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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.39 no.119 São Paulo maio/ago. 2022
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220019
ARTIGO DE REVISÃO
Ansiedade matemática: Fatores cognitivos e afetivos
Mathematical Anxiety: Cognitive and affective factors
Ana Maria Antunes de Campos
Doutoranda em Educação Matemática pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Mestre em Educação pela Universidade Federal de São Paulo. Graduada em Licenciatura Plena em Matemática pela Universidade de Guarulhos, Guarulhos, SP, Brasil
RESUMO
A ansiedade matemática é uma aversão e medo relativos a atividades que envolvam a matemática e apresenta duas dimensões diferentes: cognitivas e afetivas. Com o objetivo de compreender as discussões relativas à ansiedade matemática, realizamos um levantamento das produções divulgadas nas bases de dados bibliográficas. O primeiro critério para identificação das pesquisas foi a presença, no título, no resumo e nas palavras-chave, dos descritores "ansiedade matemática"; "math anxiety"; "mathematical anxiety"; o segundo critério foi o acesso aberto à publicação. Classificamos os estudos encontrados e que atendem aos descritores da pesquisa. Isto posto, esse artigo de revisão tem como objetivo analisar os trabalhos acerca das bases neurobiológicas centradas nas dimensões cognitivas e afetivas da ansiedade matemática. A partir da análise desses trabalhos, construímos um quadro que apresenta os padrões comportamentais de riscos à ansiedade matemática, que podem se manifestar em estudantes no contexto educacional ou cotidiano. Alguns estudos estão preocupados em medir os níveis de ansiedade matemática e, desse modo, apresentamos algumas escalas psicométricas que foram desenvolvidas ao longo dos anos. Foi possível observar que a motivação, autoconceito, autoeficácia, emoções, cognição e afeto são variáveis que têm o potencial de identificar e otimizar o processo de aprendizagem de estudantes com ansiedade matemática, levando em conta o ritmo e as diferenças individuais.
Unitermos: Memória de Trabalho. Motivação. Cognição. Afeto. Autoconceito. Autoeficácia.
SUMMARY
Mathematical anxiety is an aversion and fear related to activities that involve mathematics and has two different dimensions: cognitive and affective. In order to understand the discussions related to mathematical anxiety, we carried out a survey of the productions published in bibliographic databases. The first criterion for identifying the research was the presence, in the title, abstract and keywords, of the descriptors "mathematical anxiety"; "math anxiety"; "mathematical anxiety"; the second criterion was open access to the publication. We classified the studies found and that meet the search descriptors. That said, this review article aims to analyze the works on the neurobiological bases focused on the cognitive and affective dimensions of mathematical anxiety. Based on the analysis of these works, we built a framework that presents behavioral patterns of risks to mathematical anxiety, which can manifest themselves in students in the educational or daily context. Some studies are concerned with measuring levels of mathematical anxiety and thus we present some psychometric scales that have been developed over the years. It was possible to observe that motivation, self-concept, self-efficacy, emotions, cognition and affect are variables that have the potential to identify and optimize the learning process of students with mathematical anxiety, taking into account the pace and individual differences.
Keywords: Working Memory. Motivation. Cognition. Affection. Self-concept. Self-efficacy.
Introdução
Alguns estudantes apresentam baixa autoestima em relação à sua capacidade de compreender a matemática e muitos acreditam que sua dificuldade está relacionada a suas características e competências pessoais.
Os rótulos como "desatento" e "preguiçoso" ecoam no contexto escolar e social. Contudo, o que muitos desconhecem é que reações como medo, aversão, fuga e preocupação diante da matemática podem ser ocasionadas pela ansiedade matemática, que é uma resposta negativa perante situações que envolvam a matemática e que modificam o estado cognitivo, fisiológico e comportamental do estudante (Carmo & Siminoato, 2012; Mendes & Carmo, 2014).
Reações como preocupação, ansiedade, desamparo, pânico, esquiva e medo frente à matemática ocasionam muitas vezes desmotivação, desinteresse, tédio, abandono escolar e fuga de atividades que envolvam a matemática.
Os estudos acerca da ansiedade matemática são em grande parte pesquisas internacionais e estão sendo desenvolvidas em áreas científicas distintas, relacionadas à Genética, Psicologia e Neurociência (Dreger & Aiken, 1957; Meece et al., 1990; Tobias, 1987).
