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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.27 no.82 São Paulo 2010
ARTIGO ORIGINAL
A memória de curto prazo do universitário e a prática de jogos: um estudo comparativo
The university student short-term memory and the practice of games: a comparative study
Oldemar NunesI; Vera Barros de OliveiraII
IMestrado em Psicologia da Saúde pela Faculdade de Saúde da Universidade Metodista de São Paulo
IIProfessora Titular do Mestrado em Psicologia da Saúde pela Faculdade de Saúde da Universidade Metodista de São Paulo
RESUMO
OBJETIVO: Este estudo avalia inicialmente a memória de curto prazo (MCP) de estudantes universitários; verifica, a seguir, a frequência de sua prática de jogos e, finalmente, compara os dois resultados. Parte da hipótese de que a prática de jogos influencia na memória de curto prazo.
MÉTODO: Utiliza-se do Teste Pictórico de Memória (TEPIC-M), de Rueda e Sisto, e de escala auto-avaliativa de prática de jogos nas modalidades de Jogos de Movimento (JM), de raciocínio (JR) e digitais (JD). Desenvolve-se junto a 100 universitários, de ambos os sexos, em universidade estadual localizada em cidade de pequeno porte, no interior da Bahia.
RESULTADOS: Os níveis de MCP encontrados foram muito baixos, com 91% abaixo da média. A prática de jogos verificada, em suas diversas modalidades, também foi baixa, sendo que 74% não praticam JM, 61% não praticam JR e 70% não praticam JD. A comparação entre os resultados do TEPIC-M e a frequência de participação em JM revelou-se positiva, uma vez que os que não praticam JM, JR e JD não atingiram sequer o nível médio de MCP, dados comprovam estudos sobre a importância dos jogos para o processamento mental. Foi também possível identificar dificuldades na escrita dos participantes nas folhas resposta do TEPIC-M. Por outro lado, foi observada grande motivação dos alunos a participar da pesquisa, o que sugere que propostas de ensino mais dinâmicas e interativas, inclusive com a participação de jogos, venha a contribuir para sua MCP e aprendizagem em geral.
Unitermos: Memória de curto prazo. Jogos e brinquedos. Aprendizagem.
SUMMARY
OBJECTIVE: This study initially evaluates the short-term memory of University students, then the frequency with which games are practiced is verified, and finally the level of short-term memory observed is related to the playing of games.
METHODS: We utilize the Pictorial Test of Memory (TEPIC-M), from Rueda and Sisto, duly validated for our reality, and the self-evaluative scale of the practice of movement, being JM for reasoning, JR for digital, JD for games. The research is performed with 100 students of both genders.
RESULTS: The short-term memory levels found were very low, 91% lower average. The practice of playing games in their various modalities was also very low, with no practice at all in 74% in JM, 61% in JR and 70% in JD. The comparison between the results in the TEPIC-M and the frequency of participation in JM, JR or JD, proved to be positive, since those who do not practice games, did not reach even the average level of memory. These data confirm previous studies that prove the importance of play for mental processing. It was also possible to identify writing difficulties in fulfilling the response sheets of TEPIC-M. On the other hand, we observed a strong motivation and willingness of the students to participate in the research, which suggests that proposals of more dynamic and interactive teaching, especially with the inclusion of games, will help contributing to the MCP and, consequently, to improve their learning and mental process as a whole.
Key words: Short-term memory. Play and playthings. Learning.
INTRODUÇÃO
O estudante universitário percorre um caminho decisivo, uma vez que faz a ponte entre a vida acadêmica e a profissional. A maneira como conduz suas atividades e como desenvolve seus processos mentais é fundamental para que consiga fazer uma síntese dinâmica do que aprendeu e vir a relacionar teoria e prática no mercado de trabalho. A memória de curto prazo tem um papel fundamental em todo o processamento mental, aliando-se de forma profunda e íntima à memória de trabalho, ambas indispensáveis à aprendizagem, à aquisição do conhecimento e ao desenvolvimento de habilidades e competências profissionais.
