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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.31 no.96 São Paulo 2014
ARTIGO ESPECIAL
Papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica
Vitor da Fonseca
Professor Catedrático Agregado, Universidade de Lisboa, Consultor Psicoeducacional do CORPE, Lisboa, Portugal
INTRODUÇÃO
Observando o cérebro em situação de aprendizagem, a neuroimagiologia confirma a ocorrência de macro e microtransformações neuronais, quer no surgimento e fortalecimento de sinapses, quer na criação de circuitos, redes e sistemas neurofuncionais, assim como no acréscimo de eficácia na velocidade de transmissão e precisão conexiva. Em qualquer processo de aprendizagem, portanto, inúmeros neurônios interagem sistemicamente e coíbem-se dinamicamente.
Saber como o cérebro evoluiu, evolui e funciona é determinante para o sucesso não só na aprendizagem como no ensino, o chamado processo ensino-aprendizagem, que consubstancia a característica única da espécie humana de transmitir a cultura intergeracionalmente, ou seja, entre seres maturos e experientes e seres imaturos e inexperientes1-5.
Apesar da capacidade de aprendizagem ser inerente a várias espécies, principalmente, às aves e aos mamíferos e, particularmente aos primatas, a espécie humana é a única que ensina de forma intencional e sistemática. Conhecer, portanto, quais são os fundamentos neuropsicopedagógicos da aprendizagem é crucial para aperfeiçoar o ensino. É dentro desse paradigma central da educação que iremos abordar o papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem.
A neuropsicopedagogia revela-nos as habilidades do cérebro, quer dos alunos quer dos professores. Nos alunos, quando se comportam de forma socialmente positiva, e quando aprendem a usar os instrumentos cognitivos (linguagem corporal, artística, falada, escrita e quantitativa) da cultura em que estão inseridos. Nos professores, quando transmitem, mediatizam e ensinam competências e conhecimentos, uma vez que está implícita no ato educativo uma interação entre dois sujeitos, isto é, uma intersubjetividade6-9.
Traduzir os dados de investigação das neurociências para a educação, com o objetivo principal de melhorar a aprendizagem dos alunos e o ensino dos professores, é um dos grandes desafios do século XXI, por essa razão, pensamos que a neuropsicopedagogia (neurociência educacional) não pode continuar a ser negligenciada pelas Ciências de Educação10,11.
Em síntese, a neuropsicopedagogia procura reunir e integrar os estudos do desenvolvimento, das estruturas, das funções e das disfunções do cérebro, ao mesmo tempo que estuda os processos psicocognitivos responsáveis pela aprendizagem e os processos psicopedagógicos responsáveis pelo ensino.
A neuropsicopedagogia pode ter um impacto positivo no desenvolvimento profissional dos professores e no sucesso intra e interpessoal dos alunos, motivo principal pelo qual escrevemos este texto. Como novo paradigma transdisciplinar, ela abre caminho à noção dos estilos de ensino e de estilos aprendizagem, e na base das suas investigações, rompe com os mistérios de como o cérebro humano processa informação e aprende.
De acordo com as suas formulações conceituais, o ensino já não é mais concebido como uma instrução, mas como uma transmissão cultural que combina a ciência com a arte, para criar ecossistemas de aprendizagem mais produtivos e onde todas as crianças aprendam, tendo em consideração a sua neurodiversidade.
Para ensinar com eficácia é necessário olhar para as conexões entre a ciência e a pedagogia - ensinar sem ter consciência como o cérebro funciona é como fabricar um carro sem motor. Não se vê o motor, mas sem ele o carro não anda.
O cérebro, como órgão da Civilização, logo da cognição e da aprendizagem, contém cerca de 100 bilhões de neurônios12-14. Cada neurônio ou célula nervosa é composto: de dendritos, prolongamentos pequenos que recebem informações proximais; de corpo celular ou soma, que contém o núcleo com o seu código genético e mitocôndrias que produzem energia; e de axônios, prolongamentos maiores que emitem informações distais. Cada uma dessas células nervosas pode ainda comportar 1.000 a 10.000 conexões com outros neurônios, tal é a incomensurabilidade da sua comunicação química e elétrica por via das sinapses15,16. Sem essa impressionante comunicação, a evolução e a educação da nossa espécie não seriam possíveis.
No seu todo, o órgão mais organizado do organismo e do universo possui cerca 1.200 a 1.350 centímetros cúbicos de volume, pesa cerca de 1.450 gramas, ou seja, cerca de 2% do peso do corpo, mas consome mais de 20% da sua energia disponível16-21. De fato, o cérebro é uma estrutura impressionante, que nos define quem somos como indivíduos únicos, totais e evolutivos, é a ela que devemos a nossa experiência de ensino e de aprendizagem do mundo envolvente.
As suas fibras nervosas, se esticadas, podem chegar a alcançar perto de 170 mil quilometros, perfazendo cerca de 4 voltas à Terra, algo transcendente e extraordinário. A sua rede neuronal pode atingir 100 trilhões de sinapses e possuir mais de uma dezena de centros hiperconectados ou módulos que facilitam o fluxo de tráfego de informações e a sua rápida transmissão entre as diferentes zonas do cérebro e do corpo, consubstanciando o organismo mais complexo do cosmos que é conhecido19,20.
Encolhido e enrugado no crânio, implantado evolucionariamente no topo do corpo, o cérebro com as suas fibras e redes superintrincadas, em série e em paralelo, é a nossa pequena-grande intranet, para exprimir a cognição e para aprender a aprender10,22.
Efetivamente, em termos neuropsicopedagógicos, os neurônios podem ser considerados as células da aprendizagem, pois são elas em si, mais a interação que recriam com as células denominadas glias, que sustentam e consolidam, somaticamente, qualquer tipo de aprendizagem, seja a mais simples de tipo sensório-motor, práxica, não-simbólica ou não-verbal, seja a mais complexa do tipo operacional, simbólica ou verbal, como são a leitura, a escrita e a matemática.
A cognição e a inteligência humana emergem dos neurônios que constituem, principalmente, o neocórtex humano - o maior do reino animal -, uma camada de seis camadas (molecular, granular externa, piramidal externa, granular interna, piramidal interna e multiforme) com alguns milímetros de espessura enrugada, circunvolucionada e sulcada, que recobre a quase totalidade da superfície dos dois hemisférios cerebrais23-26.
O hemisfério direito e o hemisfério esquerdo, grandes sistemas complementares de tratamento de informação, hiperligados pelo corpo caloso, mas curiosamente vocacionados para distintas formas do seu processamento e armazenamento. O primeiro, mais centrado na novidade, na globalidade e na criatividade, que assume a prioridade da aprendizagem, e o segundo, mais enfocado na rotina, na análise e na complexidade, que consolida a sua sequencialidade "perfeitológica".