Algumas pesquisas (Ashcraft & Kirk, 2001; Carmo, 2003; Hembree, 1990) apontam que ansiedade matemática se manifesta perante às atividades matemáticas, dentre elas: resolução de problemas, avaliações, diante de livros didáticos matemáticos, ao ver uma equação na lousa ou em um papel, ao ouvir o nome do professor de matemática e, ainda, que é dia de aula de matemática. Esses estudos (Ashcraft & Kirk, 2001; Carmo, 2003; Hembree, 1990) relatam que a ansiedade matemática difere de outras formas de ansiedade, como, por exemplo, transtorno de ansiedade, ansiedade geral e a ansiedade social.
Reações como preocupação, ansiedade, desamparo, pânico, esquiva e medo frente à matemática ocasionam muitas vezes desmotivação, desinteresse, tédio, abandono escolar e fuga de atividades que envolvam a matemática. Os padrões apresentados são padrões óbvios de ansiedade e, nesse caso, a ansiedade matemática é induzida por problemas comuns ou tarefas matemáticas simples.
O ensino da matemática nas escolas inclui, entre outras atividades, a resolução de problemas numéricos. Entretanto, essa atividade nem sempre é de fácil compreensão pelos alunos, especialmente se estiver presente a ansiedade matemática, que dificulta o processo de aprendizagem de maneira geral. Uma grande problemática é que o constructo da ansiedade matemática sofre impacto da motivação, cognição, emoções e afeto; do envolvimento dos estudantes na aprendizagem da matemática; e do papel dos pais e professores (Hembree, 1990; Meece et al., 1990; Mendes & Carmo, 2014; Tobias, 1987). Esses fatores interferem nas decisões dos estudantes de seguirem ou não carreiras que envolvem a matemática.
A ansiedade matemática pode levar a erros que interferem na resolução de problemas matemáticos, gerando resultados de frustração e aversão, causando um déficit cognitivo que pode ser confundido com a discalculia (Santos et al., 2012). Isto posto, alguns pesquisadores estão estudando a relação entre discalculia e ansiedade matemática (Devine et al., 2018; Devine, 2017). Os resultados sugerem que os distúrbios cognitivos são dissociáveis dos emocionais; a ansiedade pode ser uma reação da discalculia; estudantes com discalculia e ansiedade matemática requerem diferentes tipos de intervenção; contudo, os estudos acerca dessa relação não são conclusivos.
Nesse sentido, com o objetivo de compreender as discussões relativas à ansiedade matemática, realizamos um levantamento das produções divulgadas nas bases de dados bibliográficas. O primeiro critério para identificação das pesquisas foi a presença, no título, no resumo e nas palavras-chave, dos descritores "ansiedade matemática"; "math anxiety"; "mathematical anxiety"; o segundo critério foi o acesso aberto à publicação.
O levantamento foi realizado no ano de 2020, nas bases de dados bibliográficas de teses e dissertações. Entretanto, tendo em vista a escassez de pesquisas acerca da ansiedade matemática, estendemos as buscas para as bases divulgadas na página da biblioteca da PUC-SP, a saber: BVS - Biblioteca Virtual de Psicologia; Portal SBE - Saúde Baseada em Evidências; PubMed e BVS - Biblioteca Virtual em Saúde. Com o objetivo de investigar o que as pesquisas internacionais abordam sobre o tema, selecionamos duas bases internacionais, a Eric, relacionada à área da educação, e a NDLTD, referente a teses e dissertações.
Foi possível observar que alguns estudos empregam as palavras: ansiedade frente à matemática, ansiedade diante da matemática e ansiedade à matemática como sinônimos de ansiedade matemática. Para esta pesquisa, consideramos a expressão "ansiedade matemática", ou, em inglês, "mathematical anxiety" ou ainda "math anxiety".
Classificamos os 110 estudos encontrados e que atendem aos descritores da pesquisa. Entretanto, para esse artigo de revisão, analisaremos os 20 trabalhos acerca das bases neurobiológicas centradas nas dimensões cognitivas e afetivas da ansiedade matemática.
Resultado do mapeamento
A partir da análise desses trabalhos, foi possível construir um quadro que apresenta os padrões comportamentais de riscos à ansiedade matemática, que podem se manifestar em estudantes no contexto educacional ou cotidiano.
