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Revista Psicopedagogia
versão impressa ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.39 no.119 São Paulo maio/ago. 2022
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220024
ARTIGO DE REVISÃO
Habilidades sociais, funções executivas e desempenho acadêmico: Revisão sistemática
Social skills, executive functions and academic performance: Systematic review
July Dorna Casper BoerI; Luciana Carla dos Santos EliasII
IDepartamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
IIProfessora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil
RESUMO
O presente estudo se refere a uma revisão sistemática da literatura que teve por objetivo analisar a produção científica sobre caracterização e associações das funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais de escolares de 6 aos 11 anos. Por meio da consulta aos indexadores de pesquisa nas bases de dados eletrônicas PubMed, PsycINFO, BVS e Web of Science foi realizado o levantamento bibliográfico no período entre 2011 e 2021, por meio dos descritores academic achievement, educational achievement, student achievement, academic success, school performance, academic test performance, executive function, executive functioning, social skill, interpersonal competence, social competence, child, childs, students e student. Foram selecionados 16 artigos, que constituíram o corpus da revisão. Os artigos foram organizados em cinco categorias, sendo elas: a) impacto do comportamento parental sobre as funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais dos filhos; b) escolares em vulnerabilidade e associações com as funções executivas, desempenho acadêmico e as habilidades sociais; c) estudos de predição sobre as funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais; d) instrumentos para avaliar as funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais e; e) associações entre as funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais. Como conclusão, tem-se o destaque da literatura quanto à importância dos comportamentos parentais, vulnerabilidade de contexto e experiências em avaliações escolares como variáveis de impacto sobre o desenvolvimento das funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais de escolares, bem como a lacuna de estudos nesta temática no contexto brasileiro.
Unitermos: Desempenho Acadêmico. Funções Executivas. Habilidades Sociais. Escolares.
SUMMARY
The present study refers to a systematic review of the literature that aimed to analyze the scientific production on the characterization and associations of executive functions, academic performance and social skills of schoolchildren aged 6 to 11 years. By consulting the search indexes in the electronic databases PubMed, PsycINFO, BVS and Web of Science, a bibliographic survey was carried out in the period between 2011 and 2021, using the descriptors academic achievement, educational achievement, student achievement, academic success, school performance, academic test performance, executive function, executive functioning, social skill, interpersonal competence, social competence, child, childs, students and student. Sixteen articles were selected, which constituted the corpus of the review. The articles were organized into five categories, namely: a) impact of parental behavior on children's executive functions, academic performance and social skills; b) students in vulnerability and associations with executive functions, academic performance and social skills; c) prediction studies on executive functions, academic performance and social skills; d) instruments to assess executive functions, academic performance and social skills and; e) associations between executive functions, academic performance and social skills. In conclusion, the literature highlights the importance of parental behaviors, context vulnerability and experiences in school assessments as impact variables on the development of executive functions, academic performance and social skills of schoolchildren, as well as the gap in studies on this topic in the Brazilian context.
Keywords: Academic Performance. Executive Functions. Social skills. Schoolchildren.
Introdução
A terceira infância, que compreende os indivíduos de 6 a 11 anos de idade, é marcada por mudanças cerebrais significativas. Nesta fase desenvolvimental há o amadurecimento de novas conexões cerebrais, sendo extremamente importante para a aprendizagem. Por se tratar de um período no qual há um progresso regular das conexões nos lobos frontais, as funções executivas ganham destaque em idade escolar (Papalia & Feldman, 2013).
As funções executivas são habilidades cognitivas, que se desenvolvem a partir de conexões neurobiológicas localizadas no córtex pré-frontal (Cypel, 2006), capazes de regular o comportamento, a fim de atingir um objetivo determinado, medeiam situações-problema e, a partir delas, pode-se obter o controle do comportamento do indivíduo com atenção, reflexão de diferentes pontos de vista, raciocínio diante de diversas perspectivas e bom uso das lembranças exigidas em uma tarefa; além disso, permite melhor ajustamento cognitivo e emocional em situações de vida diária (Diamond, 2012).
Existem diferentes definições de funções executivas. O presente estudo baseia-se no referencial teórico de Miyake et al. (2000) e Diamond (2012), segundo os quais existem três componentes principais nas funções executivas que podem ser compreendidos individualmente: memória de trabalho, flexibilidade cognitiva e controle inibitório, que se relacionam entre si. A memória de trabalho permite o armazenamento de informações que possam ser utilizadas posteriormente, contribuindo para que o indivíduo desenvolva um raciocínio, recupere ordens de eventos, associe memórias recentes com memórias passadas e, no geral, consiga estabelecer organização de pensamento para um determinado fim. A flexibilidade cognitiva, por sua vez, é a maleabilidade do raciocínio capaz de solucionar um problema a partir de diferentes perspectivas, livrando-se da rigidez de estratégias. Já o controle inibitório é o controle das respostas comportamentais e emocionais inapropriadas, além da habilidade de o indivíduo manter a atenção mesmo diante de uma possível distração.
As funções executivas são de grande importância em diferentes frentes do desenvolvimento. No âmbito escolar as dificuldades atencionais são proeminentes e, regularmente, estão relacionadas com a dificuldade da criança em sua aprendizagem da leitura e escrita, havendo correlação positiva entre a atenção, flexibilidade cognitiva e o desempenho escolar de alunos de 6 a 15 anos (Capovilla & Dias, 2008). As funções executivas também são importantes nas aprendizagens sociais, mas não bastam por si só; o adequado incentivo para a promoção do funcionamento executivo e a existência de modelos adequados de comportamento social poderão atuar como promotores de um bom desempenho acadêmico (León et al., 2013).
