Introdução
Um dos pressupostos deste trabalho é que o desenvolvimento humano se dá em contextos. Para entender o desenvolvimento das crianças de 3 a 5 anos, é necessária a compreensão dos diferentes contextos que fazem parte da vida das crianças. Para tal, será utilizado o modelo de Urie Bronfenbrenner sobre o contexto social, em que as crianças se desenvolvem.
De acordo com Bahia (2008), Bronfenbrenner foi um dos estudiosos a investigar a inseparabilidade entre o organismo e o meio. Seus estudos sobre desenvolvimento humano podem situar-se em duas fases: A primeira pressupõe uma forte influência do papel do ambiente e menos atenção aos processos individuais, enquanto que, na segunda fase, Bronfenbrenner (1999) considera que as diferentes formas de interação das pessoas não são apenas em função do ambiente. Elas são resultantes de processos, ou seja, das relações entre o ambiente e as características da pessoa. A partir dessa perspectiva, a Teoria de Bronfenbrenner passou a se chamar modelo bioecológico.
Lisboa e Koller (2004) discutem a representação da família, segundo o modelo Bioecológico do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner. Nesse modelo, o núcleo familiar é o espaço no qual a pessoa em desenvolvimento experimenta pela primeira vez as relações pessoais diretas e nas quais assume determinado papel social (filho/a, irmão/ã, neto/a).
Na sociedade atual, percebe-se como os bebês e as crianças são pessoas em diferentes nichos ao mesmo tempo. Desta forma, desde cedo, a pessoa é capaz de transitar entre diferentes microssistemas, alternando papéis sociais ambientais e/ou ambos.
Bronfenbrenner (1999) chama a atenção para a importância de investigar efeitos conjuntos e interações entre as definições e, assim, destaca a possibilidade de que eventos em um ambiente podem influenciar o comportamento da criança e desenvolvimento em outro. Assim, a experiência de uma criança na creche, na sala de aula, ou no grupo de pares informal pode mudar seu padrão de atividades e interação com pais ou irmãos em casa, ou vice-versa, com as consequentes implicações para a aprendizagem e para o desenvolvimento.
Bronfenbrenner (1986) articula seus estudos com outros autores e traz as perspectivas de diferentes pesquisas. Ele cita diversos tópicos como os de desenvolvimento ecológico da família. Não existe a pretensão, neste trabalho, de aprofundá-los, mas alguns deles são citados, apenas para conhecimento: Educação dos pais, Famílias e a comunidade, Família e a mobilidade geográfica, Televisão e a família.
Bronfenbrenner (1977) comenta estudos que indicam que os pais tendem a exibir mais sentimentos positivos no laboratório do que em casa; já as crianças apresentam sentimentos mais negativos quando não estão próximas de seus pais ou em espaços conhecidos. Acrescenta que quando se está em algum lugar onde não se sente um conforto ou são espaços nos quais não se está adaptado, ocorre um impacto biopsicológico, o qual influencia o comportamento e desenvolvimento humano, principalmente, no caso de crianças pequenas.
O experimento ecológico é um estudo científico da acomodação mútua e progressiva ao longo da vida. Dentre essas definições imediatas, temos os contextos sociais, tanto formais quanto informais, em que as configurações são incorporadas. É nesta perspectiva que o objetivo principal do experimento ecológico não se torna hipótese-teste, mas sim descoberta. Busca a identificação dessas propriedades de sistemas e processos que afetam e são afetados pelo comportamento e desenvolvimento do ser humano. Uma propriedade é trazida pelo autor sobre o microssistema, a da reciprocidade, e ele nos mostra como isso funciona com os bebês e seus cuidadores parentais. O autor nos diz que não só A interfere em B, mas os dois se afetam e, ao passar do tempo, esse relacionamento se modifica.
