Introdução
A aquisição da linguagem escrita é resultado de um aprendizado primordial ao desenvolvimento humano, que se constitui como base para outras aprendizagens que serão processadas e ampliadas, causando grande impacto em toda a jornada de um indivíduo (Sargiani & Maluf, 2018). Durante a alfabetização, a criança é exposta ao aprendizado formal da leitura e da escrita, que, na maioria dos casos, acontece por meio da exposição à educação escolar (León et al., 2019; Silva, Gualberto, et al., 2019). Esse processo de escolarização demanda da aquisição e desenvolvimento de habilidades anteriores, que são consideradas como preditoras à aquisição da linguagem escrita (Rodriguez & Silva, 2023).
Para aprender a ler e escrever, além dos subsídios da linguagem oral, a criança deve ter adquirido determinadas habilidades cognitivo-linguísticas, que incluem desde a atenção, memória de trabalho e de longo prazo; até a capacidade de captar, armazenar e recuperar informações (Barboza et al., 2015). Complementadas por habilidades de processamento da informação auditiva, visual e fonológica; velocidade de processamento; habilidades metalinguísticas nos campos semântico-lexical, fonológico, morfossintático e pragmático. Além da compreensão e interpretação da língua falada; expansão do vocabulário, consciência fonológica e fluência leitora (Pazeto et al., 2020).
Essas habilidades formam um arcabouço de componentes que permitem que o escolar seja capaz de pensar e refletir sobre a própria língua, sendo possível utilizar a habilidade metalinguística, enquanto reflexão consciente e clara acerca da linguagem oral sobre a escrita. No entanto, este aprendizado não é um processo simples ou intuitivo, pois requer instrução explícita e o envolvimento de diferentes vias de acesso à informação, para que contemple um aprendizado virtuoso em uma sala de aula diversificada (de Vos et al., 2020; Downing & Caravolas, 2023).
Como a aprendizagem da linguagem escrita depende de um ensino formal, fortemente desempenhado pela educação escolar, diferentes modelos de ensino promovem essa aprendizagem em propostas diversas, porém, seguindo uma base niveladora de aprendizados (Brasil, 2018). No contexto do ensino público e privado, muito se discute sobre como a forma, o conteúdo, as metodologias pedagógicas e a qualidade do ensino impactam de maneiras diferentes a aprendizagem desses escolares (Brancalioni et al., 2018; Nalom & Schochat, 2020). Nesse sentido, fatores como o ambiente educacional favorável, metodologias pedagógicas adaptáveis, qualificação docente, fatores socioeconômicos e nível de letramento familiar passam a ser elencados como componentes determinantes que influenciam positivamente ou negativamente o processo de alfabetização (Leite et al., 2018).
Atualmente, o cenário educacional nacional não tem se mostrado otimista, além de manter as baixas pontuações de desempenho como as atingidas em anos anteriores em provas que avaliam o desempenho escolar. Os dados obtidos no Sistema de Avaliação da Educação Básica apontam para médias muito abaixo do esperado, quando comparado ao que deveria ser atingido, para o aprendizado em Língua Portuguesa. Os dados retratam o desempenho de escolares ao final do Ensino Fundamental, pertencentes a escolas com sistema público de educação (Inep, 2023). Assim, esta condição expõe a fragilidade ao fracasso escolar, uma vez que identifica esses escolares com alta propensão a apresentarem déficits durante o processo de alfabetização e, consequentemente, nos anos subsequentes de escolarização (Monteiro & Soares, 2014).
A compreensão dos resultados nas pesquisas nacionais sobre a educação de crianças e jovens brasileiros, por si só é justificativa plausível para a tomada de medidas protetivas e que alavanquem o desempenho em sala de aula. Tais dados deixam claro que as propostas educacionais, da forma que estão sendo desenvolvidas, não têm alcançado os resultados esperados no aprendizado escolar. Em busca de delinear medidas de auxilio, propostas vinculadas ao Modelo de Resposta à Intervenção (Response to Intervention – RTI), têm se fortalecido e sido implementadas por ser uma prática de fácil aplicabilidade pelos professores e desenvolvida em sala de aula (Andrade et al., 2014; Almeida et al., 2016).