O repertório social de um indivíduo é construído desde suas primeiras interações, podendo ocorrer dificuldades neste aprendizado decorrentes de variáveis ambientais, como modelos não competentes, e pessoais, como ansiedade, frustração, dentre outros. O pouco conhecimento da criança sobre as normas e padrões socialmente aceitos no contexto em que está inserida e a dificuldade do ambiente em fornecer reforçadores que aumentem a probabilidade de um bom comportamento podem ocasionar problemas comportamentais. A ausência de um reforçador social pode ocasionar à criança condição de ansiedade acentuada quando das interações sociais e impedir as experiências positivas, dificultando a compreensão dos sinais verbais e não verbais que são emitidos frequentemente na comunicação com as outras pessoas (Del Prette & Del Prette, 2013).
Identificar os empecilhos sociais é primordial para a promoção de intervenções educativas e clínicas a fim de propiciar mobilização na aprendizagem das habilidades sociais (Del Prette & Del Prette, 2013). As habilidades sociais são comportamentos sociais valorizados em determinada cultura, tendo alta probabilidade de resultados favoráveis para o indivíduo, seu grupo e comunidade. Essas habilidades contribuem para a competência social, entendida como um construto avaliativo do desempenho de um indivíduo numa tarefa interpessoal, atendendo seus objetivos, as demandas da situação e gerando resultados positivos, dentro de critérios instrumentais e éticos. As habilidades sociais são aprendidas desde muito cedo no desenvolvimento, através das interações estabelecidas em diferentes contextos como família e escola (Del Prette & Del Prette, 2017).
Existem diferentes classes de habilidades sociais, destacando-se algumas como essenciais ao desenvolvimento infantil: autocontrole e expressividade emocional, que é a capacidade de identificar e controlar suas próprias emoções, bem como as de outras pessoas; civilidade, que se refere ao ato de cumprimentar, tecer elogios, chamar pessoas pelo nome, agradecer, entre outras; empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de atentar-se com interesse às comunicações sentimentais de outra pessoa; assertividade, que consiste na capacidade de manter a própria opinião mesmo diante de pressões diversas, impor limites sem desprezar o respeito, entre outras; fazer amizades; solução de problemas interpessoais; e, por último, as habilidade sociais acadêmicas, que são entendidas como a capacidade de respeitar e seguir as regras, ter atenção, repetir comportamentos adequados, oferecer e receber ajuda (Del Prette & Del Prette, 2013).
O amadurecimento das habilidades sociais acompanha o crescimento das crianças, de modo que há maior aprendizagem das normas sociais com o passar do tempo. As demandas sociais e o desenvolvimento permitem que o comportamento seja direcionado a fim de cumprir um objetivo e evitar conflitos e punições provocadas pelo mal ajustamento social (Bolsoni-Silva et al., 2010).
O mesmo tende a ocorrer com as funções executivas (Capovilla & Dias, 2008). No período entre os 6 e os 10 anos aproximadamente, o desenvolvimento das funções executivas contribui para as habilidades sociais, visto que requerem controle da atenção, flexibilidade cognitiva e definição de metas; a expansão de recursos internos para lidar com os relacionamentos interpessoais auxilia na aprendizagem de habilidades sociais e redução dos comportamentos disfuncionais, principalmente na transição entre a educação infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental, contribuindo para o desempenho acadêmico (Marturano et al., 2014).
O desempenho acadêmico da criança é bastante investigado por pesquisadores por se tratar de um componente importante no percurso do desenvolvimento. As crianças que vivenciam dificuldades na aprendizagem escolar podem apresentar muitos riscos para aquisição de problemas de cunho emocional, cognitivo e comportamental, o que geralmente denota bastante atenção a partir do início da escolarização formal (Medeiros & Loureiro, 2013).
Nesse cenário, alunos entre 6 e 12 anos merecem atenção, visto que as adversidades neste período tendem a favorecer o surgimento de queixas de baixo rendimento escolar (Marturano & Elias, 2016; Silvares, 1998). Por ser um período sensível do desenvolvimento, é necessário investigar estudos que relacionem variáveis que contribuam positiva ou negativamente nessa fase a fim de apontar as lacunas e possibilidades de atuações com este público, agindo como proteção a esses indivíduos (Papalia & Feldman, 2013).
A partir da estratégia de busca da literatura sobre o assunto, foram encontrados alguns estudos de revisão sistemática que não abordaram exclusivamente as variáveis funções executivas, habilidades sociais e desempenho acadêmico de escolares; notou-se que alguns estudos focaram em apenas um componente das funções executivas (controle inibitório/autorregulação) e não abordaram os três construtos juntos (Álvarez-Bueno et al., 2016; Li-Grining, 2012; Linden et al., 2016; McClelland & Cameron, 2012). Diante do exposto, é evidente a necessidade de estudos de revisão bibliográfica que contemplem as habilidades sociais, o desempenho acadêmico e as funções executivas de escolares, a fim de esclarecer os impactos desses construtos para o desenvolvimento infantil.
Objetivo
O presente trabalho teve como objetivo analisar a produção científica sobre caracterização e associações das funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais de escolares dos 6 aos 11 anos.