A associação dos temas saúde e ludicidade, em suas íntimas conexões físicas e mentais, vem a ser um complexo e rico campo de pesquisa, com importantes implicações para todas as dimensões do desenvolvimento pessoal e social, segundo o modelo de saúde, biopsicossocial, preconizado pela Organização Mundial da Saúde, OMS, em 1978 e 1986, e pela carta de Ottawa.
A prática de jogos, por sua vez, contribui para o desenvolvimento, conservação e recuperação de processos cognitivos e afetivo-relacionais, tendo a seu favor o fato de ser automotivada e geradora de prazer e bem-estar.
Com base nas duas premissas expostas, esta pesquisa investigou o nível da memória de curto prazo de estudantes universitários, comparando os resultados obtidos com a frequência de sua prática de jogos. Partiu da hipótese de que a prática de jogos contribuiria para a memória de curto prazo.
Memória e aprendizagem
Aprendizagem e memória se entralaçam todo o tempo. Segundo Pavão1, as regularidades vividas e memorizadas nos permitem uma melhor adaptação ao meio, uma vez que o aprender com situações passadas nos possibilita, inclusive, prever eventos futuros. Como explica, a capacidade de um organismo se modificar em função das experiências vividas comprova que ele é capaz de aprender, uma vez que conserva as informações, via memória. Em sua interação com o meio, as redes neurais do organismo se alteram continuamente.
Em visão semelhante, Zimmer2 considera a memória como uma das capacidades vitais que permite ao ser vivo uma adaptação ao ambiente, ao possibilitar aumentar o conhecimento do mesmo, sendo que os processos de codificação, formados pela representação do mundo no cérebro por meio do ajuste de sinapses nas redes neuronais, incluem três etapas: retenção, armazenamento e recuperação da mesma.
De forma complementar, memória e organização do pensamento em busca do conhecimento também se inter-relacionam intimamente. Segundo Schwartz & Reisberg3, nós nos lembramos melhor de algo quando vemos ou criamos uma organização naquilo que deve ser lembrado.
A memória também se vincula de forma dinâmica à atenção. Segundo Rueda & Sisto4, "para falar da relação da atenção com a memória deve-se fazer referência ao modelo estrutural ou modal proposto por Atkinson e Shiffrin, em 1968, no qual a informação entraria no sistema de processamento por meio de depósitos sensoriais específicos e, então, procederia para uma memória de curto prazo limitada, antes de entrar em uma memória permanente e de longo prazo. A "chave" para uma codificação bem sucedida é a atenção, (...) o indivíduo tem que prestar atenção consciente à informação".
O início do processamento das atividades cerebrais se dá no hipocampo e no córtex. Quando o indivíduo percebe um estímulo, a solidez de um determinado conteúdo aprendido requer a modificação de determinadas sinapses e suas principais conexões. Essas alterações estruturais das sinapses são diferentes para cada memória, determinando, assim, a intensidade da aprendizagem5. A memória não está localizada em uma estrutura individual e isolada no cérebro. É um fenômeno psicológico e biológico que envolve um conjunto de sistemas cerebrais, os quais se articulam e funcionam em sintonia.
Segundo o neurofisiologista Silva6, não é a quantidade de neurônios que determina a capacidade de memória, mas sim o número de conexões sinápticas e o tamanho das ramificações dos neurônios, cujo desenvolvimento depende diretamente dos estímulos que o cérebro recebe. As ramificações encontradas nos neurônios podem ser comparadas a galhos de árvore, que se expandem conforme os estímulos que recebem, aumentando a quantidade das conexões sinápticas, responsáveis pela transmissão de dados entre os neurônios.
