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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.38 no.117 supl.1 São Paulo  2021

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20210049 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

No confinamento em tempo de pandemia: O que aprendi com as psicopedagogas?

 

In confinement in times of Pandemic: What have I learned from psychopedagogues?

 

 

Claudia Dantas Ribeiro Stival Fontoura

Pedagoga; Orientadora Educacional; Especialista em Psicopedagogia Clínica pelo EPSIBA - Espacio Psicopedagógico Brasileño - Argentino - Especialista em Arteterapia em Educação e Saúde, Brasília, DF, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo refere-se à experiência de aprendizagem construída e vivenciada por um grupo de mulheres, especialistas em Psicopedagogia, no período do confinamento, no decorrer do ano de 2020, em decorrência da pandemia causada pelo vírus COVID-19, com designação oficial pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2). O objetivo principal desta proposta de autoria profissional, grupal, foi de seguir a aprender e a ensinar diante da não possibilidade do encontro presencial, devido aos riscos associados à doença. O desejo nasceu em prosseguir com a trajetória como psicopedagogas de um outro lugar, pois, nesse espaço e tempo, não foi possível continuar com os encontros - atendimentos psicopedagógicos presenciais. Para que, como grupo em constante aprendizagem, construíssemos uma superfície possibilitadora de perguntas para pensar a caminhada da Psicopedagogia no Brasil em um cenário de incertezas diante da possibilidade do fazer profissional presencial, buscamos os aportes teóricos de Sara Paín e Alicia Fernández, juntamente aos seus interlocutores, com o objetivo de revisitar a literatura, bem como de aprofundar os conceitos teóricos da Psicopedagogia Clínica, para colocarmos em diálogo os espaços possíveis de práticas instituídas em tempo pandêmicos, fundamentadas em pesquisas bibliográficas relacionadas à Psicopedagogia. Dessa forma, foi possível recordar e refletir o caminho de aprendizagem construído por cada profissional até o momento, bem como de revisitar leituras com referenciais específicos sobre o tema: Psicopedagogia.

Unitermos: Psicopedagogia. Aprendizagem Compartilhada. Formação Continuada no Confinamento.


ABSTRACT

The writing in question refers to the learning experience built and live by a group of women specialists in Psychopedagogy, in the period of confinement period, the year 2020, because of the pandemic caused by the COVID-19, with official designation by the World Health Organization (WHO) of SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2). The main objective of this proposal of professional, group authorship was to continue to learn and teach in the face of the impossibility of face-to-face meetings. The desire was born in continuing the trajectory as psychopedagogues from another place, as in this time it was not possible to continue with the meetings, face-to face Psychopedagogical care. So that as a group in constant learning, we could build a space that enables questions to continue thinking about the path of Psychopedagogy in Brazilian a scenario of uncertainties facing the possibility of doing professional work in person, we sought theoretical contributions of Sara Paín and Alicia Fernández, with their interlocutors with the objective in order to revisit the reading as well as to deepen the theoretical concepts of clinical Psychopedagogy to think about possible spaces for practices instituted in pandemic times based on bibliographical research related to Psychopedagogy. In this way, it was possible to recall and reflect on the learning path constructed by each professional so far, as well as to revisit readings with specific references on the topic: Psychopedagogy.

Keywords: Psychopedagogy. Shared Learning. Continuous Training in Confinement.


 

 

INTRODUÇÃO

As implicações na aprendizagem e as relações estabelecidas a partir das modalidades de ensino - instituídas no período de confinamento pela pandemia vivida desde meados de março de 2020 - moveram o grupo de especialistas em Psicopedagogia a lançar os seguintes questionamentos: quem são e como são os sujeitos em aprendizagem em tempos de pandemia? Como refletir diante de uma possível prática telemidiática, estabelecendo um diálogo com os aportes teóricos, especificamente da Psicopedagogia? Corpo e aprendizagem em tempos de confinamento... Como se dá essa relação? Como pensar a especificidade do diagnóstico psicopedagógico e a escolha de seus instrumentos referentes às dificuldades de aprendizagem de nossos atendidos e suas singularidades ao aprender e ensinar pelo encontro virtual? O que se aprendeu, em relação ao diálogo com o aporte teórico psicopedagógico diante de suas múltiplas implicações práticas, especialmente em tempos de confinamento social, durante a pandemia no Brasil?