Método
Para alcançar o objetivo proposto no presente estudo, foi realizada uma revisão sistemática de literatura científica como estratégia metodológica, seguindo os critérios propostos pelo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses - PRISMA (Liberati et al., 2009). O PRISMA refere-se a um documento que medeia os aspectos considerados pertinentes de serem incluídos em uma revisão sistemática. O estudo teve como perguntas norteadoras: como as funções executivas e as habilidades sociais impactam o desempenho acadêmico? Como as funções executivas, o desempenho acadêmico e as habilidades sociais se associam?
Critérios de Elegibilidade
Como critérios de inclusão foram estabelecidos: (a) estudos empíricos que tratassem sobre o desempenho acadêmico, as funções executivas e as habilidades sociais de escolares; (b) artigos publicados nas línguas inglesa, portuguesa ou espanhola; (c) artigos publicados dentro do recorte temporal delimitado e; (d) estudos que abordassem escolares na faixa etária dos 6 aos 11 anos.
Já como critérios de exclusão foram: (a) estudos que não tratassem das três variáveis investigadas juntas - desempenho acadêmico, funções executivas e habilidades sociais em escolares; (b) estudos de revisão, metanálises, estudos teórico-conceituais, comentários, protocolos de estudos, capítulos de livros, teses, editoriais e carta; (c) estudos em outros idiomas diferentes do inglês, português ou espanhol; (d) estudos com especificidades referentes a patologias associadas aos escolares e; (e) estudos que abordassem a idade de 6 anos ainda na pré-escola.
Estratégia de Busca
Os estudos desta revisão sistemática foram escolhidos a partir da procura de artigos empíricos publicados nas bases de dados PubMed, PsycINFO, BVS e Web of Science com o recorte temporal de 2011 a 2021, adotado para avançar em relação aos estudos de revisão anteriores e pela relevância científica para estudos na área das ciências humanas.
Para seleção dos estudos em todas as bases de dados pesquisadas, foram utilizados os seguintes descritores e palavras-chave: academic achievement, educational achievement, student achievement, academic success, school performance, academic test performance, executive function, executive functioning, social skill, interpersonal competence, social competence, child, childs, students e student. Além disso, foram selecionados os seguintes filtros: publicações de 2011 a 2021, nos idiomas português, inglês e espanhol.
Seleção e Análise dos Estudos
Após a busca nas bases de dados, utilizou-se o software gerenciador de bibliografias Mendeley. A seguir, encontra-se o fluxograma que apresenta o processo de seleção dos estudos (Figura 1).
Através da Figura 1, pode-se observar que o total de estudos nas bases foi de 174, por meio da busca realizada em março de 2021. Foram excluídos 42 estudos duplicados nas diferentes bases de dados (PubMed, Web of Science, PsycINFO e BVS), o que fez alcançar um total de 132 estudos. Então, por meio da leitura dos títulos e resumos dos estudos, foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão ressaltando os objetivos propostos para esta revisão, o que levou a se excluir 66 estudos. Então, 51 artigos foram lidos na íntegra e 35 foram excluídos após este processo. Tanto o processo de exclusão por leitura de título e resumo como os artigos lidos na íntegra foram fichados de acordo com esses itens pela primeira pesquisadora e, posteriormente, foram revisados pela segunda e terceira pesquisadoras de forma independente, a fim de assegurar o procedimento de extração dos dados e categorização das informações encontradas nos estudos.
Foram excluídos 116 artigos, pelos seguintes motivos: (a) estudo com outra população, com comorbidade e outras variáveis (n=93); (b) artigos de revisão e teses (n=8); (c) estudos que não estavam disponíveis gratuitamente ou que não foram localizados (n=15).
Foram selecionados 16 estudos para a avaliação de elegibilidade e a amostra final foi composta por 16 estudos. Os artigos selecionados foram revisados e analisados de acordo com os seguintes tópicos: título; objetivo estabelecido pelo estudo; participantes do estudo; delineamento do estudo; variáveis observadas; instrumentos para avaliação do desempenho acadêmico, das habilidades sociais e das funções executivas de escolares; principais resultados do estudo; e limitações da pesquisa.
Resultados
Características Gerais dos Estudos
Após o processo sistemático dos estudos selecionados para essa revisão, resultaram, dessa forma, 16 artigos. Os manuscritos encontrados foram organizados em cinco categorias a fim de apresentar suas características, como apresentado no Quadro 1. Os 16 artigos revisados foram publicados predominantemente no ano de 2018 (n=5, 29%) e os demais distribuíram-se entre 2011 (n=3, 18%), 2012 (n=1, 6%), 2014 (n=1, 6%), 2015 (n=1, 6%), 2016 (n=1, 6%), 2017 (n=1, 6%), 2019 (n=1, 6%) 2020 (n=2, 12%).
A maioria dos estudos foi conduzida em países da América do Norte (n=11, nos EUA, e n=1, no Canadá), seguindo-se da Europa (n=2, na Espanha, n=1, no Reino Unido, e n=1, na Bélgica). Todos os estudos foram redigidos no idioma inglês, não tendo sido encontrados estudos em português. Isso demonstra a importância de pesquisas que necessitam ser desenvolvidas em contexto brasileiro e na América do Sul.