Por meio do quadro, é possível observar que o constructo da ansiedade matemática sofre impacto da motivação, cognição, emoções e afeto; com o envolvimento dos estudantes na aprendizagem da matemática; papel dos pais e professores. Esses fatores interferem nas decisões dos estudantes de seguirem ou não carreiras que envolvem a matemática (Quadro 1).
Esses padrões podem ser confundidos com padrões do transtorno de ansiedade ou com distúrbios de aprendizagem (Devine et al., 2018; Devine, 2017). Algumas pesquisas (Ashcraft et al., 2007; Sorvo et al., 2017) apontam que a ansiedade matemática pode ser considerada, com base no desempenho matemático, uma condição funcionalmente semelhante ao transtorno de ansiedade, que inclui "fobia social" e, por outro lado, pode ser classificada como um distúrbio de aprendizado matemático "na medida em que a manifestação externa inclui um fraco desempenho em matemática", deferindo as habilidades fundamentais em conceitos básicos da numerosidade (Ashcraft et al., 2007).
Outras pesquisas (Ashcraft, 2002; Ashcraft et al., 2007; Sorvo et al., 2017) indicam que uma das causas da ansiedade matemática pode ser cultural, em virtude de que a sociedade está repleta de atitudes que estimulam a ansiedade matemática, com frases do tipo: matemática é chata, sem significado, não serve para nada, é difícil, é dom, quem sabe matemática é mais inteligente, precisa de aptidão etc. Além de expressões estereotipadas com base em gênero, ou seja, matemática é para homens, e que a conquista da matemática está relacionada à etnia.
Conjectura-se que os padrões de ansiedade matemática podem ser reforçados pelos familiares e pela escola, quando reafirmam essas ideias de que a matemática é difícil, incutindo regras inadequadas às crianças, propagando que existe uma única solução para cada problema, por meio de metodologias de ensino inadequadas, por ameaças e exposição a situações vexatórias, desmotivando o estudante e prejudicando seu desenvolvimento acadêmico e social.
Os padrões apresentados são padrões óbvios de ansiedade e, nesse caso, a ansiedade matemática é induzida por problemas comuns ou tarefas matemáticas simples. Esses padrões podem variar de leve a grave e dependem de fatores individuais de cada estudante. Consequentemente, alguns pesquisadores (Haase et al. 2019; Zamora-Lobato et al., 2019) estão preocupados em medir os níveis de ansiedade matemática e para isso elaboram escalas psicométricas.
Escalas psicométricas
Essas escalas, geralmente baseadas em autorrelatos, são utilizadas com crianças, adolescentes e adultos para medir a ansiedade em relação à matemática, avaliando os aspectos cognitivos, comportamentais e afetivos, com fins clínicos, educacionais e acadêmicos. Geralmente, usa-se a escala Likert de 5 pontos, variando de (1) "discordo totalmente" a (5) "concordo plenamente".
A partir da análise dos estudos, apresentamos na Tabela 1 algumas escalas que foram elaboradas nos últimos anos.
Os pesquisadores mencionados na Tabela 1 projetaram instrumentos com vistas a identificar atitudes, crenças, valores e ansiedade relativos à matemática. Diante dos estudos, é possível prever que os estudantes que tiverem alguma experiência negativa com matemática podem apresentar padrões comportamentais de riscos à ansiedade matemática.
Quando se adota uma definição puramente estatística, em que os estudantes que apresentam alta ansiedade matemática exibem diferenças de desempenho em comparação com os do grupo de baixa ansiedade, estima-se que aproximadamente 17% da população sofre de ansiedade matemática (Ashcraft, 2002; Ashcraft et al., 2007; Bekdemir, 2010).
As pesquisas sobre ansiedade matemática estão sendo realizadas em distintas áreas e cada pesquisador tem como finalidade investigar a ansiedade matemática em um determinado contexto. Por meio da análise dos trabalhos que compõem o corpus de investigação desse artigo, é possível observar que a ansiedade matemática interfere diretamente na memória de trabalho dos estudantes com padrões de riscos comportamentais à ansiedade matemática.