Existem diversos sistemas mnemônicos com características peculiares para as diversas funções mentais7. Especialistas, segundo Sprenger8, afirmam que na verdade existem vários tipos de memória, pois há diversas fontes de armazenamento de dados em nossa mente e não estão limitadas a uma área determinada de nosso cérebro. Quando se fala em retenção de informações, sabemos que tal assimilação pode se prolongar por um longo período (memória de longo prazo) ou durar apenas na execução de determinada tarefa (memória de curto prazo)9,10.
Segundo Pavão1, os sistemas de memória vêm sendo classificados quanto ao tempo em Memória de Curta Duração (por exemplo, lembrar um número da lista de telefone) e Memória de Longa Duração, a qual pode ser subdividida em Explícita e Implícita. A Memória Curta Duração mantém-se por poucos segundos ou minutos e é susceptível a interferências. É mantida em amnésicos e parkinsonianos, mas fica prejudicada em pacientes com danos frontais. A Memória de Longa Duração pode durar semanas e até anos e resiste a interferências. A modalidade Explícita refere-se, por exemplo, às lembranças que arquivamos, e fica prejudicada em amnésicos, principalmente em relação a eventos mais recentes, mas se mantém em parkinsonianos e em pacientes frontais. Já a Memória de Longa Duração da modalidade Implícita retém, por exemplo, habilidades que adquirimos e se mantém em quadros de amnésia e de danos frontais, mas se apresenta deficitária com parkinsonianos.
Duas grandes linhas de pesquisa de memória podem ser observadas, segundo Richardson-Klavehn e Bjork (1988 apud Rueda & Sisto4); a unicista, de visão unitária, que se utiliza de medidas diretas, explícitas ou declarativas, e o grupo da abordagem das memórias múltiplas, que considera as memórias indiretas ou implícitas ou não-declarativas. A visão da memória em seus múltiplos sistemas discute a validade de medidas de memória direta vs. indireta, uma vez que considera não existir uma medida unitária da memória,
A memória não é só a retenção de certo conhecimento, mas também ativadora da imaginação, interpretação, problematização, reinvenção, etc., processos estes mentais que atuam sobre o que é recordado pelo indivíduo. A memória é a capacidade do ser humano de conservar e relembrar mentalmente conhecimentos, conceitos, vivências, fatos, sensações e pensamentos experimentados em tempo anterior. A memória refere-se, também, à retenção de habilidades adquiridas ou de informação. Em situações cotidianas, os adultos, especialmente os idosos, podem ter algumas dificuldades de recuperação de memória. Mesmo sendo consequência do envelhecimento, a diminuição da eficiência da memória é também influenciada por questões como genética, fatores ambientais, vivências, hábitos linguísticos, caráter e personalidade. A perda da memória estaria relacionada com a degeneração dos neurônios cerebrais, sendo que, conforme o indivíduo fosse envelhecendo, haveria uma perda evolutiva dessas células nervosas, afetando assim sua capacidade de memorização11.
Pesquisas relacionam o nível de escolaridade dos idosos com a deterioração ou não dos seus aspectos cognitivos. Quanto menor o tempo investido em estudos, maiores são os prejuízos cognitivos, principalmente entre as mulheres12. É necessário manter a mente ativa, por exemplo, por meio de leituras, para conservar as atividades cognitivas em bom funcionamento.
Já estudos sobre a memória de longo prazo afirmam que os idosos têm um desempenho menor que os adultos jovens13. Somente para ilustrar, a memória de longo prazo, segundo Isaki & Plante14, seria a informação retida sob forma de estruturas permanentes de conhecimento, cuja avaliação é feita através de testes, de conhecimento geral, como conceitos de Matemática e História, por exemplo.
Na década de 70, foi introduzido o conceito de Memória de Trabalho, a qual exigiria um processamento mental mais elaborado, sendo que a informação retida seria elaborada e transformada, enquanto que a memória de curto prazo faria um armazenamento passivo da informação, conservando-a de forma transitória, sem alterá-la. Estudos sugerem que a memória de trabalho esteja relacionada com a inteligência fluida ou habilidade de raciocínio, enquanto essa relação não é observada na memória de curto prazo. Apesar de serem construtos com características específicas, poderiam ser correlacionados, segundo apontam estudos4.
