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Revista Brasileira de Psicodrama

versão On-line ISSN 2318-0498

Rev. bras. psicodrama vol.26 no.2 São Paulo jul./dez. 2018

https://doi.org/10.15329/2318-0498.20180024 

ARTIGOS INÉDITOS

 

Vínculo conjugal: um estudo psicodramático das redes relacionais do cônjuge masculino

 

Marital bond: a psychodramatic study of the relationship networks of the male spouse

 

Vínculo conyugal: un estudio psicodramático de las redes relacionales del cónyuge masculino

 

 

Beatriz Félix da SilvaI; Wladinéia Campos DanielskiII

IGraduanda do curso de Psicologia pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Aluna da Escola de Psicodrama Criaação - Chapecó/SC. E-mail: beatrizfelix@unochapeco.edu.br
IIPsicóloga pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Especialista em Psicologia dos Processos Educacionais (PUCRS). Psicodramatista didata supervisora pela Conttexto Psicologia Clínica, PR. Atualmente, é diretora da Escola de Psicodrama Criaação - Chapecó/SC. E-mail: wladineia@desbrava.com.br

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo investigar a hipótese de modificações nas redes relacionais do cônjuge masculino após o estabelecimento do vínculo conjugal. Os procedimentos metodológicos empregados foram a pesquisa-ação, usando o Psicodrama como método e a técnica psicodramática Átomo Social como recurso para a obtenção de dados, possibilitando a compreensão das redes relacionais antes e após a vida conjugal dos três participantes envolvidos. Conclui-se que a rede relacional sofre uma reconfiguração sociométrica, que está diretamente ligada à estabilidade e ao desempenho de outros papéis, bem como ao modelo de vínculo constituído pelo casal e por seus acordos conjugais, conciliando os objetivos comuns e os projetos pessoais e individuais.

Palavras-chave: relações conjugais, casamento, técnicas psicoterapêuticas, sociometria


ABSTRACT

This research aimed to investigate the hypothesis of modifications in the relationship networks of the male spouse after establishing the marital bond. The methodological procedures applied in this study were research-action, using Psychodrama as a method, and the psychodramatic technique Social Atom as a tool to obtain data, enabling the understanding of the relationship networks before and after the marital life of the three participants involved in the study. The conclusion is that the relationship networks experiences a sociometric reconfiguration which is directly linked to the stability and performance of other roles, as well as the model of bonding established by the couple and their marital agreements, reconciling common goals and personal and individual projects.

Keywords: marital relations, marriage, psychotherapeutic techniques, sociometry


RESUMEN

Esta investigación tuvo como objetivo investigar la hipótesis de modificaciones en las redes relacionales del cónyuge masculino después del establecimiento del vínculo conyugal. Los procedimientos metodológicos empleados fueron la investigación-acción, teniendo el Psicodrama como método, y la técnica psicodramática Átomo Social como recurso para la obtención de datos, permitiendo la comprensión de las redes relacionales antes y después de la vida conyugal de los tres participantes involucrados. Se concluye que la red relacional experimenta una reconfiguración sociométrica que está directamente relacionada con la estabilidad y el desempeño de otros roles, así como al modelo de vínculo constituido por la pareja y por sus acuerdos conyugales, conciliando los objetivos comunes y los proyectos personales e individuales.

Palabras clave: relaciones conyugales, matrimonio, técnicas psicoterapéuticas, sociometría


 

 

INTRODUÇÃO

Coutinho e Menandro (2010) abordam as transformações históricas e sociais sofridas na instituição familiar e, concomitantemente a elas, as mudanças dentro do casamento. No modelo tradicional de família e casamento, a mulher ocupava um lugar de passividade, suas funções eram voltadas para o cuidado do lar e dos filhos. Já o homem era o provedor dos sustentos da casa (Bustos, 2003). Em meados do século XIX, a família deixa de ser vista como uma determinação biológica e passa a ser considerada uma instituição histórica e social. A intensificação da pobreza, a entrada da mulher no mercado de trabalho, a instabilidade conjugal e a institucionalização do divórcio são exemplos desencadeados pelo processo de modernização (Coutinho & Menandro, 2010).