Outro modelo teórico que contribui para a compreensão do papel do contexto no desenvolvimento é o de Nicho de Desenvolvimento, proposto por Harkness e Super (1986). Esses autores investigaram bastante a cultura holandesa e a norte-americana, além de coordenarem os projetos globais International Study of Parents, Children and Schools (ISPCS) e The International Baby Study (IBS), e de serem responsáveis pelos recentes estudos sobre Dutch and U.S. parents. Em ambos os países, os pesquisadores recrutaram uma amostra de 60 famílias com crianças-alvo divididas em cinco grupos etários equilibrados por ordem de nascimento e sexo: 6 meses, 18 meses, 3 anos, 4,5 anos e 7 a 8 anos.
As famílias foram recrutadas principalmente através de redes comunitárias. Elas eram formadas por pessoas de classe média, com ambos os pais empregados e sem grandes problemas de saúde. A maioria delas eram famílias nucleares com ambos os pais presentes no lar e os pais de cada amostra eram todos nativos daquela cultura.
Essas pesquisas foram feitas para demonstrar, cientificamente, que existem muitas diferenças culturais entre os países ocidentais, pois muitos ainda acreditam que não há diferenças entre os cuidados dos países europeus e dos Estados Unidos. A partir desses dados e levantamentos, com auxílio dos métodos psicológicos e etnográficos, há evidências dessa diversidade.
Harkness et al. (2009) entendem que a questão da variabilidade cultural entre as sociedades ocidentais é particularmente relevante quando consideramos ideias e práticas de parentalidade. O Nicho de Desenvolvimento é um sistema dinâmico formado por três subsistemas, que se articulam entre si e delimitam o percurso do desenvolvimento: o primeiro é o ambiente físico e social onde a criança vive; o segundo está relacionado às práticas de cuidado e educação da criança, que são prescritas socialmente; o último refere-se às crenças e valores dos sujeitos encarregados dos cuidados das crianças, suas concepções de infância, educação e desenvolvimento, chamado também de etnoteorias parentais.
No centro do Nicho de Desenvolvimento está a criança com suas características de sexo, idade, temperamento e outras disposições psicológicas (Bahia & Pontes, 2008). Considera-se a moradia da família como o centro da vida humana inicial, e o desenvolvimento da criança tendo uma relação dinâmica com o ambiente físico e social com as práticas de cuidados infantis culturalmente reguladas e com a psicologia de seus cuidadores (Bahia, 2008).
As etnoteorias parentais são modelos culturais que os pais apresentam sobre as crianças, as famílias e eles próprios. O termo modelo cultural, extraído da antropologia cognitiva, indica um conjunto organizado de ideias que são compartilhadas pelos membros de um grupo cultural. Como outros modelos culturais relacionados ao self, as etnoteorias parentais são muitas vezes implícitas, tomadas de ideias sobre a maneira “natural” ou “correta” de pensar ou agir, e têm fortes propriedades motivacionais para os pais. É característico que a relação entre ideias e objetivos para a ação relacione etnoteorias parentais aos outros dois componentes do nicho de desenvolvimento (Bahia, 2008).
Aos recentes esforços para promover a sobrevivência e o desenvolvimento da criança, em nível internacional, tem-se centrado nova atenção sobre a importância da família. Esta deve atuar como um mediador de ambos os riscos ambientais e intervenções programáticas para proporcionar uma saúde melhor. Por isso, em estudos com famílias de diferentes culturas, Harkness e Super (1994) trazem exemplos ilustrativos de pesquisas, incluindo Malásia, Quênia, Bangladesh, Índia e Estados Unidos. Os mesmos mostram como o meio interfere no desenvolvimento das crianças e também como as famílias apresentam individualidades, embora dentro de uma mesma cultura. Além de trazerem o ambiente do lar, os autores tratam do ambiente escolar que essa criança frequenta ou frequentará e como ele afeta a rotina, hábitos e atitudes das famílias, além das consequências no desenvolvimento infantil.
Os estudos sobre o Nicho de Desenvolvimento consideram aspectos antropológicos, psicológicos e biológicos. Os antropológicos abordam questões sobre a cultura e a personalidade de cada pessoa; além disso, levam em consideração como funciona a estrutura familiar na qual a criança está inserida e quais os diferentes ambientes e contextos de desenvolvimento que frequenta (Harkness et al., 2009).
No âmbito psicológico, encontra-se o subsistema da psicologia dos cuidadores. Este focaliza os sistemas de crenças daqueles que participam dos cuidados infantis em contextos específicos. Já as perspectivas biológicas contribuem com a elaboração sobre o nicho de desenvolvimento, diretamente a partir dos estudos sobre genética e embriologia (Harkness et al., 2009).
Assim, o Nicho do Desenvolvimento baseia-se nos recentes avanços teóricos em antropologia, psicologia e ecologia biológica. Como uma síntese das ideias de cada uma destas disciplinas, o Nicho de Desenvolvimento é distinto da criança em desenvolvimento no âmbito doméstico. Combina-se assim uma preocupação cultural com noções básicas sobre a organização sistemática do ambiente, uma orientação do desenvolvimento para as necessidades biológicas e as capacidades das crianças, bem como suas experiências ao longo do tempo.
Com relação à família, Harkness e Super (1994) também argumentam que, embora a criança e o ambiente sejam vistos como sistemas interativos, o agregado familiar, como o centro da vida humana, é o mediador focal dessa relação, e é fortemente impactado por mecanismos culturalmente construídos. Esses autores apresentam estudos com famílias italianas e norte-americanas, identificando os diferentes costumes de cuidados.
Nas duas perspectivas de desenvolvimento, tanto de Bronfenbrenner (1999) quanto de Harkness e Super (1986), é possível perceber que na noção de contexto estão envolvidas não só as relações interpessoais, mas também as relações em diferentes sistemas.
Em resumo, faz-se uma relação entre o mesossistema e o Nicho de Desenvolvimento da seguinte forma: como o mesossistema compreende as interrelações e as configurações que contêm a pessoa em desenvolvimento em um determinado momento do seu ciclo vital, ele engloba as interações da família, escola e grupo de pares (Bronfenbrenner, 1977). O nicho de desenvolvimento é um sistema dinâmico formado por três subsistemas, que se articulam entre si e delimitam o percurso do desenvolvimento (Harkness & Super, 1994).
Entende-se que o mesossistema engloba diferentes nichos de desenvolvimento, como, por exemplo, o espaço da escola e o espaço da casa, além dos diferentes conjuntos de práticas dos pais. Assim, pode-se perceber como esses microssistemas estão interligados aos diferentes nichos de desenvolvimento onde as crianças estão inseridas. Desta forma, entende-se que cada família apresenta práticas educativas diferentes para seus filhos. Com isso, dentro desse microsistema da família, consegue-se encontrar contextos menores e individuais que influenciarão de alguma forma o desenvolvimento infantil. Em função disso, não se pode focar em um único modelo singular de família. Desta forma, cabe ressaltar um breve panorama do que se entende como família nesse trabalho.
A família, enquanto grupo social, sofreu profundas mudanças ao longo do tempo, em função de fatores econômicos, históricos, sociais e culturais, que consequentemente repercutiram nas relações de seus membros. A família patriarcal do Brasil Colônia era extensa, composta por membros consanguíneos ou não, que circulavam livremente no seio familiar (pais, filhos, outros parentes, agregados e serviçais). O pai era a figura de incontestável autoridade. À mãe, cabia a educação dos filhos, a administração da rotina doméstica e o comando dos serviçais (Almeida & Vasconcellos, 2018).
Atualmente, existem centenas de composições familiares e uma só área de conhecimento ou uma só epistemologia não é suficiente para abarcar todas as possibilidades de compreensão destas novas famílias.
O termo família tem sido reconhecido cada vez mais no plural, principalmente quando trata-se do Brasil. A diversidade social, cultural e econômica característica de nosso extenso território brasileiro explica, em parte, o reconhecimento de diversas configurações familiares (Almeida & Vasconcellos, 2018). Com isso, considera-se neste trabalho família como uma instituição com diversas configurações a partir da realidade e do contexto de cada sujeito.
Práticas educativas parentais
Os estudos de Bandioli e Mantovani (1998) são coerentes quando relatam que é uma abstração pensar na criança desligada da realidade social na qual se encontra inserida e, portanto, separada das necessidades da própria família. É importante considerar que outros contextos, como a creche, também influenciam no comportamento da criança e não apenas o seu endereço social.
Keller (2011) descreve seis sistemas parentais, organizados de acordo com trajetórias distintas. O sistema de cuidados, considerado o mais antigo em termos de filogênese, envolve um conjunto de atividades para atender às necessidades do bebê, como banho, alimentação, etc. O sistema de contato corporal consiste em favorecer o contato corporal, a partir de posições que favoreçam isso de forma predominante. O sistema de estimulação corporal também é baseado na comunicação através do corpo e envolve qualquer estimulação motora, tátil e/ou equilíbrio do bebê. O sistema de estimulação por objetos tem por objetivo apresentar o mundo dos objetos à criança e o ambiente físico em geral. O sistema face a face é caracterizado, basicamente, pelo contato visual mútuo. O envelope narrativo consiste em toda a mediação simbólica em que o bebê é envolvido, através da fala da mãe (Keller, 2011).
Para Keller (2011), há uma hipótese de duas trajetórias principais no desenvolvimento do self, uma ocidental e outra não ocidental, que se relacionam a diferentes modos de investimento parental. As variações culturais em termos de cuidados parentais são vastas e há diferenças consideráveis no que diz respeito às oportunidades e ocorrências de interações com os outros, principalmente com membros da família. Desta maneira, o contexto ecológico no qual o desenvolvimento se dá, interfere nos tipos de metas de socialização que são valorizadas e, portanto, nos sistemas de cuidados predominantes.
Keller (2011) compara três grupos de diferentes culturas: um de classe média urbana da Grécia, outro de fazendeiros dos Camarões e outro de classe média de Costa Rica. O autor buscou observar quais relações apareciam entre o estilo parental de cuidado em bebês de três meses de idade e os aspectos de autorreconhecimento e autorregulação dos mesmos bebês aos 18-20 meses de idade. Verificou que, no grupo grego, ocorreu uma estratégia de cuidado distal, baseada na estimulação por objeto e na interação face a face, o que mostra uma trajetória mais voltada para a independência. Já no grupo de Camarões, viu-se uma estratégia proximal, calcada no contato corporal e na estimulação corporal que representa uma trajetória mais interdependente. No grupo costa-riquenho, houve a combinação de ambas as estratégias, ou seja, uma trajetória autônomo-relacional.
Sendo assim, no contexto em que a autonomia do sujeito é mais valorizada, o autorreconhecimento desenvolve-se primeiro. Para sociedades que valorizam trajetórias mais independentes, é importante que o sujeito saiba bem quem ele é, o que quer e que busque suas metas com iniciativa. Com isso, faz-se necessário que ele se autorreconheça como alguém único e diferente dos outros. Já a valorização da autorregulação ocorreu no contexto da interdependência, uma vez que neste ambiente a harmonia do grupo é o mais relevante.
Logo, o presente trabalho teve como objetivo principal investigar as práticas educativas parentais para com as crianças de 3 a 5 anos no município do Rio de Janeiro. Visto que ainda são poucos os estudos referentes a essa faixa etária e que articulem os campos da psicologia ao campo da educação.
Método
Cuidados éticos
A pesquisa realizada atendeu as normas da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP, Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde, Brasil) e o Código de Ética Profissional dos Psicólogos. Por se tratar de uma pesquisa envolvendo seres humanos, esta investigação foi cuidadosamente elaborada visando atender às exigências estabelecidas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e seus desdobramentos. Ela foi aprovada pela Câmara de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Parecer número 92/2019 (Protocolo 45/2019).
Participantes
O número de participantes desta pesquisa foram 50 pais/mães de crianças 3 a 5 anos de creches e Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDIs) públicos do município do Rio de Janeiro e os respectivos professores das crianças pré-escolares.
Caracterização de escolaridade dos participantes
Foi utilizado um inventário de dados sociodemográficos para os pais, sendo utilizado para esse estudo os dados de escolaridade (Gráficos 1 a 3).
Coleta de dados
Os participantes indicados pela direção e aptos a participarem da pesquisa foram contactados presencialmente. Nesse momento, a pesquisa foi explicada e, quando houve a concordância por parte dos pais e professoras em participar, foi marcado um encontro no melhor dia, horário e local para o participante. Nessa ocasião, os objetivos e métodos da pesquisa foram explicados mais detalhadamente, assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e assim realizada a entrevista. Os participantes preencheram individualmente a ficha de dados sociodemográficos.
Instrumentos
Para os pais:
Termo de Consentimento Livre Esclarecido;
Inventário Sociodemográfico com perguntas referentes a idade, escolaridade e profissão;
Instrumento Escala de Crenças Parentais de Cuidado (E-CPPC) na primeira infância, foi feita uma tabela com todas as respostas e os níveis mais escolhidos pelos entrevistados. O instrumento apresenta 25 afirmativas do tipo Likert com níveis de 1 a 5, sendo 1 nunca e 5 sempre.
Para os professores:
Resultados e Discussão
Dentro dos objetivos propostos por esse artigo, houve também a investigação das características sociodemográficas dos pais. Com isso, produziu-se um gráfico que nos mostra o percentual das escolaridades apresentadas anteriormente nesse estudo.
Nota-se que o maior percentual para escolaridade foi Ensino Médio Completo, com a informação de 42% dos pais e mães que responderam a pesquisa. Todavia, pode-se perceber que o segundo nível de escolaridade de maior percentual foi o de Ensino Fundamental Incompleto, caracterizando 24% dos pais e mães. Além disso, encontra-se um maior número de pessoas com nível de escolaridade anterior ao Ensino Médio do que posterior a ele.
Percebe-se que os dados sociodemográficos encontrados neste estudo corroboram com as pesquisas apresentadas por Almeida e Vasconcellos (2018), em que, na grande maioria das famílias de baixa renda ou pobres, os membros começam a trabalhar cedo e não terminam seus estudos. As mulheres, por exemplo, encontram-se como chefes de família atualmente, o que significa que trabalham fora de casa. Além disso, nas famílias de baixa renda, têm-se, também, muitos casos de gravidez na adolescência. Ambos os exemplos podem ser percursores para que ocorra o abandono dos estudos, pois faz-se necessário cuidar da criança ou começar a trabalhar para ajudar nas despesas, como mostram os dados do IBGE de 2016.
Para a análise do Instrumento Escala de Crenças Parentais de Cuidado (E-CPPC) na primeira infância, foi feita uma tabela com todas as respostas e os níveis mais escolhidos pelos entrevistados. O instrumento apresenta 25 afirmativas do tipo Likert com níveis de 1 a 5, sendo 1 nunca e 5 sempre. A maioria das afirmativas recebeu o nível 5, como resposta dos pais e mães, e apenas as afirmativas 9, 14 e 18 obtiveram o nível 1 como escolha da maioria.
Na afirmativa 1, a maioria dos pais e mães optou pelo nível 5 do instrumento, isto é, sempre socorrem a criança quando está chorando. Todavia, na afirmativa 14, a maioria respondeu nível 1, o que significa que nunca brincam de luta ou de se embolar com a criança.
Desta forma, pode-se dizer que a maioria dos pais e mães, que participaram da pesquisa, afirmam ter práticas de cuidado atentas e presentes, visto que grande parte das respostas apontou o nível 5 (sempre). Esses achados nos remetem a Keller (2011), que descreve seis sistemas parentais, organizados de acordo com trajetórias distintas. Estes sistemas parentais envolvem um conjunto de atividades para atender às necessidades do bebê, que são: contato corporal, estimulação corporal, estimulação por objetos e cuidados básicos, face a face e envelope narrativo.
Foi possível identificar, pelos dados obtidos no presente trabalho, que houve diferentes modos de investimento parental e que o contexto ecológico, no qual o desenvolvimento se dá, pode interferir nos tipos de metas de socialização que são valorizadas e, portanto, nos sistemas de cuidados predominantes, como nos aponta Keller (2011). Nota-se que a maioria dos pais e mães não brinca de lutas ou de se embolar. Assim, pode-se supor que o ambiente da favela, com diversas experiências violentas, poderia minimizar a ocorrência dessas brincadeiras, pois a mesma poderia estar remetendo a situações de violência.
No Gráfico 4, encontra-se a predominância dos níveis escolhidos pelos participantes com Ensino Médio completo, visto que foi o nível de escolaridade com maior número de participantes. Neste gráfico estão presentes os dados referentes aos participantes que apresentam o Ensino Médio completo, isto é, foram pegas as respostas deles e contabilizado quantos escolheram o nível 1, 2, 3, 4 ou 5 para cada uma das 25 respostas presentes no Instrumento.
No Gráfico 5, apresentam-se os dados referentes à predominância dos níveis de escala para os participantes com formação de Ensino Fundamental Incompleto, pois foi o segundo maior nível de escolaridade encontrado nesta pesquisa. Com isso, a partir desses dois gráficos pode-se ter uma visão da predominância de escolhas de todos os participantes. Neste gráfico, selecionamos os participantes com o Ensino Fundamental Incompleto e suas respostas para cada afirmativa presente no instrumento.
Nota-se nesses dois gráficos que há diferenças na predominância das respostas, referente aos participantes com uma escolaridade Ensino Médio Completo e Ensino Fundamental Incompleto. Nas afirmativas 6 (carregar no colo), 9 (dormir junto na rede ou cama), 11 (fazer cócegas), 12 (fazer massagem), 13 (deixar livre para correr, nadar, trepar), 14 (brincadeiras de luta, de se embolar/ corporais), 17 (jogar jogos) e 18 (pendurar brinquedos no berço), notaram-se diferenças significativas nas escolhas dos participantes.
Percebe-se que, para os pais com escolaridade Ensino Fundamental Incompleto, a afirmativa 6 obteve dois níveis de predominância, o nível 5 (sempre) e o nível 3 (às vezes), enquanto para os participantes com Ensino Médio Completo, o nível escolhido foi o 5. Desta forma, pode-se pensar que para os participantes com nível de escolaridade mais baixo, a questão do colo não ocorre sempre, possibilitando a interpretação de que a criança de 4 a 5 anos pode ter autonomia para andar e se locomover.
Porém, na afirmativa 9, os participantes com Ensino Fundamental Incompleto dormem sempre juntos com seus filhos, enquanto os participantes com Ensino Médio Completo relatam nunca fazerem isso. Neste momento, percebe-se uma inversão em relação à questão da autonomia, visto que as crianças de 4 a 5 anos podem dormir sozinhas, mas precisam de colo para o segundo grupo de participantes citado acima. Todavia, para o outro grupo, as crianças não precisam de colo, mas sempre dormem juntas aos pais.
Na afirmativa 11 percebe-se, mais uma vez, a escolha de dois níveis pelos participantes com Ensino Fundamental Incompleto. Os mesmos escolheram nível 2 e nível 5 para a afirmativa sobre as cócegas. Nota-se, assim, que, mais uma vez, há um grupo desses participantes que raramente exercem esse ato de contato com seus filhos. Já para o grupo com Ensino Médio Completo, essa ação ocorre sempre junto às crianças.
Para a afirmativa 12, os participantes com escolaridade Ensino Fundamental Incompleto relatam raramente fazer massagem em seus filhos, enquanto os participantes com Ensino Médio Completo exercem essa ação sempre. Ou seja, novamente, depara-se com uma afirmativa que traz a questão do contato físico e que o primeiro grupo relata exercer raramente.
Nas afirmativas 14, 17 e 18 obtiveram-se respostas inversas, isto é, enquanto o grupo com escolaridade Ensino Fundamental Incompleto escolheu o nível 5 para as afirmativas 14 e 18, o grupo com Ensino Médio Completo escolheu o nível 1. Além disso, na afirmativa 17, enquanto o grupo de menor escolaridade escolheu o nível 1, o grupo com escolaridade superior a ele escolheu o nível 5. Logo, para o grupo com Ensino Fundamental Incompleto, não há qualquer questão com as brincadeiras de lutas, de se embolar; para o grupo com Ensino Médio Completo esse tipo de brincadeira não ocorre nunca. Ou seja, nesse caso há o contato corporal pelo primeiro grupo citado que não estava aparecendo nas afirmativas anteriores.
Com relação aos jogos, percebe-se que não é comum esse tipo de escolha para brincar com as crianças pelo grupo com escolaridade Ensino Fundamental Incompleto. No entanto, é uma escolha que sempre ocorre para os pais com Ensino Médio Completo.
Por último, a afirmativa 18, sobre pendurar brinquedos no berço, nota-se que as crianças com os pais de escolaridade Ensino Fundamental Incompleto permanecem com os berços em casa. Já os pais com Ensino Médio Completo demonstram, pela escolha do nível 1, que as crianças não devem mais ter acesso ao berço.
A partir dessas análises, nota-se que a maioria dos pais e mães demonstra em suas respostas preocupações e cuidados com seus filhos, visto que para a maioria das afirmativas eles responderam nível 5 (sempre). Com esses resultados apresentados nos gráficos, conseguiu-se investigar a possível relação entre as práticas educativas parentais e as características sociodemográficas dos pais.
Com isso, pode-se refletir sobre as teorias de Bronfenbrenner (1996) e Harkness e Super (1994), em que os autores ressaltam a influência do contexto nas ações e nos comportamentos das pessoas nele inseridas. Logo, lembra-se dos diferentes sistemas que as pessoas fazem parte desde o seu nascimento até sua morte. Bronfenbrenner (1996) enfatiza que todos os sistemas são interligados diretamente ou indiretamente. Sendo assim, considera-se que tanto os ambientes da escola como os da casa podem influenciar nos comportamentos da criança.
Além disso, acrescentando os estudos de Harkness e Super (1994) referentes ao conceito de nicho de desenvolvimento, trazer o espaço da escola faz-se pertinente, principalmente em relação ao espaço da sala de aula em que as crianças interagem com as professoras. Estas possuem suas próprias crenças, normas e valores, e vão influenciar no comportamento das crianças. O comportamento, neste recorte da pesquisa, a princípio, não está sendo identificado como um comportamento agressivo ou transgressor na maioria das vezes.
Com esses dados, muitos pesquisadores e profissionais da área de educação e de psicologia que se interessem pelo tema família, educação infantil, comportamentos infantis e práticas parentais podem perceber a relevância dessas duas áreas dialogarem constantemente na tentativa de atender a um denominador comum, que seria o desenvolvimento integral da criança. A partir dos dados dessa pesquisa, as escolas e os professores poderão considerar como os pais pensam suas práticas e o desenvolvimento dos seus filhos e, também, o que os professores observam na escola acerca dessas práticas realizadas com os pais. Assim, reforça-se a importância da troca e do diálogo, percebendo que o respeito entre pais e professores é fundamental para o desenvolvimento da criança em qualquer idade.
Considerações
Este trabalho foi realizado nas creches e Espaços de Desenvolvimento Infantil (EDIs) públicos do município do Rio de Janeiro. Conseguiu-se investigar as práticas educativas parentais e sua relação com o comportamento das crianças de 3 a 5 anos nas Unidades Escolares. Realizou-se, também, a investigação das suas características sociodemográficas. Destacou-se a relevância das características sociodemográficas, em especial o nível de escolaridade, pois a maioria dos participantes tinham o Ensino Médio Completo (42%), seguido do Ensino Fundamental Incompleto (24%), predominantemente. Ou seja, nota-se que, nesse grupo pesquisado, poucos pais tiveram acesso ao nível superior de ensino (4%). Sabe-se o quanto a educação superior, no Brasil, é escassa para as pessoas que vivem à margem da sociedade, como por exemplo nas favelas, onde estava alocada uma das Unidades Escolares pesquisadas. Logo, encontram-se nessa pesquisa pais e mães que moram em favelas da zona norte e zona sul do Rio de Janeiro que muitas vezes não são vistos nas pesquisas acadêmicas.
Lembra-se também, a partir do nicho de desenvolvimento apresentado por Harkness e Super (1994), no qual a família é o centro da vida humana inicial, que o desenvolvimento da criança tem uma relação dinâmica com o ambiente físico e social, além da relação com as práticas de cuidados infantis, culturalmente reguladas, e com a psicologia de cuidadores. Ou seja, isso demonstra a extrema importância da escola para criar vínculos com esses pais ou cuidadores principais. Por isso, manter esse canal de participação aberto junto à família no espaço da creche é fundamental para o desenvolvimento saudável e integral da criança.
Além disso, observa-se o quanto as teorias de Bronfenbrenner (1992) e Harkness e Super (1986), relacionadas à influência do ambiente no desenvolvimento das crianças, puderam ser, mais uma vez, corroboradas neste estudo. Como mostram os estudos de Bronfenbrenner (1986), Harkness et al. (2009), um dos pressupostos assumidos neste trabalho foi de que o desenvolvimento humano se dá em contextos. Desta forma, acredita-se que, durante a Educação Infantil, para se compreender o desenvolvimento, faz-se necessário a investigação dos diferentes contextos que permeiam a vida das crianças.
A partir da Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner (1999), pode-se dizer que o mesossistema escola-família precisa ser e estar bem articulado para que o desenvolvimento da criança possa acontecer de forma qualitativamente saudável. Uma possibilidade para que isso ocorra é o planejamento de reuniões, encontros e espaços onde tanto a família quanto os profissionais da escola possam se expressar em relação à educação das crianças.
Conclui-se, assim, que os dados encontrados poderão gerar diversas discussões acerca do tema, isto é, colocar a questão dos comportamentos transgressores em pauta de reuniões pedagógicas, realizar grupos de estudos acerca desta temática, dentre outras.
Esse estudo apresentou limitações, tais como, ter um número reduzido de participantes de outras Unidades Escolares de Educação Infantil públicas da 2ª Cre do município do Rio de Janeiro, além de não ter sido possível realizar um estudo de observação nos espaços escolares. Contudo, acredita-se que, com os dados obtidos, muitos pesquisadores e profissionais da área de educação e psicologia, que se interessarem pelo tema família, Educação Infantil e comportamentos transgressores, podem perceber a relevância dessas duas áreas dialogarem e se articularem na tentativa de buscar um denominador comum, que é o desenvolvimento integral da criança.
Tal estudo poderá contribuir para o desenvolvimento de novas pesquisas no campo de educação infantil, principalmente, na rede pública de ensino e em unidades escolares próximas ou em favelas no Rio de Janeiro, além de toda a rede particular. Nota-se, ainda, a pouca visibilidade desse grupamento nos estudos com a temática das famílias, tanto na área de psicologia quanto na área de educação.
Acredita-se que, a partir dos achados desse presente artigo, as escolas e os professores poderão perceber a importância de conhecer as práticas de cuidado e crenças dos diferentes cuidadores da sua unidade escolar, além do contexto e da dinâmica familiar em que cada criança está inserida. Dessa forma, entender e conhecer mais acerca das crianças e seus familiares. Assim, reforça-se a importância da troca e do diálogo referentes aos cuidados da criança entre a família e os profissionais da escola para um melhor desenvolvimento da criança nesse processo, visando sempre o bem-estar, a qualidade de vida e a promoção de saúde da criança e de todos os envolvidos.