A rede principal do neocórtex é composta, na sua maioria, por axônios e interneurônios, que transmitem informação a outras células, quer a nível proximal, quer distal, assim como, por células especiais em forma de castiçal, que são capazes de ativar simultaneamente múltiplas zonas cerebrais, além de células piramidais gigantes capazes de executar comandos até às extremidades do corpo (pés, mãos e boca) com as quais o ser humano expressa a sua motricidade, a sua sensibilidade e a sua cognitividade20.
Por efeitos dessa imensa interconectividade e de uma mais eficaz e veloz comunicação entre os neurônios, o cérebro humano expandiu-se ao longo da evolução, de forma exponencial, nas zonas corticais, e de forma menos dilatada, nas zonas subcorticais.
Expandiu-se essencialmente nos seus lobos sensoriais posteriores, ou seja, no lobo occipital dedicado ao processamento visual, no lobo temporal especializado no processamento auditivo e no lobo parietal devotado ao processamento tátil-cinestésico, que no seu conjunto se pode considerar como o córtex de reconhecimento, mas também se expandiu no seu lobo frontal anterior e motor, particularmente no córtex pré-frontal de forma singular, fazendo dele uma superestrutura supereficaz e uma espécie de chefe de orquestra de todas as funções mentais, que no seu todo se pode considerar como o córtex estratégico27-29.
Não é de surpreender, portanto, que qualquer processamento de informação ou qualquer ato de cognição exija uma íntima conectividade entre os sistemas corticais de reconhecimento e os sistemas corticais estratégicos. Qualquer tipo de aprendizagem fluente e automatizada, comprovam-no em termos de imagiologia funcional.
Por meio dessa impressionante conectividade com as demais áreas cerebrais (gânglios da base, sistema límbico, tálamo, tronco cerebral e cerebelo), de onde emergiram complexas redes neurofuncionais, um novo patamar de capacidades superiores, ditas cognitivas, conativas e executivas, profundamente interconectadas sistemicamente foi então possível de atingir na filogênese humana19.
Como no cérebro humano existem inúmeros neurônios interconectados por sinapses mais potentes, a virtualidade e a velocidade da transmissão nervosa tornou-se sequencialmente mais longa, permitindo uma performance não só mais monitorizada, como mais planificada e regulada.
A cognição, a conação e a execução que fazem parte da plenitude das faculdades mais subtis e superiores do ser humano, emanam, portanto, da coatividade de milhões de neurônios, resulta, consequentemente, de mecanismos biológicos e substratos neurológicos do cérebro, demonstrando a impossibilidade de separar a função do sistema nervoso de qualquer forma de aprendizagem, seja da mais natural, simples e não-verbal, seja a mais cultural, complexa e verbal.
Qualquer aprendizagem humana emerge, consequentemente, de múltiplas funções, capacidades, faculdades ou habilidades cognitivas interligadas, quer de recepção (componente sensorial - input), quer de integração (componentes perceptiva, conativa, mnésica e representacional), quer de planificação (componentes antecipatória e decisória), quer finalmente, de execução ou de expressão de informação (componente motora - output).
A arquitetura do funcionamento do sistema cognitivo humano ilustra, assim, a interação contígua, contínua e holística da informação entre o envolvimento e o organismo materializada em redes neuronais que asseguram a conexão das unidades de entrada, com as unidades de saída, ambas mediadas por redes centrais que permitem a integração, a retenção, a recirculação, a reciclagem, a auto-organização e a retroação da informação, isto é, tornam-a uma rede neurofuncional especialmente apta para aprender (Figura 1).
Tratam-se de predisposições ou tendências da cognição humana, a que nos dedicamos em outras obras30-34, mas que não se esgotam na teoria de aprendizagem do processamento de informação, porque o ser humano não se resume a um mero computador, pois é dotado também de autopreservação e conação, isto é, de sensibilidade, de personalidade e de sociabilidade.
Além de processar informação que espelha a sua consciência cognitiva, o ser humano sente-a, registra-a, internaliza-a e tem tendências preferenciais, emocionais, motivacionais e motoras por ela. É, portanto, possuidor de uma consciência conativa (da noção de conatus de Espinoza brilhantemente aprofundada por Damásio35-37), e de uma consciência executiva, pois somos a única espécie que tem consciência que tem consciência.
Eis aqui o paradigma da aprendizagem humana que queremos explorar, razão pela qual desejamos evocar a estreita intrincação e interação das funções cognitivas com as funções conativas e executivas.
Vejamos, em primeiro lugar, as funções cognitivas e, em seguida, as funções conativas e executivas.
FUNÇÕES COGNITIVAS DA APRENDIZAGEM
Explicar a cognição e intervir na sua modificabilidade, que é um dos objetivos cruciais da educabilidade do ser humano, a que já nos referimos em outras obras30,31, pressupõe, em primeiro lugar, concebê-la como tendo origem social1,5,38,39 e como sendo composta por três componentes principais do processo total de informação em estreita conectividade, sequencialidade e interatividade, conforme modelo simplificado apresentado na Figura 2.
O termo cognição é, consequentemente, sinônimo de "acto ou processo de conhecimento", ou "algo que é conhecido através dele", o que envolve a coativação integrada e coerente de vários instrumentos ou ferramentas mentais, tais como: atenção; percepção; processamento (simultâneo e sucessivo); memória (curto termo, longo termo e de trabalho); raciocínio, visualização, planificação, resolução de problemas, execução e expressão de informação. Naturalmente que tais processos mentais decorrem por um lado da transmissão cultural intergeracional, e por outro, da interação social entre seres humanos que a materializam1.
A cognição é, portanto, sistêmica, emerge do cérebro como o resultado da contribuição, interação e coesão do conjunto de funções mentais acima apontadas que operam segundo determinadas propriedades fundamentais30,31, a saber:
- totalidade (noção de integração);
- interdependência (noção de coibição);
- hierarquia (noção de maturidade e complexidade);
- autorregulação (noção de busca de objetivos e fins a atingir);
- intercâmbio (noção de referência e efeito da experiência);
- equilíbrio (noção de homeostasia);
- adaptabilidade (noção de modificabilidade); e finalmente,
- equifinalidade (noção de vicariedade, ou seja, de execução e duplicação do pensamento pela ação).