A união clássica entre duas pessoas representa apenas uma alternativa em meio a outras possibilidades de vivenciar o casamento e a vida familiar. Dentre as mudanças ocorridas, o termo "casamento" é substituído pela expressão "conjugalidade", deixando de ser um fenômeno puramente econômico, biológico e político. A afetividade e a sexualidade passam a ser critérios para duas pessoas relacionarem-se, abrindo espaço para as expectativas de realização pessoal. A individualidade dos cônjuges pode influenciar na instabilidade do relacionamento, em que as incertezas e as dificuldades se fazem presentes nos projetos conjugais, necessitando a ressignificação deste (Coutinho & Menandro, 2010).

Na obra "Manual para um homem perdido", Dalmiro Bustos (2003) faz contribuições para a compreensão do significado de ser homem, enfatizando as influências históricas, sociais, religiosas e mitológicas. Os ideais, os valores e os modelos relativos às condutas masculinas e femininas, assim como as diferenças da genitalidade, são marcados pela cultura e pela sociedade onde tais sujeitos estão inseridos.

Em decorrência disso, para Bustos (2003), nascer homem significava iniciar a vida com uma vantagem, atribuindo-se uma espécie de superioridade inata, assim como gerar um filho do sexo masculino confirmava a masculinidade e a autoestima do pai procriador. Expressões como vigor, responsabilidade, obrigação, coragem, protetor, trabalho e herói, simbolizam a condição de ser homem. "A capacidade de ser líder, provedor, decidido, ousado, destemido e, fundamentalmente, potente define seu valor como humano". (Bustos, 2003, p. 65). Por esse motivo, desde a infância o homem é condicionado a esconder sua sensibilidade, entendida culturalmente como aspecto afeminado.

Poucos estudos foram feitos para compreender essas determinações culturais, quando comparados aos estudos diante da realidade feminina. Para atender a essas considerações, essa pesquisa investigou as modificações nas redes relacionais do cônjuge masculino após estabelecer um vínculo conjugal, sendo este o objetivo geral do estudo, e a compreensão da satisfação sobre sua vida relacional, o objetivo específico. A problemática deste estudo está pautada nas suposições de Bauman (2004) acerca das relações humanas, caracterizadas como frágeis, individualizadas e líquidas, nas transformações históricas e sociais do casamento (Coutinho & Menandro, 2010) e nos novos paradigmas e nos papéis desempenhados pelo homem e pela mulher (Bustos, 2003).

 

O SER EM RELAÇÃO

A teoria moreniana parte do pressuposto do homem em relação; para sua investigação, o pai do Psicodrama Jacob Levy Moreno criou a Socionomia - estudo das leis que regem o comportamento social e grupal e que está organizada e dividida em três grandes instâncias: a Sociodinâmica, a Sociometria e a Sociatria (Gonçalves, Wolff & Almeida, 1988).

A Sociometria é a ciência das relações interpessoais na qual o homem é compreendido a partir de uma estrutura de vínculo, sendo este a célula mínima para concebê-lo (Bustos, 1990). A partir dela é possível a representação dos vínculos humanos e das principais relações sociais estabelecidas, também conhecidas como átomo social, que se liga a outros átomos de outros sujeitos, construindo redes sociométricas (Aguiar, 1990).

O existir está nas relações, existir é coexistir. Falar de relações é tratar de desempenho de papéis que estão interligados às categorias de vínculos que estabelecemos, sem ignorar a afetividade que é o motor dessa dinâmica. "Nossa personalidade é a resultante dos vínculos que estabelecemos, do conjunto de papéis que exercemos, dos papéis que estão contidos ou reprimidos, da nossa modalidade vincular e das nossas predisposições hereditárias." (Nery, 2014, p. 20).