Segundo Damásio15, os fenômenos mentais, como amar, lembrar-se ou esquecer-se de algo, sentir dor, prazer, etc., dependem do funcionamento de complexas redes neurais nos circuitos cerebrais. A principal atividade cerebral consiste em preservar o bem-estar e a sobrevivência do organismo, sendo que toda resposta ao meio se dá por meio de imagens mentais, que incluem as mnemônicas. Atividades sentidas como agradáveis ativam mecanismos de recompensa e liberam dopamina e serotonina, neurotransmissores que alteram o meio ambiente interno, o estado das vísceras, o sistema muscular, a expressão facial, as emoções, os sentimentos e o comportamento. Dessa forma, a experiência de uma situação prazerosa gera reorganização orgânica, em seus aspectos biopsicossociais orientadas por um mapeamento mental neural.
Uma atividade motivadora e prazerosa contribui para o funcionamento dos processos mentais básicos, como a memória, a qual garante o armazenamento da informação, via sinapses16.
Segundo Antunha17, "devido às conexões límbico-frontais, as experiências relativas ao passado e às intenções do futuro tornam-se carregadas de emoção e atenção.(...) Esse tipo de memória on-line (...) passa a constituir, na adolescência e maturidade, a possibilidade da plenitude da condição humana, a sede da liberdade".
Jogos e processamento mental
De meados do século XX para cá, verifica-se um grande crescimento de estudos sobre o lúdico, vendo-o como atividade automotivada e fonte de desenvolvimento18.
Para Piaget19, o brincar, considerado em seu contexto mais amplo, consiste no primado da assimilação sobre a acomodação, do relaxamento sobre a tensão, do prazer sobre o desprazer. Sua curva evolutiva acompanha a passagem gradativa dos esquemas sensório-motores, com a brincadeira corporal, onde predomina o movimento, à brincadeira simbólica ou faz-de conta, e a seguir, os jogos de regras.
Segundo Oliveira20, em leitura piagetiana, a trajetória evolutiva lúdica evidencia como a consciência simbólica se apóia na corporal, evoluindo gradativamente do predomínio do campo perceptivo ao plano das representações, e, desta forma, passa a agir por meio de imagens mentais em relação a objetos, tempos e espaços, pensados, lembrados, antecipados ou imaginados. Todas as modalidades lúdicas, individuais ou grupais, realizam uma integração entre o corpo e a mente, o que as torna excelentes estratégias para a saúde mental em relação à adaptação ao meio.
A importância dos jogos também pode ser vista por meio da abordagem da Neuropsicologia, que afirma que sentir prazer em fazer algo aumenta a autoconfiança e a criatividade, diminui a ansiedade e a impulsividade. As atividades lúdicas criam normalmente o prazer e podem ser consideradas como tendo um papel fundamental na formação, preservação e reabilitação das redes neurais durante todo o ciclo vital17.
Estudo revelou justamente como a avaliação cognitiva de processamentos mentais nobres, como a memória prospectiva, vem se utilizando da prática de jogos, na análise de estratégias por antecipação21.
Ainda para Oliveira22, os jogos podem ser vistos como situações privilegiadas para a aprendizagem em geral. Habilidades e competências cognitivas e sociais, em sua correspondência dinâmica, são desenvolvidas quando se joga. Voltado para resolver um problema e tendo que seguir certas regras, o cérebro, em sua plasticidade, passa a desenvolver um processo de busca e seleção de estratégias, no qual a atenção e a memória têm um grande papel. A formação de equipes cria situações favoráveis à troca de ideias, a levantar e discutir hipóteses de ação, a antecipar mentalmente as jogadas.