De forma muito sucinta, o RTI se refere a um modelo de camadas com aplicabilidade em sala de aula, em que, nas camadas 1 e 2 o professor deve desenvolver estratégias interventivas ou de estimulação para potencializar o desempenho em habilidades específicas. O acompanhamento em sala de aula, frente ao desempenho do grupo-classe, permite o monitoramento dos desempenhos da turma, mas, acima de tudo, em relação aos escolares com maior desvantagem em termos de evolução na aprendizagem. Tais medidas possibilitam a identificação e conduta mais direcionada e precoce desses casos em especial (Fletcher & Vaughn, 2009).
No entanto, para que modelos de RTI sejam adotados é necessário a realização da identificação das demandas, para posterior delineamento de ações interventivas. Compreender quem é o grupo-classe a ser trabalhado, em sua heterogenia, mas focado no aprendizado base, comum a todos os envolvidos no processo, auxilia no direcionamento de estratégias em grupo. Neste sentido, a análise do desempenho por habilidades cognitivo-linguísticas é uma ferramenta altamente indicada na literatura, nacional e internacional, que auxilia na identificação de escolares com déficits na aprendizagem (Gersten & Dimino, 2006; Castro-Villarreal et al., 2014; Almeida et al., 2016; Siegel, 2020).
O rastreio do desempenho dessas habilidades torna-se um marcador base para fundamentar estratégias educacionais que irão contribuir para o processo de aquisição e domínio da linguagem escrita. Como também pode auxiliar no aprimoramento dos recursos diagnósticos e ações interventivas efetivas, com aplicabilidade coletiva, que reduzam as taxas de dificuldades e manifestações dos transtornos específicos de aprendizagem (Sargiani & Maluf, 2018; Damasceno et al., 2022).
Desta forma, considerando o alto índice de prejuízos educacionais no Brasil e a influência de fatores externos, como a restrição de estímulo em ambientes diversos, que conduzem ao fracasso escolar, o objetivo deste trabalho foi realizar o rastreio educacional de escolares, pertencentes à rede de ensino pública, do 3º ao 5° ano do Ensino Fundamental I e traçar o perfil de desempenho do grupo.
Método
Este estudo quantitativo, de campo exploratório e transversal foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa – CEP (CAAE: 60618616.1.00005626, Número do parecer: 2.956.909). A pesquisa teve início com a assinatura dos Termos de Consentimento e Assentimento conforme Resolução do Conselho Nacional de Saúde - CNS 196/96, para autorização da realização da coleta de dados pelos pais e participantes.
Participantes da pesquisa
O estudo incluiu a participação de 200 escolares, de ambos os gêneros, com idade entre 8 e 11 anos, regularmente matriculados no 3°, 4º e 5° ano do Ensino Fundamental I, pertencentes a duas escolas de rede pública de ensino, localizadas em mesmo bairro de um município pertencente ao estado do Rio de Janeiro (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição amostral dos escolares participantes da pesquisa por ano escolar, gênero e idade
Ano escolar | Participantes (n) | Gênero | Idade (média) |
---|---|---|---|
3º ano | 63 | 27 meninas 36 meninos | 8 anos e 7 meses |
4º ano | 72 | 41 meninas 31 meninos | 9 anos e 9 meses |
5º ano | 65 | 29 meninas 36 meninos | 10 anos e 5 meses |
Os escolares foram distribuídos nos seguintes grupos:
Grupo I (GI): composto por 63 escolares do 3° ano do Ensino Fundamental;
Grupo II (GII): composto por 72 escolares do 4° ano do Ensino Fundamental;
Grupo III (GIII): composto por 65 escolares do 5° ano do Ensino Fundamental.