Os vínculos são unidades de interação e os papéis são os polos individuais da interação. O papel é a primeira unidade ordenadora e estruturante do ser humano, os papéis que a pessoa opera definem seu Eu. "Cada papel é a fusão de elementos individuais e coletivos, e é composto por dois elementos, seus denominadores coletivos e seus diferenciais individuais." (Bustos, 1990, p. 71). Ainda: "O indivíduo se realiza pelo desempenho de papéis na sociedade" (Rubini, 1995, s.p.).

Cada papel existente possui um papel complementar ou um contrapapel caracterizado por dois tipos de vínculos: os simétricos, compostos pela igualdade de responsabilidade e pela interatividade (companheiros, amigos ou irmãos), e os assimétricos, conhecidos como papéis polares: pai-filho, professor-aluno, médico-paciente (Bustos, 1990).

Bustos (1990) afirma que os papéis que uma pessoa desempenha formam agrupamentos ou clusters conforme sua dinâmica. O primeiro papel depende do complementar materno (cluster materno) e das funções de dependência e incorporação. O vínculo estabelecido é assimétrico e passivo. O segundo é regido pelo papel complementar paterno (cluster paterno) e também é composto de uma vinculação assimétrica por natureza; no entanto, a partir dele gerase a matriz de papéis ativos de autonomia. A vinculação simétrica dar-se-á mais tarde pela igualdade, por exemplo, irmãos e amigos (cluster fraterno), que determinarão as futuras relações de paridade.

Aguiar (1990) propõe três categorias de vínculos: os atuais, os residuais e os virtuais. Os vínculos atuais existem nas relações concretas no plano da realidade, perpassam o cumprimento de papéis e as escolhas sociométricas que estabelecemos. Os vínculos residuais são aqueles que no passado foram vínculos atuais e na atualidade encontram-se desativados, permanecem na memória e no campo da fantasia. Os vínculos virtuais estão exclusivamente no âmbito da fantasia, existindo somente na imaginação do sujeito.

Segundo Bustos (1990), no vínculo de casal há três componentes: a sexualidade, o afeto e o projeto comum. Já, para Victor Dias (2000), vínculo conjugal é toda e qualquer relação existente no casamento entre um homem e uma mulher. Qualquer crise pode afetá-lo. O autor avalia a estrutura dos casamentos a partir da somatória de três tipos de vínculos: amoroso, compensatório e de conveniência. Assim, em um casamento, um dos vínculos prevalece como sustentação do relacionamento e os outros dois são elementos auxiliares.

Portanto, nos relacionamentos conjugais, o vínculo estabelecido entre o casal pode ser categorizado como atual, residual ou virtual (Aguiar, 1990), estruturado pela somatória dos vínculos amoroso, compensatório e de conveniência (Dias, 2000) e tendo como componentes, a sexualidade, o afeto e o projeto comum (Bustos, 1990).

 

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos adotados neste estudo foram fundamentados pela pesquisa-ação, metodologia viabilizadora de compreensão das interações entre pesquisador e pesquisado, observando os fenômenos e as ações no campo de investigação (Thiollent, 2007). O método empregado foi o Psicodrama e seus recursos de acesso ao mundo fenomenológico dos sujeitos, por meio da linguagem verbal e da tradução dos sentidos e dos significados expressos em outros modos de comunicar: por meio da ação dramática. Para a obtenção de dados do estudo, foi utilizada a técnica psicodramática Átomo Social para mapear as relações presentes antes e após o estabelecimento do vínculo conjugal. Os participantes da pesquisa foram três homens que estabeleceram vínculo conjugal em algum momento da vida, considerando aqueles cujo estado civil atual é divorciado ou casado uma ou mais vezes.

