convivência e com muito mais referências sobre a "sovivência", que ora é revelada pela passividade e apatia, ora pela anti-sociais; porém, ambos são geradores de grande sofrimento para a criança, o adolescente ou o adulto que não sabe se relacionar, conversar, conviver, compartilhar idéias, sentimentos - todas essas ações são antecedidas do prefixo "con" ou "com" que supõe o outro, aquele que não se constituiu na aprendizagem da "sovivência".
De nada adianta a escola conhecer esse quadro e colocar-se atrás dele para proteger-se de sua responsabilidade. É preciso, ao saber que o aluno chega à escola sem referências da vivência grupal, que ela organize-se para desenvolver uma ação no sentido de promovê-la. O controle externo apenas reforça o individualismo e acaba por colocar os alunos contra a própria escola, gerando aparecimento de doenças e afastamento constante nos quadros docentes das instituições escolares, bem como excesso de encaminhamentos do corpo discente para os consultórios especializados e medicação de problemas que foram constituídos nas relações sociais. As instituições escolares diminuíram os elementos educativos e aumentaram a neces-sidade do controle externo; entre eles, estão os responsáveis pela disciplina (retomando-se a figura do bedel), o recurso do discurso que humilha e as pílulas.
Nesse sentido, não é somente a família e a escola que devem retomar a discussão; como especialistas em aprendizes e aprendizagens e protagonistas dos atendimentos das dificuldades nos consultórios e nas escolas, nós, psicopedagogos, precisamos rever nosso papel nessa cadeia de patologização do aprendiz, da qual somos parte atuante, para participar dela ou para promover rupturas importantes. Pensar numa Psicopedagogia em grupo, no grupo e com o grupo como instrumento de promoção do aprendiz e sua aprendizagem é o nosso desafio.
A PSICOPEDAGOGIA NO ÂMBITO GRUPAL, NO ATENDIMENTO CLÍNICO
Os grupos, como relatado, têm sido uma forma de encaminhamento bastante utilizada na práxis desenvolvida pela Síntese, em Curitiba (PR), que reúne uma equipe composta de quatro psicopedagogas e duas psicólogas, todas com formação em coordenação de grupos.
O sujeito encaminhado é sempre visto no seu contexto escolar e familiar, e nossas conclusões sempre estão atreladas a esse fato, pois é muito fácil colocar alguém no lugar de doente, de problema, quando todos estão bem e aquela pessoa não está. Na escola, escuta-se o discurso: "Todos estão se alfabetizando, apenas ele não". Na família, por outro lado, ouve-se: "A irmã é uma excelente pessoa, aluna e filha, nós dois nunca tivemos problemas na escola; certamente, ele possui um distúrbio importante".
Nosso olhar e nossa escuta, no entanto, vai para além do discurso que ouvimos e daquilo que observamos a respeito do sujeito agindo em sua sala de aula e em sua família. Nossa avaliação já possui uma pitada de "grupalidade", e o sujeito é visto nos seus contextos e individualmente para podermos conhecê-lo nos planos: horizontal e vertical, tanto no espaço da escola, quanto no âmbito familiar.
A aprendizagem é resultado de uma elaboração interna, mas decorrente da relação dialógica estabelecida entre as pessoas, seus grupos, suas crenças e suas culturas. Aprender é uma ação da pessoa, mas atrelada à construção coletiva do conhecimento. Portanto, alguém que apresente dificuldade para aprender pode apresentar dificuldades para elaborar internamente os códigos que surgiram na interação. Isso indica que não apenas o sujeito deve ser compreendido, como também todos que interagem com ele e o objeto a ser aprendido, para que possamos descobrir formas mais eficientes de todos aprenderem naquele espaço.