Ansiedade matemática e memória de trabalho
A ansiedade matemática começa antes do sexto ano do Ensino Fundamental e aumenta significativamente durante a adolescência, diminuindo um pouco a partir dessa faixa etária (Lorena et al., 2013). Por um lado, a idade é um componente que implica na ansiedade matemática estando associada ao desempenho matemático (Ashcraft et al., 2007; Krinzinger et al., 2009). Por outro lado, alguns estudantes destacam que um ramo específico da matemática que causa maior ansiedade matemática é a Álgebra (Ashcraft et al., 2007). E a Álgebra é introduzida a partir do Ensino Médio, o que dificulta compreender se a relação entre ansiedade matemática e o tema deve-se à idade dos estudantes ou ao conteúdo matemático em si, que se torna mais complexo e abstrato, sobrecarregando a memória de trabalho (Bekdemir, 2010).
Outras pesquisas concordam que a complexidade dos conteúdos e o modo como a matemática é ensinada implicam na aprendizagem da Álgebra dependem mais fortemente da memória de trabalho (Ashcraft, 2002; Dowker et al., 2016; Mutawah, 2015).
A memória de trabalho é uma habilidade cognitiva, composta por um conjunto de processos que combinam o armazenamento e processamento da informação (Corso & Dorneles, 2012). A memória de trabalho tem uma forte relação com as habilidades cognitivas superiores, a saber: aritmética, solução de problemas, habilidades verbais e vocabulário.
A memória de trabalho (Corso & Dorneles, 2012) é composta por três núcleos: o executivo central, para lidar com tarefas de maior demanda como coordenar o desempenho entre duas tarefas ou operações, inibir informações irrelevantes e ativar e recuperar informações da memória de longo prazo; o fonológico, responsável pela codificação e decodificação de informações verbais, lista de dígitos, palavras e pseudopalavras; o componente visuoespacial, que desempenha um papel chave na produção e retenção de imagem mental, sustentando muitas competências matemáticas como a geometria e a resolução de problemas complexos.
Alguns estudos apontam que os estudantes com ansiedade matemática dedicam uma parte de sua memória de trabalho à sua própria reação de ansiedade, preocupação e pensamentos intrusivos (Ashcraft et al., 2007; Dowker et al., 2016; Klados et al., 2017).
Apesar da ansiedade matemática implicar na memória de trabalho, os estudos apontam que não há interferência na memória de trabalho visual-espacial (Vukovic et al., 2013). Os prejuízos são nas habilidades de cálculo e sua aplicabilidade, pois ambas têm base no sistema numérico simbólico, que dependem do sistema numérico formal. Diferentemente da geometria, que envolve relações espaciais, ou seja, problemas que não envolvem a compreensão e manipulação de números.
É possível observar que estudantes com ansiedade matemática apresentam deficiências nas tarefas de processamento numérico simbólico, não simbólico e em habilidades visuoespaciais. A ansiedade matemática prejudica o desempenho na contagem, mas não na subitização de tarefas (Haase et al., 2019). A subitização é a "capacidade de discriminar subitamente pequenas numerosidades (até três ou quatro elementos) e de responder discriminativamente a pequenas alterações (acréscimos ou retiradas) no número total de elementos de uma coleção" (Lorena et al., 2013).
Se conjectura que a ansiedade matemática afeta a contagem, mas não a subitização, durante enumeração visual (Maloney et al., 2010). Desse modo, os estudantes com grau extremo de ansiedade matemática apresentam desempenho significativamente pior na faixa de contagem do que os indivíduos com baixo grau, apresentando diferenças na velocidade da capacidade da memória de trabalho.
A ansiedade matemática interfere na memória de trabalho dos estudantes, o que é comprovado por um crescente corpo de pesquisas por meio de exames de Ressonância Magnética Funcional (fMRI) e escalas de avaliação de déficits, que procuram entender os efeitos da ansiedade matemática nas diferentes regiões cerebrais, o que é evidenciado pelos estudos analisados nesse artigo de revisão (Krinzinger et al., 2009; Young et al., 2012).
Marcadores neurobiológicos
Encontramos um trabalho (Young et al., 2012) muito citado na literatura investigada, que aponta que os marcadores neurobiológicos acerca da ansiedade matemática estão associados com hiperatividade e conectividade efetiva anormal da amígdala, uma região cerebral associada ao processamento negativo e envolvida com comportamentos cognitivo-emocionais. Apresentam respostas reduzidas em áreas corticais e subcorticais que têm sido consistentemente associadas às questões matemáticas e ao raciocínio. Logo, estudantes com alta ansiedade matemática exibem uma maior desativação do pré-frontal ventromedial, região do córtex implicada na regulação da emoção.