A técnica Átomo Social propõe explorar o contexto sociométrico do sujeito, conhecer e compreender as pessoas que fazem parte de sua rede de apoio (Cukier, 1992). O desenvolvimento da técnica ocorreu de forma individual com cada participante, com a presença de todas as características das práticas de ação do Psicodrama: os contextos e os instrumentos psicodramáticos: o cenário, o protagonista, o diretor, o ego auxiliar e o público, bem como as etapas:

1) Aquecimento inespecífico e específico. Ocorreu uma preparação destinada à dramatização, de forma verbal e em movimento, com um resgate reflexivo das pessoas mais presentes em sua vida e a construção do átomo social com almofadas representando as figuras de seu mundo interno, localizando-os espacialmente de acordo com a distância afetiva entre si.

2) Dramatização. Momento em que o participante tomou o papel de cada pessoa de seu átomo social, vivenciando o lugar do outro e suas percepções sobre o protagonista. Além da técnica tomada de papel, durante a dramatização outras técnicas psicodramáticas foram utilizadas: Duplo, Espelho e Solilóquio (Cukier, 1992).

3) Compartilhar. Etapa em que os envolvidos fizeram comentários sobre as emoções, as percepções e os sentimentos desencadeados pela dramatização.

A compreensão dos resultados desta pesquisa foi construída por meio das falas e das interações, dos sentimentos, das opiniões e das atitudes vividos pelos participantes no contexto simbólico (Nery & Wechsler, 2010), que foram fundamentais para a configuração dos átomos sociais e o entendimento das redes relacionais antes e depois de estabelecer um vínculo conjugal e que serão apresentados por meio de figuras. Além disso, foi considerada a compreensão da qualidade dos vínculos presentes nas redes sociométricas de cada um.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES1

Barney

Barney tem 36 anos, atualmente é divorciado e vivenciou uma relação conjugal curta que se rompeu há sete anos. O tempo total de relacionamento com Shannon, sua ex-cônjuge, foi de dois anos, e o casamento durou sete meses. Antes de se envolver com Shannon, ele a conhecia e a admirava de vista. Barney afirma ter se encantado pela aparência física e pela beleza da ex-companheira, além de defini-la como cativante na forma de fazer amizade e socializar com as pessoas. Segundo o participante, o relacionamento ocorreu de forma intensa, e avalia como diferencial na relação entre os dois a aceitação de Shannon pela pessoa que ele era na época. Antes do relacionamento, Barney considerava-se uma pessoa pouco sociável e caseira.

O fim do relacionamento ocorreu sete meses após o casal decidir morar juntos em outro país. Conforme o discurso do participante, o motivo da separação deu-se em função do desequilíbrio de papéis exercidos entre ambos, uma vez que experimentavam fases diferentes da vida profissional e pessoal. Após essa vivência conjugal, Barney não se relacionou com outras pessoas, mantendo até os dias atuais apenas relações casuais.

Percebe-se que a configuração da rede relacional representada acima é composta primeiramente de relações de amizade e, na sequência, de relações familiares. As relações de amizade são descritas com atributos de cumplicidade e confiança: "Eu desabafo bastante com o Barney. É um bom ouvinte e é confiável" (Barney no papel de amigo - nº 3).

Para Bustos (1990), os papéis de amigo, amante, irmãos ou companheiros são caracterizados por um vínculo simétrico, pois apresentam igualdade de responsabilidade e interatividade entre os pares. Outros exemplos de vínculos simétricos presentes no átomo social de Barney são suas relações fraternas: "O Barney é o meu irmão mais próximo, converso mais com ele. Temos um entrosamento, uma relação franca" (Barney no papel de irmão - nº 5).

Após iniciar a vida conjugal, a rede relacional de Barney é configurada totalmente diferente da anterior. O participante inclui as relações de amizade do cônjuge feminino em seu átomo social. Nota-se que nenhum integrante da Figura 1 mantém-se na Figura 2. Entende-se que o participante abandona sua rede relacional e passa a vivenciar as relações de Shannon. "Na vinculação simbiótica, aquele que delega passa a ver e a sentir o outro como parte e extensão de sua própria identidade ..." (Dias, 2000, p. 29). Percebe-se que passam a ser vistos como casal, e não mais como duas pessoas diferentes. "Na verdade, eu sou amiga da Shannon, mas como a gente sai juntos, sou amiga dele também" (Barney no papel de amiga do cônjuge feminino - nº 3).