Buscamos, como profissionais da Psicopedagogia, em constante processo de autoria profissional, construir trajetórias juntamente à capacidade que nos dá o espaço das perguntas para refletirmos sobre as situações vividas ao longo de mais de 15 meses, em que o encontro-atendimento presencial psicopedagógico não foi possível. Assim, refletimos, especificamente, sobre a aprendizagem, bem como sobre a não aprendizagem em tempos de confinamento.

Inaugurou-se o espaço do aprender e do ensinar psicopedagógico virtual, entre nós psicopedagogas, com a temática de reflexão, estudo, aprofundamento e caminhos favorecedores para novos questionamentos.

Como proposta inicial, para delinear essa escolha, elegemos reencontrar com a autora Sara Paín em sua obra: Diagnóstico e Tratamento dos problemas de aprendizagem1, juntamente a Alicia Fernández2, em seus escritos: A Inteligência Aprisionada. Abordagem Psicopedagógica Clínica da criança e sua família.

Como especialistas em aprendizagem, estabelecemos, com Piera Aulagnier3, uma comunicação ativa ao recordar sua citação: "construir-se um passado", 'um trabalho de pôr em memória e pôr em história', construir um passado, como Alicia Fernández escreve em sua obra, não para inventá-lo, mas recuperá-lo e, na recuperação, produzir algo novo."3.

Seguimos a contemplar os escritos das autoras para fazer possível o novo e não significar o novo como uma possível novidade instituída em um espaço tempo em que o corpo em aprendizagem não se dava mais no presencial, mas em outra modalidade de encontro.

Recordar o posicionamento profissional que cada integrante do grupo escolheu para ressituar-se nesse tempo que passou com a oportunidade de seguir a aprender foi um desafio prazeroso, em que as estruturas do aprender - que se relacionam com o corpo, o organismo, o desejo, e a inteligência, com o olhar de desadaptação criativa, como nos ensina o psicanalista Jorge Gonçalves da Cruz4 - se fez presente em nós, profissionais da saúde e educação nas relações com nossos próprios moldes flexíveis para aprender e ensinar.

Buscamos, na literatura psicopedagógica, os escritos da Psicanálise sobre a dimensão do brincar, com base em D.W. Winnicott5 e em Jorge Gonçalves da Cruz em relação à lógica da eficiência e da eficácia para pensarmos as imprevisibilidades e as incertezas em tempos pandêmicos4.

Iniciamos a aprendizagem telemidiática para nomear e reconhecer em nós o nosso próprio tempo de aprendizagem diante do novo.

Escolhemos como vivenciar o espaço virtual pela tela, individualmente em nossas casas, no encontro social coletivo pelo telefone celular, na ligação compartilhada e, posteriormente, por meio de videoconferência (Google Meet), estabelecida como espaço de encontro.

Nesse novo local, como residência provisória, em que o "encontrar com" se fez real e possível, decidimos, como grupo, juntamente a essa modalidade de ensino que promove o encontro, aprender.

O "nós grupal" nos convidou a recordar as nossas histórias como psicopedagogas, e nos chamou a dialogar com as histórias clínicas psicopedagógicas de nossos aprendensinantes que estávamos atendendo presencialmente, anteriormente ao confinamento, sustentados pela rede teórica que nos move, e que nos faz pensar para reconhecermos em nós o processo da prática singular como psicopedagogas.

Na modalidade do encontro presencial entre as psicopedagogas na flexibilização da quarentena, com a Arteterapia em Educação e Saúde, e suas propostas, priorizamos materiais não figurativos para dar nova forma e ressignificar o lugar do nosso corpo com as experiências singulares compartilhadas no decorrer do confinamento.

Vivências de saberes, em cada encontro ocorrido, que nos levou ao questionamento: como se dará a continuidade da aprendizagem da Psicopedagogia no Brasil em tempos de pós-pandemia?

 

NO CAMINHO...O ENCONTRO GRUPAL, NO PERCURSO...A NECESSIDADE DA FORMAÇÃO CONTINUADA EM PSICOPEDAGOGIA...

Escolhido o como caminhar, naturalmente imprimimos em nós uma nova forma de caminhar nomeada de: "o nós grupal pelo virtual em tempos de confinamento".