Para simplificar, diremos que a aprendizagem humana espelha uma mudança de comportamento provocada pela experiência prolongada (no mínimo 2.000 horas de prática sistemática), sendo este descrito como uma sequência de operações e estádios mentais que compreendem, conforme o modelo acima apresentado, uma outra tríade de funções e subfunções cognitivas:
- funções de input, de recepção ou de captação (atenção sustentada; percepção analítica; sistematização na exploração de dados; discriminação e ampliação de instrumentos verbais; orientação espacial com sistemas de referência automatizados; priorização de dados; conservação e agilização de constâncias (tamanho, forma, quantidade, profundidade, movimento, cor, orientação, dados intrínsecos e extrínsecos, etc); precisão e perfeição na apreensão de dados; filtragem, fixação, focagem e flexibilização enfocada de fontes de informação simultânea; etc;
- funções de integração, retenção e de planificação (definição detalhada de situações-problema; seleção de dados relevantes; minimização e eliminação de dados irrelevantes; comparação, classificação e escrutínio de propriedades comuns e incomuns de dados; estabelecimento de comparações, ligações, semelhanças, dissemelhanças, analogias; memorização, retenção, localização, manipulação e recuperação da informação; ampliação do campo mental em jogo; integração sistemática da realidade; estabelecimento de relações e de sistemas de relações; organização e monitorização dos meios necessários; supervisão das situações e dos problemas; elaboração conceptual; formulação ideacional; utilização de comportamentos quantitativos; exploração da evidência lógica; utilização do pensamento dedutivo, inferencial, crítico e criativo; desenho de estratégias para testagem de hipóteses; planificação, antecipação e pragmatização de objetivos, fins e resultados; visualização e interiorização da informação; flexibilização de procedimentos; etc.;
- funções de output, de execução ou de expressão (comunicação clara, conveniente, compreensível, desbloqueada e contextualizada; projeção de relações virtuais; transposição psicomotora (transporte ideatório, ideomotor e visuográfico); expressão verbal fluente e melódica; regulação, inibição, iniciação, persistência, perfeição, verificação, conclusão e precisão de respostas adaptativas; enriquecimento de instrumentos não-verbais e verbais de expressão; avaliação e retroação das soluções criadas; etc.);
Embora a cognição humana não possa ser reduzida a um modelo de processamento de informação puro (metáfora computacional), por efetivamente ilustrar um modelo exageradamente simples, é consensual equacionar que a cognição e o ato de aprender envolvem a integração dinâmica, coerente e sistêmica das três ferramentas cognitivas principais acima referidas12,16,30,31,40,41.
Trata-se de uma teoria que foi fundadora das ciências cognitivas, principalmente da inteligência artificial, da cibernética e da robótica, que serve para explicar, de modo fácil e acessível, o que é a cognição e o que se passa mais ou menos na cabeça dos alunos quando aprendem ou quando pensam e agem de forma inteligível.
Identificar naquelas três funções principais do ato mental as suas subfunções ou capacidades componentes fortes, proximais ou fracas é um primeiro passo para avaliar dinamicamente, e depois, intervir personalizadamente na cognição do indivíduo (aluno, formando, etc.), não esquecendo que, quando falamos de cognição, na nossa ótica falamos, simultaneamente, de conação e de execução, a tríade funcional da aprendizagem a que já nos referimos.
Aprender a aprender é, portanto, praticar, treinar, aperfeiçoar e redesenvolver tais funções e capacidades cognitivas, integrando harmoniosamente as capacidades conativas e executivas, que são pouco estimuladas culturalmente e escolarmente, por isso, mal adaptadas, deficitárias, frágeis ou fracas em muitas crianças e jovens que lutam diariamente na sala de aula para terem mais rendimento e aproveitamento na aprendizagem.
O treino de funções cognitivas, conativas e executivas é, quanto a nós, uma das chaves do sucesso escolar e do sucesso na vida, quanto mais precocemente for implementado, mais facilidade tende a emergir nas aprendizagens subsequentes.
O aperfeiçoamento e o enriquecimento da tríade de funções mentais da aprendizagem resulta de uma alquimia neuropsicopedagógica complexa porque elas influenciam-se mutuamente em termos de comportamento, de performance e produtividade.
De fato, à luz das neurociências, as funções cognitivas operacionais e sistêmicas, como: o enfoque e a concentração atencionais; o processamento simultâneo e sucessivo, analítico e sintético, rápido e preciso de dados; a memória de trabalho; o raciocínio analógico, indutivo e dedutivo; a planificação, a elaboração e a execução de soluções de problemas e de respostas adaptadas a situações ou tarefas têm um impacto direto, funcional ou disfuncional, nas funções conativas e executivas.
FUNÇÕES CONATIVAS DA APRENDIZAGEM
As funções conativas, no seu aspecto mais positivo, pois encerram igualmente um aspecto negativo, dizem respeito em termos simples à motivação, às emoções, ao temperamento e à personalidade do indivíduo42.
Em termos de substratos neurológicos falamos do sistema límbico (córtex afetivo), uma região subcortical mais profunda do cérebro e envolvida, digamos assim, nas relações do organismo com o seu envolvimento presente e passado (imediato, curto e longo prazo), integrando estruturas muito importantes para a memória e a aprendizagem, como a amígdala, o hipocampo, o córtex cingulado e os corpos mamilares16,37,43-46.
A conação, na sua essência semântica, é sinônimo de estado de preparação do organismo para certas tarefas ou situações, particularmente as que têm valor de sobrevivência (ameaça, perigo, ansiedade, insegurança, desconforto, etc.).
Pode ser concebida igualmente, como autopreservação, de bem-estar e de interação social, que incluem representações indutoras de sentimentos (conscientes ou inconscientes, positivos ou negativos). A palavra conação tem raízes no termo latino de "conatus" pela primeira vez introduzido por Espinoza, grande filósofo racionalista do século XVII.
Diferentemente de Descartes, Espinoza não acreditava nas dualidades do espírito e da matéria ou da mente e do corpo, os seus "teoremas éticos", abriram caminho ao estudo da rede de comunicação entre o corpo, o cérebro e a mente como um sistema interativo complexo altamente distribuído e com grandes graus de liberdade, mas possuidor de um "posto de comando", um "Eu", considerado como atributo fundamental de uma mente consciente29,37,47,48.
No pensamento de Espinoza, o comportamento humano é determinado por emoções, consideradas como a força principal de impulsos naturais que emanam do corpo e o impelem para a ação, disposições tônico-energéticas essas que visam a preservar a essência mais profunda do ser humano com a criação subsequente de sentimentos de si e dos outros.
As emoções resultam, portanto, de simples e complexas reações que facilitam a sobrevivência do organismo e, por isso, podem ser preservadas ao longo da evolução, como se a natureza conservasse a vida como algo precioso e precário37.
As emoções consideradas como: estados ou processos que preparam o organismo para certos comportamentos; reações psíquicas a determinadas circunstâncias; esquemas de ação adaptativos; impulsos internos; "inner drives", somatizações; etc., que precedem os sentimentos e emergem do corpo em termos evolutivos e desenvolvimentais, podem ser similares a dois tipos de procedimentos adaptativos: os facilitadores, marcados por inclinações, predileções, propensões, tendências, etc., e os inibidores, marcados por bloqueios, resistências, desmotivações, sofrimentos, etc.