 

 

 

 

No quesito estrutura do casamento, Barney e Shannon são unidos pelo vínculo compensatório, pois apresentam um elo simbiótico e de dependência. "A gente vive grudado. Eu sou uma pessoa bem carente... dependente... faço chantagem para ter atenção" (Barney no papel do cônjuge feminino). "Chega uma hora em que você está vivendo para a pessoa" (Barney sobre o relacionamento com Shannon).

Na vinculação compensatória, espera-se que o parceiro desempenhe funções psicológicas que deveriam ser de responsabilidade de si mesmo. No caso de Barney e Shannon, há a tarefa de cuidado do cônjuge para com a companheira.

Ao delegar para o parceiro a função de cuidar, o indivíduo considera que a responsabilidade de cuidar de seus próprios interesses, tanto afetivos como materiais, passa a ser daquele outro. Desta maneira, passa a esperar, cobrar e até exigir do parceiro atitudes de cuidado, proteção, preocupações etc. que, na verdade, seriam de sua própria responsabilidade e não daquele (Dias, 2000, p. 26).

O casal passa a vivenciar um estado permanente de tensão, seguido de cobranças, acusações, revoltas e desamor em relação ao outro. A crise conjugal instala-se pelo não cumprimento da função delegada por um ou ambos os parceiros. Aquele que delega a função psicológica cria expectativas que o companheiro as cumpra da maneira que idealiza. No entanto, ao longo do tempo, o cônjuge que exerce a função delegada passa a se sentir usado, explorado, cansado e deixa de complementar a responsabilidade que lhe foi imposta. (Dias, 2000). "A minha situação era péssima. Eu não conseguia nem me concentrar no trabalho, pois estava numa pressão desgraçada e ela tinha o tempo inteiro livre." (Barney).

Duas maneiras de lidar com o vínculo compensatório são rompê-lo ou desmontá-lo. Desmontar o vínculo compensatório acontece no momento em que o indivíduo percebe que a responsabilidade pertence a si mesmo, e não ao cônjuge, assumindo a função delegada. Em outras palavras, é deixar de ter a relação de dependência com o parceiro. No caso de Barney e Shannon, ocorreu o rompimento do vínculo com o fim do casamento. "No tocante às pessoas, vemos isto por ocasião das separações, quando não é mais possível delegar determinada função para o parceiro porque este já está totalmente desligado." (Dias, 2000, p. 71). "O andamento da separação, eu acho, que pegou muito esse desequilíbrio de minha vida com a dela. A gente morava junto e eu tinha muita coisa para fazer, muita pressão de sustentar a casa." (Barney).

Ao ser questionado sobre os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher na conjugalidade, Barney afirma: "Eu acho que o relacionamento ideal tem que ter equilíbrio ... não é que cada um tem que fazer a mesma coisa, mas se complementar nas tarefas, dividir o mesmo, compartilhar os objetivos e os sonhos".

Evidencia-se que os papéis desempenhados por Barney, de cônjuge, de provedor do lar e profissional e o vínculo conjugal compensatório tiveram uma intensa influência no rompimento relacional. "A situação matrimonial e seus papéis consequentes provocam novas satisfações ou acarretam novos atritos. Portanto, alguns dos desequilíbrios existiam no estado pré-marital desaparecem e nos desequilíbrios emergem." (Moreno, 1975, p. 402).

Marshal

Marshall é casado há oito anos com Lily, que conheceu em eventos da igreja que frequentavam. Atualmente, o casal mantém o relacionamento a distância em função de um projeto profissional da esposa em outra cidade, condição que faz que o casal se encontre pessoalmente somente nos finais de semana. Embora o casal resida em municípios diferentes temporariamente, Marshall confirma a existência de objetivos e projetos comuns entre os cônjuges. Antes do casamento, o participante relatou ter tido outros relacionamentos, porém todos tiveram um curto tempo de duração.