Os critérios de inclusão da amostra previamente definidos foram a seleção de escolares com acuidade visual, auditiva e desempenho cognitivo dentro dos padrões da normalidade, descrito em prontuário escolar e escolares que nunca foram submetidos à intervenção neuropsicológica, fonoaudiológica e/ou psicopedagógica. Logo, os critérios de exclusão da amostra foram não apresentar assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, escolares que possuíam ou estavam em investigação de diagnóstico interdisciplinar de Transtorno Específico de Aprendizagem, com diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade; e escolares com síndromes genéticas ou neurológicas descritas em prontuário escolar.
A seleção das salas de aula foi realizada de acordo com a indicação da direção da escola, assim como, o horário de aplicação do procedimento foi definido pelos professores, de forma a não causar prejuízos ao aprendizado do escolar.
Procedimento metodológico
Para a realização do rastreio todos os participantes deste estudo, foram submetidos ao Protocolo de Avaliação de Habilidades Cognitivo-Linguísticas, em sua versão coletiva (Silva, Smythe, et al., 2019). Esta versão do instrumento é composta por cinco provas que avaliam as habilidades de escrita, processamento visual, processamento auditivo e raciocínio lógico. Sua aplicação foi realizada de forma coletiva, com aplicação em uma sessão, duração média de 30 minutos em cada turma, realizada no segundo semestre do ano letivo.
Abaixo segue a descrição e aplicabilidade de cada subteste:
Escrita do nome: refere-se à habilidade de escrita, na qual deve ser realizada a escrita do nome completo;
Escrita do alfabeto em sequência: compõe a habilidade de escrita, em que o escolar deve escrever as 26 letras do alfabeto em sequência;
Cópia de formas: pertence à habilidade de processamento visual e é composta de quatro diferentes formas geométricas que o escolar deve copiar, levando em consideração a forma, proporção/dimensão da imagem e a qualidade do traçado;
Cálculo matemático: refere-se à habilidade de raciocínio lógico, composto por 20 operações aritméticas, que incluem adição, subtração, multiplicação e divisão, apresentadas de forma aleatória;
Escrita sob Ditado: compõe a habilidade de escrita, sendo composto de 30 palavras reais e 10 pseudopalavras, apresentadas por ditado;
Repetição de números em ordem aleatória: compõe a habilidade de processamento auditivo, sendo composto por 10 sequências de dígitos, que podem conter de dois a seis dígitos apresentados de forma consecutiva e aleatórios, que o escolar irá ouvir, armazenar e reproduzir de forma escrita, sem apoio visual.
Os resultados dos subtestes da versão coletiva foram analisados em forma de pontuação, sendo atribuído um (1) ponto a cada resposta correta. Os dados inicialmente foram analisados de acordo com os valores de referência oferecidos pelo instrumento para discussão e devolutiva com os professores e demais interessados (pais e responsáveis pelo escolar).
Análise dos resultados
Para a análise quantitativa dos dados, foi realizada a análise estatística dos resultados. As variáveis foram descritas de acordo com a média, desvio-padrão, valor mínimo e máximo, e pela distribuição do quartil representado pelo primeiro quartil (25th), terceiro quartil (75th) e mediana. Com o objetivo de verificar possíveis diferenças entre os grupos considerados e visando traçar o perfil dos desempenhos por ano escolar, foi utilizando o Teste de Mann-Whitney e o Teste de Kruskal-Wallis, respectivamente. O nível de significância adotado foi p<0,05. O programa estatístico utilizado foi o SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 20.0.
Resultados
Os resultados obtidos, após tabulados e analisados estatisticamente, foram organizados por habilidade, conforme proposto na versão coletiva do protocolo utilizado, e estão apresentados na Tabela 2 e 3. Os resultados da Tabela 2 apresentam o valor mínimo e máximo, além da distribuição por quartil, configurados pela mediana, primeiro e terceiro quartis (Q1 e Q3).