Os resultados desse estudo apontam que a região específica envolvida na representação e manipulação de quantidades numéricas, conhecida por desempenhar um papel crítico na cognição numérica, é o sulco intraparietal, dentro do córtex parietal posterior, que apresenta respostas reduzidas no caso de estudantes com alta ansiedade matemática (Young et al., 2012). O processamento de informações matemáticas envolve a ativação e desativação de regiões, como o lóbulo parietal superior, o giro angular e a região do cortical pré-frontal dorsolateral.
Essas regiões cerebrais estão associadas ao processo da dor e das emoções negativas, o que é comprovado por um estudo mais recente (Maloney et al., 2010) que, por meio de exames de eletroencefalograma, observaram que essas regiões são impactadas em estudantes com ansiedade matemática quando antecipam uma próxima tarefa matemática, principalmente em atividades aritméticas de divisão, exigindo uma alta demanda da memória de trabalho para o controle das emoções negativas. Foi encontrado também um aumento na frequência cardíaca.
Em um outro estudo (Hartwright et al., 2018) foi possível observar que estudantes com ansiedade matemática apresentam um aumento de conectividade na ínsula posterior bilateral, área relacionada com a ameaça e processamento da dor. Foi identificada uma atenção reduzida e implicações na memória de trabalho quanto à realização de tarefas matemáticas, destacando um aumento associado à redução da massa cinzenta no sulco intraparietal anterior esquerdo. Essa região também foi associada à atenção, sugerindo que as diferenças de base na morfologia podem sustentar as diferenças de atenção.
Quanto mais alto o nível da ansiedade matemática (Lyons & Beilock, 2012), maior é a atividade na ínsula dorso-posterior, regiões associadas à detecção visceral de ameaças e, muitas vezes, a experiência da própria dor. Essa região está implicada no componente afetivo e na regulação de respostas a dor. O processo de antecipação da matemática é doloroso, o que ajuda a compreender a tendência a evitar situações relacionadas à matemática.
A ansiedade matemática interfere no funcionamento do hipocampo médio-posterior esquerdo em particular, que é a central que mantém as informações no buffer de memória de trabalho (Lyons & Beilock, 2012). O hipocampo desempenha um papel central na integração do controle cognitivo de nível superior para ações orientadas a objetivos em um contexto motivacional e de recompensa.
A ansiedade matemática já está associada ao desempenho em matemática em crianças desde o 1º e 2º ano do Ensino Fundamental. Interferindo na atitude, motivação, aumentando o comportamento de esquiva da matemática, intervindo no processamento cognitivo quando estão resolvendo problemas difíceis de matemática, na memória de trabalho e reduzindo as competências matemáticas (Ferla et al., 2009).
Ainda é improvável que existam fatores genéticos (Dowker et al., 2016) específicos para a ansiedade matemática. Ao longo dessa pesquisa, encontramos dois trabalhos na literatura que têm como objetivo investigar a ansiedade matemática em gêmeos. O primeiro (Wang et al., 2015) investigou 262 pares de gêmeos do mesmo sexo (58% do sexo feminino, 42% do sexo masculino) e descobriu que o fator genético representa aproximadamente 40% da variação da ansiedade matemática; os outros fatores estão relacionados ao ambiente, experiencias passadas e a motivação.
O segundo trabalho (Hart et al., 2016) examinou a heterogeneidade etiológica do desempenho matemático em uma amostra de 264 pares de gêmeos de 12 anos, que foram avaliados em medidas de desempenho em matemática, numerosidade e ansiedade matemática. Os estudos indicam que o desempenho em matemática é familiar e sugerem que o desempenho matemático é complexo quando considerado o contexto da conquista matemática. Os resultados ainda apontam que existe uma tendência a influências ambientais e sugerem que intervenções com abordagens focadas apenas nos aspectos cognitivos ou afetivos podem não funcionar para todos os estudantes, logo as intervenções devem visar as múltiplas áreas de desempenho em matemática, treinamento em numerosidade, habilidades de realização matemática e em componentes destinados a reduzir a ansiedade matemática.
Observamos que a matemática faz parte da vida dos estudantes desde a infância, ajudando na formação, nas resoluções de problemas e nas atividades cotidianas. No entanto, a matemática ainda ocasiona estresse e ansiedade. Nesse sentido, o construto da ansiedade matemática inclui fatores como atitudes, motivação, crenças e emoções.