A cada encontro pela janela do virtual, nos fazíamos presentes semanalmente e no encontro com esse tempo. O corpo aprendia, escutava, ensinava, olhava, desejava, se aborrecia, se entediava, mas também havia espaço para a alegria como promotor de autoria de pensamento ao reconhecermos em nós, a respeito de nossa capacidade de fazer nossas escolhas. Alegria que todo saber supõe, que também passava pelo espaço construído por entre a tela, e fazia-se visível diante do gesto singular que nosso corpo construía frente ao olhar de cada uma de nós.

Nesse movimento conjunto, recordávamos cenas de aprendizagens vividas em nós como psicopedagogas e que nos convidavam a pensar, a historiar, a inaugurarmos novas perguntas diante do que havia sido pensado, em um recorte de um tempo histórico que o mundo, em sua globalidade, estava aprendendo a aprender.

Recordamos com ...para reconhecermos como se dava a nossa forma singular de caminhar...

Como ocorreu essa construção? A cada encontro virtual "aprender a ser", fomos os primeiros sujeitos em aprendizagem em tempos de pandemia pela tela. Não poderíamos seguir a atender-cuidar-escutar nossos atendidos se não fizéssemos conosco a ação de nos atendermos, e atendermos a nossa história em um tempo inaugural, acometido pela doença do corpo, que acomete o organismo, que compromete o desejo e nos convida a colocar em prática a desadaptação criativa diante das situações vivenciadas. Doença que, muitas vezes, mata e que vem deixando inúmeras sequelas nas histórias de aprendizagem das pessoas que precisam ser escutadas em sua essência.

Começamos a dialogar e encontrar nas palavras a força da ação recordativa que promove reencontro com as cenas vividas. Assim, brincamos com o tempo, com canções e trava-línguas para que pudéssemos nos perceber no tempo presente, especificamente, no presencial com o corpo ausente. Mesmo que separadas pela tela do computador, fomos capazes de inaugurar um espaço para escutar como cantávamos e como nos percebíamos em nossos próprios cantos.

Seguimos com a potência que promove o recordar3. Relembramos a história da profissão, a história pertencente da Psicopedagogia no Brasil, a qual fazemos parte nestes mais de 40 anos de existência. Revisitamos a nossa história de aprendizagem como psicopedagogas e as escolhas dos autores com os quais elegemos aprender para fundamentar a nossa prática presencial. Nesse transitar de saberes, tornou-se visível a diversidade do fazer psicopedagógico que se mostra presente em cada profissional e, nesse movimento dialógico grupal, compreendemos em que momento estávamos quando escolhemos aprender a ser psicopedagogas em busca do reencontro cada uma com a sua formação inicial. Porém, com um movimento contínuo, trabalho jamais terminado, como nos ensinam os precursores que tecem com os fios da Psicopedagogia.

Ficamos distantes fisicamente, mas nos sentíamos próximas; por crer que era fundamental seguir aprendendo com a Psicopedagogia.

Para pensarmos uma possível prática psicopedagógica com nossos atendidos na modalidade virtual, elegemos, primeiramente, revisitar os aportes teóricos. Assim, fundamentamo-nos na obra de Sara Paín1, possibilidades para compreender o momento atual, fazendo, assim, possível o aprender e a educação. Para entendermos os problemas de aprendizagem e suas especificidades, percebemos o quanto a literatura nos faz compreender sobre a importância da dimensão social no processo de aprendizagem no tempo histórico vivido pelo sujeito em atendimento psicopedagógico.

Assim, seguimos nesse entrelace de possibilidades para dialogar com os autores e a história de suas escritas. Para isso, priorizamos, como grupo, revisitar as obras da autora psicopedagoga argentina e escritora Alicia Fernández. Adotamos um posicionamento para ler em Alicia sua experiência-vivência autoral como profissional no Hospital Posadas na grande Buenos Aires: Na obra "A Inteligência Aprisionada"2, escrita pela autora, e de grande referência para a continuidade do perguntar, questiona-se sobre a Psicopedagogia em qualquer tempo, em que a mestra compartilha com o leitor aportes teóricos fundamentais para a prática psicopedagógica. A autora tece, com muita propriedade, sua construção singular sobre a modalidade diagnóstica como psicopedagoga, a qual nomeia de DIFAJ: Diagnóstico Interdisciplinar Familiar de Aprendizagem em uma só Jornada2.

A escolha era de realizar a leitura e, nos encontros pelas janelas que se abriam entre as telas, construir espaços para que pudéssemos pensar sobre o que a autora nos oferece e como poderíamos estabelecer uma conversa pessoal com as nossas próprias modalidades diagnósticas psicopedagógicas. Até então, estávamos promovendo nossas práticas presenciais, anteriormente ao confinamento pela pandemia.

Estabelecemos certa intimidade com o idioma da autora ao colocar em memória nossas práticas vividas. Reafirmamos a importância de construirmos uma modalidade diagnóstica psicopedagógica frente a nossa própria realidade. Entendemos, também, a particularidade do sujeito que busca o atendimento psicopedagógico, bem como compreendemos o quanto é fundamental incluir a família, a instituição de ensino, o fazer profissional (quando o atendimento se dá com adultos) a respeito do diagnóstico psicopedagógico.

A inquietação do corpo que deseja e aprende se alegrou ao lermos o capítulo 4, no qual a autora nos ensina sobre: "O lugar do corpo no aprender"2. Assim, o movimento do diálogo foi real, quando estávamos vivendo, em nossos próprios corpos, a aprendizagem de um corpo que deseja e que aprende, mas: como aprender, naquele tempo, pela tela?

Encontros pelo virtual iam ocorrendo entre nós psicopedagogas, em tempos de confinamento, para que pudéssemos pensar para aprofundar os conceitos psicopedagógicos com relação à aprendizagem humana. Aprendizagem que nos permitia, naquele recorte, fazer novos questionamentos: o que ficou para cada uma de nós com relação ao que foi lido sobre o que nos oferece Alicia Fernández em sua obra?

Como se dá a hora do jogo em nossos atendimentos presenciais?

Que instrumentos cada profissional escolhe e que têm relação com a singularidade da história de aprendizagem de cada sujeito em atendimento?

Pensar como se dá a modalidade de aprendizagem e as modalidades de ensino nas relações entre: família, escola, sujeito em atendimento psicopedagógico na pandemia, no DF...

 

DEVOLUTIVA PSICOPEDAGÓGICA: QUANDO? PARA QUEM? COMO?

Com a continuidade da leitura da obra da autora, percebemos que já tínhamos certa intimidade com as histórias clínicas psicopedagógicas juntamente aos relatos de aprendizagem de Gabriela e Amália, compartilhados pela autora em seus registros escritos, pois compreendermos que o discurso familiar, com relação a como eles significam as aprendizagens, bem como a significação dada ao sintoma para a família, se faz essencial no diagnóstico psicopedagógico2.

Com essa percepção, e neste entrelace, íamos naturalmente trazendo em nosso discurso verbal as histórias clínicas psicopedagógicas dos atendidos que até então havíamos recebido em nossas práticas presencialmente.

Dessa maneira, constituímos uma rede de relações possíveis de aprendizagens psicopedagógicas no espaço entre o aporte teórico e nossas vivências singulares como profissionais.

Diversas foram as aprendizagens compartilhadas. E, por meio da flexibilização do confinamento, escolhemos estar no espaço do encontro além da tela, onde o corpo se fez presente, trazendo a presença de cada uma de nós na modalidade presencial, em que uma com as outras a alegria se fez visível ao termos, novamente, o espaço para ecoarmos o presente!

Com muita satisfação, ocorreu o reencontro, e respeitamos todas as regras sanitárias vigentes para reinaugurar essa modalidade presencial. Somos seres sociais, psicopedagogas, movidas pelo desejo de seguir aprendendo, reconhecendo, assim, constantemente, em nós, a ação que nos faz humanos. Vivemos com muito deleite a presença, e seguimos a aprender com a literatura que priorizamos ler.

Foi escolhido, no primeiro encontro presencial, exercitar em nós a nossa devolutiva verbal, para compartilharmos o como aprendemos pelo virtual... Veio a indagação:

- Como pensar as nossas próprias aprendizagens vividas no tempo que passou para favorecer a continuidade de como iríamos seguir, agora, na modalidade presencial?