 

 

Nota-se que o átomo social de Marshall é relativamente pequeno e apresenta relações familiares e relações de amizade. No que tange aos amigos, que foram os primeiros elementos inseridos no átomo social, representam relações de confiança, de abertura e de trocas entre os pares, que se mantêm há anos. Além disso, Marshall relata sentir-se bem e seguro próximo a essas pessoas, pois pode expor seus pensamentos: "Ele é meu melhor amigo desde 1997. Nós estudamos e trabalhamos juntos ... eu confio muito nele" (Marshall no papel do amigo - nº 1).

Referente à qualidade da relação com os pais, percebe-se que esta é avaliada como boa, além de Marshall ser um filho admirado pelos genitores: "Ele é um menino dedicado, esforçado, está terminando a faculdade, logo faz 30 anos e vai dar jeito na vida" (Marshall no papel de mãe - nº 3)."O Marshall é muito esforçado, estudioso, trabalha bastante. É um rapaz bom." (Marshall no papel de pai - nº 4).

Nas relações fraternas, percebe-se a presença dos três componentes do cluster fraterno, no qual se desenvolvem a maioria dos papéis da vida adulta. No cluster fraterno, aprende-se a compartilhar, rivalizar e competir (Bustos, 1990): "É uma relação divertida! Ele é legal, mais velho, mais responsável. É o certinho da família. Somos diferentes, eu apronto mais." (Marshall no papel de irmão - nº 7).

 

 

Depois de estabelecer o vínculo conjugal, Marshall mantém todas as pessoas presentes da configuração anterior. A modificação da rede relacional foi a abertura para a entrada de sua companheira Lily. Embora não esteja presente no átomo social acima, o participante relata que, após o casamento, o casal passou a se relacionar com as esposas dos amigos.

A estrutura do casamento de Marshall e Lily é assegurada pelo vínculo amoroso. Esse modelo de vínculo se instala a partir de um foco de atração espontâneo, mútuo e sintônico entre um homem e uma mulher, caracterizado por uma intensa cumplicidade entre o casal (Dias, 2000). Existem três tipos de foco de atenção dentro do vínculo amoroso: a atração sexual, que está localizada no corpo do parceiro; a atração afetiva, que diz respeito ao modo de ser do cônjuge, e a atração intelectual, que é a atração pelo mesmo jeito de pensar e ver a vida.

No relacionamento de Marshall e Lily, prevalece o foco de atração afetiva, conforme a descrição de Victor Dias (2000, p. 18): "Os gestos, as atitudes, a forma de se expressar, de se comunicar, de fazer as coisas, de se posicionar nas situações, de se vestir ...". "Sempre a achei muito comunicativa, por ser envolvida no retiro da igreja, geralmente era uma figura de liderança, que faz palestra ... e porque ela canta bem." (Marshall). "Eu sou muito apaixonada por ele, ele é o homem da minha vida. Admiro muito ele, é uma pessoa esforçada. Me sinto segura com ele, é minha fortaleza." (Marshall no papel de Lily).

Com a convivência, esse estado de encantamento e paixão se transforma em decepção e desencantamento e pode evoluir para três formas possíveis: amor, ódio e indiferença. A evolução de Lily e Marshall transformou-se na relação de amor, permeado por um diálogo franco e sincero sobre as insatisfações que surgiram no período de desencantamento. "Esse tipo de convivência estimula o bem-querer e o companheirismo, e é a plataforma sustentadora da relação de amor." (Dias, 2000, p. 16).

Percebe-se que, atualmente, o casal preserva os objetivos comuns, vivencia uma troca de afetividade e sexualidade mútua. "Eu te amo, amo nossa família: eu, você e o nosso cachorro. Espero que você continue sendo esforçado, só precisa ter mais paciência para me ouvir. Quero que nosso casamento seja abençoado. Quero ter um ou dois filhos com você!" (Marshall no papel de Lily). "São mais de quatro anos de casamento e nossos planos continuam os mesmos." (Marshall).