Pesquisa realizada por Campitelli et al.23 comparou a atividade mental em dois grupos, um formado por grandes mestres do xadrez, e outro, por iniciantes no jogo, por meio de ressonância magnética. Os dados revelaram a importância do conhecimento prévio sobre o jogo, arquivado na memória dos mestres, assim como evidenciou o quanto o xadrez contribui para ativar os novos circuitos cerebrais nos iniciantes.
Pesquisa realizada pelo National Institute of Mental Health24, coordenada por Giedd, monitorou durante 13 anos, com o auxílio de exames de ressonância magnética, o cérebro de 1.800 jovens e constatou que sua capacidade se desenvolve durante toda a vida e não só até os 12 anos como se supunha, mas que as mais profundas transformações na estrutura cerebral ocorrem até os 25 anos. Entre as conclusões, chama a atenção o dado, segundo o qual, crianças e adolescentes que jogam games registraram aumento do córtex e melhora da coordenação motora.
O foco no envelhecimento vem tendo mais atenção, pois, como ressaltam Gorodscy et al.25, a memória de curto prazo é um dos principais pontos de descontentamento do envelhecer. Relacionado a essa preocupação associada ao envelhecer, estudo realizado por Verghese et al.26, contudo, não encontrou correlação significativa entre a frequência de atividades de lazer, inclusive com jogos e a perda de memória.
Concluindo, a longa história dos jogos, assim como sua divulgação atual, incluindo pesquisas sobre sua validade junto a desenvolvimento e/ou recuperação de processos mentais, inclusive da memória, torna este tema significativo para o presente estudo.
Objetivos
Avaliar a memória de curto prazo de estudantes universitários;
Verificar a prática de jogos por estudantes universitários e a frequência com que os mesmos são praticados;
Comparar o nível de memória de curto prazo dos estudantes com sua prática de jogos.
Hipótese
A prática de jogos contribui para a memória de curto prazo.
MÉTODO
Trata-se de estudo comparativo descritivo exploratório.
Participantes
A amostra foi composta por cem alunos universitários, de ambos os gêneros, dos cursos de Pedagogia e Letras de Universidade Estadual, situada em cidade de baixa densidade demográfica, distante 300 km de Salvador, na Bahia. Grande parte dos participantes residia em cidades ainda menores, nas proximidades, em ambiente rural, com difícil locomoção. A seleção da amostra foi feita por conveniência.
Ambiente
Os instrumentos foram aplicados nas próprias salas de aula da Faculdade.
Material e Instrumento
Teste Pictórico de Memória - (TEPIC-M), de Rueda e Sisto4. Este teste, criado recentemente, apresenta evidências de validade de constructo pelo processo de resposta e também relativa à estrutura interna dos itens: funcionamento diferencial do item (DIF) e ao desenvolvimento.
Escala auto-avaliativa de utilização de jogos de regras. Verifica o tipo de jogo praticado [Motores (JM); de Raciocínio (JR); Digitais (JD)] e sua frequência.
Procedimento
Devido a pouca duração, os dois instrumentos foram aplicados numa única sessão a um conjunto de 20 participantes de cada vez.
Aspectos Éticos
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Metodista de São Paulo - CAAE 3858.0.000.214-09, em 8/10/2009. O Termo de Livre e Esclarecido Consentimento foi devidamente preenchido pelos participantes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados evidenciaram baixo nível de MCP e de prática de jogos, o que comprova de forma indireta a hipótese levantada de que a prática de jogos contribui para a MCP.
Quanto ao perfil sociodemográfico da amostra, observou-se uma participação maior do gênero feminino (77%), o que pode ser explicado pelo maior índice feminino nessas duas modalidades de curso (Pedagogia e Letras). Em relação à faixa etária, a maior frequência foi de jovens, 69% entre 18 e 28 anos; 26% entre 29 e 38 anos e apenas 5% acima desta idade.
A distribuição dos participantes por nível de MCP revelou o alarmante dado de 91% abaixo da média (66% Inferior e 25% Médio Inferior).