Com a Arteterapia em Educação e Saúde, assentada nos aportes teóricos de Carl Gustav Jung6 e da psiquiatra Nise da Silveira7, a respeito da modalidade prática presencial, como proposta de humanização e saúde de nossas próprias aprendizagens, encontramos um caminho para transformar a nós mesmas.

Posteriormente à etapa de como fazer, selecionamos imagens de revistas e, por meio da ação que promove o recortar para desconstruir e o colar para ressignificar, produzimos, constituindo nossos símbolos... e, com esse colóquio que oferece os materiais para a vivência prática da Arteterapia, realizamos nossas próprias produções para, então, dialogarmos com elas e criarmos uma narrativa a partir delas.

"Ensinar é mostrar"3 e cada uma com sua produção mostrou, construiu e deu vida ao seu relato. Símbolos compartilhados de histórias vividas...

Movemos o corpo, saímos do lugar, escolhemos mostrar, e percebemos que estávamos fazendo conosco o que, muitas vezes, torna parte de nossas ações práticas como psicopedagogas, juntamente aos nossos atendidos.

Seguiam os encontros no presencial e juntas colocávamos em ação nossas leituras realizadas. Vivenciamos, na prática, a Hora do Jogo para que, juntamente ao material não figurativo, pudéssemos eleger, ou não, fazer algo e, nessa atividade lúdica como canal para aprendizagem, em conjunto, tivemos a oportunidade de aprender sobre o inventário, a postulação e a integração (ou não) da experiência.

Encontros presenciais muito significativos, que ocorreram a partir da demanda do que lemos nas obras das autoras citadas, abriram, assim, espaços possíveis e necessários para refletirmos sobre a continuidade das práticas psicopedagógicas em tempos pandêmicos.

No tempo presente, permanecemos, presencialmente, a tecer, com os fios que fazem parte da Psicopedagogia, e dialogamos com os demais escritos da mestra Alicia Fernández a partir de sua postura psicopedagógica, pensados e redigidos em suas obras, os quais a autora nos oferece: "modalidade de ensino", "modalidade de aprendizagem", "sujeito ensinante", "sujeito aprendente", "sujeito autor, que é o sujeito da Psicopedagogia"3, são alguns dos posicionamentos que fundamentam e fazem parte da literatura Psicopedagógica e que incluímos em nosso dicionário pessoal ao conhecermos, entendermos e reconhecermos o significado destes para, assim, incluí-los em nossa prática.

Atualmente, estamos construindo, a partir da leitura do Idiomas do Aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Uma escrita da autora de 2001, extremamente atual e pertinente diante das aprendizagens vividas8.

Ainda na pandemia, passado o confinamento e a quarentena, reinauguramos a modalidade de encontro presencial com nossos atendidos, como psicopedagogas que escolhem atender crianças, adolescentes e adultos.

As trocas seguem no presencial e o entrelace das obras escritas se faz necessário a cada encontro realizado para dialogarmos com os nossos afazeres.

Caminhar para seguir aprendendo... um desafio constante!

 

DISCUSSÃO

É com esse movimento que produz o ir e vir nas relações de autoria profissional, que colocamos em diálogo os nossos próprios saberes no espaço entre a informação, o conhecimento e o saber, escolhendo, assim, incluir a Arteterapia em Educação e Saúde como um canal possibilitador de saber aquilo que não se sabe. Dessa maneira, damos continuidade aos nossos fazeres e nos reconhecendo (cada uma de nós) como psicopedagogas. A cada novo encontro presencial, seguimos a traçar o nosso próprio espaço com alegria.

Alegria que nos move a seguir. A saber com a nossa experiência-vivência de aprendizagem psicopedagógica grupal, compartilhada em tempos de pandemia, continuamos a aprender:

- Que a demanda pela busca do especialista em Psicopedagogia, vinda das famílias em tempos de confinamento, tanto no início quanto no decorrer deste, junto aos seus filhos, que estavam nas escolas particulares no DF, conforme relatos das famílias, em sua maioria, eram da ordem da Pedagogia, que se situa no espaço entre a informação e o conhecimento, diferentemente da Psicopedagogia, que se situa no espaço entre o conhecimento e o saber3.

Muitas profissionais da Psicopedagogia, ao serem procuradas para a assistência virtual psicopedagógica, no decorrer do confinamento, perceberam e redefiniram os seus lugares ao se perguntarem sobre a demanda familiar e escolar: pedagógica ou psicopedagógica?