Conclui-se que após a vida conjugal, Marshall manteve sua rede sociométrica com qualidade e preservação de seus vínculos familiares e de amizade. O casamento entre Marshall e Lily estruturou-se pelo vínculo amoroso e pela relação de amor entre o par, caracterizando uma união saudável.

Ted

Ted é casado com Robin há quase dois anos. O casal decidiu estabelecer um vínculo conjugal com três meses de namoro, período em que Ted esperava o nascimento de um(a) filho(a), fruto de um relacionamento casual. O vínculo entre os dois foi se constituindo de forma rápida e contínua. Segundo ele, o diálogo gradual e a abertura para falar de sua história e dos problemas entre o casal fez que ele desenvolvesse afetividade e admiração pela capacidade de Robin suportar algumas dores da vida.

 

 

A configuração sociométrica de Ted é bastante diversa e relativamente ampla, contemplando relações familiares, casuais, de trabalho e de amizade. Ted encontra-se no centro dessa aglomeração de pessoas próximas. Em um primeiro momento, relata sentir-se confortável no meio dessas relações, noutro, quando percebe a aproximação exagerada dos genitores (elementos nº 10 e 11), afirma ter a sensação de sobrecarga.

No que tange as relações de amizade e profissionais, percebe-se que essas conexões são permeadas por objetivos comuns, afinidades e trocas. Nota-se que algumas pessoas exercem um papel de dar conselhos e orientações a Ted: "Costumo conversar muito sobre ele, dar lição e tudo mais." (Ted no papel de amigo - nº 4).

O modelo de vínculo virtual (Aguiar, 1990) é assegurado nas relações casuais vivenciadas por Ted, pois há papéis complementares imaginários e idealizados no campo da fantasia sobre o outro. Em uma dessas relações há um estado de tensão, pois o par espera o nascimento de um filho e não intenciona um relacionamento conjugal e/ou familiar. Além disso, o surgimento de um novo papel, o de ser pai, causa apreensão em Ted. "Tivemos uma relação romântica, mas foi numa fase turbulenta ... a gente idealizava muita coisa, mas percebemos que não tinha nada a ver." (Ted no papel complementar casual - nº 2). "Somos amigos! O Ted estava se envolvendo com várias pessoas e eu sentia que tinha que ficar com ele. Agora vamos ter um filho e não sabemos como é. Estamos tentando entender... ninguém esperava." (Ted no papel complementar casual - nº 9).

 

 

As mudanças sofridas na rede relacional de Ted são: a ampliação da vida profissional e a redistribuição das relações de trabalho. Abre espaço para a entrada do cônjuge feminino e do(a) filho(a), afastando os genitores (elementos nº 3 e 4), e realoca a proximidade de algumas relações de amizade.

Ted relata que, quando conheceu Robin, sua relação com a mãe de seu(sua) filho(a) estava dificultosa, pois ela necessitava de acolhimento e das pessoas ao redor dela durante a gestação. Ted afirma que nesse período desejava isolamento por causa da pressão e a cobrança dos outros sobre ter um filho com Tracy sem estabelecer um relacionamento conjugal e familiar. Esse parâmetro deve ser levado em consideração, pois a partir dele as relações de amizade de Ted se reconfiguraram. "Como as pessoas estavam com essa simpatia com a Tracy e esse desafeto comigo, isso recaiu sobre a Robin também, mesmo vendo quão bem a Robin estava fazendo para essa relação, principalmente com a Tracy." (Ted).