O baixo índice de pessoas idosas, já esperado nessa população universitária, não permite comparação com os dados obtidos sobre MCP em relação a diferenças obtidas junto a diferentes faixas etárias. Contudo, este baixíssimo índice de MCP verificado em estudantes universitários, jovens em sua maioria, revela-se preocupante, inclusive no sentido de que a memória, como todo processamento mental, deve ser continuamente exercitada, a fim de ser preservada em faixas etárias mais avançadas. Segundo o neurofisiologista Silva6, assim como o corpo precisa de movimento, o cérebro também necessita de ação para manter e renovar seus circuitos neurais não apenas da memória, mas da capacidade intelectual como um todo.
Considerando, a partir de Geis11, que a memória não apenas retém e recupera a informação, mas também ativa processos mentais de imaginação, interpretação, problematização, reinvenção, etc., os dados obtidos revelam uma população universitária deficitária, levando-se em conta que, além de estarem comprometendo sua aprendizagem, estão desenvolvendo poucas ferramentas cognitivas e operacionais para enfrentar uma carreira profissional.
Os baixos índices obtidos também são preocupantes no sentido em que, apesar de a MCP se diferenciar da MT, ela a possibilita e alicerça, o que leva a supor, com base neste estudo, que a MT também esteja comprometida nesta população, o que sugere novos estudos. O mesmo vale ser dito em relação à atenção, uma vez que esta vem a ser a chave para a memória4. Esses dados indicam, portanto, que os universitários podem ter também um nível baixo de atenção. O déficit verificado quanto à MCP também foi identificado quanto à prática de jogos, em suas três modalidades: Motores (JM), de Raciocínio (JR) e Digitais (JD).
Esta falta de motivação e de interesse pela prática lúdica, incomum na idade jovem, levanta a possibilidade de um baixo nível de motivação para a ação e interação em geral, assim como leva a refletir o quanto isto compromete seus processos mentais, com base em estudos que evidenciam a importância da mesma para a flexibilidade e agilidade neural17.
Os resultados da escala auto-avaliativa da prática de jogos revelaram que 83% dos alunos testados não praticam JM. Esta pesquisa constatou a equiparação dos baixos dados entre os que não praticam JM e o baixo nível da MCP verificado, confirmando Diem27, que afirma que a pobreza e falta de movimento não só representam um prejuízo físico, como também impedem a livre evolução psíquica.
Quanto à prática de Jogos de Raciocínio (JR), os dados evidenciaram que 61% dos alunos não os praticam e 75% não praticam Jogos Digitais (JD).
Ao se estabelecer a comparação entre os resultados do TEPIC-M e a frequência de participação em JM, observa-se que uma grande porcentagem (74%) dos que não praticam JM não atingiu sequer o nível médio, e apenas uma pequena minoria (9%) conseguiu superá-lo, com apenas dois participantes chegando ao nível médio, seis participantes ao médio superior e um ao nível superior.
Ao se estabelecer a comparação entre os resultados do TEPIC-M e a frequência de participação em JR, observa-se que uma grande porcentagem (44%) dos que não praticam JR não atingiu sequer o nível médio, e apenas uma pequena minoria (5%) conseguiu superá-lo, com apenas um participante chegando ao nível médio, quatro participantes ao médio superior e nenhum ao nível superior.
O baixo nível dos resultados descritos é preocupante, uma vez que os jogos têm um papel fundamental na formação, preservação e reabilitação das redes neurais durante todo o ciclo vital28, o que talvez justifique a coerência verificada entre os baixos resultados na verificação da MCP dos universitários e sua prática de jogos, em suas diversas modalidades.
Observações complementares realizadas durante a aplicação do instrumento, assim como na análise dos protocolos preenchidos pelos participantes, revelaram dificuldade na escrita, com vários erros de ortografia. Por outro lado, como fator muito positivo, foi observado grande interesse em participar da pesquisa, vista como uma atividade nova e desafiadora.