Autoconceito, autoeficácia e motivação
Os arcabouços teóricos de alguns estudos (Ahmed et al., 2012; Cropp, 2017; Gunderson et al., 2018; Tobias, 1987) são baseados nos domínios afetivos e cognitivos associados ao fenômeno da ansiedade matemática, procurando identificar as relações recíprocas entre autoconceito, autoeficácia, crenças, ansiedade matemática e desempenho em matemática.
No Brasil no campo da Educação Matemática as pesquisas acerca de atitudes, crenças, concepções e valores estão mais vinculadas à modalidade de formação de professores; ao nível de ensino dos professores; ao ensino de Matemática; às mudanças ou transformações de práticas; na re(construção) de conceitos matemáticos (Fiorentini et al., 2016).
Se conjectura que esses aspectos ainda estejam mais relacionados ao campo da Psicologia Educacional, no qual se destacam dois trabalhos (Brito, 1996, 1998) que têm por objetivo estudar as atitudes e crença de autoeficácia na resolução de problemas matemáticos, referindo-se mais ao processo ensino e aprendizagem, isolando a dimensão afetiva da dimensão cognitiva.
As pesquisas internacionais sobre esses domínios afirmam que os procedimentos psicológicos, independentemente da sua forma, alteram o nível e força da autoeficácia (Bandura, 1994, 1977). Assim, as crenças pessoais produzem efeitos sobre quatro processos: cognitivo, motivacional, afetivo e de seleção, nos quais, os processos cognitivos estão envolvidos com a aquisição, organização, evocação e utilização da informação, em que a motivação possibilita a ação e reflete na direção, intensidade e persistência do esforço para essa ação; a autoeficácia é a crença que a pessoa possui sobre suas capacidades de ações; a autorregulação é a influência sobre a própria motivação, estados emocionais, processo de pensamento e padrões de comportamento (Bandura, 1994, 1977).
Os processos afetivos se baseiam nas crenças das pessoas em suas capacidades de enfrentamento quanto às situações de estresse que elas vivenciam e como suas experiências nessas situações ameaçadoras ou difíceis implicam no seu nível de motivação. O processo de seleção é ativado pela autoeficácia que permite às pessoas criarem ambientes benéficos e exercerem algum controle sobre eles, o que pode influenciar nos tipos de atividades e ambientes que as pessoas escolhem, fugindo de situações que excedem suas capacidades de enfrentamento (Bandura, 1994, 1977).
Esses estados são encontrados nas pesquisas relativas à ansiedade matemática, que afirmam que uma das características dos estudantes com ansiedade matemática é as mudanças nos aspectos cognitivos, fisiológicos, emocionais e comportamentais, dentre eles a desmotivação, desinteresse, abandono escolar e fuga, em virtude de que os estudantes se sentem incapazes em enfrentar atividades que envolvam a matemática (Dowker et al., 2016; Mendes & Carmo, 2014; Tobias, 1987).
Os estudantes constroem suas próprias percepções e interesses ao longo do tempo e as usam para tomar decisões. Essas percepções e interesses modulam fortemente o tempo que gastam efetivamente aprendendo matemática.
Grande parte das pesquisas sobre ansiedade matemática são com estudantes universitários (Tobias, 1987), o que dificulta compreender os efeitos da ansiedade matemática em estudantes mais jovens. Uma outra problemática é o limitado número de estruturas teóricas para conceituar relações entre autopercepção, afetividade e variáveis de desempenho em estudantes com ansiedade matemática.
Essa preocupação com o desempenho tem sido estudada com o objetivo de examinar a influência relativa da autopercepção de desempenho em matemática e a escolha de carreiras (Abu-Hilal, 2000; Tobias, 1987). Nota-se que a autopercepção é uma variável que implica fortemente nas intenções de estudantes de seguirem ou não carreiras na área da matemática, evidenciando que a ansiedade matemática está mais diretamente relacionada às percepções negativas de habilidades matemáticas dos estudantes, ocasionando fuga de carreiras que abordam essa ciência.
Isso é comprovado por uma pesquisa (Abu-Hilal, 2000) que propôs um modelo de abordagens de autoaperfeiçoamento e desenvolvimento de habilidades, e os resultados relatados apresentam uma relação entre esforços exercidos na aprendizagem, importância do assunto, conquista, autoestima, conceito e ansiedade em matemática. Os resultados revelaram que a conquista desempenha um papel central no desenvolvimento acadêmico e psicológico dos estudantes, nos quais autoconceito, autopercepção, motivação e atitudes aprendidas estão associadas de várias maneiras à conquista e eles não podem ser entendidos independentemente de realização.
O autoconceito e autoeficácia funcionam juntos em relação à matemática, influenciando fortemente as crenças e autoeficácia acadêmica de estudantes, em que "o autoconceito acadêmico é um melhor preditor (e mediador) para variáveis afetivomotivacionais, enquanto a autoeficácia acadêmica é o melhor preditor (e mediador) para conquista acadêmica" (Ferla et al., 2009, p. 499).
Alguns apontamentos
Foi possível observar que motivação, autoconceito, autoeficácia, autoestima, autopercepção, emoções, cognição e afeto são variáveis que têm o potencial de identificar e otimizar o processo de aprendizagem, levando em conta o ritmo, e diferenças individuais do estudante.
Desse modo, estudantes com ansiedade matemática cometem mais erros na resolução de problemas de adição e divisão com empréstimo, bem como levam um tempo maior, cerca de três vezes mais, se comparados com estudantes com baixa ansiedade matemática (Ashcraft, 2002; Ashcraft & Kirk, 2001; Tobias, 1987).
Assim, estudantes com níveis mais altos de ansiedade matemática apresentam um desempenho mais lento e menos preciso para a resolução de problemas, especialmente quando os processos aritméticos envolvem empréstimos e transporte, visto que é necessário um maior envolvimento da memória de trabalho à solução dos problemas e no controle das emoções negativas (Ashcraft, 2002; Ashcraft & Kirk, 2001; Tobias, 1987).
É possível observar que as percepções das habilidades matemáticas têm relação com a eficácia, crenças e valores dos estudantes, assim como em suas expectativas de sucesso em matemática. Analisar a influência da ansiedade matemática no desempenho da matemática, sem analisar os efeitos da autopercepção, expectativas, crenças e valores, pode ser um erro (Meece et al., 1990; Ramirez et al., 2012). Estudantes com ansiedade matemática, de fato, participam menos de aulas de matemática e afastam-se de atividades que envolvam a matemática.
Se conjectura que existem outras variáveis que podem contribuir para a ansiedade matemática, como a motivação, autoconceito e autoeficácia (Ahmed et al., 2012). O autoconceito é a percepção que o estudante tem de suas conquistas em relação à matemática; a autoeficácia é a convicção sobre a própria capacidade em resolver atividades e problemas que envolvam a matemática; a motivação são os fatores psicológicos que movem, colocam e mantêm uma pessoa em ação.
O construto (Haase et al., 2019) da autoeficácia matemática é de grande significado motivacional, visto que a autoeficácia é tão preditiva quanto ao desempenho da matemática quanto a inteligência e está associada negativamente à ansiedade matemática.
Afeto e motivação são fatores poderosos que influenciam a maneira como os estudantes aprendem e dominam matemática. A motivação é um processo responsável pela intensidade, direção e persistência de esforços para atingir uma meta, no qual é fundamental distinguir entre a motivação controlada e motivação autônoma (Baten et al., 2019).
A motivação controlada se refere a força que leva o estudante a cumprir uma tarefa, ou seja, uma regulação externa e introjetada, como exemplo: dizer a si mesmo que precisa estudar à tarde, para poder sair com os amigos à noite. A motivação autônoma é encontrar em uma determinada tarefa os aspectos valiosos, ou seja, consiste em regulamentação identificada, regulação integrada, e intrínseca, como exemplo: estudar matemática porque vê a relevância à carreira acadêmica (Baten et al., 2019).
Existe uma relação positiva entre o nível de motivação autônoma e realização em matemática, já a relação entre motivação controlada teve relações negativas significativas com o desempenho acadêmico (Baten et al., 2019). A ansiedade matemática influencia na motivação dos estudantes e nas competências matemáticas a longo prazo.
Vários aspectos podem contribuir à ansiedade matemática, especialmente quando os estudantes apresentam baixos níveis de autoeficácia, autoconceito e autoestima, ou seja, a crença que o estudante tem sobre sua capacidade relacionada ao processo de aprendizagem da matemática interfere na condição subjetiva de bem-estar, o que pode afetar sua conquista na aprendizagem (Ardi et al., 2019).