Se a escola insiste em focar seu trabalho nos sujeitos individualmente, o plano horizontal não é considerado e o sujeito que não aprende é visto como o único a ser ajudado em todas as situações de aprendizagem, nas quais ele não conseguiu aprender; se o mesmo acontece nos consultórios, a família fica convencida de que seu filho tem um grande problema, que esse problema é uma doença grave e, portanto, concorda em medicá-lo. Então, o primeiro grupo com que trabalhamos em nosso Centro de Estudos é o Grupo Familiar; depois, quando a escola solicita, o Grupo de Alunos ou de Professores.
Além disso, desenvolvemos também o trabalho com a aprendizagem de forma grupal, integrando pessoas por meio de um critério de homogeneidade e outro de heterogeneidade - para que possamos ter contribuições distintas na realização da tarefa grupal. O critério de homogeneidade, quando se trata de pessoas que chegaram até nós por apresentarem dificuldades de aprendizagem, seja na questão da convivência ou na questão do conhecimento, é a proximidade de idade e ou de ano de escolaridade; o critério de heterogeneidade é a forma de aprender que apresenta - na leitura e escrita, no raciocínio lógico, no comportamento diante das situações de aprendizagem, no relacionamento nas situações de aprendizagem, na atenção, na memória ou em qualquer outra. Esses dois critérios podem ajudar garantir o tipo de interesse que as pessoas de idades próximas podem possuir, bem como o instrumental diverso que pode surgir do próprio grupo, pelo fato das pessoas possuírem modos de aprender, dificuldades e facilidades diferentes.
No caso de grupos de aprendizagem compostos por professores ou interessados na formação em Teoria e Técnica de Grupos Operativos, a reunião pode acontecer com a seguinte característica: agrupar pessoas interessadas pelo mesmo tema (homogeneidade), mas com formações e experiências diferenciadas (heterogeneidade), o que enriquecerá o grupo nos momentos de reelaboração temática e da avaliação dinâmica. Quando temos que trabalhar com grupos cujos participantes possuem a mesma formação ou profissão, o critério de heterogeneidade será a idade, pois pessoas com idades diferentes, experiências vividas em espaços e tempos distintos, podem possibilitar uma dinâmica maior no momento de aprender em grupo, no grupo e com o grupo.
O que diferencia um trabalho grupal de um trabalho no qual as pessoas aprendem juntas é o fato da tarefa do grupo ser a resolução de um problema proposto para o grupo. Para essa tarefa, serão necessárias pessoas com idéias, soluções e experiências diferentes. Não há a valorização de um elemento do grupo por fazer melhor, responder mais rápido, entender mais profundamente ou por não fazer, não se aproximar, errar, etc. Valoriza-se a tarefa grupal, e não o comportamento individual. Nos grupos que desenvolvemos na Síntese, possuímos uma Caixa de Trabalho Grupal, a qual contém os materiais inicialmente selecionados para o grupo e aqueles que vão sendo adicionados no decorrer. Além disso, nossos grupos são trabalhados por dois profissionais: um que coordena e um que fica na posição de observador e de apoiador, oferecendo referências sempre que o grupo necessitar.
Trabalhar com grupos de aprendizagem sem repetir a questão autoritária que sempre envolveu esse tipo de grupo não é tarefa fácil; às vezes, misturamo-nos com os papéis desempenhados por um dos participantes e precisamos de maturidade para perceber e buscar alternativas que possam fazer reverter uma situação.
Todos os grupos, enquanto trabalham, vão aprendendo as regras necessárias para a convivência: ouvir, falar, ser claro, esperar o outro, contribuir com idéias e com ações, avaliar, falar de seus sentimentos em relação à tarefa, ao mesmo tempo em que constróem pontes para poder se colocar e produzir tanto no espaço da casa, quanto no da escola.
Certa vez, uma mãe que acompanhou dois filhos seus no percurso de atendimento grupal na Síntese disse: "Quem dera fosse possível esse grupo estender-se para todas as pessoas! Meus filhos que não possuem dificuldades precisam aprender muitas coisas que esses aprenderam aqui. É uma aprendizagem para a vida".