Os delineamentos adotados nos estudos foram os seguintes: 100% dos estudos foram quantitativos (Camerota et al., 2019; Fenesy & Lee, 2018; Grineski et al., 2018; Herbers et al., 2014; Honoré et al., 2020; Hughes & Ensor, 2011; Lafavor et al., 2020; Lafavor, 2018; Mata et al., 2017; Monette et al., 2011; Perry, Braren et al., 2018; Perry, Dollar et al., 2018; Rhoades et al., 2011; Sabol & Pianta, 2012; Sasser et al., 2015; Zorza et al., 2016). 62% foram estudos longitudinais (Camerota et al., 2019; Fenesy & Lee, 2018; Honoré et al., 2020; Hughes & Ensor, 2011; Monette et al., 2011; Perry, Braren et al., 2018; Perry, Dollar et al., 2018; Rhoades et al., 2011; Sabol & Pianta, 2012; Sasser et al., 2015). Os demais estudos (37%) foram estudos transversais (Grineski et al., 2018; Herbers et al., 2014; Lafavor et al., 2020; Lafavor, 2018; Mata et al., 2017; Zorza et al., 2016).
Quanto à amostra estudada, de forma geral, observou-se que quatro estudos mediram a predição das habilidades em crianças do jardim de infância/pré-escolar em relação à primeira série, segunda série, terceira série e quinto ano (Grineski et al., 2018; Perry, Braren et al., 2018; Sabol & Pianta, 2012; Sasser et al., 2015) e nos demais estudos notou-se prevalência de estudos de crianças em idade entre 4 até 13 anos (Camerota et al., 2019; Fenesy & Lee, 2018; Herbers et al., 2014; Honoré et al., 2020; Hughes & Ensor, 2011; Lafavor et al., 2020; Lafavor, 2018; Mata et al., 2017; Monette et al., 2011; Perry, Dollar et al., 2018; Rhoades et al., 2011; Zorza et al., 2016).
Vale destacar os critérios de inclusão e exclusão das amostras dos estudos. De um lado, como critério de inclusão, crianças em idade escolar que não apresentam nenhuma patologia. Como critério de exclusão, crianças em idade pré-escolar e com patologias.
Em relação à avaliação das variáveis investigadas (função executiva, habilidades sociais e desempenho acadêmico) todos os estudos valeram-se de medidas padronizadas, psicométricas e validadas para mensuração (n=16, 100%). Alguns estudos complementaram suas avaliações com instrumentos qualitativos como tarefas de avaliação mais próximas de atividades cotidianas.
Os periódicos científicos nos quais estes artigos foram publicados eram destinados a estudos da área da Psicologia e da Saúde, o que parece ser coerente com o campo de conhecimento no qual as funções executivas e habilidades sociais surgiu e tem se desenvolvido. Em contrapartida, nota-se a ausência de periódicos científicos na área da educação, visto que a variável desempenho acadêmico é bastante investigada nesta área.
Quanto ao sentido da expressão habilidades sociais, verificou- se que: (i) cinco estudos empregam a expressão "competência social" (Fenesy & Lee, 2018; Hughes & Ensor, 2011; Lafavor, 2018; Monette et al., 2011; Perry, Dollar et al., 2018); (ii) dois estudos utilizam a expressão "reconhecimento da emoção" (Honoré et al., 2020; Rhoades et al., 2011); (iii) três estudos utilizam a expressão "regulação comportamental ou da emoção" (Herbers et al., 2014; Lafavor et al., 2020; Perry, Braren et al., 2018); (iv) dois estudos usam a expressão "ajuste ou competência socioemocional" (Sabol & Pianta, 2012; Sasser et al., 2015); (v) um estudo utiliza a expressão "habilidades de resolução de problemas interpessoais" (Mata et al., 2017); (vi) dois estudos utilizam a expressão "resultados comportamentais/comportamento pro-social" (Camerota et al., 2019; Zorza et al., 2016) e (vii) um estudo utiliza o termo "habilidades sociais" (Grineski et al., 2018). Esses resultados parecem decorrentes do fato de o campo teórico-prático das habilidades sociais ser relativamente novo, levando a diferenças nas definições de habilidades sociais, o uso por vezes de habilidades e competências sociais de forma indiscriminada e como sinônimo de outros constructos dos quais as habilidades sociais fazem parte, como no constructo de competência socioemocional.
Esta revisão utilizou o construto desempenho acadêmico para se referir ao desenvolvimento escolar dos escolares, no que se refere especificadamente à aprendizagem da leitura, escrita e matemática. Alguns dos estudos encontrados utilizaram outras terminologias como: aprendizagem acadêmica; sucesso acadêmico; desempenho escolar; produtividade acadêmica; potencial de aprendizagem; conquista acadêmica; competência acadêmica; e resultados acadêmicos. Esses constructos também foram inseridos neste estudo em razão da compreensão de que inexiste diferenciação técnica entre eles.
Os estudos selecionados averiguaram diferentes componentes das funções executivas separadamente e outros conjuntamente, como: atenção; controle inibitório/autorregulação e flexibilidade cognitiva.
Ainda em relação à proporção entre artigos teóricos e artigos empíricos, a grande quantidade de estudos empíricos (100%) parece ser um dado positivo, indicando pesquisas na área que reforçam pressupostos baseados em evidência, promovendo robustez na edificação do saber.