Ambos os processos, ditos conativos, como é óbvio, têm um poderoso impacto nas funções cognitivas, por um lado, e nas funções executivas, por outro, logo, têm uma influência dominante em todo o processo complexo da aprendizagem humana16,31,42,48.
Tais autopreservações de sobrevivência do organismo, que ocorrem no indivíduo aprendente imaturo, quando colocado em situação de dificuldade ou estresse de aprendizagem ou até em situação de interiorizar novos esquemas mentais, podem afetar a disponibilidade, o empenho, o equilíbrio, a decisão, o investimento, o esforço e a diligência para a modificabilidade adaptativa.
Podem mesmo, em termos comportamentais, evocar processos de internalização (estagnação, passividade, insipidez, improdutividade, evitamento, alheamento, etc.), ou de externalização (rejeição, recusa, repulsa, distância, oposição, negação, instabilidade, agitação, etc.).
A aprendizagem humana dificilmente decorre numa atmosfera de sofrimento emocional, de incompreensão penalizante ou debaixo de uma autorepresentação ou autoestima negativas, exatamente porque ela tem, e assume sempre, uma significação afetiva, isto é, conativa.
Como resultado positivo de tais significações emocionais, os sistemas afetivos subcorticais operacionalizam prioridades, desenvolvem preferências, constróem confianças e seguranças, mobilizam persistências e resiliências face a dificuldades ou limitações, numa palavra, conjugam atitudes que cuidam da aprendizagem, não só da sua automaticidade e fluência como da sua perfectibilidade e intencionalidade.
Em contrapartida, vulnerabilidades do sistema límbico podem criar barreiras a tais habilidades conativas, podem mesmo explicar a desmotivação, a desorganização, a desplanificação, a perda de estratégias de atenção, criação, busca e conquista de objetivos e fins a atingir, etc., que se repercutem quer nas funções cognitivas, quer nas funções executivas.
Com hesitações e fragilidades nas funções conativas, as funções cognitivas e as funções executivas tendem a perder a sua coerência e a sua sinergia, a consequência óbvia é uma desfocagem atencional, um desinvestimento emocional e uma escotomização cognitiva.
A conação diz respeito, em síntese, à motivação, ao temperamento e à personalidade, subentende o controle e a regulação tônico-energética e afetiva das condutas, ou da realização e conclusão de tarefas de aprendizagem, reforçando, assim, a inseparabilidade e irredutibilidade das funções cognitivas, conativas e executivas.
A conação coloca em jogo, em termos disposicionais, intencionais e tendenciais, três componentes de otimização funcional (Figura 3):
- a de valor (porque faço a tarefa);
- a de expectativa (que faço com a tarefa);
- a afectiva (como me sinto na tarefa).
Pela relevância que possuem em termos de disposição quase inata de preservação do eu e da luta pelo seu equilíbrio face a uma determinada tarefa de aprendizagem ou situação-problema, as funções conativas não podem ser separadas das funções de processamento nem das funções executivas da informação.
As funções conativas, assumem por essa natureza um papel crucial na aprendizagem, pois, sem a dimensão homeostásica da afetividade, a aprendizagem não se desenrola como um todo funcional harmonioso, nem se transforma num estado de plasticidade ou de perfetibilidade e automaticidade32. As funções cognitivas, conativas e executivas constituem-se como atributos paralelos e convergentes de uma mesma função integradora e transcendente que é a aprendizagem.
A transição do organismo operada em qualquer aprendizagem de um estadio inicial e imaturo para um estadio final e fluente, seja aprender a nadar ou a andar de bicicleta, seja aprender a ler ou a escrever, reveste-se de um aperfeiçoamento de desempenho que envolve um sentimento de competência, de prazer, e mesmo, de liberdade.
Em contrapartida, quando a aprendizagem gera desequilíbrios funcionais e emocionais, quer cognitivos, quer executivos, as funções conativas podem impedir a coordenação neurofuncional ótima requerida pela aprendizagem, nesse caso podem então ocorrer sentimentos de incompetência, de desprazer, e mesmo, de desconforto e insegurança.
As funções cognitivas não podem ser concebidas numa mera visão computacional, pois não podemos esquecer que os computadores não têm predadores, não se socializam, não se enamoram, apaixonam ou acasalam. Ao contrário dos cérebros dos seres humanos, os computadores não dispõem de funções conativas.
Na dimensão de uma aprendizagem bem sucedida, as funções conativas positivas nutrem o interesse, o desejo, a motivação, a curiosidade, o empenho, o esforço, a diligência, o entusiasmo, o prazer, o sentimento de competência, a autorrealização e a autoeficácia e outras necessidades superiores exclusivas da espécie humana49.
No seu aspecto negativo (no caso do insucesso escolar ou das dificuldades de aprendizagem globais ou específicas), as funções conativas podem dar origem a estados emocionais opostos, como: a desmotivação, o desprazer, o desespero, o desgosto, o desencanto, a frustração, a fuga, a rejeição, o estigma, a opressão, o afrontamento, a indisciplina, o fastio, os mecanismos de defesa, etc., que podem provocar dissonância e disrupção na aprendizagem e bloquear e fragmentar as funções cognitivas e as funções executivas.
Como o nosso cérebro está sempre aprendendo, ele também pode aprender a não aprender ("learned helplessness"), por via do esgotamento das funções conativas da autoestima, da autodeterminação e da autoconfiança, as verdadeiras disposições mágicas para gostar de aprender32,50.
É fácil perceber que as funções cognitivas interagem dialeticamente com as funções conativas no processo dinâmico da aprendizagem. Por um lado, porque as funções cognitivas respeitam ao processamento da informação, por outro, porque as funções conativas integram a motivação e o esforço anímico das condutas que a executam e a pragmatizam.
Em traços simples, as funções conativas são a punção ou impulsão energética das funções cognitivas, e porque estão adstritas à performance e ao desempenho, elas cooperam com as funções executivas na otimização comportamental e na aprendizibilidade permanente.
O afetivo, o cognitivo e o executivo estão em interação constante no processo da aprendizagem, porque as suas funções são indissociáveis em termos neurofuncionais, e porque os seus substratos neurológicos têm de operar em sintonia48.
O cérebro humano dispõe de substratos neurológicos que são responsáveis pela gratificação ou recompensa decorrente do êxito ou do triunfo adaptativo, por isso, somos a espécie mais dependente da aprendizagem, nascemos para aprender a aprender se a conação estiver disponível e implícita.
Porque as funções cognitivas bem aplicadas e bem sucedidas geram gratificação, recompensa, entusiasmo, curiosidade e satisfação e produzem uma representação valorizante no próprio indivíduo, as suas funções conativas também são enriquecidas, resultando daí: mais empenho; mais esforço; mais motivação intrínseca que extrinseca; mais estudo; mais perseverança; mais atenção sustentada; melhor gestão do tempo; mais planificação de esforços; mais disciplina; mais poder de síntese; mais criatividade; etc. Numa palavra, o indivíduo investe mais no aperfeiçoamento das suas competências performáticas e aprende melhor e mais continuadamente, reunindo assim melhores condições favoráveis à sua autorrealização49.