A ansiedade matemática (Ashcraft & Moore, 2009; Ölmez & Ölmez, 2019) parece crescer durante os ciclos escolares, atingindo seu pico durante os primeiros anos do Ensino Médio, o que é comprovado por outros estudos (Ashcraft, 2002; Bandura, 1994; Carmo, 2003; Tobias, 1987) que apontam o aumento das demandas escolares, como passar de ano, ter médias altas, ser bom em matemática, importância dada a matemática para o vestibular e concursos incidem na ansiedade matemática.
A capacidade dos estudantes em melhorar suas habilidades matemáticas depende do quanto as crianças se sentem à vontade com a matemática, de suas habilidades cognitivas, bem como da variedade de estratégias matemáticas que utilizam para resolução de problemas.
A autopercepção ajuda o estudante na escolha do que fazer com suas habilidades, exercendo um controle sobre situações de estresses e ameaças. O autoconceito é a percepção que uma pessoa sobre si mesma, uma construção multifacetada e hierárquica que pode ser dividida em pelo menos duas facetas acadêmicas de ordem superior: verbal e matemática (Jameson, 2014).
Considerações
Foi possível observar que o ensino modifica as estruturas cognitivas dos estudantes e, nesse sentido, é importante estimular a curiosidade, reforçar e destacar os pontos fortes do estudante, uma vez que ao descobrir que se é bom em alguma coisa surge a sensação de que se pode fazer outras, consequentemente, quando uma pessoa desenvolve seus pontos fortes, todo o resto fica mais fácil.
A escola, por um lado, possibilita a oportunidades de ação e relação entre corpo e mente, como exemplo o uso dos sentidos para aprendizagem, assim como o uso da memória, linguagem, lógica e regras de causalidade, fatores que podem produzir prazer e motivação. Por outro lado, a atenção na escola é manipulada por livros, colegas e professores, no qual o estudante renuncia ao uso de suas habilidades simbólicas.
Por meio dos estudos que compõem o corpus de investigação dessa pesquisa é possível observar que a ansiedade matemática implica em dimensões cognitivas, comportamentais e afetivas, manifestando-se em atividades matemáticas que permeiam a vida social e educacional do estudante.
A ansiedade matemática tem sido discutida em distintas áreas, como a psicologia, neurociência, genética, educação e educação matemática. Campos que estão preocupados em amparar o estudante em seu desenvolvimento educacional, com a influência sociocultural, papel da família e com a formação dos professores que estão cotidianamente lidando com as diversidades existentes na sala de aula.
O aprendizado, geralmente, é baseado no desempenho do estudante e, dessa maneira, alguns professores transmitem informações e premiam os estudantes de acordo com seu progresso, com recompensas ou punições (ou feedback positivo e negativo). Esses feedbacks podem gerar desmotivação, dificuldades de aprendizagem, mau comportamento e emoções negativas, que levam ao abandono escolar e podem implicar na ansiedade matemática.
Para estudantes com ansiedade matemática, a fuga de situações que envolvam a matemática é um processo gradual de desengajamento e alienação marcada por um ciclo crônico de atraso, absentismo, suspensões, transições entre escolas e fracasso nas aulas. Foi possível observar que a motivação, autoconceito, autoeficácia, emoções, cognição e afeto são variáveis que têm o potencial de identificar e otimizar o processo de aprendizagem de estudantes com ansiedade matemática, levando em conta o ritmo e as diferenças individuais.
Não se toma esse estudo como finalizado, pois existem outras possibilidades de pesquisas acerca da ansiedade matemática, uma vez que a temática não se esgota aqui e permite uma série de novos questionamentos no âmbito da educação e saúde. Novas pesquisas acerca das bases neurobiológicas devem ser realizadas, assim como elaborar um estudo mais profundo com vistas a estruturar uma escala de ansiedade matemática para estudantes brasileiros, bem como investigar quais os processos de intervenções que podem ser utilizados com estudantes que apresentam padrões comportamentais de riscos à ansiedade matemática.
Agradecimento
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pelo apoio oferecido ao desenvolvimento da pesquisa aqui apresentada.
Referências
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Endereço para correspondência:
Ana Maria Antunes de Campos
Rua Araruna, 75 Apartamento 34N - Bom Clima
Guarulhos, SP, Brasil - CEP 07196-200
E-mail: camp.ana@hotmail.com
Artigo recebido: 4/1/2022
Aprovado: 6/6/2022
Trabalho realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, SP, Brasil.
Conflito de interesses: A autora declara não haver.