Principais Resultados sobre a Correlação das Funções Executivas, Desempenho Acadêmico e Habilidades Sociais de Escolares
Os principais resultados dos estudos foram organizados em tópicos temáticos, que emergiram da análise dos artigos. Primeiramente, verificou-se um conjunto de estudos que investigaram as variáveis das crianças atrelando ao comportamento parental. Em segundo lugar, houve estudos que trataram de crianças em vulnerabilidade, como em situação de rua, alojamento, pobreza e insegurança alimentar. Em terceiro lugar, foram realizados estudos de predição, nos quais se procurou compreender o desempenho acadêmico, as funções executivas e as habilidades sociais de pré-escolares e em escolares em anos posteriores. Em quarto lugar, houve um estudo de validação de instrumentos para avaliação/mensuração das variáveis. Por último, notou-se um estudo que procurou associar as três variáveis investigadas.
A influência do comportamento parental nas funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais dos filhos
A influência do comportamento parental nas funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais dos filhos esteve presente em três dos 16 artigos selecionados.
No estudo longitudinal (Fenesy & Lee, 2018) que teve como objetivo avaliar a influência do comportamento parental sobre o funcionamento executivo e resultado acadêmico dos filhos, os resultados apontaram: comportamento parental positivo atuando sobre o controle inibitório, memória de trabalho, assim contribuindo para o desempenho acadêmico (a inclusão do QI como uma covariável diminuiu esses efeitos); a memória de trabalho das crianças no contexto de parentalidade positiva impacta na preferência social, com ou sem controle de QI, mas não na competência social das crianças; a parentalidade negativa influenciando nas dimensões das funções executivas, mas não necessariamente no desempenho acadêmico.
Outro estudo (Perry, Dollar et al., 2018) longitudinal, que contou com 422 crianças com idade entre 5 e 10 anos, tendo como objetivo examinar o controle excessivo dos pais durante a primeira infância, a autorregulação, o ajuste social, emocional e acadêmico das crianças, trouxe como resultados: o controle parental excessivo podendo afetar negativamente a regulação da emoção e o controle inibitório das crianças na primeira infância e reverberando negativamente na pré-adolescência, ocasião em que os indivíduos podem apresentar maior dificuldade de lidar com os desafios escolares, além da possibilidade de ocorrência de menor habilidade social e produtividade acadêmica.
Já o estudo de Herbers et al. (2014) examinou a eficácia do papel dos pais, corregulação positiva, funcionamento cognitivo, funcionamento executivo e QI sobre o sucesso e ajustamento escolar dos filhos em contextos de adversidade (famílias sem-teto morando em abrigos). Os resultados apontaram que a corregulação positiva com os pais sustenta uma melhor competência acadêmica, de conduta, de relacionamento interpessoal e resiliência; além disso, predisse melhores funções executivas e QI em crianças pequenas que experimentam altos níveis de adversidade.
Informa-se que os três estudos acima mencionados utilizaram instrumentos com bons índices psicométricos e de reconhecimento internacional, como WISC, Teste de Desempenho Individual Wechsler, Segunda Edição (WIAT-II), Child Behavior Checklist (CBCL), Sistema de Avaliação de Habilidades Sociais (SSRS), entre outros.
Crianças em vulnerabilidade e sua associação com as funções executivas, desempenho acadêmico e as habilidades sociais
Nesta categoria, cinco artigos trataram de crianças em contexto de vulnerabilidade, demonstrando o impacto deste no desenvolvimento dessas crianças.
Um estudo (Lafavor, 2018) examinou o controle de esforço, a competência social e o controle emocional nos processos adaptativos em crianças de 9 a 11 anos que viviam em um abrigo de emergência para sem-teto. Os resultados desse estudo demonstraram que a situação de rua é um evento estressor ao desenvolvimento dessas crianças e que, mesmo diante de uma educação formal, não há diminuição da influência dos fatores externos no desenvolvimento acadêmico. Além disso, o QI geral, cálculos matemáticos e leitura de palavras foram todos significativamente mais baixos considerando-se o padrão esperado para aquela faixa etária. Em relação ao controle de esforço, foi notado que crianças mais velhas possuem melhor desempenho e que o controle de esforço influencia significativamente o sucesso acadêmico. A competência social emergiu como um preditor da habilidade de matemática e de leitura.
Em outro estudo (Mata et al., 2017) procurou-se estabelecer se o nível de risco familiar (alto vs. baixo risco) está relacionado às habilidades de resolução de problemas interpessoais, função executiva e potencial de aprendizagem em uma amostra de 40 pré-adolescentes (7 a 12 anos) controlando idade, sexo, QI total, capacidade de compreensão verbal e as influências da sala de aula. Em geral, os resultados enfatizaram que o contexto de alto risco familiar prejudica a interpretação correta das emoções positivas, ao passo que aumenta a sensibilidade às emoções negativas. Além disso, este contexto interfere negativamente no desenvolvimento das funções executivas e na resolução de problemas interpessoais. Em contrapartida, o potencial para a aprendizagem manteve-se preservado.
Um estudo longitudinal (Perry, Braren et al., 2018) procurou identificar os processos de desenvolvimento pelos quais os riscos relacionados à pobreza podem contribuir para a existência de lacunas na prontidão acadêmica e no desempenho escolar, avaliando a interação entre competência social e funcionamentos executivos nos primeiros anos de escolaridade. Para isso, crianças da pré-escola foram avaliadas e, depois, quando na 2ª série. Os resultados apontaram que as dificuldades na competência social nos primeiros anos do Ensino Fundamental, relacionadas aos riscos da pobreza, impactaram negativamente a aquisição das funções executivas, as quais, por sua vez, também interferiram negativamente nas habilidades acadêmicas em matemática e alfabetização.