O que prevaleceu neste tempo de confinamento foi, em grande parte, a demanda pedagógica, pois as famílias precisavam de um profissional que ensinasse conteúdos escolares.

Percebemos, como psicopedagogas, que, muitas vezes, as famílias, nesse tempo de quarentena no DF, gostariam de ter um tempo-encontro pelo virtual para compartilhar, juntamente ao profissional, o que e como estavam vivenciando as aprendizagens juntamente aos seus filhos, o que não se relacionou com os aportes teóricos que caracterizam o Motivo da Consulta, tão pouco o Motivo da Consulta Familiar.

O espaço de encontro que as famílias buscavam naquele momento era para compartilhar, verbalmente, o como estava sendo desafiante, geralmente o discurso era: ter de aprender e ensinar com seus filhos e acompanhá-los em suas construções de aprendizagem tendo o computador, o tablet, o celular como instrumento favorecedor de encontro que poderia, ou não, estabelecer a aprendizagem no espaço entre: o sujeito, a família, a instituição de ensino, os professores e suas formas de ensinar os conteúdos.

Muitos foram os relatos escutados pelas psicopedagogas vindos das famílias: entre eles, é importante destacar: "como fazer para ensinar conteúdos escolares ao meu filho, se sou pai, mãe, irmão, avó e não professor?"

Observamos que, entre as faixas etárias dos 6 aos 12 anos, o discurso era de inadaptação à modalidade do ensino remoto, em que muitos já estavam construindo uma resposta reativa com relação à situação da modalidade de ensino instituída.

Observamos, a respeito dos relatos de várias famílias, com filhos em processo de aquisição da leitura e da escrita, inquietações referentes à continuidade pedagógica do processo de alfabetização de seus filhos frente à modalidade de ensino remota, sendo a demanda prática específica de alfabetização referente ao como ensinar a ler e escrever, e não especificamente dificuldade de aprendizagem relacionada à leitura e à escrita.

Percebemos, desde o início do confinamento, que houve uma evasão escolar considerável de crianças matriculadas em escolas particulares no DF, até então, referentes à educação infantil.

Muitos alunos das escolas públicas do DF deixaram de estudar pela modalidade remota em virtude de não disponibilizarem de recursos de Internet, apesar de terem tido acesso ao material impresso para estudo. Pensamos, como profissionais, que a situação vivenciada por muitos estudantes fará com que, mais adiante, a Psicopedagogia ocupe um lugar fundamental para pensar como se deu a aprendizagem nessa situação específica.

Em função do quadro pandêmico e das inúmeras mortes ocorridas pela COVID-19, concluímos que a morte, muitas vezes, do lugar de não pensável, passou a ser pensável em nossas práticas. Nesse sentido, a reflexão passou a ser: como se dará a aprendizagem da finitude para cada família, e que reflexos terão nas aprendizagens de nossos atendidos?

Descobrimos que teremos de buscar, também, informações na Tanatologia para pensar a morte e suas implicações nas aprendizagens humanas, e, ao retornar à Psicopedagogia, o profissional tenderá de seguir com as reflexões sobre: a doença, o vírus, a perda, a morte e o luto, especificamente com relação à aprendizagem.

Aprendemos que, com a flexibilização, muitos profissionais psicopedagogos foram escolhidos pelas famílias para irem ao encontro presencial de seus atendidos, não mais no espaço físico do atendimento anteriormente onde se dava o encontro entre sujeito e atendido, mas nas residências dos atendidos. Inaugurou-se, assim, a "Modalidade de Encontro Presencial Psicopedagógico Domiciliar", pós-confinamento.

O enquadre de trabalho nesta modalidade de atendimento domiciliar, como forma de continuidade do fazer prático psicopedagógico, ocorreu com base no aporte teórico da Psicopedagogia, tendo como referência o Código de Ética do Psicopedagogo, elaborado pelo Conselho Nacional da ABPp no biênio 1991/1992 e atualizado no triênio 2017/2019, em 26 de outubro de 20199.

As escolas particulares no DF retornaram o ano passado, onde parte dos alunos vão em dias alternados e, na primeira semana de agosto de 2021, as escolas públicas da capital voltaram às atividades presenciais. Observamos, em nossas práticas de atendimento psicopedagógico presencial, uma demanda com as crianças com dificuldade de aprendizagem voltada, especificamente, para alunos em processo de alfabetização.

Com os adolescentes, a dificuldade de aprendizagem permeia um possível fracasso escolar, devido a uma situação reativa ao sistema, especificamente oriunda de consequências da modalidade de ensino remoto no período do confinamento. Juntamente aos adultos, há o desejo de repensar o lugar de aprendizagem profissional devido à experiência-vivência em suas casas de trabalho remoto, sendo o olhar da Psicopedagogia voltado para a autoria profissional. São desafios que estão sendo mostrados e que, como psicopedagogos, precisamos continuar a pensar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como psicopedagogas, escolhemos prosseguir com nossas aprendizagens profissionais no período do confinamento, relativo à pandemia, de um novo lugar. E, nesse intervalo específico entre os tempos, reencontramos os aportes teóricos que são fundamentais, e, com eles, dialogamos em relação à situação vivida, com o objetivo de reconhecer em nós, e em cada profissional psicopedagogo, as práticas singulares diante de "como" cada um se situa como especialista em aprendizagem.

Com essa experiência de aprender e ensinar pelo virtual, também com as nossas próprias aprendizagens, foi possível colocar, em movimento, as janelas do pensar-agir-perguntar, perguntar-se...

Nós nos escolhemos para que, de forma conjunta, enfrentássemos o desafio que se fez pergunta: como refletir com base no lugar de onde se situava a Psicopedagogia, a respeito do período do confinamento social, da quarentena?

Atualmente, o cenário flexibilizou-se, a pandemia, ainda, se faz presente. Por esse motivo, na atualidade, escolhemos refletir sobre as consequências vividas no período pandêmico juntamente aos nossos atendidos e seus familiares, e as implicações para a prática psicopedagógica.

Novos desafios à frente, juntamente ao fazer profissional psicopedagógico, seguem a nos chamar e, com esse movimento, percebemos o quanto é fundamental, necessário e importante não somente a continuidade dos estudos psicopedagógicos, como também o aprofundamento destes.

Com tantas possibilidades relacionadas a como aprender, instituídas na pandemia, tornou-se essencial escolhermos situar o lugar de onde falamos, o como falamos, o que falamos, para quem falamos, o que promove o encontro entre os profissionais da Psicopedagogia para que possam ter a oportunidade de prosseguir com a história da Psicopedagogia no Brasil "entre" os tempos: pretérito-presente-futuro.

 

REFERÊNCIAS

1. Paín S. Diagnóstico e tratamento dos problemas de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas; 1985.         [ Links ]

2. Fernández A. A inteligência aprisionada: abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990.         [ Links ]

3. Fernández A. Os idiomas do aprendente: análise das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Artmed; 2001.         [ Links ]

4. Cruz JG. Autorias Vocacionais. O trabalho de promoção de autorias vocacionais e profissionais com crianças, adolescentes e adultos. EPSIBA- Espacio Psicopedagógico Brasileño-Argentino; 2011.         [ Links ]

5. Winnicott DW. Conversando com os pais. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes; 1999.         [ Links ]

6. Jung CG. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes; 2008.         [ Links ]

7. Silveira N. Imagens do inconsciente. Petrópolis: Vozes; 2015.         [ Links ]

8. Calmels D. El Cuerpo em la escritura. Buenos Aires: Novedades Educativas; 2001.         [ Links ]

9. Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp). Comissão de Ética do Conselho Nacional/Assembleia Geral, 26 de outubro de 2019. São Paulo: ABPp; 2019 [acesso 2020 Mar 1]. Disponível em: www.abpp.com.br/wp-content/uploads/2020/11/codigo_de_etica.pdf        [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Claudia Dantas Ribeiro Stival Fontoura
SHLN - Edifício Biosphere - lote 09, S/N - bloco A sala 408
Asa Norte - Brasília, DF, Brasil - CEP 70770-560
E-mail: cpsiartedantas@gmail.com

Artigo recebido: 20/8/2021
Aprovado: 10/10/2021

 

 

Trabalho realizado no Ateliê de Aprendizagem: Psicopedagogia Clínica & Arteterapia em Educação e Saúde, Brasília, DF, Brasil.
Conflito de interesses: A autora declara não haver.

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