À luz das neurociências, como temos apresentado, as funções conativas estão intimamente agregadas neurofuncionalmente e sistemicamente às funções cognitivas já abordadas e às funções executivas que abordaremos em seguida. O ser humano (aluno, formando, estagiário, etc.) não é, consequentemente, concebido apenas como um sistema de processamento de informação, mas sim como um ser relacional e emocional, como um sujeito histórico-social constituído por atitudes e por condutas1,5.
Além das funções cognitivas e das conativas a que já nos referimos sumariamente, importa sublinhar que a aprendizagem bem sucedida envolve também outro conjunto de habilidades consideradas críticas, isto é, as funções executivas.
FUNÇÕES EXECUTIVAS DA APRENDIZAGEM
Pela importância que as funções executivas têm na otimização e no controle da prestação cognitiva e conativa, quer em situação de sobrevivência e de adaptação ao meio, quer de aprendizagem, de comportamento e de interação social51-55, vejamos em particular alguns dos seus pontos mais relevantes para a educação e para o sucesso escolar ("academic success").
As funções executivas coordenam e integram o espectro da tríade neurofuncional da aprendizagem, onde estão conectadas com as funções cognitivas e conativas que acabamos de abordar. O seu piloto, diretor executivo, líder ou maestro neurofuncional avançado é o córtex pré-frontal, região que ocupa no cérebro humano quase um terço do seu volume cortical29.
Como posto de comando que é do cérebro, o córtex pré-frontal tem que manter excelentes linhas de comunicação com todas as outras áreas, sendo mesmo a sua região mais conectada, daí a sua função de coordenação e de integração das funções cognitivas e conativas na aprendizagem.
O córtex pré-frontal está intimamente conectado com o córtex associativo posterior, a mais elevada estrutura de integração perceptiva e de reconhecimento multissensorial (visual, auditivo e tatil-cinestésico), e obviamente conectado com o córtex pré(psico)motor, com os gânglios da base e com o cerebelo, todos envolvidos na planificação, controle e execução da motricidade20,33,56.
Essa área, em termos evolucionistas16,19,29, é considerada a mais recente do cérebro humano, a que atingiu comparativamente maior desenvolvimento e mais conectividade, é igualmente a que leva mais tempo a maturar ontogeneticamente.
Por alguma razão, as neurociências elegem-na como a área responsável pela regulação, supervisão e controle performático das ações, das emoções, dos pensamentos e dos comportamentos, denominada por essas disposições neurofuncionais como o processo centrífugo, descendente, eferente ("top-down") ou de output de informação.
Em resumo, trata-se do processo regente que liga o homúnculo do cérebro aos músculos do corpo, pelas vias pré(psico)motoras, suplementares, planificadoras, piramidais e terminais, logo, enredado e comprometido com as funções superiores de aprendizagem e de comportamento. Em resumo, o lobo frontal é responsável pela planificação e execução da ação.
O córtex pré-frontal contém, ainda, um substrato superior, o dorsolateral que é responsável pela produção de trabalho e pela sua supervisão e (meta)cognição, ou seja, compreende a central de expressão do comportamento onde se operam funções estratégicas de enorme importância para a sobrevivência, para a adaptação ao meio ambiente e, obviamente, para a aprendizagem escolar.
São exemplo dessas funções intencionais de sagacidade: a iniciação e a planificação; a elaboração e organização de estratégias; a sustentação da atenção; a flexibilidade e a plasticidade comportamental; a mudança estratégica; a inibição e o autocontrole; a programação, a desprogramação e a reprogramação de condutas; a monitorização, avaliação e verificação de respostas adaptativas ou comportamentais; etc, além de outras.
Obviamente que as disfunções executivas dorsolaterais podem apresentar traços característicos de inatenção, desplanificação, desorganização e concomitantes limitações de acesso à memória de trabalho, nesse contexto, tais disfunções executivas aproximam-se de vários sintomas das Perturbações ou Transtornos de Hiperatividade e Déficit de Atenção (PHDA) e das Dificuldades de Aprendizagem Específicas (DAE) com que co-ocorrem frequentemente, daí a noção de comorbilidades entre elas54. Em síntese, todas as disfunções executivas referidas têm um impacto significativo em dificuldades de comportamento e de aprendizagem.
A mesma estrutura neurológica frontal contém também um outro substrato inferior, o orbital, que é responsável pela gestão do comportamento em geral, pela regulação emocional e social, podendo envolver o controle e a modulação de impulsos, bem como a decisão e a direção de comportamentos complexos. Por analogia, as disfunções executivas orbitais poderão causar outros sintomas da PHDA e de DAE, como a impulsividade verbal e gestual e o descontrole emocional, sintomas estes bem conhecidos por médicos, psicólogos, professores, terapeutas e outros especialistas que acompanham os problemas de desenvolvimento e de aprendizagem de muitas crianças e jovens.
Na idade digital atual em que nos encontramos, temos efetivamente que preparar os nossos estudantes para a fluência e excelência tecnológica, mas também temos de treiná-los para dominar e manejar competências nos processos executivos necessários às aprendizagens escolares.
Para ter sucesso escolar o estudante deve evocar um conjunto muito diversificado de competências executivas, a saber: estabelecer objetivos; planificar, gerir, predizer e antecipar tarefas, textos e trabalhos; priorizar e ordenar tarefas no espaço e no tempo para concluir projetos e realizar testes; organizar e hierarquizar dados, gráficos, mapas e fontes variadas de informação e de estudo; separar ideias e conceitos gerais de ideias acessórias ou de detalhes e pormenores; pensar, reter, manipular, memorizar e resumir dados ao mesmo tempo que lêem; flexibilizar, alterar e modificar procedimentos de trabalho e abordagens a temas e tópicos de conteúdo, aplicando diferentes estratégias de resolução de problemas; manter e manipular informação na memória de trabalho; automonitorizar o progresso individual e do grupo de trabalho; autorregular e verificar as respostas produzidas e a conclusão, revisão e verificação de tarefas, projetos, relatórios e trabalhos individuais ou de grupo; refletir e responsabilizar-se pelo seu estudo e sobre o seu aproveitamento escolar; etc. O estudante, por definição, é um ser executivo, sem pôr em prática tais habilidades, aprender não vai ser fácil nem prazeroso para ele.
A maioria das tarefas escolares exige, de fato, a coordenação e a integração coerente das múltiplas funções executivas, não é de estranhar, portanto, que muitas crianças e jovens com disfunções ou dificuldades executivas ou com funções executivas vulneráveis e afuniladas, apresentem problemas de sobrecarga de informação (onde o input excede o output), de produtividade, de eficácia e de precisão nos seus desempenhos escolares57,58.