Outro estudo (Lafavor et al., 2020) examinou a percepção dos pais e professores a respeito da competência acadêmica e regulação comportamental de jovens sem-teto de 9 a 11 anos e com alta mobilidade, que vivem em alojamento de emergência. Os resultados demonstraram que, pela percepção dos professores, os jovens sem-teto e com alta mobilidade apresentaram baixa competência acadêmica e controle inibitório, desconsiderando-se os testes objetivos na medição da capacidade cognitiva e acadêmica. Não bastasse, tiveram menor propensão em qualificar tais jovens como engajados ou academicamente competentes. Os pais, em contrapartida, apresentaram percepção mais positiva em relação aos seus filhos tendo em conta a observância de suas habilidades em matemática e leitura, com menor relato para comportamentos problemáticos e mais capazes e interessados na vida acadêmica.
Um estudo (Grineski et al., 2018) procurou determinar sobre como a insegurança alimentar afeta as competências acadêmicas, o funcionamento executivo e as habilidades sociais das crianças de 6 a 12 anos (ou seja, autocontrole, habilidades interpessoais, comportamentos externalizantes e comportamentos internalizantes). Os resultados demonstraram que ter insegurança alimentar afeta o autocontrole, a memória de trabalho e matemática. Mais especificadamente, a insegurança alimentar em remissão teve impacto negativo no autocontrole e habilidades interpessoais, mas não em matemática ou memória de trabalho. A insegurança persistente também esteve associada com pior autocontrole e habilidades interpessoais. Por sua vez, a insegurança alimentar emergente e persistente obteve maior probabilidade para comportamentos externalizantes.
Informa-se que os cinco estudos acima mencionados utilizaram instrumentos com bons índices psicométricos e de reconhecimento internacional, como Teste de Desempenho Individual Wechsler, Segunda Edição (WIAT-II), Inventário de Classificação de Comportamento da Função Executiva (BRIEF), Child Behavior Checklist (CBCL), Wisconsin Card Sorting Test-Learning Potential (WCST-LP), subescala Prosocial do Questionário de Forças e Dificuldades (SDQ), entre outros.
Estudos de predição sobre as funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais
Nesta categoria foram encontrados seis estudos que procuraram mapear as funções executivas, o desempenho acadêmico e as habilidades sociais e; analisar após um determinado tempo o seu impacto nos escolares.
Um estudo (Honoré et al., 2020) aplicou um programa de intervenção com o objetivo de promover a inibição e a cognição social das crianças. Os resultados mostraram que o programa aplicado em idade precoce foi eficaz e auxiliou na melhora das funções executivas, bem como a teoria da mente e o processamento da informação social. Em relação à cognição social, o programa também foi eficaz na capacidade de se colocar no lugar de outra pessoa, entender suas emoções, desejos, pensamentos e crenças, julgar de forma adequada uma situação social, escolher reações apropriadas em seu repertório social; o programa não impactou nas tarefas de aprendizagem acadêmica; e quanto mais fracas as funções executivas e cognição social de uma criança em início do ano letivo, maior será o resultado após a intervenção.
Sasser et al. (2015) realizaram um estudo de predição, tendo como variável independente as funções executivas e como variável dependente o desempenho acadêmico e social, considerando medidas no jardim de infância e o desempenho apresentado anos após, na terceira série. Os resultados demonstraram que as funções executivas na pré-escola possuem relação com desempenho em habilidades matemáticas e o funcionamento acadêmico avaliados pelo professor na terceira série, mas não com a leitura ou habilidade socioemocional das crianças. No mais, apurou-se que os comportamentos relacionados à aprendizagem, durante a pré-escola, possuem relação com as habilidades de leitura, desempenho acadêmico, competência social e agressão na terceira série, assim como o nível de crescimento das habilidades de leitura desde o jardim de infância até a terceira série.
Outro estudo (Sabol & Pianta, 2012) examinou os padrões de funcionamento nos domínios dos comportamentos sociais e executivos de crianças com 4 anos e 6 meses a fim de prever os resultados socioemocionais e de desempenho na 5ª série. No estudo participaram 944 crianças. Os resultados revelaram que crianças com alta competência social e funcionamento executivo médio (memória de trabalho e controle inibitório) aos 4 anos e 6 meses tiveram alto desempenho na 5ª série. A competência social das crianças, por sua vez, demonstrou contribuir para o sucesso acadêmico inicial. Por outro lado, ainda que com prejuízos atencionais aos 54 meses, as crianças apresentaram desempenho acadêmico satisfatório ou acima da média e boas habilidades emocionais na 5ª série, o que sugere que possuem condições de desenvolver a capacidade de manter a atenção, preservar as informações e melhorar o controle inibitório.
De forma semelhante, um estudo (Monette et al., 2011) determinou o papel das funções executivas do jardim de infância na previsão do desempenho escolar em matemática e linguagem escrita no final da primeira série e; se o funcionamento socioafetivo da criança atuou como uma variável mediadora na relação entre funções executivas e desempenho escolar. Os resultados indicaram que a leitura e escrita e desempenho em matemática, no final da primeira série, possuem relação com a memória de trabalho e a inibição medida no jardim de infância. Especificamente, a memória de trabalho, após o controle das habilidades pré-acadêmicas, variáveis afetivas e familiares, foi determinante para o desempenho escolar. A inibição provou estar significativamente associada ao desempenho em leitura/escrita por si só, mas o tamanho do efeito alcançado foi pequeno. Não houve nenhuma relação entre flexibilidade cognitiva e desempenho escolar. A memória de trabalho e a inibição, através da raiva-agressão, refletiram apenas indiretamente nas habilidades de leitura e escrita.