Então, questiono: Será que o trabalho grupal não pode ser estendido para a família em forma de orientação psicopedagógica? Será que o trabalho grupal não pode ser estendido para a prática escolar? Será que a Psicopedagogia na instituição escolar não pode oferecer essa formação para os professores, para que eles possam realizar suas tarefas de ensinar/aprender e de aprender/ensinar em grupo, no grupo e com o grupo? Não diminuiríamos a patologização se entendêssemos as dificuldades como fenômenos decorrentes do processo de aprendizagem e de construção do conhecimento?
Maria Aparecida Moysés5; em seu livro A Institucionalização Invisível - crianças que não-aprendem-na-escola, comenta sobre a participação da Psicopedagogia na cadeia de patologização vigente no mundo atual, motivado por um olhar clínico que classifica, discrimina, generaliza e institucionaliza.
Por isso, convido vocês, psicopedagogos, a pensarem sobre nosso papel na sociedade atual, regida pelo mercado que vende e precisa ter quem compre. Por que a Psicopedagogia teve tanta aceitação na sociedade? Por que os cursos de especialização em Psicopedagogia alastraram-se pelo país? Por que psicopedagogos com formação em Pedagogia têm tanto fascínio pela clínica? Por que psicopedagogos repetem os nomes médicos em seus relatórios de avaliação? Por que os atendimentos individuais são muito mais comuns que os grupais no atendimento psicopedagógico?
Sinceramente, espero que as respostas a essas perguntas não estejam atreladas à regência do mercado nas relações humanas e que, para tanto, torne-se necessário fabricar problemas para vender atendimentos, fabricar doenças para vender pílulas e fabricar dessimbolização para vender imagens prontas. Também espero que não estejam vinculadas ao fascínio do poder que o curandeiro exerce nas sociedades chamadas primitivas e os médicos e paramédicos exercem nos dias atuais.
Diante de crianças e jovens que encontram dificuldades para aprender a conviver num mundo que fabrica "soviventes", precisamos questionar sobre o valor do grupo em todos os âmbitos e, também, no atendimento psicopedagógico, corretor, preventivo ou de otimização do processo de aprendizagem, visando à diminuição da patologização no que diz respeito ao aprender.
A articulação entre a horizontalidade e a verticalidade, bem como a saída dos coordenadores de grupo da posição central, mas ainda fazendo uma coordenação operativa, pare-cem se constituir em um instrumento menos autoritário e produtor de sujeitos conscientes, os quais podem conviver sem deixar de serem sujeitos da vida e de seu processo de aprender.
REFERÊNCIAS
1. Larrosa J. Linguagem e educação depois de Babel. Belo Horizonte:Autêntica;2004. [ Links ]
2. Pichon-Rivière E. O processo grupal. São Paulo:Martins Fontes;1988. [ Links ]
3. Sayão R. Aprender a conviver. Folha de São Paulo. 25 jun 2009. Caderno Equilíbrio. [ Links ]
4. Barbosa LMS. A psicopedagogia e o momento do aprender. São José dos Campos:Pulso;2006. p.59-63. [ Links ]
5. Moysés MAA. A institucionalização invisível: crianças que não-aprendem-na-escola. Campinas:Mercado das Letras; São Paulo:Fapesp;2001. [ Links ]
Correspondência:
Laura Monte Serrat Barbosa
Av. Agostinho Leão Jr., 37 - Curitiba
CEP 20030-110 - PR
E-mail: lauraserrat@bol.com.br
Artigo recebido: 17/4/2009
Aprovado: 21/7/2009
Esse trabalho é apoiado na experiência da autora (em Psicopedagogia clínica, supervisão e consultoria a instituições e indivíduos); em trabalho clínico e pesquisa, envolvendo grupos de crianças, famílias e professores; e na co-coordenação do Curso de Formação em Teoria e Técnica de Grupos Operativos do Curso de Formação em Teoria e Técnica de Grupos Operativos, realizados na Síntese - Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da Aprendizagem, em Curitiba (PR).