Ler e compreender, formular ideias e escrevê-las, apreender enunciados de problemas matemáticos e planificar uma série de procedimentos e operações para chegar à solução correta podem revelar a luta titânica que muitas crianças e jovens travam na sala de aula.
Em muitos casos, a rotura entre as competências dos alunos e as exigências do currículo é tão abismal que muitas disfunções executivas acabam por estar na raiz das dificuldades de aprendizagem e suas comorbidades52.
Quer na pré-escola ou no 1º ciclo de escolaridade, muito mais ainda no 2º e no 3º ciclo, e claramente, no ensino universitário, as exigências das funções executivas eficientes vão sendo maiores. As avaliações ou notas de alunos com perfis disexecutivos podem não refletir o seu potencial de aprendizagem, porque são a parte submersa do iceberg das suas capacidades.
É a esse conjunto diversificado de competências mentais e frontais que denominamos por funções executivas, funções muito significativas que são exigidas para organizar e integrar informação disponível que não só nos surge hoje, muito mais vasta (exemplo da Internet), como é permanentemente sujeita a mudanças muito mais rápidas e imprevisíveis.
Nas escolas contemporâneas, cada vez mais se sujeitam os alunos a múltiplas tarefas, tais como: leituras longas; resumos, notas e apontamentos escritos complicados; resolução de problemas de matemática muito longos e complexos; projetos de trabalho prolongados; testes e exames exigentes; que objetivamente dependem, em muito, das funções executivas que estamos abordando57.
Nesse contexto, é cada vez mais esperado que os alunos sejam proficientes: a tirar apontamentos; a estudar; a prepararem-se para testes mais frequentes, isto é, exige-se deles funções executivas muito eficazes e fluentes, para as quais, porém, nunca foram ensinados ou treinados intencionalmente e sistematicamente.
Sendo funções tão essenciais e necessárias ao sucesso escolar, a cultura da escola, os arquitetos dos currículos e os próprios professores, na maioria dos casos, desconhecem os processos executivos dos alunos, não avaliando-os dinamicamente ou informalmente (em áreas fortes, em zonas de desenvolvimento proximal ou em áreas fracas), nem tampouco ensinam sistematicamente estratégias, para que eles sejam ajudados a compreender como eles pensam, se comunicam, agem e como aprendem.
Como é fácil perceber, o sucesso escolar dos alunos depende muito da sua habilidade para manejar as funções executivas, quer na escola, quer em sua casa ou na sua vida diária. Parece óbvio que a escola em geral e os professores em particular têm que compreender o papel dessas funções no sucesso escolar dos alunos, a sua formação profissional e educacional não pode continuar a descorar tais funções, nem desistir de ensinar estratégias dirigidas especificamente para o seu enriquecimento.
Trata-se de uma necessidade educacional essencial e atual, que não pode ser esquecida. Alunos com vulnerabilidades e fragilidades nessas funções são mais facilmente candidatos ao sofrimento emocional, ao insucesso e ao abandono escolar.
As funções executivas podem ser definidas como processos mentais complexos pelos quais o indivíduo otimiza o seu desempenho cognitivo, aperfeiçoa as suas respostas adaptativas e o seu desempenho comportamental em situações que requerem a operacionalização, a coordenação, a supervisão e o controle de processos cognitivos e conativos, básicos e superiores. De certa forma, reúnem um conjunto de ferramentas mentais que são essenciais para aprender a aprender32.
Tendo sido estudadas, principalmente, por neurologistas e neuropsicólogos, que reforçaram o papel crucial e principal do córtex frontal no controle dos comportamentos intencionais que são afetados pelas suas lesões ou disfunções, mais recentemente, os reeducadores, os terapeutas educacionais e os professores do ensino especial, além de outros profissionais de educação, começaram a reconhecer a importância das funções executivas no desempenho educacional.
Compreender o papel das funções executivas na aprendizagem oferece uma nova perspectiva sobre muitos alunos que sendo brilhantes intelectualmente não têm um rendimento compatível com o seu potencial, além de apresentarem novas visões sobre muitos alunos ditos fracos (ou "maus alunos"), com diferenças, dificuldades ou preferências de aprendizagem que aprendem com melhores resultados em situações de ensino mais mediatizadas31,32 ou com tarefas menos complexas, de curta duração e muito bem estruturadas e sistematizadas.
Por esse fato, as disfunções executivas são frequentemente associadas a alunos com dificuldades atencionais e com dificuldades de aprendizagem específicas (por exemplo, disgnosias, dispraxias, disfasias, dislexias, disgrafias, disortografias, dismatemáticas, etc.), a nossa experiência clínica de 40 anos com mais de 5.500 casos observados e seguidos, evidencia, constata e confirma essa co-ocorrência de disfunções desenvolvimentais.
Tratam-se de funções metacognitivas fundamentais para a aprendizagem, funções executivas que permitem, manter, gerir e manipular a informação, alterar ou inibir procedimentos quando necessário, agir em função de objetivos a atingir, pensar no pensar, etc.
Compreendem, efetivamente, as ferramentas metacognitivas características de mentes motivadas e curiosas que permitem atingir, de fato, a perfectibilidade e a excelência cognitiva, quando devidamente treinadas e trabalhadas.
Dentro das definições das funções executivas, que conceitualmente configuram um modelo de "roda da sorte" (Figura 4), destacamos, sumariamente, as seguintes:
- atenção (sustentação, foco, fixação, seleção de dados relevantes dos irrelevantes, evitamento de distratores, etc);
- percepção (intraneurossensorial, interneurossensorial, meta-integrativa, analítica e sintética, etc);
- memória de trabalho (localização, recuperação, rechamada, manipulação, julgamento e utilização da informação relevante, etc);
- controle (iniciação, persistência, esforço, inibição, regulação e auto-avaliação de tarefas, etc);
- ideação (improvisação, raciocínio indutivo e dedutivo, precisão e conclusão de tarefas, etc);
- planificação e a antecipação (priorização, ordenação, hierarquização e predição de tarefas visando a atingir fins, objetivos e resultados, etc);
- flexibilização (autocrítica, alteração de condutas, mudança de estratégias, detecção de erros e obstáculos, busca intencional de soluções, etc);
- metacognição (auto-organização, sistematização, automonitorização, revisão e supervisão, etc);
- decisão (aplicação de diferentes resoluções de problemas, gestão do tempo evitando atrasos e custos desnecessários, etc);
- execução (finalização e concomitante verificação, retroação e reaferênciação, etc).
É fácil perceber pela lista simplificada apresentada como é importante treinar as funções executivas no âmbito da intervenção psicopedagógica e, especialmente, no contexto da educabilidade cognitiva, para que o potencial de aprendizagem das crianças e dos jovens possa ser maximizado, otimizado, regulado, controlado, enriquecido, potenciado e educado, assim, mais preparado para as exigências e pré-requisitos de situações-problema, quer da escola, quer da vida futura.