Um estudo (Zorza et al., 2016) examinou o poder preditivo das funções executivas para o desempenho escolar, preferência social entre pares e comportamentos pró-sociais, e verificou se tais variáveis permanecem as mesmas no Ensino Fundamental. Participaram do estudo crianças de 8 a 13 anos. Os resultados confirmaram que as funções executivas estavam relacionadas ao desempenho escolar de crianças e pré-adolescentes e previram o comportamento social em alunos do Ensino Fundamental e Médio, com nuances importantes dependendo do nível de ensino. O teste Trail Making Test (TMT), que avalia as funções executivas, apresentou o maior poder preditivo das tarefas de FE. No Ensino Fundamental, a aplicação do teste mostrou que as funções executivas tiveram um maior impacto no desempenho escolar (41%) do que no comportamento social dos alunos (29%). Já no Ensino Médio, o poder preditivo das funções executivas foi maior na avaliação do comportamento pró-social (15%) do que na variação de desempenho escolar (13%).
Outro estudo (Hughes & Ensor, 2011) teve como objetivo documentar melhorias médias de desenvolvimento de 4 a 6 anos de idade e examinar diferenças individuais no crescimento de FE em relação a fatores latentes para dois conjuntos de medidas de resultados infantis aos 6 anos: (a) avaliações dos professores da 1ª série sobre sintomas emocionais, hiperatividade e problemas de conduta/colegas e (b) as competências acadêmicas e sociais percebidas pelas crianças. Os resultados apontaram que as crianças com idade entre 4 e 6 anos apresentam significativo aumento nas funções executivas. Verificou-se que a variação das inclinações das funções executivas foi preditor de sintomas emocionais, hiperatividade e problemas de conduta, sendo que o próprio crescimento da criança é o que influencia o desenvolvimento das funções executivas, seja porque pode estar engajada nas atividades escolares ou pelo aumento da autoestima decorrente do rápido progresso cognitivo. Ainda, apurou-se que nesse período de transição escolar os altos ganhos de funções executivas foram preditores da autopercepção acadêmica (mas não social) em crianças de 6 anos.
Informa-se que os seis estudos acima mencionados utilizaram instrumentos com bons índices psicométricos e de reconhecimento internacional, como tarefa de cancelamento de rosto; tarefa Stroop; tarefa do cartão de alteração dimensional e a Tarefa de Luzes de Tráfego; bateria de tarefas ToM, escala dos testes de desempenho Woodcock-Johnson III, Social Skills Questionnaire do Social Skills Rating System (SSRS), entre outros.
Instrumentos para avaliar as funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais
Nesta categoria, um estudo teve o objetivo de avaliar instrumentos para medir as variáveis. O estudo de Camerota et al. (2019) avaliou a interferência da precisão e do tempo de reação (TR) na tarefa de corações e flores (HF), que consiste em um indicador da capacidade de função executiva infantil em diferentes faixas etárias. Os instrumentos utilizados foram: tarefa de corações e flores; Teste de Desempenho Woodcock-Johnson III (WJ III) e Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ), avaliado pelos professores. Os resultados mostraram que a precisão na tarefa influenciou positivamente a competência acadêmica e o comportamento, sendo que o tempo de reação apresentou caráter informativo, com relevância nos resultados somente em crianças que tiveram alto nível de precisão na tarefa.
Associação das funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais
Nesta categoria foi identificado somente um estudo com o objetivo de associar as variáveis. Um estudo (Rhoades et al., 2011) examinou as associações entre conhecimento de emoções na pré-escola, habilidades de atenção no jardim de infância e competência acadêmica de primeiro ano, em uma amostra de crianças em contexto economicamente desfavorecido. Para mensuração das variáveis, utilizou-se o Teste de vocabulário de imagens Peabody revisado (PPVT-R); a identificação receptiva e expressiva da parte das emoções do Afeta o teste de conhecimento (AKT); Inventário Emocional Kusché (KEI); Tarefa de atenção sustentada revisada por Leiter; desempenho acadêmico na primeira série foi medido com três subtestes dos subtestes de desempenho do padrão Woodcock-Johnson Psycho-Educational Batter-Revised. Os resultados demonstraram que a identificação das emoções no período de pré-escola, com mediação da atenção, possui associação com o desempenho acadêmico posterior, o que evidencia a importância das habilidades socioemocionais para o sucesso acadêmico.
Discussão
O presente trabalho teve como objetivo analisar a produção científica sobre caracterização e associações das funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais de escolares de 6 aos 11 anos. Após todos os procedimentos rigorosos para a busca dos estudos, foram identificados 16 artigos que abordaram as variáveis investigadas. Os achados da presente revisão sistemática de literatura comprovam a importância das funções executivas e das habilidades sociais para um bom desempenho acadêmico de escolares. Ressalta-se que alguns estudos encontrados tratam de escolares de 6 até 12 e 15 anos e ainda alguns se referem a ano escolar e a série. Esses estudos foram incluídos por compreenderem crianças dentro da faixa etária do foco do presente trabalho.