CONCLUSÃO
Os resultados forneceram informações sobre três aspectos relevantes a serem considerados junto ao estudante universitário em nossa realidade, que, apesar de frequentar uma universidade estadual, reside em cidade de pequeno porte ou em área rural e distante dos grandes centros de cultura.
Em primeiro lugar, o estudo constatou seu baixo nível de capacidade de retenção de informação recente, isto é, sua memória de curto prazo. Este dado é muito preocupante, não apenas por dizer respeito a esta modalidade de memória, mas também porque este baixo desempenho evidencia dificuldades também na memória de trabalho, como comprovam estudos que relacionam entre si estas duas modalidades mnemônicas, assim como uma possível problemática relativa à atenção, o que traz um agravante para a carreira acadêmica deste estudante, assim como para seu desempenho profissional, quando vier a se formar.
Em segundo lugar, o estudo possibilitou verificar o baixo índice da prática de jogos, em suas diversas modalidades propostas, os motores, os de raciocínio e os digitais, dados estes inesperados, que revelam falta de interesse e motivação dos participantes, jovens em sua maioria, resultados também na contramão do crescente interesse que se observa hoje em dia por games computadorizados. Finalmente, quanto ao terceiro objetivo da pesquisa, que diz respeito a comparar os resultados dos dados de memória com os da prática de jogos, verificou-se que, em ambos os estudos, os baixos resultados confirmam de forma indireta a hipótese levantada no início, de que a prática de jogos contribui para a memória de curto prazo.
Estes dados mostram uma baixa motivação em atividades extracurriculares, que envolvem tanto movimentação física como mental, o que sugere novas investigações que elucidem o que estes estudantes universitários fazem em seu tempo livre. A baixíssima prática de jogos motores também é preocupante, podendo comprometer sua saúde física em geral, assim como a prevenção de possíveis problemas naturais decorrentes do envelhecer.
Informe colhido na folha de resposta dos participantes, onde deveriam escrever o nome dos objetos que se lembrassem, também evidenciou falhas, revelando sua dificuldade com a escrita.
Por outro lado, o grande interesse demonstrado em participar da pesquisa e a motivação evidente com que o fizeram levam a crer que estes alunos reagiriam de forma muito positiva a uma didática dos professores mais interativa e dinâmica, fazendo com que se utilizassem de seus recursos mentais em sala de aula. Da mesma forma, supõe-se que reagiriam bem a programas de esporte organizados pela Faculdade. Estas considerações conduzem à reflexão da importância da formação dos professores, inclusive dos universitários, levando em conta que estes alunos estão a um passo de entrar no mercado de trabalho e precisam aprender a pensar, a criar e a utilizar devidamente sua memória.
Esta pesquisa levanta a hipótese de que a prática de jogos em ambiente universitário, uma vez difundida e incentivada, seria muito bem aceita e talvez pudesse contribuir para a melhora no processamento mental cognitivo dos alunos, segundo estudos já comprovados e neste trabalho apresentados, com possíveis repercussões para a memória de curto prazo.
Nesse sentido, este estudo acredita ter fornecido dados atuais que evidenciam situações de risco do universitário de nossa realidade e sugere não apenas novas pesquisas, mas também uma ampla reflexão sobre a formação pessoal e profissional desse aluno, para que este se desenvolva de forma mais plena e saudável.
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Correspondência:
Vera Barros de Oliveira
Rua Prof. Artur Ramos, 178 apto 42
Sirius - Jardim Paulistano
São Paulo, SP - CEP 01454-010
E-mail: vera.barros.oliveira@terra.com.br
Artigo recebido: 12/2/2010
Aprovado: 4/3/2010
Artigo derivado da Dissertação de Mestrado do primeiro autor, orientada pelo segundo autor, defendida em 2010, na Faculdade de Saúde da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP.