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Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.20 no.1 São Paulo jun. 2012
EDITORIAL
Consumo é tudo aquilo que advém do ambiente e é utilizado pelo indivíduo ou pelo grupo, material e/ou subjetivamente em uma sociedade específica. A etimologia da palavra "consumo" vem do latim consumere (esgotar) e é formada por com, mais suemere (apoderar-se, gastar, agarrar). Há outras definições também um pouco assustadoras: gastar ou corroer até a destruição, anular e destruir.
O tema "consumo", se compreendido de modo amplo, é rotineiro nas práticas clínicas e institucionais. O adolescente necessita de tecnologia. A mulher precisa de um novo corpo. O homem se desespera pela posição que ainda não tem. E mulheres desejam homens ideais e homens necessitam mulheres ideais. Por isso, parece mais que justificado discutirmos o assunto que atravessa o cotidiano e a existência na contemporaneidade, praticamente definindo nosso mundo. E não falamos tão somente de uma temática que afeta clientes/usuários que podem ser entendidos erroneamente como portadores de sociopatologias de consumo, ao contrário, como algo naturalizado por todo e qualquer cidadão. Assim, consumir tem o caráter abrangente de algo de que supostamente necessitamos e buscaremos para saciar essa necessidade física, subjetiva, simbólica. Este é o panorama amplo vivido por nós em uma sociedade chamada "de consumo" ou "de mercado".
Para que essa sociedade se mantenha, necessita de um combustível óbvio e imprescindível: o consumo. Não se trata apenas de suprir, simplesmente, a população com aquilo de que ela precisa para sobreviver, como comida, bebida, sono, saúde. Uma sociedade de mercado produz inúmeras necessidades para um mais que provável consumidor. Um jogo de sensações produz uma imensidão de vontades que se modificam com uma velocidade cada vez mais impressionante. A troca de aparelhos, as novas descobertas da cosmética, os carros que saem de linha para dar lugar a outros supostamente mais modernos, bem como sites, livros e e-books, teorias, subjetividades e novidades, no que diz respeito a sempre novos e interessantes produtos, modas, mentalidades que estimulam os que podem adquirir e participar desse colorido mundo.
A sociedade de mercado faz um enorme esforço para "fidelizar" esse consumidor por meio de inúmeras propostas, explicitas ou não, para suas atrações. Nesse sentido, é preciso criar um consumidor como uma "cultura" especifica. O filósofo Michel Foucault, em uma entrevista dada em 1973, cujo tema é Prisões e revoltas nas Prisões diz o seguinte:
Hoje, as pessoas não são mais enquadradas pela miséria, mas pelo consumo. Tal como no século XIX, mesmo se é sob outro modelo, elas continuam capturadas em um sistema de crédito que as obriga (se compraram uma casa, móveis...) a trabalhar todo o santo dia, a fazer hora extra, a permanecer ligadas (...). (Em Ditos e Escritos IV).
O que diria o filósofo quase 40 depois? Na sociedade de mercado, os consumidores se oferecem constantemente como objeto do conhecimento: o que preferem, quando preferem e como preferem. Os interesses são perscrutados para melhor satisfazer uma subjetividade consumista instaurando, assim, um circuito que se pretende eficiente. Os consumidores não são obrigados a nada, não estamos em uma ditadura "orwelliana", escura e opressiva. Ao contrário, em uma sociedade de mercado nada é impingido diretamente. Tudo é entendido como um exercício de liberdade: o consumo é, supostamente, livre.
O consumidor começa a perceber que tem poderes: pode não comprar, denunciar empresas e produtos em blogs, sites, ouvidorias. E descobre que o poder de consumidor vale mais que o poder de voto. Afinal, o voto, no tipo de democracia em que vivemos, parece efetivamente valer pouco, já a reclamação de que, na segunda lavada, a calça não permaneceu como era no dia em que foi comprada pode causar certo alvoroço na mídia que atende a classe média. Começa a perceber que ser consumidor é mais importante que ser cidadão, pois parece que as empresas mandam mais que os governantes. Ou mandam nos governantes.
Este volume da RBP pretende discutir o tema e o Psicodrama necessita mostrar sua cara. Aliás, de algum modo, o Psicodrama se tornou um objeto de consumo, pois em uma sociedade de controle, nada escapa disso. Como se sai o "produto Psicodrama" na sociedade de consumo?
Devanir Merengué
Editor