Conforme os achados, um primeiro ponto a ser destacado relaciona-se à qualidade do comportamento parental. Verificou-se que esse comportamento afeta significativamente a vida dos filhos e, por meio dele, há alterações nas funções executivas que, consequentemente, afetarão o desempenho acadêmico e habilidades sociais dos filhos. Portanto, o comportamento parental positivo pode promover uma boa memória de trabalho, bom ajuste social e desempenho acadêmico. Em contrapartida, uma parentalidade negativa e corregulação prejudicada dos pais com seus filhos diminuem o desenvolvimento dessas variáveis. Esses resultados corroboram o estudo de Marturano (1999), segundo o qual a escassez de interações saudáveis com os pais, de supervisão a respeito da organização da rotina do lar, bem como de recursos no contexto físico em que a criança frequenta, podem potencializar o mau desempenho acadêmico desses filhos.
Um outro achado diz respeito à vulnerabilidade contextual; os resultados apontam que crianças que vivenciam contextos de vulnerabilidade (situação de rua; alto risco familiar; pobreza e insegurança alimentar) apresentam defasagem no desempenho acadêmico (alfabetização, matemática, leitura), na autorregulação, na compreensão sensível sobre as emoções, nas funções executivas e na competência social. A esse respeito, destaca-se o estudo de D'Avila-Bacarji et al. (2005), que confirma que crianças em vulnerabilidade pessoal apresentam resultados inferiores no desempenho cognitivo e acentuados desajustes socioemocionais, de comportamento e de autorregulação da atenção em comparação às crianças que não vivenciam este contexto. No mesmo sentido, outros estudos como os de Silvares (1998) e Marturano e Elias (2016) enfatizam que a existência de adversidades no período escolar pode acarretar baixo rendimento escolar.
Notou-se a prevalência de estudos de predição que procuraram compreender o desenvolvimento das funções executivas, desempenho acadêmico e das habilidades sociais antes e após um determinado tempo. Esses estudos mostraram a importância da aplicação de intervenções precoces para estimulação das variáveis. Tal achado vai ao encontro de Diamond (2012) e Bierman et al. (2008) quando enfatizam em seus estudos a necessidade de programas desenvolvidos precocemente a fim de impactar significativamente a vida das crianças, haja vista a importância da estimulação das funções executivas e sua associação com o desempenho acadêmico, competência social, emocional e cognitiva.
A propósito, um dos estudos selecionados apurou que a precisão em uma tarefa de funções executivas (tarefa de corações e flores) possui relação com o bom comportamento social e na competência acadêmica em escolares, o que em certa medida se alinha com o estudo de Cardoso et al. (2016), para quem as funções executivas são fundamentais para que haja regulação do comportamento em situações sociais e acadêmicas, capacidade de focar em uma determinada tarefa e engajar-se em situações de vivências grupais, bem como para que haja planejamento e controle dos impulsos.
Destaca-se que dentre os artigos selecionados somente um estabeleceu associação direta entre as funções executivas, o desempenho acadêmico e as habilidades sociais sem influência de outras variáveis. Ainda assim, nesse trabalho foi tratado especificadamente somente um dos componentes das funções executivas (atenção), bem como um dos componentes das habilidades sociais (conhecimento das emoções). A despeito disso, os achados permitiram a conclusão da existência de associação entre todas as variáveis, assentando que o conhecimento da emoção, mediado pela atenção, melhora o desempenho acadêmico. Por demandar o controle da atenção, flexibilidade cognitiva e definição de metas, as funções executivas favorecem as habilidades sociais, contribuindo para o bom desempenho acadêmico, como apontado no estudo de Marturano e Elias (2016).
Conclui-se que a presente revisão traz para a reflexão a importância da caracterização, compreensão e associação das variáveis investigadas (funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais), mas destaca a influência contextual (práticas educativas e adversidades) sobre essas variáveis. Tendo em conta que a estimulação em uma variável poderá contribuir para o fortalecimento de outra, é indicado que haja promoção de programas que proporcionem orientações às famílias de crianças com dificuldades escolares, prejuízos nas funções executivas e desajustes comportamentais, a fim de promover estratégias que permitam a estimulação dessas habilidades, fortalecer a autorregulação para o controle do estresse parental e oferecer instruções a fim de contribuir com suporte acadêmico às crianças.
Considerações
Frente aos objetivos propostos e critérios de inclusão e exclusão utilizados foram encontrados 16 artigos que apontaram: predominância de estudos de predição e a influência do comportamento parental e dos contextos de vulnerabilidade sobre as variáveis investigadas. Ademais, por meio dos descritores selecionados, não foram encontrados estudos na realidade brasileira, apontando para a necessidade de pesquisas empíricas nesse contexto, posto o peso de variáveis contextuais sobre as funções executivas, desempenho acadêmico e habilidades sociais e o baixo número de estudos de correlação direta entre as variáveis.
Quanto às limitações da presente revisão, tem-se a restrição do critério temporal, dos idiomas estabelecidos, por contar com trabalhos disponibilizados gratuitamente e outros artigos que não foram encontrados nas bases de dados.
A partir dos achados, ressalta-se a importância de programas de promoção e intervenção que possam ser desenvolvidos junto aos escolares tendo como foco as variáveis estudadas, colaborando assim com o desenvolvimento dos mesmos.
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Endereço para correspondência:
July Dorna Casper Boer
Departamento de Psicologia - FFCLRP-USP.
Avenida Bandeirantes, 3900
Ribeirão Preto, SP, Brasil - CEP 14040-901
E-mail: boerjuly@usp.br
Artigo recebido: 28/9/2021
Aprovado: 26/6/2022
Trabalho realizado no Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.