Tabela 2 Desempenho dos escolares do 3º, 4º e 5º ano para os valores da mediana, quartis, mínimo e máximo
Habilidades | Variáveis | Grupos | n | Mínimo | Q1 | Mediana | Q3 | Máximo |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Escrita | Nome | GI | 63 | 0 | 2 | 2 | 2 | 2 |
GII | 72 | 1 | 2 | 2 | 2 | 2 | ||
GIII | 65 | 1 | 2 | 2 | 2 | 2 | ||
E Alf S | GI | 63 | 6 | 21 | 26 | 26 | 26 | |
GII | 72 | 20 | 26 | 26 | 26 | 26 | ||
GIII | 65 | 19 | 24 | 26 | 26 | 26 | ||
Ditado Palavras | GI | 63 | 1 | 10,5 | 17 | 20 | 26 | |
GII | 72 | 0 | 22 | 24 | 26 | 28 | ||
GIII | 65 | 3 | 16 | 24 | 25 | 30 | ||
Ditado PseudoPal | GI | 63 | 0 | 1 | 4 | 5 | 9 | |
GII | 72 | 0 | 5 | 4 | 7 | 10 | ||
GIII | 65 | 0 | 3 | 5 | 7 | 10 | ||
Proces Visual | Cópia Formas | GI | 63 | 0 | 1 | 2 | 3 | 4 |
GII | 72 | 2 | 3 | 4 | 4 | 4 | ||
GIII | 65 | 3 | 3 | 4 | 4 | 4 | ||
Raciocínio lógico | Cálculo Matemático | GI | 63 | 0 | 3 | 5 | 7 | 14 |
GII | 72 | 0 | 10 | 12 | 17 | 20 | ||
GIII | 65 | 2 | 8,2 | 13 | 18,7 | 20 | ||
Proces Auditivo | Repet Núm Ord Aleat | GI | 63 | 1 | 5 | 6 | 8 | 10 |
GII | 72 | 2 | 5 | 7 | 8 | 10 | ||
GIII | 65 | 0 | 7 | 9 | 10 | 10 |
* Teste de Mann-Whitney; Significância adotada p<0,05
Proces Visual: Processamento Visual; Proces Auditivo: Processamento Auditivo; E Alf S: Escrita do Alfabeto em Sequência; Ditado PseudoPal: Ditado de Pseudopalavras; Repet Núm Ord Aleat: Repetição de Números em Ordem Aleatória
De acordo com a análise realizada, houve desempenho estatisticamente significante para as variáveis de Escrita do Alfabeto em Sequência, Cópia de Formas, Cálculo matemático, Ditado de palavras e pseudopalavras, e Repetição de Números em Ordem Aleatória. Tais dados indicam aumento das médias de desempenho de acordo com o ano escolar analisado, porém com reduzida diferença entre o 4º e 5º ano (Tabela 3).
Tabela 3 Desempenho dos escolares do 3º, 4º e 5º ano para os valores obtidos na média, desvio padrão e valor de p
Habilidades | Variáveis | Grupos | n | Média | Desvio padrão | p-valor |
---|---|---|---|---|---|---|
Escrita | Nome | GI | 63 | 1,9 | 0,374 | 0,354 |
GII | 72 | 1,950 | 0,218 | |||
GIII | 65 | 1,955 | 0,206 | |||
E Alf S | GI | 63 | 22,646 | 5,375 | 0,002* | |
GII | 72 | 25,605 | 1,045 | |||
GIII | 65 | 24,897 | 2,023 | |||
Ditado Palavras | GI | 63 | 15,092 | 6,777 | 0,000* | |
GII | 72 | 20,16 | 6,108 | |||
GIII | 65 | 22,10 | 6,263 | |||
Ditado de PseudoPal | GI | 63 | 3,4 | 2,603 | 0,000* | |
GII | 72 | 5,148 | 3,263 | |||
GIII | 65 | 5,777 | 3,445 | |||
Proces Visual | Cópia Formas | GI | 63 | 2,046 | 1,36 | 0,000* |
GII | 72 | 3,728 | 0,474 | |||
GIII | 65 | 3,735 | 0,444 | |||
Raciocinio Lógico | Cálculo Matemático | GI | 63 | 5,188 | 2,97 | 0,000* |
GII | 72 | 11,173 | 5,438 | |||
GIII | 65 | 12,912 | 5,408 | |||
Proces Auditivo | Repet Núm Ord Aleat | GI | 63 | 6,2 | 2,04 | 0,000* |
GII | 72 | 6,912 | 2,128 | |||
GIII | 65 | 8,185 | 1,898 |
* Teste de Mann-Whitney e Teste de Kruskal-Wallis; Significância adotada p<0,05
Proces Visual: Processamento Visual; Proces Auditivo: Processamento Auditivo; E Alf S: Escrita do Alfabeto em Sequência; Ditado PseudoPal: Ditado de Pseudopalavras; Repet Núm Ord Aleat: Repetição de Números em Ordem Aleatória
Discussão
O levantamento do desempenho de escolares em rastreio educacional trata-se de uma iniciativa pautada na necessidade de identificação, estimulação e monitoramento de escolares em ambiente educacional. Logo, o presente estudo se propôs a identificar este desempenho enquanto levantamento do perfil educacional para elencar uma proposta de estratégias que auxiliem durante o processo educacional e não simplesmente para o apontamento de médias inferiores ou superiores de desempenho. Para tanto, reforça-se que a discussão será pautada nas médias obtidas pelo grupo, apoiadas pelas evidências científicas destacadas na literatura nacional e internacional, visando direcionar o olhar para propostas a serem desenvolvidas em âmbito educacional frente ao desempenho obtido pelos grupos analisados, para cada habilidade avaliada.
Dessa forma, os resultados serão discutidos por habilidades, destacando o desempenho em cada subteste realizado. Assim, para a habilidade de escrita foi possível verificar que houve significância estatística na comparação dos resultados em todos os subtestes analisados, exceto para a escrita do nome, em que se observa aproximação entre os valores para as médias de desempenho nos três grupos. Esse dado sugere que esta é uma habilidade adquirida previamente pela maioria dos escolares, ou seja, anterior ao 3° ano do Ensino Fundamental, e seu domínio se mantém nos anos seguintes, evidenciando o desenvolvimento completo desta habilidade social básica e de inserção à escrita.
A escrita do nome é uma das primeiras aprendizagens que conecta a linguagem oral e escrita, iniciada anterior a escolarização e, por vezes, efetivamente consolidada na alfabetização. Não se trata de uma habilidade com forte influência para o desenvolvimento da percepção letra/som, mas conecta a criança ao mundo letrado, apresentando a ela as primeiras letras às quais será atribuído sentido social (Puranik & Lonigan, 2012).
Em relação ao subteste de escrita do alfabeto em sequência, houve aumento das médias de desempenho dos grupos GII e GIII em relação ao grupo GI, indicando a influência da escolarização na aquisição e consolidação desta habilidade. Nesse sentido, para os grupos analisados, sugere-se um impacto maior no desenvolvimento desta habilidade a partir do 4° ano do Ensino Fundamental. Além disso, é possível observar uma maior média de desempenho do grupo GII em comparação com o grupo GIII, sugerindo que o acesso ao código que compõe o alfabeto, para sua recuperação sequencial, não está completamente consolidado pelos escolares no 5° ano. Pesquisas descrevem uma forte correlação entre o reconhecimento do nome das letras, sequencial e aleatórias, e o sucesso na aprendizagem para a automatização da linguagem escrita, sendo, portanto, esse desempenho um forte indicador de déficits no processo da alfabetização e educacional como um todo (Monteiro & Soares, 2014; Barrera & Santos, 2016; Rodriguez & Silva, 2023).
A partir da análise do subteste de ditado de palavras, que buscou avaliar a habilidade de acesso à rota lexical, para palavras de alta frequência e irregulares, e da rota fonológica, para a codificação de palavras regulares, obteve-se significância estatística na comparação intergrupos, demonstrando o aumento crescente da média de desempenho conforme a escolaridade. A exposição do escolar ao conteúdo pedagógico a partir do 3° ano do Ensino Fundamental visa sistematizar o aprendizado obtido nos anos anteriores e acrescentar novos, como a aprendizagem formal das regras ortográficas. A ampliação do vocabulário devido à exposição e ao aumento da complexidade exigida para a leitura de textos narrativos e expositivos promove a ampliação e o fortalecimento cognitivo-linguístico para a formação e acesso à rota lexical, tornando o processo de codificação de palavras mais rápido e eficiente (de Vos et al., 2020; Downing & Caravolas, 2023).
Ainda que não avaliada diretamente, a habilidade fonológica de conversão fonema/grafema, responsável pela decodificação e codificação de palavras e pseudopalavras, deve ser citada para melhor atenção aos resultados obtidos, frente ao acesso à rota fonológica e para a consolidação da lexical. Nesse sentido, a reflexão sobre a construção das palavras, tal como as atividades de leitura e escrita, desenvolve as habilidades fonológicas, estabelecendo uma relação de retroalimentação recíproca para a composição de palavras (Sargiani & Maluf, 2018; Leite et al., 2018; Silva, Gualberto, et al., 2019).
Diante disso, os resultados obtidos no subteste de ditado de pseudopalavras buscaram demonstrar o acesso à rota fonológica de forma complementar a lexical, o que evidencia um aumento das médias de desempenho a cada ano escolar. Os dados apontam para a ampliação da habilidade fonológica, mesmo que de forma implícita e pouco expressiva, impactando nas atividades de leitura e escrita no contexto escolar e, principalmente, na habilidade de conversão fonema/grafema para o processo de codificação (Xu et al., 2018).
Outro componente cognitivo associado à escrita é a memória operacional, definida como uma habilidade necessária ao armazenamento temporário e para a manipulação dos sons e/ou da informação. Tal habilidade é crucial para decodificar palavras, reconhecer relações entre as letras e sons, e unir fonemas em unidades significativas durante a leitura. Na escrita, esta habilidade é acionada para auxiliar na codificação da linguagem falada em forma escrita, ou seja, na transposição fonológica para a estrutura grafêmica (de Vos et al., 2020). Logo, o acesso à memória operacional associado à consciência fonológica consiste em habilidades cognitivo-linguísticas fundamentais para a escrita tanto de palavras conhecidas como para aquelas menos frequentes, sugerindo a necessidade de maior estimulação para os escolares envolvidos nesta amostra (Siqueira et al., 2014; Barboza et al., 2015).
A habilidade de memória operacional também é fator influenciador na análise dos resultados no subteste de repetição de números em ordem aleatória, em que o escolar deve repetir uma sequência de números apresentados de forma aleatória, retendo a informação numérica, processando e recuperando os estímulos. Os resultados obtidos demonstraram significância estatística na análise de comparação da média entre os grupos GI, GII e GIII, com aumento das médias de acordo com a escolaridade, o que indica a influência da escolarização no desenvolvimento dessa habilidade.
No entanto, ressalta-se que o acesso e manipulação de dígitos requer menos esforço cognitivo e linguístico quando comparado a testes que envolvem fonemas, palavras ou pseudopalavras. Uma vez que a sequência numérica se associa fortemente a mecanismos de automatismo, envolvendo a memória para uma quantidade reduzida de estímulos, quando comparada as letras, por exemplo (Siqueira et al., 2014; Xu et al., 2018).
O desempenho na habilidade de processamento visual, analisado pelo subteste de cópia de formas, demonstrou significância estatística na comparação dos grupos GI, GII, e GIII, com aumento das médias de acordo com os anos analisados. Esses dados sugerem a influência da escolarização no desenvolvimento desta habilidade, uma vez que a percepção visual para estímulos linguísticos tende a se desenvolver com a exposição sistemática ao código, ou seja, as letras e, consequentemente, a formação de palavras. Além disso, a diferença dos resultados obtidos pelo grupo GI em relação aos grupos GII e GIII, sugere que, além da escolarização, no desempenho inferior para o grupo GI há o indicativo que a maturação das habilidades motoras associadas à perceptovisual, que envolvem o controle motor fino em resposta a um estímulo visual específico, ainda não estejam suficientemente especializadas para estes escolares (Downing & Caravolas, 2023).
No entanto, é observado um amplo desempenho a partir do 4° ano e uma possível estabilização no decorrer do 5° ano, quando é obtida maior média de desempenho, ou seja, melhores resultados frente aos estímulos ofertados. O aumento reduzido das médias sinaliza a necessidade de estímulos que ampliem esta habilidade, a fim de especializar ainda mais a percepção visual, tal qual a associação ao controle motor e, possivelmente, potencializar o acesso à informação no ato da leitura e da escrita (Gersten & Dimino, 2006; Damasceno et al., 2022).
Para a habilidade de cálculo matemático, na avaliação do desempenho em raciocínio lógico, os dados demonstram o aumento das médias conforme a escolaridade, com significância estatística, porém, com amplitude reduzida entre o 4º e o 5º ano escolar. Esse resultado indica o impacto do ensino formal no aprendizado de operações aritméticas no contexto educacional. É possível observar o aumento considerável das médias de desempenho do 4° ano comparado ao 3º, o que sugere a influência da inserção do ensino das operações. No entanto, as médias próximas entre o 4º e o 5º ano são indicativas da necessidade de medidas de apoio para fortalecer o aprendizado e desenvolvimento do raciocínio lógico (Brasil, 2018).
Achados semelhantes ao encontrado neste estudo quanto à melhora do desempenho dos escolares ao longo dos anos educacionais foram verificados em outros trabalhos (Cassia et al., 2017; Mantovani et al., 2021). Isso demonstra que o contato com atividades de leitura e escrita, promovidas pela escolarização, provocou o aumento do desempenho nas habilidades analisadas. No entanto, de acordo com as médias obtidas houve uma estreita diferença de valores ao comparar o desempenho de GII com GIII, o que permite levantar algumas hipóteses sobre a eficácia dos estímulos acrescidos, principalmente, nos dois últimos anos do Ensino Fundamental I. Entre elas, destaca-se a necessidade de potencializar os desempenhos desses grupos e, sobretudo, a necessidade de avanços em nível cognitivo e linguístico frente a estímulos direcionados, uma vez que os resultados indicam médias de desempenho consideráveis ao ser comparados com GI, mas com valores reduzidos entre GII e GIII, apontando para um crescimento insuficiente da curva de desempenho esperada (Brasil, 2018; Siegel, 2020; Damasceno et al., 2022).
Compreende-se que estudos que realizam o levantamento do desempenho nos anos educacionais são vistos como ferramentas primordiais para o acompanhamento, ampliação e fortalecimento do desempenho dos escolares. Assim, pode ser vista como limitação deste estudo e sugestivo para pesquisas futuras o acompanhamento dos escolares em teste e re-teste, com uso de instrumentos indicados para aplicabilidade no formato coletivo, com valores de referência ou normativas. Além do intuito de acompanhamento longitudinal e aplicabilidade de propostas interventivas visando identificar possíveis mudanças em maiores proporções na curva de desempenho, em comparação ao obtido neste estudo, ao longo dos anos escolares.
Considerações
Com base nos resultados obtidos, conclui-se que foi possível realizar o rastreio dos escolares com o uso do instrumento selecionado, por meio da análise das habilidades cognitivo-linguísticas de escrita, processamento visual, processamento auditivo e cálculo matemático. A versão coletiva do teste apontou diferenças estatisticamente significantes para os subtestes de escrita do alfabeto em sequência, cópia de formas, raciocínio lógico, ditado de palavras e pseudopalavras, e repetição de números. Tais resultados evidenciam a influência do processo de escolarização no desenvolvimento dessas habilidades.
No entanto, os desempenhos obtidos indicam médias consideráveis crescentes em valores ao ser comparados os grupos, mas com diferenças reduzidas entre GII e GIII. O que sugere a necessidade de condutas de apoio, com o desenvolvimento de propostas interventivas e de monitoramento em âmbito educacional, para potencialização do desempenho desses escolares.