A criação de hábitos executivos que presidem o funcionamento cognitivo global do sujeito aprendente ou maturescente é muito importante para qualquer aprendizagem simbólica, seja da leitura, da escrita ou da matemática, como são para o seu bem-estar, sejam na expressão de hábitos de reconhecimento social, de uso de competências de interação e de mediatização, de orientação visuoespacial, visuoconstrutiva, visuográfica e de performance corporal, cinestésica e lúdica, mais consideradas como aprendizagens não-simbólicas.
A área do cérebro implicada na ativação, coordenação, integração e gestão dessas funções executivas, como já vimos, é o córtex pré-frontal, uma superestrutura que integra a terceira unidade neurofuncional luriana, a sede das faculdades humanas superiores30,33,40,59-61.
Para muitos investigadores, o córtex pré-frontal é a estrutura considerada patrão, chefe, gestora, administradora ("brain manager"), de todas as atividades volitivas e intencionais, tal é a sua importância na aprendizagem e no sucesso escolar.
Efetivamente, o lobo frontal humano, segundo Damásio39,51, estudando o famoso caso seminal de Phineas Gage, retrata na sua lesão ou disfunção a deterioração dos comportamentos sociais e humanos mais sutis, tornando-os extremamente desviantes, atípicos, erráticos, hiperativos, desatentos, bizarros, desplanificados, episódicos e impulsivos.
Torna-se aqui importante chamar a atenção para que nas relações cérebro-comportamento é fundamental distinguir que há diferenças cerebrais significativas, entre a criança e o adulto, assim, entre os efeitos de uma lesão em um cérebro maturo (onde há mais literatura publicada) e uma disfunção em um cérebro imaturo e em desenvolvimento, todavia o estudo do caso acima referido dá-nos uma explicação básica sobre o papel do lobo frontal e, especialmente, do seu córtex pré-frontal, nas funções atencionais, comportamentais, cognitivas, conativas e executivas e, consequentemente, na aprendizagem escolar.
O córtex pré-frontal encontra-se imaturo antes dos 20 anos, por certa turbulência dinâmica da substância cinzenta, a substância integradora, por excelência, dos circuitos e redes neuronais da aprendizagem, por isso não é de se estranhar que as síndromes disexecutivas (ou as disfunções executivas) tenham tantas repercussões no comportamento e na aprendizagem de muitas crianças e adolescentes53,58,62.
As funções executivas são funções transversais de qualquer tipo de aprendizagem, compreendem funções de controle e de regulação do conjunto do funcionamento mental, assumindo, por analogia, as funções de um maestro numa orquestra, a orquestra da aprendizagem.
Não se tratam de funções unitárias, mas de funções que formam sistemas parcialmente autônomos, fortemente interconectados como são particularmente: a atenção; a memória de trabalho; os sistemas de inibição e as estratégias de flexibilidade. Tratam-se de sistemas mobilizados nos processos de adaptação a situações novas e a situações de rotina, cujo déficit ou disfunção se repercute, em graus diversos, nas outras funções mentais que destacamos ao longo do texto.
Da imaturidade à maturidade neuropsicológica, caminhamos em qualquer aprendizagem, seja de um conceito, de uma competência, de uma estratégia ou de uma habilidade, numa trajetória de modificabilidade comportamental que se desenrola, após muitas horas de prática, desde uma dificuldade inicial a uma competência final, isto é, a um desempenho executado de forma automatizada, melódica, fluente, internalizada, independente e sempre aberta a aperfeiçoar-se em novas habilidades.
Segundo as neurociências, as crianças e os jovens em situação das primeiras aprendizagens simbólicas precisam especialmente treinar capacidades de inibição e de memória de trabalho, para o que se torna óbvio aprimorar precocemente, digamos já na pré-escola, tais capacidades executivas, conativas e cognitivas.
Uma aprendizagem bem sucedida não pode continuar a descurar, como tem feito a escola tradicional, as evidências neurocientíficas reveladas pelo papel das funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem.
A escola do futuro deve investir mais na inteligência das crianças e dos jovens (uma escola inteligente para crianças e jovens inteligentes), mas para tal mudança, a escola tem de passar, inevitavelmente, pela implementação generalizada e ampliada da educabilidade cognitiva, conativa e executiva em todos os graus de ensino57.
A escola mantém pelas funções cognitivas, conativas e executivas,um lamentável distanciamento e um quase desamor; para muitos dos seus responsáveis, as aplicações das neurociências à educação são ainda consideradas uma bruxaria, algo que ainda não se sabe explicar.
Muitas querelas de capela entre a pedagogia, a sociologia, a filosofia, a psicologia, a neurologia e as diversas disciplinas curriculares que se passam no âmbito da educação são devidas à falta de explicação do papel da cognição, da conação e da execução nas aprendizagens escolares. Foi nosso propósito neste texto, adiantar e facilitar alguns dados de compreensão sobre esse assunto tão premente, com a finalidade de contribuir para melhorar a educação e para combater o insucesso escolar com as devidas ferramentas.
Em termos de aprendizagem, o que se passa e o que ocorre na mente dos alunos são processos mentais internalizados que podem ser aperfeiçoados, cuja tomada de consciência do seu funcionamento intrínseco pode permitir que eles sejam cognitivamente mais performantes, tomando em consideração que, evolucionariamente, possuímos um cérebro com dois hemisférios distintos que tratam a informação e a sua execução de forma hierarquizada, diferenciada e complementar.
Efetivamente, o ser humano ao longo da sua história aprendeu com a totalidade do seu corpo, do seu cérebro e da sua mente, com a totalidade do potencial complementar dos seus dois lados do corpo e dos seus dois hemisférios, virtuosamente cruzados em termos neurofuncionais (mão direita-hemisfério esquerdo versus mão esquerda-hemisfério direito) e com funções executivas intrahemisféricas, interhemisféricas e integrativas distintas.
Sem essa organização funcional adquirida ao longo da evolução, a interação sobrevivente, aprendente e transcendente com o envolvimento, não seria possível em termos de transição de aprendizagens naturais e simples para aprendizagens culturais e complexas. Nesse pressuposto, a educação não pode, nem deve, contrariar a evolução.
Foi em decorrência dessa dinâmica funcional do processo genético, neurológico e desenvolvimental (tipo "down-top") que a espécie humana sempre evoluiu em termos de aquisição de conhecimentos nos seguintes sentidos: do simples para o complexo; do ato para o pensamento; do gesto à palavra; da imagem ao conceito; do concreto-somático ao abstrato-metafórico; do não-simbólico e visuo-espacial ao simbólico e auditivo-temporal; do não-verbal ao verbal.
As funções executivas, quando aprendidas, integradas e amadurecidas, invertem, paradoxalmente, essa dinâmica funcional (tipo "top-down"), pois transformam os processos de aprendizagem nos seguintes sentidos opostos: do complexo ao simples; do pensamento à ação; da palavra ao gesto; do conceito à imagem; do abstrato ao concreto; do verbal ao não-verbal, etc, por isso, os objetivos, as expectativas e o contexto dos currículos escolares gerem e regem o processo de aprendizagem. Sem funções executivas eficientes, o ciclo do sucesso escolar não é atingido com facilidade, nem prazer.
Certamente que o envolvimento da aprendizagem, os métodos instrução, os materiais e os livros de ensino têm um papel muito importante no ciclo do sucesso escolar, mas é preciso que os estudantes revelem competências executivas, como autoconceito positivo, esforço concentrado e continuado, estratégias de estudo e de realização de avaliações mais eficientes, pois só com tais ferramentas mentais podem estabelecer pontes entre o seu potencial de aprendizagem e as exigências dos currículos e dos exames.
Os processos mentais das funções executivas permitem-nos captar e integrar informação relevante para os nossos objetivos e para as nossas intenções e finalidades, ao mesmo tempo que ignoramos uma espécie de mar de estímulos ou de selva de informação irrelevante. Os estudantes com déficits nas funções executivas ou com síndromes disexecutivas enfrentam, por isso mesmo, enormes obstáculos e intransponíveis barreiras para obter rendimento minimamente aceitável nas salas de aula tradicionais63.
Para ultrapassar tais situações devemos não só intervir ao nível dos estudantes, mas também ao nível dos currículos disciplinares, ao nível dos seus planos de instrução, ao nível dos seus conteúdos e ao nível dos seus processos de ensino-aprendizagem. Porque os currículos das disciplinas identificam os objetivos e as metas de instrução, assim como os meios para os atingir, desde os materiais e os suportes didáticos e os métodos de ensino que devem ser utilizados até a sequencialização dos seus conteúdos e as formas de avaliar os progressos dos estudantes, eles devem ser adaptados, diferenciados e aplicados a todos os alunos sem exceção, mesmo os que revelam déficits nas funções executivas ou dificuldades de aprendizagem globais ou específicas.
Os currículos das disciplinas da educação geral não podem continuar a ser somente "regulares", eles têm a obrigação de ser currículos universais ("Universal Design for Learning") livres de barreiras onde todas as crianças e jovens possam aprender sem ser excluídos por teorias de eficácia social já ultrapassadas.
Os currículos da educação em geral devem ser desenhados para satisfazer a neurodiversidade e a diferenciação da aprendizagem de todos os diferentes estudantes, especialmente os que estão nas margens, e não apenas concebê-los ou validá-los para os alunos ditos regulares.
Na escola do futuro, nenhum estudante deve ficar para trás e muito menos excluído de aprender, pois nenhuma criança ou jovem é ineducável.
As escolas não podem continuar a excluir estudantes com dificuldades ou diferenças cognitivas, conativas e executivas, como se fazia no passado, por analogia, na arquitetura das habitações antigas em que o acesso de pessoas com dificuldades de locomoção era simplesmente vedado. Nos casos em que os indivíduos se deslocam em cadeiras de rodas, as escadas não são o ecossistema aconselhado para facilitar o seu acesso, pelo contrário, elas são uma barreira difícil de transpor. Basta construir rampas e outras acessibilidades de locomoção e de independência, para que tais barreiras se evaporem.
Da mesma forma, os currículos das várias disciplinas escolares não devem ser concebidos e implementados só para alunos regulares, eles devem ser construídos e implementados numa dimensão universal inclusiva, ou seja, também para alunos com diferenças e preferências de aprendizagem onde os currículos não exagerem as suas dificuldades, mas que disponham de apoios ou suportes ("scaffoldings") que os permitam superar.
Em vez dos currículos serem centrados exageradamente nos conteúdos sistematizados, considerados como produtos finais, e serem meramente apresentados e debitados nas aulas, há necessidade de maior atenção com os processos cognitivos, conativos e executivos dos alunos, caso contrário o ciclo do sucesso escolar será uma miragem para muitos deles. Quem perde mais com o insucesso escolar é a sociedade no seu todo.
Para enriquecer as funções cognitivas, conativas e executivas, a interação do professor-aluno tem que ser mais intensa e intencional, o processo ensino-aprendizagem tem que ser mais mediatizado e com uma acessibilidade aumentada para todos, onde seja possível focar mais a colocação de perguntas ou questões de desafio cognitivo, conativo e executivo, onde os alunos tenham que pensar mais antes de responder, onde as várias funções sejam diretamente treinadas e onde as estratégias metacognitivas sejam mais trabalhadas. Não está em jogo o enriquecimento curricular, está mais em jogo o enriquecimento do potencial de aprendizagem dos alunos32.
É óbvio que os currículos podem inabilitar ou incapacitar muitos estudantes com dificuldades cognitivas, conativas e executivas, por exemplo, quando estudantes cegos ou disléxicos têm dificuldades de ler ou estudar por livros ou textos impressos ou escritos. Nesse caso, o currículo e os materiais, por si só, geram barreiras e dificuldades de processamento visual e cognitivo e oferecem opções muito limitadas àqueles alunos com necessidades educacionais especiais. Para alunos com dificuldades de processamento de textos impressos e escritos basta proporcionar versões digitais de livros e aplicações de "software", para automaticamente converter os textos em linguagem falada e facilitar a compreensão e a significação da aprendizagem.
Com inovação pedagógica, tecnologias de apoio informático e processadores de texto com suportes ideacionais, visualizações semânticas e corretores sintáxicos, as barreiras de muitos alunos com dificuldades ou déficits cognitivos, conativos e executivos podem ser superadas, porque na nossa concepção as escolas têm a responsabilidade de intervir nas zonas de desenvolvimento proximal, de minimizar as barreiras e de maximizar a aprendizagem de todos os alunos sem exceção.
Além de proporcionarem abundantes oportunidades e alternativas de prática psicopedagógica, com modelos de intervenção diferenciada e compensatória, e prescrever modelos de reeducação individualizada ou em pequenos grupos, ditos de ensino clínico, é preciso mobilizar mais professores tutores devidamente preparados e especializados, caso contrário, muitos estudantes com disfunções cognitivas, conativas e executivas que necessitam de ajuda serão condenados ao insucesso escolar, profissional e social.
A educação da criança e do jovem na era digital tem que ser cada vez mais amiga dos seus corpos, dos seus cérebros e das suas mentes, caso contrário muitos problemas de cognição, de conação e de execução, ou seja, de adaptação, de aprendizagem e de integração social vão emergir sem necessidade.
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Endereço para correspondência:
Vitor da Fonseca
E-mail: vitordafonseca@netcabo.pt
Artigo recebido: 23/11/2014
Aprovado: 20/12/2014
Trabalho realizado na Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal.