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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.28 no.87 São Paulo  2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Percepção visual de escolares com distúrbios de aprendizagem

 

Visual perception of students with learning disabilities

 

 

Aline Viganô de SouzaI; Simone Aparecida CapelliniII

ITerapeuta Ocupacional na Prefeitura Municipal de Monte Alto (SAEEB - Serviço de Apoio Especializado à Educação Básica). Aluna do Curso de Especialização em Intervenção em Neuropediatria do Núcleo de Estudo em Neuropediatria e Motricidade da Universidade de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, Brasil
IIFonoaudióloga, Livre-Docente em Linguagem Escrita do Departamento de Fonoaudiologia e Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP). Coordenadora do Laboratório de Investigação dos Desvios da Aprendizagem - FFC/UNESP, Marília, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Caracterizar os achados de percepção visual de escolares com distúrbios de aprendizagem.
MÉTODO: Participaram deste estudo 24 escolares na faixa etária de 7 a 12 anos de idade, de ambos os gêneros, com nível socioeconômico médio. Os escolares foram divididos em dois grupos: Grupo I (GI) - composto por 12 escolares com diagnóstico interdisciplinar de distúrbios de aprendizagem, sendo 75% do sexo masculino e 25% do sexo feminino; Grupo II (GII) - composto por 12 escolares com bom desempenho acadêmico, pareados por sexo e faixa etária com os escolares do GI. Todos os escolares foram submetidos ao Teste Evolutivo de Percepção Visual - DTVP-2, composto de oito subtestes que medem habilidades viso-motoras interrelacionadas com percepto-visuais diferentes. Os resultados foram analisados estatisticamente por meio do teste de Mann-Whitney, para verificar possíveis diferenças de desempenho nas tarefas entre os grupos estudados.
RESULTADOS: Os resultados revelaram diferença estatisticamente significante entre o GI e o GII, demonstrando que o GI apresentou alterações que indicam déficit de percepção viso-motora, apesar das habilidades de relação espacial e figura e fundo estarem íntegras.
CONCLUSÃO: Os escolares do GI apresentaram desempenho inferior na habilidade de coordenação viso-motora, de posição no espaço, de cópia, de closura visual, de velocidade viso-motora e de constância de forma em relação aos escolares do GII.

Unitermos: Aprendizagem. Avaliação. Percepção visual. Transtornos de aprendizagem.


SUMMARY

PURPOSE: To characterize the findings of visual perception in students with learning disorders.
METHOD: The study included 24 students aged 7 to 12 years old, of both genders, with middle socioeconomic level. The students were divided into two groups: Group I (GI) - composed by 12 students diagnosed with interdisciplinary learning disorders, 75% male and 25% female, Group II (GII) - composed by 12 students with good academic performance, paired according to gender and age with GI. All students were submitted to the Developmental Test of Visual Perception - DTVP-2, composed of eight subtests that measure visual-motor skills interrelated with different visual perceptual ones. The results were analyzed statistically using the Mann-Whitney test, to verify possible differences in test performance between groups.
RESULTS: The results revealed a statistically significant difference between GI and GII, demonstrating that GI presented changes that indicate a deficit of visual-motor perception, even though spatial relations and figure ground skills are intact.
CONCLUSION: The students of GI presented inferior performances in the skills of eye-hand coordination, position in space, copying, visual closure, visual-motor speed and form constancy in relation to the students of GII.

Key words: Learning. Evaluation. Visual perception. Learning disorders.


 

 

INTRODUÇÃO

A percepção visual consiste em uma função cognitiva pela qual as informações sobre o nosso ambiente visual são disponibilizadas em nossa consciência e/ou disponibilizadas para orientar nossas ações. Essa percepção favorece a construção da experiência e da consciência do mundo visual, a partir da atenção, orientando as ações motoras1,2. Para que a percepção visual seja adequada, tanto as funções e as estruturas corticais devem estar intactas3-6.

O desenvolvimento da percepção visual é rápido durante a infância e se aproxima do nível de desenvolvimento do adulto por volta de 11 e 12 anos de idade. Entretanto, aos 9 anos de idade, as habilidades de percepção visual são refinadas, sendo que, entre os 8 e os 10 anos de idade, a percepção de figura e a capacidade de perceber posições no espaço estão plenamente desenvolvidas. A capacidade de constância de forma melhora entre os 6 e os 7 anos e atinge uma condição estável entre os 8 e os 9 anos, e a capacidade mais complexa de diferenciar as formas das relações espaciais está bem desenvolvida a partir dos 10 anos de idade7.

A função percepto-viso-motora é resultado da combinação de habilidades viso-motoras, planificação motora e cognitiva, habilidades perceptuais visuais (como coordenação óculo-manual), posição no espaço, relações espaciais, figura-fundo e constância de forma8. Por isso, crianças com distúrbios de aprendizagem são propensas a manifestar alterações perceptivas visuais pelo fato de apresentarem disfunções em áreas cerebrais responsáveis pela percepção viso-espacial necessária para a realização da escrita9,10.

Independentemente da perspectiva adotada por pesquisadores, sendo esta social ou biológica, há evidências na literatura que evidenciam o fato de as crianças com distúrbios de aprendizagem apresentar alterações perceptuais, motoras e cognitivo-linguísticas que prejudicam a situação de aprendizagem em contexto de sala de aula. Entretanto, ainda são escassos os estudos que investiguam especificamente a percepção visual e a sua relação com as habilidades acadêmicas no Brasil, contrariamente ao que ocorre com a percepção auditiva, os aspectos motores e os aspectos cognitivo-linguísticos nessa população.

Dessa forma, este trabalho é uma das primeiras tentativas de discutir aspectos de percepção visual e viso-motora em crianças com alterações de aprendizagem determinadas genética e neurologicamente, e, em decorrência disso, o presente estudo teve como objetivo caracterizar os achados de percepção visual de escolares com distúrbios de aprendizagem.

 

MÉTODO

Participaram deste estudo 24 escolares na faixa etária de 7 a 12 anos de idade, de ambos os sexos, com nível socioeconômico médio11, matriculados em escolas de ensino público fundamental. Os escolares foram divididos em dois grupos:

Grupo I (GI) - composto por 12 escolares com diagnóstico interdisciplinar de distúrbios de aprendizagem que recebem atendimento semanal no Serviço de Apoio Especializado à Educação Básica (SAEEB) da prefeitura municipal da cidade de Monte Alto-SP, sendo 75% do sexo masculino e 25% do sexo feminino;

Grupo II (GII) - composto por 12 escolares com bom desempenho acadêmico, pareados por gênero e faixa etária com os escolares do GI.

Participaram deste estudo somente escolares que não apresentaram intercorrências pré, peri e pós-natais, ou atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e linguagem descritos em prontuário escolar e que apresentaram o Termo de Consentimento assinado pelos pais ou responsáveis, anteriormente ao início das avaliações. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista (FFC/UNESP), em Marília, SP, sob o protocolo de número 2004/2009.

Todos os escolares foram submetidos ao Teste Evolutivo de Percepção Visual, segunda edição - DTVP-212, composto de oito subtestes que medem habilidades viso-motoras interrelacionadas com percepto-visuais diferentes. Os subtestes do DTVP-2 são: coordenação viso-motora (CVM), posição no espaço (PE), cópia (C), figura-fundo (FF), relações espaciais (RE), closura visual (CV), velocidade viso-motora (VVM) e constância de forma (CF). Todos os subtestes medem um tipo de capacidade percepto-visual e podem ser consideradas como subteste de motricidade reduzida - posição no espaço (PE), figura-fundo (FF), closura visual (CV) e constância de forma (CF) ou de motricidade plena [coordenação viso-motora (CVM), cópia (C), relações espaciais (RE), velocidade viso-motora (VVM)]. Sua pontuação é dividida em escore padrão, que é obtido a partir da pontuação bruta e de sua conversão mediante utilização de tabelas; e escore composto, obtido por meio da soma dos escores padrão e sua conversão em um quociente classificatório em relação à percepção visual geral, à percepção de motricidade reduzida e à integração viso-motora. Todas as funções avaliadas permitem o cálculo de um equivalente de idade (EI), ou seja, para cada função avaliada o escore obtido permite o cálculo de uma "idade de percepção visual".

Os resultados obtidos foram analisados estatisticamente por meio do teste de Mann-Whitney, para verificar possíveis diferenças de desempenho nas tarefas entre os grupos estudados. O nível de significância (valor de p) adotado foi de 5% (0,050) e está marcado com asterisco.

Para a análise dos dados, foi utilizado o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 19.0.

 

RESULTADOS

Na Tabela 1, pode-se observar a média, o desvio-padrão e o valor de p referente à comparação de desempenho entre os grupos GI e GII, nos subtestes do teste de percepção visual.

 

 

Na Tabela 1, após a aplicação do teste de Mann-Whitney, pudemos observar diferença estatisticamente significante entre os grupos GI e GII quando comparados em seus desempenhos por subteste, demonstrando que o GI apresentou desempenho inferior na habilidade de coordenação viso-motora (CVM), de posição no espaço (PE), de cópia (C), de closura visual (CV), de velocidade viso-motora (VVM) e de constância de forma (CF).

Os achados dessa tabela também revelaram que os escolares do GI e do GII apresentam desempenhos similares em figura-fundo (FF) e relação espacial (RE).

 

DISCUSSÃO

A percepção viso-motora é composta por funções com componentes visuais (percepção visual: posição no espaço; figura-fundo, closura visual e constância de forma) e por funções com componentes motores integrados (integração viso-motora: coordenação viso-motora, cópia, relação espacial e velocidade viso-motora), necessárias para a aquisição de habilidades escolares (leitura e escrita) e habilidades em atividades de vida diária12,13.

Com base nos dados obtidos, pôde-se observar que os escolares com distúrbios de aprendizagem apresentaram alterações percepto-viso-motoras, corroborando estudos descritos na literatura internacional13-16.

De acordo com alguns autores17,18, alterações de percepção visual, reconhecimento de detalhes, processamento simultâneo, organização visoespacial, integração das partes em um todo e de relação espacial fazem parte do déficit da integração visoespacial. Neste estudo, os escolares do grupo com distúrbios de aprendizagem apresentaram alterações que indicam déficit de percepção viso-motora, pois as habilidades de coordenação viso-motora, percepção de posição no espaço, constância de forma, cópia e velocidade viso-motora encontram-se abaixo do esperado para a idade e a escolaridade.

Com base nos achados deste estudo, as habilidades de percepção visual alteradas nos escolares com distúrbios de aprendizagem provavelmente são responsáveis pelo baixo desempenho acadêmico desses escolares em tarefa de cópia, leitura e escrita, uma vez que essas atividades requerem o uso de estratégias que envolvem o reconhecimento visual de formas e as posições no espaço, a percepção de detalhes e a velocidade de coordenação viso-motora, que oferecem significados às formas das letras, que, quando alteradas, comprometem o desempenho motor fino para a produção da escrita de letras e palavras, caracterizando o quadro de disgrafia em tais escolares13,19.

A partir deste estudo, investigações científicas com a finalidade de melhor estabelecer a relação percepto-viso-motora e a produção da escrita estão sendo realizadas, para melhor elucidar a relação entre a percepção visual, o aspecto motor fino e a escrita em escolares com distúrbios de aprendizagem.

 

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo nos permitiram concluir que os escolares com distúrbios de aprendizagem avaliados apresentaram desempenho inferior aos escolares com bom desempenho acadêmico em relação às habilidades de coordenação viso-motora, de posição no espaço, de cópia, de closura visual, de velocidade viso-motora e de constância de forma.

 

REFERÊNCIAS

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Correspondência:
Simone Aparecida Capellini
Av. Hygino Muzzy Filho, 737
Marília, SP, Brasil - CEP: 17525-900
E-mail: sacap@uol.com.br

Artigo recebido: 5/7/2011
Aprovado: 3/10/2011

 

 

Trabalho realizado na Prefeitura Municipal de Monte Alto (SAEEB - Serviço de Apoio Especializado à Educação Básica), Monte Alto, SP, Brasil.

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