Além disso, a paternidade trouxe a intensificação dos projetos profissionais, o que se observa no átomo social. O participante relata que, se não tivesse seu(sua) filho(a), não apressaria a qualificação de sua carreira. A relação conjugal é recente e apresenta um estado de tensão entre o casal em recontratar o casamento para adaptá-lo aos projetos profissionais de Ted. Além disso, o vínculo estabelecido é o compensatório, fazendo que haja uma troca de funções psicológicas delegadas aos parceiros. Quando as delegações não são cumpridas pelos parceiros, há um estado de tensão, frustração e hostilidade entre o casal. No caso de Robin, a responsabilidade está fixada no cuidar, destinado também à filha do Ted: "Eu me sinto mãe sem querer ser ... eu tenho feito tudo sozinha... sinto falta do Ted que eu conheci ... hoje ele não cuida da casa, não me olha mais, embora tenha se tornado um ótimo pai." (Ted no papel de Robin).

Por outro lado, Ted exerce a função de orientação em decidir as atitudes e as tomadas de decisões da vida do outro, como encorajar a parceira em alcançar seus desejos pessoais e profissionais: "Ela desenvolveu uma coragem para ir atrás das coisas que ela quer, tipo comprar a moto, fazer o curso de tatuagem, comprar as máquinas ... nosso relacionamento a ajudou encarar os desejos".

Conclui-se que há uma dificuldade em assumir os novos papéis que exigem a responsabilidade de Ted, nos âmbitos paternal e profissional, fato que tem desestabilizado a vida conjugal, originando uma crise entre o par. Para superá-la, é necessária a recontratação do casamento, etapa que o casal pode iniciar a tecer um projeto comum e um acordo básico entre as partes para a ressignificação da relação (Bustos, 1990).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nesta pesquisa, evidenciou-se que a rede relacional do cônjuge masculino sofre modificações após o estabelecimento do vínculo conjugal, atendendo o objetivo geral do estudo. Percebe-se que a reconfiguração sociométrica está diretamente ligada aos demais papéis desempenhados pelo cônjuge masculino e ao modelo de vínculo constituído pelo casal. A compreensão da rede relacional antes e após a vida conjugal, objetivo específico do estudo, apontou variáveis sociométricas específicas de cada participante: o abandono da vida relacional anterior ao casamento e a perda da individualidade; a preservação saudável da rede relacional e da qualidade dos vínculos; e, por fim, a ampliação e a redistribuição das relações profissionais em detrimento à dificuldade de assumir novos papéis.

O modelo de vínculo conjugal predominante neste estudo foi o compensatório, no qual há uma relação de dependência entre os parceiros pelo desempenho de funções psicológicas de cuidado, julgamento ou orientação que são delegadas ao cônjuge, que na realidade são de responsabilidade de si mesmo. Ao longo do tempo esse tipo de relação origina uma crise no casamento. Na hipótese de o casal não desmontar o vínculo compensatório, esse modo de união tende a se romper, ou seja, ocorre a separação.

Outro objetivo da pesquisa consistiu em compreender a satisfação do cônjuge masculino sobre sua vida relacional e percebeu-se que esta depende da estabilidade dos papéis desempenhados em consonância com os acordos conjugais, ou seja, a conciliação dos objetivos comuns do casal com os projetos pessoais e individuais.

Um aspecto relevante que necessita ser destacado é o fato de os participantes não incluírem a rede familiar da esposa em seu átomo social. Desse modo, recomenda-se a continuação desta pesquisa com o objetivo de investigar a existência de inclusão das relações do cônjuge feminino na rede relacional do parceiro.

A rede relacional do cônjuge masculino ao estabelecer um vínculo conjugal modifica-e, e o estudo dos átomos sociais anterior e posterior a esse estabelecimento mostrou que tal mudança depende do grau de manutenção da individualidade do parceiro do vínculo. Segundo Perazzo (1995), a rede amplia-se ou transmuta-se causando uma transformação sociométrica, mas percebe-se que o nível de saúde relacional está diretamente relacionado à capacidade de somar relações sem abandonar vínculos do passado que foram estruturantes do EU, visto que, para Moreno (1975), o EU emerge dos papéis.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 16/10/2018
Aceito: 16/11/2018

 

 

1 Para proteger a identidade dos sujeitos da pesquisa, foram criados nomes fictícios.

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